Cadeiras demais

MP quer cassar prefeito que criou 87 cargos sem concurso

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23 de abril de 2005, 12h06

O Ministério Público de São Paulo entrou com ação civil pública pedindo o imediato afastamento do prefeito de Campos do Jordão, João Paulo Ismael (PMDB), a quem acusa de patrocinar um “trem da alegria” na administração da cidade do interior paulista. Na ação, protocolada no fórum local, o promotor de Justiça Sebastião José Pena Filho relata a contratação de 87 funcionários sem concurso público. A decisão será tomada pelo juiz José Cláudio Abrahão Rosa, da 2ª Vara da cidade.

O promotor acusa o prefeito e mais nove vereadores de improbidade administrativa por causa da criação de 55 cargos de provimento em comissão (Lei Municipal 2.850/05) e outros 32 (Lei Municipal 2.857/05). Esses cargos são de livre nomeação e exoneração do chefe do Executivo municipal, sem necessidade de concurso público.

O Ministério Público justificou o pedido de afastamento do prefeito alegando que sua petição objetiva o resguardo do erário público, pois, segundo a ação, o chefe do Executivo municipal demonstra pouco ou nenhum interesse em preservá-lo.

“Visa, também, o imediato restabelecimento do senso de moralidade no município, que, pouco a pouco, se esvai e se esgota. O requerido, reiteradamente, solapa o que de mais esperançoso há na pobre sociedade brasileira: sua crença no Estado e na Justiça”, justifica o promotor.

O Ministério Público entendeu que o aumento de despesa com pessoal é inconstitucional e ilegal e traduz duas ordens de improbidade administrativa: é uma lesão ao erário público e um atentado contra os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência na administração pública.

Os novos cargos têm salários que variam de R$ 400 a R$ 1.600 e vão custar ao município quase R$ 500 mil anuais. O Ministério Público requereu, liminarmente, além do afastamento do prefeito, a suspensão imediata das contratações realizadas e a proibição de novas, sob pena de multa diária, correspondente ao salário de cada cargo.

Tramitação relâmpago

Segundo o MP, tudo foi feito a toque de caixa. Quatorze dias depois de assumir o cargo, o prefeito enviou à Câmara de Vereadores um projeto de lei criando 55 novos cargos em comissão. Em três dias a Comissão de Justiça e a de Finanças deram pareceres favoráveis ao projeto. Dois dias depois, o presidente da Casa, Floriano Camargo Arruda Brasil Júnior, convocou sessão extraordinária para o dia seguinte, quando o projeto foi aprovado por unanimidade. No dia 1º de fevereiro o prefeito sancionou a nova lei.

Ato contínuo, no dia seguinte, o prefeito, por meio de decretos, tratou de nomear os assessores. A Lei 2.850 criou 13 cargos de assessor de gabinete (com salários de R$ 1.100), 26 cargos de assessor adjunto (salários de R$ 700), 13 cargos de assessor especial (salários de R$ 400) e três cargos de assessor jurídico (salários de R$ 1.100). As despesas mensais dos cofres públicos foram aumentadas em R$ 41 mil.

No dia 3 de março deste ano, o prefeito sancionou nova lei municipal (2.857) — com o aval da Câmara — criando outros 32 cargos em comissão. Mas essa lei não é objeto da ação civil pública. Pela nova lei, foram criados mais 13 cargos de assessor adjunto, outros 13 de assessor especial e mais seis vagas comissionadas com salários entre R$ 1.100 e R$ 1.600.

Mérito

No mérito, a ação pede a condenação do município a não realizar novas contratações com base na Lei 2.850. Pede ainda que o prefeito, João Paulo Ismael, e os nove vereadores (Floriano Camargo Arruda Brasil Júnior, Paulo Sérgio Pereira Assaf, Ivo Strass, Ricardo Malaquias Pereira, Alfredo Cottini Filho, Pedro Carlos Rodrigues, Celso da Silva, Roberto Hiroshi Abe e Sebastião Antonio Bonifácio) sejam condenados, solidariamente, a ressarcir o dano ao erário e à perda das funções públicas.

O MP pede também à suspensão dos direitos políticos de todos os acusados pelo prazo de 3 a 5 anos, ao pagamento de multa de até 100 vezes o valor de seus salários e a proibição de contratarem com o poder público e de receberem benéficos fiscais e de créditos pelo prazo de 3 a 5 anos.

Os acusados afirmam que ainda não foram notificados da ação civil pública. Mas se defendem com o argumento de que a criação dos novos cargos de confiança possui “respaldo legal”. Atualmente, Campos do Jordão gasta R$ 24 milhões com a folha de pagamentos do funcionalismo público, o que equivale a 43% de seu Orçamento (de cerca de 55,8 milhões).

Leia os principais trechos da ação

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(ÍZA) DE DIREITO DA __ª VARA DA COMARCA DE CAMPOS DO JORDÃO

Ementa: Ação civil pública. Petição inicial. Aumento irregular de despesa com pessoal no Poder Executivo com a criação de cargos de assessores, de provimento em comissão, por meio da Lei Municipal n.º 2.850/05. Inconstitucionalidade e ilegalidade, formal e material, da Lei e improbidade administrativa. Nulidade dos atos jurídicos e responsabilização dos agentes por atos de improbidade administrativa que causam dano ao erário e que atentam contra os princípios da administração pública (arts. 10, caput e IX, e 11, caput e I, da Lei n.º 8.429/92).


Pedido liminar. Suspensão das contratações existentes e proibição de novas contratações. Multa diária. Afastamento acautelatório do Prefeito Municipal.

1. O Ministério Público do Estado de São Paulo, por seu representante que esta subscreve, na defesa dos interesses afetos à cidadania, com fulcro no art. 129, II e III, da Constituição da República, no art. 17 da Lei n.º 8.429/92, e nos termos do art. 5º da Lei n.º 7.347/85, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência propor a presente ação civil pública declaratória de nulidade de atos jurídicos cumulada com ação civil pública de responsabilização por ato de improbidade administrativa, sob o rito comum ordinário, com pedidos liminares, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos e em face de:

1.1. MUNICÍPIO DE CAMPOS DO JORDÃO, pessoa jurídica de direito público interno, sediada na Prefeitura Municipal e representada por seu Prefeito;

1.2. JOÃO PAULO ISMAEL, Prefeito Municipal, qualificado a fls. 159 dos autos inclusos do Inquérito Civil n.º 07/05, com domicílio necessário, nos termos do art. 76 do Código Civil, na Prefeitura Municipal de Campos do Jordão;

1.3. FLORIANO CAMARGO ARRUDA BRASIL JÚNIOR, Vereador e Presente da Câmara Municipal, qualificado a fls. 166, com domicílio necessário na Câmara Municipal de Campos do Jordão;

