Bem impenhorável

Ministro do STF barra penhora para pagamento de fiança

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26 de abril de 2005, 19h02

O imóvel residencial é bem de família impenhorável mesmo que seja para o pagamento de uma dívida contraída por fiança. A decisão é do ministro Carlos Velloso, que julgou Recurso Extraordinário de um casal de São Paulo. O casal recorreu ao Supremo Tribunal Federal para não ter a casa da família penhorada para pagamento de dívida. O casal era fiador em contrato de locação de imóvel.

Carlos Velloso observou que, embora a Lei 8.245/91 permita a penhora de imóvel de família por “obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”, o artigo 6º da Constituição impede a penhora. Segundo o ministro, esse impedimento ocorreu a partir da Emenda Constitucional nº 26, promulgada em 14 de fevereiro de 2000, que incluiu a moradia entre os direitos sociais garantidos pela Constituição. As informações são do site do STF.

Leia a íntegra da decisão do ministro Carlos Velloso:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 352.940-4 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO

RECORRENTES: ERNESTO GRADELLA NETO E OUTRA

ADVOGADOS: ARISTEU CÉSAR PINTO NETO E OUTRO

RECORRIDA: TERESA CANDIDA DOS SANTOS SILVA

ADVOGADOS: BENEDITO RODRIGUES DE SOUZA E OUTRAS

EMENTA: CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei nº 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”: sua não- recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Recurso extraordinário conhecido e provido.

DECISÃO: – Vistos. O acórdão recorrido, em embargos à execução, proferido pela Quarta Câmara do Eg. Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, está assim ementado:

“A norma constitucional que inclui o direito à moradia entre os sociais (artigo 6º do Estatuto Político da República, texto conforme a Emenda 26, de 14 de fevereiro de 2000) não é imediatamente aplicável, persistindo, portanto, a penhorabilidade do bem de família de fiador de contrato de locação imobiliária urbana.

A imposição constitucional, sem distinção ou condicionamento, de obediência ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada é inarredável, ainda que se cuide, a regra eventualmente transgressora, de norma de alcance social e de ordem pública.” (Fl. 81)

Daí o RE, interposto por ERNESTO GRADELLA NETO e GISELDA DE FÁTIMA GALVES GRADELLA, fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, sustentando, em síntese, o seguinte:

a) impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação, dado que o art. 6º da Constituição Federal, que se configura como auto-aplicável, assegura o direito à moradia, o que elidiria a aplicação do disposto no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, redação da Lei 8.245/91;

b) inexistência de direito adquirido contra a ordem pública, porquanto “(…) a norma constitucional apanha situações existentes sob sua égide, ainda que iniciadas no regime antecedente” (fl. 88).

Admitido o recurso, subiram os autos.

A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pela ilustre Subprocuradora-Geral da República, Drª. Maria Caetana Cintra Santos, opinou pelo não-conhecimento do recurso.

Autos conclusos em 15.10.2004.

Decido.

A Lei 8.009, de 1990, art. 1º, estabelece a impenhorabilidade do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar e determina que não responde o referido imóvel por qualquer tipo de dívida, salvo nas hipóteses previstas na mesma lei, art. 3º, inciso I a VI.

Acontece que a Lei 8.245, de 18.10.91, acrescentou o inciso VII, a ressalvar a penhora “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”

É dizer, o bem de família de um fiador em contrato de locação teria sido excluído da impenhorabilidade.

Acontece que o art. 6º da C.F., com a redação da EC nº 26, de 2000, ficou assim redigido:

“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, a segurança a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Em trabalho doutrinário que escrevi — “Dos Direitos Sociais na Constituição do Brasil”, texto básico de palestra que proferi na Universidade de Carlos III, em Madri, Espanha, no Congresso Internacional de Direito do Trabalho, sob o patrocínio da Universidade Carlos III e da ANAMATRA, em 10.3.2003 — registrei que o direito à moradia, estabelecido no art. 6º, C.F., é um direito fundamental de 2ª geração — direito social — que veio a ser reconhecido pela EC 26, de 2000.

O bem de família — a moradia do homem e sua família — justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1º. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental.

Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, ¾ inciso VII do art. 3º ¾ feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito.

Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo ¾ inciso VII do art. 3º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000.

Essa não recepção mais se acentua diante do fato de a EC 26, de 2000, ter estampado, expressamente, no art. 6º, C.F., o direito à moradia como direito fundamental de 2ª geração, direito social. Ora, o bem de família — Lei 8.009/90, art. 1º — encontra justificativa, foi dito linha atrás, no constituir o direito à moradia um direito fundamental que deve ser protegido e por isso mesmo encontra garantia na Constituição.

Em síntese, o inciso VII do art. 3º da Lei 8.009, de 1990, introduzido pela Lei 8.245, de 1991, não foi recebido pela CF, art. 6º, redação da EC 26/2000.

Do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, invertidos os ônus da sucumbência.

Publique-se.

Brasília, 25 de abril de 2005.

Ministro CARLOS VELLOSO

– Relator –

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