Os dois Supremos

STF oscila entre segurança e criatividade, diz juiz

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25 de abril de 2005, 18h15

O Supremo Tribunal Federal está dividido entre manter a estabilidade e a segurança e buscar a criatividade e a imaginação. Esta foi a conclusão a que chegou o coordenador do Gabinete Extraordinário para Assuntos Institucionais do STF, juiz federal Flavio Dino Castro e Costa, sobre a atuação da Corte através da história.

Flávio Dino participa do 2º Seminário “O Supremo Tribunal Federal na História Republicana”. Em sua palestra, Dino fez um paralelo entre o papel do STF e o romance Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Jorge Amado. “Esta, como a personagem central do romance, dividida entre Teodoro, que representa a estabilidade, a segurança e a certeza, e Vadinho, que é a criatividade, a imaginação e a carnavalização”.

Segundo Dino, “essa batalha é saudável e deve ser assumida. Foi ousando, como no caso da limitação do número de vereadores, que o STF priorizou os interesses da Nação sobre os dos políticos”.

Flávio Dino dissertou sobre três momentos históricos da política do país em que o Supremo Tribunal Federal foi chamado a intervir e deixou essa marca de ambigüidade.

O primeiro momento ocorreu no início do século, por volta de 1914, quando o STF abriu caminho para que o Habeas Corpus fosse usado como instrumento de garantia do exercício da função pública e assegurou a posse de Nilo Peçanha no governo do Rio de Janeiro.

O segundo momento, nos anos 40, quando o Tribunal abriu mão dessa ferramenta e deportou a judia Olga Benário, grávida de Júlio Prestes, para a Alemanha nazista. “O STF tinha como impedir isso mas não o fez”, afirmou. Outro momento se dá quando, durante a ditadura militar, em 1964 e anos posteriores, o STF, também por Habeas Corpus, protegeu a liberdade de pensamento e de mandatos de governadores.

“A conclusão a que chegamos é que a Suprema Corte brasileira vem se alternando entre essas duas posturas ao longo de sua história republicana, sem ter assumido ainda um papel mais ativo na questão da distribuição da riqueza produzida no país”, avalia o juiz federal.

“Creio que um conflito envolvendo a destinação desses recursos — se para o pagamento dos altos juros das dívidas externa e pública ou para programas sociais que beneficiem a população, é o mais adequado para produzir resultados nessa linha no STF”, afirma.

Para Dino, estes contrastes não chegam a ser um problema: “Ao contrário, é natural e, por si só, demonstra que há insistência do Judiciário brasileiro em buscar o melhor caminho para garantir a democracia em nosso país”.

Caso Equador

Para o presidente da Ajufe — Associação dos Juízes Federais do Brasil, o que vem acontecendo no Equador comprova que “sem uma Suprema Corte respeitada, independente e zelosa da Constituição não há República”.

“Nesse país vizinho, o presidente da república ousou destituir toda a Corte Suprema, substituindo seus membros por pessoas mais afeitas aos planos que traçara. O resultado foi a revolta da população em defesa do Estado Democrático de Direito, com a queda do Presidente e seu exílio. A população afirmou, assim, que sem o pleno respeito da ordem constitucional – que significa o respeito à Corte Suprema – não há democracia”, considera.

Maurique também participa do seminário junto com outros 200 juízes federais, desembargadores, advogados, e estudantes. Eles vão debater o papel do STF na efetividade dos princípios constitucionais e a interpretação do Direito Tributário pela Suprema Corte.

Leia a íntegra do discurso de Jorge Maurique

Exmo. Sr. Desembargador Federal Frederico Gueiros, M. D. Presidente do TRF da 2ª. Região;

Exmo. Sr. Dês. Sérgio Cavalieri Filho, M. D. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro;

Exmo. Sr. Dês. Federal Paulo Freitas Barata – coordenador do Centro Cultural da Justiça Federal;

Exmo. Sr. Dês. Federal Benedito Gonçalves – M. D. Diretor da Escola da Magistratura Federal do TRF da 2ª. Região;

Ilustres autoridades aqui presentes, aos quais saúdo na pessoa do Dr. José Antonio Dias Toffoli, Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República;

Meus caros colegas e amigos desembargadores, juízas e juízes federais de todos os estados que aqui se encontram, bem como meus caros colegas da Justiça Estadual aqui presentes;

Meus caros colegas da diretoria da AJUFE que aqui se encontram;

Srs. advogados que militam na advocacia pública ou privada que acorrem a esse evento;

Dignos membros do Ministério Público federal e estadual;

Funcionários da Justiça Federal e da AJUFE, estudantes de Direito, minhas senhoras e senhores:

Em primeiro, registramos a impossibilidade de comparecimento a este evento do Ministro Sepúlveda Pertence, um verdadeiro bastião do Estado Democrático de Direito e que, por méritos, ocupou os mais altos cargos na magistratura brasileira, a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral e também do Supremo Tribunal Federal, cargos que desempenhou com amor à república e ao povo brasileiro, onde demonstrou invulgar competência e que soube sempre preservar a dignidade do cargo e a independência do Poder Judiciário.