1.4. PAULO SÉRGIO PEREIRA ASSAF, Vereador, qualificado a fls. 163, com domicílio necessário na Câmara Municipal;

1.5. IVO STRASS, Vereador, qualificado a fls. 164, com domicílio necessário na Câmara Municipal;

1.6. RICARDO MALAQUIAS PEREIRA, Vereador, qualificado a fls. 162, com domicílio necessário na Câmara Municipal;

1.7. ALFREDO COTTINI FILHO, Vereador, qualificado a fls. 165, com domicílio necessário na Câmara Municipal;

1.8. PEDRO CARLOS RODRIGUES, Vereador, qualificado a fls. 160, com domicílio necessário na Câmara Municipal;

1.9. CELSO DA SILVA, Vereador, qualificado a fls. 161, com domicílio necessário na Câmara Municipal;

1.10. ROBERTO HIROSHI ABE, Vereador, qualificado a fls. 168, com domicílio necessário na Câmara Municipal; e

1.11. SEBASTIÃO ANTONIO BONIFÁCIO, Vereador, qualificado a fls. 167, com domicílio necessário na Câmara Municipal.

2. Dos fatos:

Em 15/03/2005, este Promotor de Justiça instaurou, de ofício, o incluso Inquérito Civil n.º 07/05, que objetivou “apurar eventual irregularidade no aumento de despesa com pessoal no âmbito do Poder Executivo municipal, em face da Lei Municipal n.º 2.850/05” (fls. 2). Da análise desses autos, verifica-se:

2.1. Em 14/01/2005, o Prefeito Municipal de Campos do Jordão encaminhou à Câmara Municipal projeto de lei, registrado sob o n.º 06/05, propondo a extinção e a criação de cargos públicos. A fls. 53/56, consta o projeto e, a fls. 57/59, sua exposição de motivos, com pedido de apreciação em regime de “urgência urgentíssima” e “mediante convocação extraordinária”.

O art. 2º do projeto de lei prevê a criação de, nada menos, 55 (cinqüenta e cinco) cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração pelo Prefeito Municipal. São eles:

….

2.2. Da exposição de motivos, constam os seguintes trechos de relevância a esta ação:

a) “De início, são extintos cargos que entendemos desnecessários aos quadros do Município, sendo que, alguns deles, inclusive, foram considerados irregulares pela Justiça, ante o caráter de provimento em comissão.” (fls. 57; grifou-se)

b) “No que tange à criação de outros, como de conhecimento dos Nobres Vereadores, Campos do Jordão enfrenta uma grave crise financeira e estrutural. Por conta deste colapso que já se arrasta por vários anos, os servidores municipais encontram-se desmotivados e, muitas vezes, sem um rumo adequado para seguirem.

Para amenizar esta situação, se torna necessária a efetiva presença de pessoas de confiança em todos os setores da administração, que servirão de olhos e ouvidos aos agentes políticos que têm o dever de gerenciamento das Secretarias.

Se por um lado pode parecer que a criação de cargos é mais um gasto, de outro, podemos afirmar que se trata, na realidade, de investimento no próprio Município, pois com um funcionalismo atuante e supervisionado, temos a certeza de que a arrecadação aumentará e o desperdício poderá ser abolido.” (fls. 57/58; grifou-se)

c) “O projeto sob estudo também traz a criação de três cargos de Assessor Jurídico. Esta nova figura tem como objetivo atender à demanda de atividades meio da administração, e que, por vezes, acabam ocupando servidores que deveriam estar voltados para outros problemas.

Melhor esclarecendo, em nossa estrutura administrativa, contamos com advogados e procuradores. Os primeiros deveriam se dedicar exclusivamente às questões tributárias e de receita, e os segundos, à representação plena do Município e medidas administrativas de maior relevância.

Contudo, por não existir um corpo de técnicos destinados às atividades do dia a dia das Secretarias e Gabinete, os profissionais acima têm de deixar sua função para socorrer estas lacunas.

Assim, com a criação dos cargos de assessores jurídicos, poderemos voltar a destinar cada profissional aquilo (sic) que lhe compete.” (fls. 58; grifou-se)

d) “Ante o exposto, pela natureza desprendida de interesses políticos que reveste o projeto de lei em epígrafe, esperamos seja determinada por V. Exa. a tramitação do projeto sob estudo, EM REGIME DE URGÊNCIA URGENTÍSSIMA, E MEDIANTE CONVOCAÇÃO EXTRAORDINÁRIA, para final aprovação pelo Colendo Plenário.

Atenciosamente,

(a) JOÃO PAULO ISMAEL

Prefeito Municipal.” (fls. 59; grifou-se)


2.3. A Comissão de Justiça, instada a se manifestar em 17/01/2005 (cf. carimbo a fls. 53), ofereceu parecer, datado de 19/01/2005, onde consta: “o presente Projeto de Lei é legal e constitucional” (grifou-se; fls. 60).

2.4. A Comissão de Finanças, de seu turno e com a mesma data, manifestou-se também favoravelmente (fls. 61).

2.5. Em 19/01/2005, o Presidente da Câmara Municipal de Campos do Jordão convocou os Vereadores para uma sessão extraordinária marcada para o dia seguinte, por meio do Edital de Convocação n.º 03/2005, conforme se depreende do trecho da ata daquela sessão, a fls. 62/63 (vide item 5 daquele Edital).

Na sessão seriam apreciados o Projeto de Lei acima referido e outros.

2.6. Naquela sessão extraordinária, o Projeto de Lei n.º 06/2005 foi aprovado por unanimidade, em única discussão e votação, por todos os Membros da Casa (fls. 66/67).

2.7. Assim, em 01/02/2005, o Prefeito Municipal sancionou e promulgou a Lei n.º 2.850/05, que consta a fls. 49/52.

2.8. A Lei em questão importa em aumento de despesa total com pessoal no âmbito do Poder Executivo Municipal, no valor de R$ 41.000,00 mensais, conforme se verifica na tabela que consta do item seguinte desta peça.

2.9. Ato contínuo, desde 02/02/2005, o Prefeito Municipal tratou de nomear os assessores, conforme cópias dos Decretos Municipais, a fls. 80/144.

Visando facilitar a consulta dos autos, resume-se:

2.10. A título de notícia, registre-se que alguns Decretos Municipais de nomeação constantes dos autos (p. ex.: fls. 80) revelam, ainda, que já há outra lei municipal criadora de cargos em comissão, na exata mesma linha da Lei Municipal n.º 2.850/05.

Trata-se da Lei Municipal n.º 2.857/05 (fls. 184/186), de 03/03/2005, que, embora não seja objeto desta ação, possivelmente incorre nos mesmos equívocos e passa a ser investigada no inquérito civil n.º 08/05, instaurado em 14/04/2005 (fls. 182/183).

3. Da ineficácia e nulidade dos atos jurídicos:

3.1. Da inconstitucionalidade formal do aumento de despesa com pessoal:

A Constituição da República impõe a observância estrita de diversos parâmetros para a criação e o provimento de cargos públicos.

3.1.1. Primeiramente, a acessibilidade de cargos públicos por concurso é a regra. Somente em caráter excepcional é que se admite a exclusão dos cidadãos dessa oportunidade. Trata-se de se prestigiar a igualdade, por meio do “princípio do mérito”, no dizer de José Afonso da Silva:

“O princípio da acessibilidade aos cargos e empregos públicos visa essencialmente realizar o princípio do mérito que se apura mediante investidura por concurso público (…)” (Curso de direito constitucional positivo. 21ª ed. São Paulo : Malheiros, 2002. p. 659)

Complementa Alexandre de Moraes:

“Existe, assim, um verdadeiro direito de acesso aos cargos, empregos e funções públicas, sendo o cidadão e o estrangeiro, na forma da lei, verdadeiros agentes do poder, no sentido de ampla possibilidade de participação da administração pública.” (Direito constitucional. 11ª ed. São Paulo : Atlas, 2002. p. 328)

Bem por isso, os cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, são excepcionais e destinados, exclusivamente, às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

E, mesmo aqui, a Constituição impõe limites: tais cargos serão preenchidos por servidores de carreira, nos casos, condições e percentuais previstos em lei. Ou seja, quis o Constituinte garantir que o servidor de carreira tenha prioridade em relação aos apadrinhados.

É a letra dos incisos II e V do art. 37:

“Art. 37. (…)

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (…)

V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (…)” (grifou-se)

Assim, a Lei Municipal n.º 2.850/05 é formalmente inconstitucional, porque não previu casos, condições e percentuais mínimos para o preenchimento dos cargos em comissão criados.

A própria Constituição, em seu art. 37, § 2º, assim o declara: “A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei”.

3.1.2. E, por fim, o art. 169, § 1º, II, impõe atendimento das leis orçamentárias (plano plurianual e lei de diretrizes).


Veja-se:

“Art. 169 — (…)

Parágrafo primeiro – A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas:

I – se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;

II – se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

(…)” (grifou-se)

Como se observa dos autos, a Lei Municipal n.º 2.626/01 (Plano Plurianual vigente), a fls. 11/20, e a Lei Municipal n.º 2.827/04 (Lei de Diretrizes Orçamentárias vigente), a fls. 21/35, não autorizam a criação de cargos e a contratação de pessoal no Executivo, não havendo qualquer previsão de tal meta em seus descritivos e anexos.

Por isso, a Lei Municipal n.º 2.850/05 também é formalmente inconstitucional, porque não atende aos ditames orçamentários constitucionais.

3.2. Da inconstitucionalidade material do aumento de despesa com pessoal:

3.2.1. Mas, a Constituição da República impõe, também, parâmetros materiais para o caso tratado aqui, sendo os principais a observância da moralidade administrativa e da razoabilidade.

Fere o senso comum de moralidade — princípio constitucional a que o Poder Executivo está submetido, nos termos do art. 37, caput — por faltar razoabilidade, que uma cidade pequena como a nossa, tenha uma Prefeitura loteada por não menos que 55 (cinqüenta e cinco) novos cargos em comissão, ou 87 (oitenta e sete), em se contabilizando os 32 (trinta e dois) da Lei n.º 2.857/05 (item 2.10, acima; fls. 184/186).

Os cargos em comissão devem ser criados em número compatível com a necessidade do serviço. Consoante a lição de Caio Tácito, “tanto o provimento como a criação de cargos públicos obedecem, primariamente, a uma finalidade de interesse público, destinando-se a atender ao funcionamento regular dos serviços do Estado. Se à criação do cargo ou à nomeação de seu titular desacompanha qualquer conveniência administrativa e, ao contrário, deriva de mero objetivo pessoal ou partidário, o ato será nulo pela desnaturação do sentido legal do poder de prover ou criar o cargo público” (grifou-se) (Temas de Direito Público. 2ª ed., Rio de Janeiro : Renovar. p. 19).

No mesmo sentido a doutrina de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:

“Havendo nítido desequilíbrio entre o número de cargos em comissão e as atividades a serem desempenhadas, ou mesmo a superioridade em relação aos cargos de provimento efetivo, ter-se-á a inconstitucionalidade da norma que os instituiu, restando violados os princípios da proporcionalidade e da moralidade. Nesta hipótese, a norma não é adequada à consecução do interesse público; é desnecessária, ante a dispensabilidade dos cargos para o regular funcionamento do serviço público; impõe um ônus aos cofres públicos sem a correspondente melhoria na qualidade do serviço, o que poderia ser realizado por um menor número de servidores com despesas inferiores para o erário; e se apresenta dissonante dos valores constitucionais, em especial a moralidade que deve reger os atos estatais, pois os cargos servirão unicamente para privilegiar os apadrinhados do responsável pela nomeação.” (grifou-se) (Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 385).

3.2.2. Como cristalino no art. 2º da malfadada Lei (fls. 49/51), o Prefeito Municipal criou, além dos 3 (três) Assessores Jurídicos, 13 (treze) nichos de atuação, abarcando “todos os setores da administração”(1), — denominados “Administração”, “Planejamento”, “Educação”, “Saúde”, “Turismo”, “Esporte”, “Bem Estar Social”, “Meio Ambiente”, “Viação e Obras Públicas”, “Serviços Públicos”, “Finanças”, um enigmático “Informação e Defesa do Cidadão” e “Agricultura e Abastecimento” –, loteando, cada um deles, com um Assessor de Gabinete, dois Assessores Adjuntos de Gabinete e um Assessor Especial.

São, portanto, 4 (quatro) apadrinhados para cada um dentre 13 (treze) setores da administração municipal, novamente desprezando-se mais 2 (dois) apadrinhados, para cada setor, previstos na Lei n.º 2.857/05 (item 2.10, acima).

Assim, fica clara a burla ao art. 37, V, supra citado, uma vez que ironiza com o respeito, a ética, enfim, a moralidade, cogitar, por exemplo, que o Assessor Adjunto de Bem Estar Social ou o Assessor Especial de Informação e Defesa do Cidadão desempenhe alguma função de direção, chefia ou assessoramento.


3.2.3. E a Constituição da República, implicitamente, e a Constituição do Estado, explicitamente em seu art. 111, impõem a finalidade, o interesse público e a motivação como norte dos atos da administração.

O Projeto de Lei sequer contêm exposição de motivos idônea, a permitir a aferição de sua adequação às causas elencadas.

Calha, por certeira, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, sempre lembrada por este promotor de justiça:

“Dito princípio [referindo-se ao princípio da motivação] implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo.

A motivação deve ser prévia ou contemporânea à expedição do

ato.(…)

De outra parte, não haveria como assegurar confiavelmente o contraste judicial eficaz das condutas administrativas com os princípios da legalidade, da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade se não fossem contemporaneamente a elas conhecidos e explicitados os motivos que permitiriam reconhecer seu afinamento ou desafinamento com aqueles mesmos princípios. Assim, o administrado, para insurgir-se ou para ter elementos de insurgência contra atos que o afetem pessoalmente, necessita conhecer as razões de tais atos na ocasião em que são expedidos. Igualmente, o Judiciário não poderia conferir-lhes a real justeza se a Administração se omitisse em anunciá-las quando da prática do ato. É que, se fosse dado ao Poder Público aduzi-los apenas serodiamente, depois de impugnada a conduta em juízo, fabricaria razões ad hoc, ‘construir’ motivos que jamais ou dificilmente saberia se eram realmente existentes e/ou se foram deveras sopesados à época em que se expediu o ato questionado.

Assim, atos administrativos praticados sem a tempestiva e suficiente motivação são ilegítimos e invalidáveis pelo Poder Judiciário toda vez que sua fundamentação tardia, apresentada somente depois de impugnada em juízo, não possa oferecer segurança e certeza de que os motivos aduzidos efetivamente existiam ou foram aqueles que embasaram a providência contestada.” (grifou-se) (Curso de direito administrativo. 12ª ed. São Paulo : Malheiros, 2000. p. 82-84).