Em novembro de 2001, durante a Presidência de Flávio Dino de Castro e Costa, a AJUFE realizou aqui, neste belo local, o Seminário o Supremo Tribunal Federal na História Republicana. Estamos dando início a continuação desse evento, agora no que resolvemos chamar o II Seminário O Supremo Tribunal Federal na História Republicana.

Esse evento se realiza logo após a conclusão da Reforma do Judiciário, emenda constitucional que pretende, entre vários altos propósitos, superar o que temos hoje em termos de Poder Judiciário. Hoje o Poder Judiciário funciona como ilhas de prestação de jurisdição, sem que tenhamos uma efetiva coordenação, quadro esse que permite e amplifica a crítica de ineficiência do Poder Judiciário, não obstante a enorme produtividade dos juízes em todos os graus de jurisdição e em todos os ramos da Justiça.

Esperamos que esse quadro seja superado, assim como devemos trabalhar para que os poderes políticos dêem ao Judiciário os instrumentos legislativos e materiais necessários para uma melhor jurisdição.

Por ocasião do anterior evento, a AJUFE apontava que não se tratava de um evento meramente com a finalidade de fazer uma retrospectiva da história, mas sim apontar uma dimensão prospectiva.

É nesse sentido, dentro de uma visão prospectiva, que a AJUFE tem atuado no debate político sobre o arcabouço jurídico-institucional brasileiro, tentando qualificar-se e qualificar essa discussão, pois acreditamos que toda questão que envolva o Poder Judiciário há de ser vista com os olhos daqueles que dele precisam, que é a nossa população.

E é exatamente pensando em nossa população que não podemos deixar de afirmar que o Judiciário, bem assim como toda nação brasileira encontra-se num momento de grave discussão dos nossos marcos institucionais. Falo aqui das Medidas Provisórias, que há mais de mês trancam a pauta do Congresso Nacional e que nos levam a indagar se devemos ter um marco institucional legislativo com a marca de provisório e se é necessário que para o bom funcionamento dos negócios da república sejam necessárias tantas Medidas Provisórias regulando as mais variadas matérias, as quais, objetivamente, acabam por atrasar e por vezes inviabilizar o funcionamento do Congresso Nacional.

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado pouco tempo após a entrada em vigor da atual Carta Magna afirmou que o juízo de relevância e urgência das MP´s cabe exclusivamente aos poderes Executivo e Legislativo. No entanto, a AJUFE, preocupada com o excessivo número de MP´s que existiam em tramitação, lançou, no ano de 2001, uma campanha para que tivesse fim a possibilidade de edição de MP´s. Seguiu-se nova emenda constitucional tentando colocar freios na possibilidade de tramitação ad infinitum das MPs. No entanto, somos obrigados a afirmar que os altos propósitos do constituinte derivado na limitação das MP´s resultaram em frustração, pois o problema da hiper legisleferação do Executivo através das edições e reedições de MP´s transmudou-se para uma quase paralisia da atividade legislativa. Com efeito, hoje o Congresso Nacional encontra-se impossibilitado muitas vezes de cumprir sua tarefa precípua, que é legislar, pois as pautas das casas legislativas encontram-se com suas pautas obstruídas na maior parte de seu tempo, já que por estarem os prazos de deliberação a respeito das medidas provisórias vencidos, objetivamente há um impedimento de ordem constitucional para o exame de outros temas e matérias. Essa é uma discussão que nós, juízes, temos feito internamente e que a sociedade deve refletir se é esse o marco institucional que a sociedade brasileira deseja e quer.

Por outro lado, temos hoje um novo sistema constitucional a regular o Poder Judiciário, a partir da EC 45. O Congresso Nacional, após 14 anos de discussão, concluiu a primeira parte da Reforma do Poder Judiciário. A partir dela, estamos diante de um novo marco institucional, com o STF tendo sido depurado de algumas competências, com a possibilidade, ainda, de edição de súmulas com caráter vinculante. Criou-se um órgão de controle administrativo e orçamentário do Poder Judiciário, que acredito que nos propiciará um melhor planejamento, para que possamos superar a situação de ilhas, como antes referi, passando a ser o Poder Judiciário um corpo orgânico e com vasos comunicantes, Além disso, estamos diante da possibilidade da federalização de demandas que afetem os direitos humanos, uma antiga aspiração de praticamente todos os setores e militantes dos direitos humanos, Também avançamos em direção da conclusão da segunda parte da Reforma Constitucional do Poder Judiciário, que entre outras medidas relevantes, deverá banir o nepotismo do Poder Judiciário, e que esperamos sirva de exemplo aos demais poderes da república.