Pois bem, caberia, agora, perquirir ao Prefeito Municipal acerca do que faz o Assessor de Gabinete de Viação e Obras Públicas? No dizer do mestre Celso Antônio, agora, certamente ele “fabricaria razões ad hoc”.

3.2.4. Razões ad hoc como aquelas constantes da “emocionada” exposição de motivos, a fls. 57/59.

Por primeiro, aduz o Prefeito a necessidade de extinguir cargos já considerados irregulares pela Justiça (fls. 57; item 2.2.a, acima). O rompante de probidade esconde tristes fatos da vida política jordanense: a) vários cargos, ora “extintos”, já o foram pela Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 96.546-0/9-00, julgada em 18/12/2002 (fls. 175/179); e b) o êxito de tal Ação Direta decorreu, inclusive, da contribuição exemplar do agora requerido FLORIANO CAMARGO ARRUDA BRASIL JÚNIOR (vide fls. 171/174).

Em segundo lugar, justifica a criação dos 13 (treze) grupos de cargos de assessores, acima referidos, pasme-se, na desmotivação e na falta de rumo dos servidores municipais (fls. 57; item 2.2.a, acima). Deduz-se que os 52 (cinqüenta e dois) assessores(2) visam “amenizar” (fls. 58; idem) a situação.

Será que a criação de funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo (C.R., art. 37, V), ao invés dos cargos de provimento em comissão, não amenizaria melhor a desmotivação dos servidores?

Aliás, deveria o Sr. Prefeito ter feito uma pesquisa com os servidores, ao que se proporia a seguinte pergunta objetiva: você, ocupante de cargo efetivo e desmotivado, teria sua situação amenizada com: a) a oportunidade de concorrer e ocupar novas funções de confiança a serem criadas; ou b) passar a subordinar-se a estranhos que ocupariam novos cargos de provimento em comissão a serem criados?

Depois, justifica a criação de três cargos de assessor jurídico para atender a demanda da atividade-meio da administração, “por não existir um corpo de técnicos destinados às atividades do dia a dia das Secretarias e Gabinete” (fls. 58; item 2.2.c, acima).

Ora, não existe melhor antônimo às expressões “direção, chefia e assessoramento” que “corpo de técnicos”. Fica claro que a Lei Municipal n.º 2.850/05 criou um corpo de técnicos e, dessa forma, afrontou todo o nosso ordenamento jurídico, deste a Constituição da República.

Novamente, cabe o ensinamento de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:


“Ainda sob a ótica da atividade a ser desenvolvida, salvo situações excepcionais, temporárias e devidamente justificadas, não será possível a nomeação de agente em cargo comissionado para desempenhar atividades próprias de cargo de provimento efetivo, pois, além do desvio de função, seria nítida a violação ao mandamento constitucional que exige a prévia realização de concurso público para que o agente possa desempenhar as atividades estatais.” (Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 385).

Transcreve-se trecho do voto do Eminente Desembargador Flávio Pinheiro, integrante do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 96/546-0/9-00, já referida, cujos fundamentos aqui se aplicam:

“É que os cargos citados na inicial, ou seja, o de “auxiliar de serviço de comunicação”, “assistente administrativo”, “motorista do prefeito” e “jornalista” não podem ser tidos como cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, pois tratam-se de funções estritamente técnicas ou profissionais, não se exigindo de seus ocupantes nenhum vínculo de especial confiança ou fidelidade com a autoridade nomeante.” (grifou-se; fls. 177)

3.2.5. Mais uma vez, se trai o Prefeito: os cargos recém criados “servirão de olhos e ouvidos aos agentes políticos”, “pois com um funcionalismo mais atuante e supervisionado, temos a certeza de que a arrecadação aumentará e o desperdício será abolido” (fls. 58; item 2.2.b, acima).

Fala de desperdício um agente público que, na qualidade de Prefeito, já foi, por vezes, condenado em Primeira Instância em ações de improbidade administrativa e popular.

Conhecer os antecedentes judiciais de JOÃO PAULO ISMAEL e analisar o art. 2º da Lei Municipal n.º 2.850/05, bem como a exposição de motivos que acompanhou o Projeto originário, permite concluir que ele engendrou mais 55 (cinqüenta e cinco) olhos e ouvidos seus, que, supervisionando o funcionalismo existente, já desmotivado e, assim, pouco interessado em fiscalizar seus atos, permitirá a execução de seus mais sórdidos planos, o que representa uma verdadeira tirania.

Aliás, a novel Lei Municipal n.º 2.857/05 (fls. 184/186), de 03/03/2005, indica que os planos do Prefeito permanecem em contínuo aperfeiçoamento.

3.2.6. E, dessa forma, a Lei Municipal n.º 2.850/05 é, também, materialmente inconstitucional, porque se descura dos princípios constitucionais da moralidade administrativa, da razoabilidade, da finalidade, do interesse público e da motivação.

Quanto à moralidade administrativa, o tema será retomado adiante (item 4.2.4).

3.3. Da ineficácia do aumento de despesa com pessoal:

O regime jurídico infra-constitucional também contrasta com a Lei Municipal n.º 2.850/05.

3.3.1. Por primeiro, fixe-se que as convocações para as sessões extraordinárias da Câmara de Vereadores só podem se dar para apreciar matéria relevante e de interesse público, conforme art. 118, caput e § 1º, do Regimento Interno da Casa.

Com efeito, preceituam os dispositivos mencionados:

“Art. 118. A Câmara somente poderá realizar Sessão Extraordinária quando devidamente convocada pelo Presidente, à requerimento (sic) da maioria absoluta dos Vereadores membros da Câmara, pelo Prefeito no recesso, para apreciar matéria relevante e de interesse público.

§ 1º – Somente será considerado motivo de interesse público, relevante e urgente e a deliberar, a discussão de matéria cujo adiamento torne inútil a deliberação ou importe em grave prejuízo à coletividade. (…)” (grifou-se; fls. 156)

3.3.2. Em segundo lugar, a Lei de Responsabilidade Fiscal — Lei Complementar n.º 101/00 — descreve diversas normas de observância obrigatória, entre as quais:

a expansão da ação estatal que acarrete aumento de despesa deveria estar acompanhada de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes (art. 16, I), devendo incluir a descrição de premissas e metodologia do cálculo utilizado (art. 16, § 2º);

a) deveria acompanhar, também, declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias (art. 16, II) ;

b) o ato será acompanhado, ainda, de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no parágrafo primeiro do artigo 4º da L.R.F., devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa (art. 17, § 2º);

c) a comprovação referida acima, apresentada pelo proponente, conterá as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias (art. 17, § 4º); e


d) a despesa de que trata o art. 17 não será executada antes da implementação das medidas referidas no parágrafo segundo (subitem “c”, acima), as quais integrarão o instrumento que a criar ou a aumentar (art. 17, § 5º).

O não atendimento a tais preceitos fulmina de nulidade e taxa o aumento de despesa de não autorizado, irregular e lesivo ao patrimônio público, nos termos dos arts. 21, I, e 15 daquela Lei Complementar. Veja-se:

“Art. 15 – Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos artigos 16 e 17.

(…)

Art. 21 – É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:

I – as exigências dos artigos 16 e 17 desta Lei Complementar, e o disposto no inciso XIII do artigo 37 e no parágrafo primeiro do artigo 169 da Constituição; (…)” (grifou-se)

Em suma, caberia ao ordenador de despesa (o Prefeito, no caso) demonstrar a adequação do aumento de gasto com as leis orçamentárias (plano plurianual e lei de diretrizes), demonstrar a estimativa de impacto nos próximos exercícios, demonstrar que o aumento de gasto não afeta as metas de resultados fiscais e, mais importante, demonstrar de onde sairá o dinheiro para pagar o aumento de despesa, seja pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa (art. 17, § 2º).

Reitere-se a ressalva do art. 17, § 5º, da Lei de Responsabilidade Fiscal: “A despesa de que trata este artigo não será executada antes da implementação das medidas referidas no parágrafo segundo, as quais integrarão o instrumento que a criar ou aumentar”, ou seja, não se poderia contratar ninguém antes de aumentar permanentemente a receita (aumento de tributação) ou diminuir permanentemente a despesa.

Com o advento da Lei Complementar n.º 101/00, não basta mais a ordinária e irresponsável justificativa “as despesas com a execução da presente Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário”, tal como a que consta no art. 5º da Lei Municipal ora impugnada (fls. 52), ou que o “limite de gasto com pessoal trazido pela Constituição Federal, nos termos da E.C. n.º 19, e Lei Complementar n.º 101/2000, inclusive considerando o patamar prudencial, encontra-se devidamente observado, e, como de praxe, foi considerado quando da elaboração da norma atacada”, tal como registrou o Prefeito no ofício-resposta à requisição Ministerial (grifou-se; fls. 70).

“Como de praxe”, citando suas palavras, a sociedade foi solapada com a Lei Municipal n.º 2.850/05.

3.3.3. Por fim, o aumento de despesa implementado pela Lei Municipal n.º 2.850/05 não encontra suporte no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme já anotado no item 3.1.2, acima.

Registre-se que, por isso, a conduta se amolda, ainda e em tese, ao disposto no art. 359-D, do Código Penal, que expressa:

“Art. 359-D. Ordenar despesa não autorizada por lei:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.”

3.3.4. Como se vê, a Lei Municipal n.º 2.850/05 é ineficaz, porque incompatível com toda a ordem de leis que regem a matéria e que lhe são superiores, porque de observância obrigatória ao ordenador de despesa.

3.4. A Lei e as contratações delas decorrentes são também nulas porque consubstanciam atos de improbidade administrativa, como se verá adiante.

4. Da improbidade administrativa:

O aumento de despesa com pessoal, inconstitucional e ilegal (ineficaz) como já demonstrado, traduz duas ordens de improbidade administrativa: a lesão ao erário público e o atentado contra os princípios da administração (Lei n.º 8.429/92, arts. 10 e 11).

4.1. Da lesão ao erário:

O erário público suporta os efeitos das contratações irregulares e, assim, se desfalca em decorrência dos atos administrativos irregulares.

Embora não se tenha dúvida de que o rol do art. 10 da Lei n.º 8.429/92 seja exemplificativo, mesmo assim há previsão específica para a improbidade em questão no seu inciso IX. Veja-se:

“Art. 10 – Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente: (…)

IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; (…)”

Nem se discute, aqui, se a conduta foi dolosa ou culposa.

As sanções para tal ilicitude vêm descritas no art. 12, II, da Lei de Improbidade Administrativa.

4.2. Do atentado contra os princípios da administração:


Toda a administração pública está submetida a uma gama de princípios que norteiam a atuação de seus agentes.

Os ditos princípios constitucionais expressos estão arrolados no art. 37, caput, da Constituição da República e no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo. A Lei de Improbidade Administrativa a eles agrega outros, em seu art. 11.

As contratações irregulares aqui combatidas ferem, dentre outros e mais diretamente, a legalidade, a razoabilidade, a finalidade, a motivação, o interesse público e a moralidade, representando atos de improbidade administrativa previstos no art. 11, caput e inc. I, da Lei n.º 8.429/92.

4.2.1. A legalidade encontra-se completamente enterrada, conforme explicitado nos itens 3.1, 3.2. e 3.3, acima.

4.2.2. O número de assessores contratados e suas presumidas atribuições ferem, também, a razoabilidade, como já afirmado nos itens 3.2.1 e 3.2.2, acima.

4.2.3. Quanto à finalidade, ao interesse público e à motivação, também já se argumentou (itens 3.2.3, 3.2.4 e 3.2.5, acima).

4.2.4. E, por fim, os atos ferem a moralidade administrativa, também como já anunciado, denotando a completa ausência de boa-fé do Prefeito Municipal e dos nobres Vereadores de Campos do Jordão.

Constatou-se que, após quatro dias úteis da apresentação do Projeto de Lei pelo Prefeito, o processo legislativo estava concluído e a Lei Municipal n.º 2.850/05 aprovada. Tudo isto, em meio ao recesso legislativo, o que dificulta, ainda mais, o controle da sociedade.

A ação astuciosa do Prefeito e da Câmara Municipal vem contra tudo aquilo que a sociedade mais busca na administração pública: moralidade. Registre-se que, dias antes, os Vereadores haviam aprovado e nomeado, para si e de forma irregular, assessores em cargos de provimento em comissão, fato que é objeto de outra ação civil pública, intentada em 01/04/2005.

É nesse diapasão que serve de exemplo o regramento imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que taxa de não autorizado, irregular, lesivo ao patrimônio público e nulo de pleno direito o aumento de despesa combatido, nos termos de seus arts. 21, I, e 15.

Conforme explanado no item 3.3.2, acima, o agente público responsável tem obrigação de demonstrar os impactos do aumento de despesa pretendido, inclusive a consonância com as metas de resultados fiscais, indicando como o aumento de despesas será compensado contabilmente, seja com o aumento permanente de receita, seja com a redução permanente de despesa.

Já, o agente irresponsável não se incomoda com a forma com que o aumento de despesa por ele promovido será absorvido no decorrer do tempo. Não faz questão que nossa sociedade, já tanto empobrecida, inclusive pela má-gestão e criminalidade na administração pública, se depaupere ainda mais para dar sustentação a seus desmandos e interesses pessoais.

Trata-se de se utilizar do serviço público para expandir as conquistas pessoais ou, ao contrário, de agir segundo os ditames da moralidade administrativa e perseguir o interesse público. Parece que a opção do Prefeito e dos Vereadores de Campos do Jordão destoa da opção da sociedade, ditada por nosso ordenamento jurídico.

4.2.5. E as sanções para esta ordem de improbidade estão previstas no art. 12, III, da Lei n.º 8.429/92.

5. Da extensão subjetiva da improbidade administrativa:

5.1. O ato de contratação de um servidor para ocupar um cargo de provimento em comissão é um ato jurídico complexo, que depende da conjugação de diversas manifestações juridicamente relevantes, que vão desde a tramitação do projeto, que culminou com a promulgação da Lei aqui discutida, até a contratação propriamente dita.