Estamos em plena discussão de uma ampla reforma da legislação processual, para que possamos por fim aos recursos protelatórios, bem como responsabilizar, na forma da lei, aos atores que utilizam o Poder Judiciário como instrumento de suas dívidas.


Se esse é o quadro, podemos dizer, com certeza, que o Judiciário de hoje é melhor do que o de ontem e que o de amanhã será ainda melhor.

No entanto, devemos lembrar sempre a atuação do Supremo Tribunal Federal ao longo de nossa história, páginas gloriosas como quando da discussão a respeito da doutrina do “hábeas corpus”, o impeachment de um presidente da República e outras páginas não tão gloriosas, como a refletir alguns nebulosos períodos de nossa história. Essa reflexão que servirá não para que tentemos acertar contas com o passado, mas para uma madura reflexão para o nosso futuro.

Nos, juízes federais acreditamos que sem uma Suprema Corte respeitada, independente e zelosa da constituição, não há república, não há estado democrático de direito. Essa afirmação é reforçada pelos recentes episódios em um vizinho país da América Latina, onde o Presidente da República ousou destituir toda a Corte Suprema, substituindo seus membros por pessoas mais afeitas aos planos que traçara. O resultado foi a revolta da população em defesa do estado democrático de direito, com a queda do Presidente e seu exílio.

A população daquele vizinho país afirmou que sem o pleno respeito da ordem constitucional, o que significa o respeito à Corte Suprema, não há democracia.

Ouso afirmar que sem um Poder Judiciário independente e forte não há democracia e, para nós, brasileiros, não há república.

Essa independência do Poder Judiciário, que significa a firmeza da defesa da constituição e das leis da república foi para nós, da AJUFE, bem personificada pelo saudoso Ministro Evandro Lins e Silva, e que por isso no evento de 2001 foi justamente homenageado como sócio honorário número 01 de nossa associação. Essa firmeza e coerência que sempre louvamos em Evandro Lins e Silva também encontraremos aqui entre os palestrantes, a começar pelo Ministro Sepúlveda Pertence.

Que os propósitos que nos levarem a homenagem prestada em 2001 nos inspirem durante essa jornada e que ao final de nossos trabalhos possamos afirmar que o Brasil se orgulha do nosso Supremo Tribunal Federal e dos homens e mulheres que hoje o compõem e que o comporão no futuro.

Finalizo essa introdução com um muito obrigado a todos por terem vindo. Nós, da AJUFE, estamos orgulhosos por contar com a presença de todos e temos certeza do sucesso desse evento. Quero agradecer também aos funcionários da AJUFE e da Justiça Federal, que não mediram esforços para a realização desse conclave, bem como aos diretores da AJUFE que tanto contribuíram para que tudo saísse da melhor forma possível, o que faço nas pessoas dos diretores da AJUFE no Rio de Janeiro, José Carlos Garcia, Guilherme Calmon e Rogério Tobias, em especial aos colegas Liliane Roriz e Fernando Mattos, que assumiram de fato o papel de coordenadores do evento. Agradeço também ao Dr. Luciano Godoy e Paulo Sérgio Domingues, que foram incessantes na busca dos necessários patrocínios para que pudéssemos passar da intenção da realização para a concretização do projeto. Por fim, quero saudar e agradecer aos patrocinadores, que são as empresas Caixa Econômica Federal, Br Petrobrás Distribuidora, Companhia Vale do Rio Doce e Telemar, além do apoio recebido do TRF da 2ª. Região, Centro Cultural da Justiça Federal e Universidade-Instituto de Pesquisas e Estudos Jurídicos.

Certa ocasião um amigo me disse que se tivermos, com nossa atuação associativa, contribuído um pouquinho para a melhoria do Judiciário, muito teremos feito pela república, pois essa melhoria virá em benefício de nossa população.

Tenho certeza que ao final desse evento sairemos com a certeza que, assim como o STF muito contribuiu para a cidadania, nós, que trabalhemos no Poder Judiciário e que temos dado nossa parcela de contribuição, sairemos com a convicção que muitos desafios teremos pela frente, e que haveremos de vencê-los, pois a nossa luta é pela liberdade e pela realização plena da cidadania.

Muito obrigado a todos.

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