É inequívoca a responsabilidade de quem propôs o Projeto de Lei n.º 06/2005. No caso, como se vê a fls. 53/56 e 57/59, foi o Prefeito Municipal.

É inequívoca a responsabilidade de quem fez tramitar o projeto de lei inconstitucional e ilegal. As assinaturas ao rodapé do documento a fls. 53 demonstram — e não haveria de ser diferente — a contribuição do Presidente da Câmara.

É certa a responsabilidade do órgão encarregado de atestar a conformidade dos Projeto com o ordenamento jurídico. Como se vê a fls. 60, a Comissão de Justiça simplesmente declarou que o Projeto era legal e constitucional.

Pesquisando-se acerca da atribuição da monossilábica Comissão de Justiça, encontram-se as previsões do art. 38 do Regimento Interno da Câmara Municipal, a fls. 152/153, que não vêm em seu socorro: a Comissão deveria manifestar-se quanto ao aspecto constitucional, legal ou jurídico e quanto ao aspecto gramatical e lógico.

Sem qualquer motivação em sua manifestação, seu parecer é absolutamente nulo. Veja-se, a propósito, o que já se disse sobre motivação no item 3.2.3, acima.


É, ainda, inequívoca a responsabilidade do órgão encarregado de atestar a conformidade dos Projeto com o regramento orçamentário. A Comissão de Finanças, em parecer também nulo (fls. 61), porque despido de motivação, simplesmente endossou o parecer da Comissão de Justiça, sem qualquer análise das leis orçamentárias (plano plurianual, lei de diretrizes e lei orçamentária anual) e das regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja importância ninguém poderá negar.

E suas atribuições vêm descritas no art. 39 daquele mesmo Regimento Interno (fls. 153).

É, igualmente, inequívoca a responsabilidade dos encarregados de discutir e votar o Projeto: os Vereadores, que, por unanimidade, aprovaram-no imediatamente.

E, por fim, é determinante a responsabilidade do encarregado pelas nomeações, novamente o Prefeito Municipal.

5.2. Importante, ainda, assentar uma palavra acerca da responsabilidade direta dos Vereadores pela autorização do uso ímprobo do dinheiro público: cada um deles representa o anseio de milhares de jordanenses e nenhum tinha, continuam não tendo e nunca terão o direito de votar sem responsabilidade.

5.2.1. Isto, porque um mero “sim” faz determinar irreversíveis conseqüências no seio da comunidade. Aliás, o voto é justamente aberto — não-secreto — para que haja controle.

É da essência de qualquer colegiado — e nosso ordenamento jurídico alberga esta norma — que seus membros respondam solidariamente pelo resultado de sua decisão, salvo aquele que a ela não anuiu.

5.2.2. O maior exemplo de nosso direito positivo vem da famosa Lei de Licitações. Diz-se ironicamente “famosa”, pois a Lei n.º 8.666/93 é conhecida, exatamente, pelo rigorismo de suas regras que acabam por engessar o administrador, mas por um pretexto justo, o de diminuir o espaço dos gatunos da administração pública.

Veja-se como são regradas as comissões de licitações, e observe-se a norma de responsabilização de seus componentes:

“Art. 51 – A habilitação preliminar, a inscrição em registro cadastral, a sua alteração ou cancelamento, e as propostas serão processadas e julgadas por comissão permanente ou especial de, no mínimo 3 (três) membros, sendo pelo menos 2 (dois) deles servidores qualificados pertencentes aos quadros permanentes dos órgãos da Administração responsáveis pela licitação.

Parágrafo primeiro – No caso de convite, a Comissão de licitação, excepcionalmente, nas pequenas unidades administrativas e em face da exigüidade de pessoal disponível, poderá ser substituída por servidor formalmente designado pela autoridade competente.

Parágrafo segundo – A comissão para julgamento dos pedidos de inscrição em registro cadastral, sua alteração ou cancelamento, será integrada por profissionais legalmente habilitados no caso de obras, serviços ou aquisição de equipamentos.

Parágrafo terceiro – Os membros das Comissões de licitação responderão solidariamente por todos os atos praticados pela Comissão, salvo se posição individual divergente estiver devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a decisão.

Parágrafo quarto – A investidura dos membros das Comissões permanentes não excederá 1 (um) ano, vedada a recondução da totalidade de seus membros para a mesma Comissão no período subseqüente.

Parágrafo quinto – No caso de concurso, o julgamento será feito por uma comissão especial integrada por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em exame, servidores públicos ou não.” (grifou-se)

5.2.3. A analogia com o caso destes autos é, não só admitida, como perfeita. Para este propósito, confira-se o ensinamento de Maria Helena Diniz, na obra As Lacunas do Direito:

“Requer a aplicação analógica que:

1 — o caso sub judice não esteja previsto em norma jurídica. Isto porque direito expresso ou literal disposição legal não abrange analogia, pois esta dilata a aplicação da lei a casos não previstos, que, por identidade de razão, devem submeter-se a ela. A analogia compara, e da semelhança conclui pela aplicação da norma ao caso em tela, sendo portanto, um processo mental, ao passo que a norma é um imperativo. Se houvesse lei regulando o caso, ter-se-ia interpretação extensiva.

2 — o caso não contemplado tenha com o previsto, pelo menos, uma relação de semelhança.

3 — o elemento de identidade entre eles não seja qualquer um, mas sim essencial ou de fato que levou o legislador a elaborar o dispositivo que estabelece a situação a qual se quer comparar a não contemplada. Terá de haver uma verdadeira e real semelhança e a mesma razão entre ambas as situações. Meras semelhanças aparentes, afinidades formais ou identidades relativas a pontos secundários não justificam o emprego da argumentação analógica.

Presentes estes três requisitos permitida está a analogia.” (7ª ed. — São Paulo : Saraiva, 2002, p. 160/161).


5.2.4. O que se afirma, em resumo, é que basta o “sim” negligente com o erário, para que o Vereador seja responsabilizado pelo dano produzido. Esta, acaba por ser a intenção do legislador expressa no caput do art. 10 da Lei n.º 8.429/92, considerando ímprobas condutas comissivas ou omissivas, dolosas ou culposas.

5.2.5. Não obstante, nossos Vereadores não agiram só negligentemente. Foram de uma consciência ampla, irrestrita e cerebrina: votaram “sim” a um Projeto de grande interesse pessoal do influente Prefeito Municipal, o que, em uma pequena cidade, muito representa e pode definir a sobrevivência política do Vereador ou a estabilidade de um ponto comercial de sua propriedade, por exemplo.

5.3. Por fim, deixou-se de arrolar como réus os beneficiados diretos das contratações irregulares, quais sejam, os assessores contratados.

Isto, pois não se têm elementos suficientes para se afirmar que eles teriam conhecimento prévio das irregularidades das contratações da Prefeitura Municipal. Só dessa forma, poder-se-ia imputar aos contratados a responsabilidade solidária pelos danos causados.

Muito embora expresse a letra do art. 3º da Lei de Improbidade Administrativa que as disposições daquele diploma são aplicáveis “àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou deles se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”, tal regra há de ser confrontada com o elemento subjetivo que anima a conduta do extraneus.

Assim, a doutrina de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:

“Sendo assim, todos aqueles que tenham, de algum modo, concorrido ou se beneficiado da improbidade devem figurar como réus e, para tanto, devem ser citados. Entenda-se: todos aqueles que tenham praticado o ato de improbidade ou dele tenham, com conhecimento de sua ilicitude, se beneficiado direta ou indiretamente.” (grifou-se) (Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 714).

6. Da conclusão:

6.1. Com o exposto, espera-se ter demonstrado, nos itens desta peça:

a) que a Lei Municipal n.º 2.850/05 e os Decretos Municipais de nomeação, dela decorrentes, são inconstitucionais, sob o aspecto formal, porque não foram atendidas, em especial, as disposições constantes dos arts. 37, II e V, e 169, § 1º, II, da Constituição da República (item 3.1);

b) que a Lei e os Decretos são inconstitucionais, sob o aspecto material, porque não foram atendidas, em especial, as disposições constantes no art. 37, caput e V, da Constituição da República, e no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo (item 3.2);

c) que o aumento de despesa com pessoal no Poder Executivo local, decorrente da Lei Municipal n.º 2.850 e dos Decretos Municipais de nomeação, são ineficazes, porque não atendidas, em especial, as disposições constantes do art. 118, § 1º, do Regimento Interno da Câmara Municipal, dos arts. 15, 16, 17 e 21, da Lei Complementar n.º 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), do Plano Plurianual e da Lei de Diretrizes Orçamentárias vigentes (item 3.3);

d) que o referido aumento de despesa com pessoal consubstancia ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao erário, conforme prevê o art. 10, caput e IX, da Lei n.º 8.429/92 (item 4.1);

e) que o referido aumento de despesa com pessoal consubstancia ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública, conforme prevê o art. 11, caput e I, da Lei n.º 8.429/92 (item 4.2);

f) que a improbidade abrange os atos praticados pelo Prefeito Municipal, pelo Presidente da Câmara Municipal, pelos membros da Comissão de Justiça e da Comissão de Finanças da Câmara, e pelos Vereadores de Campos do Jordão (itens 5.1 e 5.2); e

g) que não se imputa improbidade administrativa aos contratados pelo Poder Executivo, porque não há elementos para se afirmar que eles teriam conhecimento prévio das irregularidades das contratações (item 5.3).

6.2. E, abaixo (item 7.3.2), ainda se fará menção de que o referido aumento de despesa com pessoal consubstancia as figuras penais previstas no art. 359-D do Código Penal e no art. 1º, V, do Decreto-Lei n.º 201/67, bem como as infrações político-administrativas previstas no art. 4º, VI, VII e VIII, deste diploma.

7. Dos pedidos liminares:

7.1. Nesta ação, não bastará pretender que as contratações irregulares sejam declaradas nulas e punidos os responsáveis, se for permitido que o MUNICÍPIO DE CAMPOS DO JORDÃO continue contratando e mantendo pessoas contratadas com base na Lei Municipal n.º 2.850/05 até o provimento final. Necessária, pois, a concessão de medida liminar, evitando-se dano irreparável.

7.2. Por isso, o Ministério Público requer, com fulcro no art. 12 da Lei n.º 7.347/85, se digne Vossa Excelência a conceder liminar, após a observância do disposto no art. 2º da Lei n.º 8.437/92, determinando:


a) a imediata suspensão de todas as contratações decorrentes da Lei Municipal n.º 2.850/05, sejam as apontadas nesta peça, sejam quaisquer outras; e

b) a imediata proibição de se procederem a novas contratações com fulcro em tal Lei Municipal.

Para o caso de descumprimento da medida liminar, requer-se a imposição de multa diária no valor equivalente à remuneração mensal de cada cargo de provimento em comissão para o qual não haja o atendimento de quaisquer das ordens emanadas.

7.3. Considerando o grande dano ao erário público decorrente dessas contratações — à base de quase R$ 500.000,00 por ano — e à flagrante, absurda e desmedida imoralidade na condução do Poder Executivo, requer o Ministério Público, também com fulcro no art. 12 da Lei n.º 7.347/85, se digne Vossa Excelência a conceder provimento acautelatório liminar, inaudita altera parte, para o imediato afastamento de JOÃO PAULO ISMAEL do cargo de Prefeito Municipal de Campos do Jordão.

7.3.1. A medida extrema visa, de um lado, o resguardo do erário público, considerando que o requerido — com seus 55 (cinqüenta e cinco) novos assessores, ou 87 (oitenta e sete), em se contabilizando os 32 (trinta e dois) da Lei n.º 2.857/05 (item 2.10, acima; fls. 184/186) — demonstra pouco ou nenhum interesse em preservá-lo.

Repita-se: o requerido com seus 87 (oitenta e sete) novos assessores…

7.3.2. Visa, também, o imediato restabelecimento do senso de moralidade no Município, que, pouco a pouco, se esvai e se esgota. O requerido, reiteradamente, solapa o que de mais esperançoso há na pobre sociedade brasileira: sua crença no Estado e na Justiça.

Não se trata de uma análise subjetiva do signatário desta peça, pois as condutas imputáveis ao Prefeito Municipal são pontual e objetivamente censuradas em diversos diplomas legais, dentre eles:

a) no Código Penal (art. 359-D)(3);

b) na Lei de Improbidade Administrativa (arts. 10, caput e IX, e 11, caput e inc. I); e

c) no Decreto-Lei n.º 201/67, como crime de responsabilidade (art. 1º, V)(4) e como infração político-administrativa (art. 4º, VI, VII e VIII)(5).

7.3.3. E não se diga que a medida, tal como aqui motivada, não pode ser deferida, porquanto não subsumida na hipótese do art. 20, par. ún., da Lei n.º 8.429/92(6).

Dá-se, aqui, um grande equívoco: o dispositivo citado não encerra as medidas acautelatórias possíveis na seara da improbidade; antes, reforça a possibilidade de afastamento cautelar do agente público, na hipótese específica que discrimina (garantia da instrução processual).

A ressalva é importante, pois se usa comparar a previsão com as restritas hipóteses da prisão preventiva, na esfera processual penal. Por óbvio, os institutos — cárcere cautelar de réu ou investigado em procedimento penal e afastamento de agente público — não guardam analogia. Aliás, o legislador previu, no parágrafo único em referência, o afastamento por “autoridade judicial ou administrativa”, a revelar a largueza da previsão.

7.3.4. Registre-se, também, que o poder geral de cautela do Juiz não está adstrito a fórmulas sacramentais. Visa, isto sim, garantir que a sentença venha de forma útil, adequada.

Mais uma vez, cita-se Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:

“É bem de ver que a chamada tutela de urgência, da qual o processo cautelar participa, vai buscar fundamento no princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, o que desloca todas as discussões a seu respeito para um plano de considerável superioridade sistemática, permitindo ao operador o seu manejo, limitado pelo próprio sistema de garantias constitucionais, em busca da tutela jurisdicional adequada. Com efeito, uma interpretação mais operosa e útil do referido princípio constitucional nos permite afirmar que a garantia de acesso ao judiciário não se satisfaz, apenas, com a possibilidade de uso do processo de conhecimento (cognição exauriente), exigindo, antes, a utilização de novas técnicas capazes de garantir, mesmo que reflexamente, a satisfação do bem da vida.” (grifou-se) (Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 800-801).

7.3.5. É neste sentido que se concebem as cautelares inominadas, as “medidas provisórias (…) adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação” (grifou-se; C.P.C., art. 798).

7.3.6. Como se preserva o erário do requerido JOÃO PAULO ISMAEL? Quando, por esta ação, recuperar-se-á o senso de moralidade pública?

Se a resposta for com o trânsito em julgado desta ação e das outras contra ele intentadas, então não há tutela adequada, não há motivo para o processo, em suma, não há direito.


7.3.7. Embora aqueles respeitados doutrinadores citados no item 7.3.4 não comunguem da tese aqui levantada, consta de uma nota de rodapé daquela obra:

“Exemplo lapidar de aplicação de ‘máximas da experiência comum’ pode ser extraído do voto da Min. Eliana Calmon, que, por ocasião do julgamento da Medida Cautelar n.º 2.765-SP (requerente Celso Roberto Pitta do Nascimento; requerido o Ministério Público do Estado de São Paulo), afirmou, para manter a decisão de afastamento do agente político: ‘Ademais, a sua manutenção à frente do Executivo Municipal traria para os órgãos de controle enorme desgaste, pois é muito difícil manter-se em curso uma ação que visa responsabilizar um agente político por ato de improbidade administrativa, sem que se possa dispor livremente dos registros administrativos’. Ao fecho da decisão, arremata dizendo que ‘… o desgaste que se deve resguardar é o da própria imagem de transparência da Administração Pública’ (DJ 30/5/2000).” (Ob. Cit. p. 814, n. 695).

7.3.8. Agregue-se que afastamento em muito difere de perda da função pública, limitada no caput do art. 20 da Lei de Improbidade Administrativa, aliás, de duvidosa constitucionalidade(7).

Quer-se, com a medida aqui pleiteada, estabelecer-se um meio termo — a tutela adequada — entre a presunção da inocência, que posterga a perda da função pública para doze ou quinze anos após o aperfeiçoamento da improbidade, esvaziando o instituto, e a inafastabilidade da jurisdição, que impõe que o Judiciário dê a resposta eficaz ao resguardo do erário e do senso de moralidade administrativa, hoje.

O afastamento do requerido JOÃO PAULO ISMAEL, ainda que sem prejuízo da remuneração, garante o erário contra novas e inevitáveis investidas (vide itens 2.10 e 3.2.5, acima) e faz recobrar o crédito da sociedade no Estado e na Justiça, objetivo primeiro da Lei de Improbidade Administrativa.

8. Dos pedidos principais:

O Ministério Público do Estado de São Paulo requer, também e ao final:

8.1. Que se declarem nulas todas as contratações decorrentes da Lei Municipal n.º 2.850/05, sejam as apontadas nesta peça, sejam quaisquer outras;

8.2. Que se condene o MUNICÍPIO DE CAMPOS DO JORDÃO na obrigação de não fazer, consistente em não proceder a novas contratações com fulcro na Lei Municipal n.º 2.850/05, fixando-lhe multa diária pelo descumprimento;

8.3. Que se condenem solidariamente os requeridos JOÃO PAULO ISMAEL, FLORIANO CAMARGO ARRUDA BRASIL JÚNIOR, PAULO SÉRGIO PEREIRA ASSAF, IVO STRASS, RICARDO MALAQUIAS PEREIRA, ALFREDO COTTINI FILHO, PEDRO CARLOS RODRIGUES, CELSO DA SILVA, ROBERTO HIROSHI ABE e SEBASTIÃO ANTONIO BONIFÁCIO nas sanções previstas no art. 12, II, da Lei n.º 8.429/92, determinando-se-lhes o ressarcimento integral do dano, a ser quantificado em sede de execução, e se lhes aplicando a perda das respectivas funções públicas, a suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos, o pagamento de multa civil de até 2 (duas) vezes o valor do dano e a proibição de contratarem com o Poder Público ou receberem benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

8.4. Que se condenem solidariamente os requeridos JOÃO PAULO ISMAEL, FLORIANO CAMARGO ARRUDA BRASIL JÚNIOR, PAULO SÉRGIO PEREIRA ASSAF, IVO STRASS, RICARDO MALAQUIAS PEREIRA, ALFREDO COTTINI FILHO, PEDRO CARLOS RODRIGUES, CELSO DA SILVA, ROBERTO HIROSHI ABE e SEBASTIÃO ANTONIO BONIFÁCIO nas sanções previstas no art. 12, III, da Lei n.º 8.429/92, determinando-se-lhes o ressarcimento integral do dano, a ser quantificado em sede de execução, e se lhes aplicando a perda das respectivas funções públicas, a suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, o pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelos agentes e a proibição de contratarem com o Poder Público ou receberem benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de 3 (três) anos.

9. Dos requerimentos outros:

Pede-se, ainda:

9.1. Que se autue e se registre a presente ação, com o Inquérito Civil n.º 07/05, incluso;

9.2. Que se receba a presente ação e que se ordene a citação dos réus, no caso dos agentes públicos, pelo Correio (arts. 221, I, 222 e 223, do C.P.C.), para, querendo, contestarem o pedido no prazo da lei, prosseguindo-se nos termos do rito comum ordinário;

9.3. Que se condenem os requeridos ao pagamento das custas processuais.

10. Deixa-se de requerer a notificação dos réus agentes públicos, na forma do art.

17, § 7º, da Lei n.º 8.429/92, porque tal previsão não é constitucional, conforme se tem decidido no E. Tribunal de Justiça de São Paulo:


“DIREITO ADMINISTRATIVO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – MEDIDA PROVISÓRIA N. 2.225-45, DE 04.9.2001 – PRÉVIA NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES – DESNESSIDADE E DESCABIMENTO – Com efeito, a Medida Provisória n. 2.225-45, de 04.09.2001, até a presente data não foi reeditada, nem mais poderá sê-lo, por força da Emenda Constitucional n. 32, de 11.09.2001, que, dentre outros casos, passou a vedar sua reedição sobre matéria relativa a direito processual civil. Como não foi, também, convertida em lei, perdeu ela, a toda evidência, sua eficácia e efeitos jurídicos, de sorte que a mera citação dos requeridos e apresentação de contestação não ostentam nenhuma ilegalidade – Inteligência da CF/1988, art. 62, inciso I, alínea “b”, e seu § 3º – Decisão mantida – Recurso desprovido.” (AI 323.340-5/5-00, Quinta Câmara de Direito Público, Rel. Des. Xavier de Aquino, v. u., 29/04/2004).

“Agravo de Instrumento – Ação Civil Pública – Improbidade Administrativa – Pretensa rejeição liminar da peça inicial – Inadmissibilidade – Ação corretamente proposta – Descrição minuciosa do ato – Ademais, rejeição admitida na Lei n° 8.429/92, por norma processual trazida pela Medida Provisória n° 2.225/01, de duvidosa constitucionalidade ante inovação trazida pela Emenda Constitucional n° 32/01 – Recurso improvido.” (AI 333.611-5/0-00, Sexta Câmara de Direito Público, Rel. Des. Afonso Faro, v. u., 03/05/2004)

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

A EC nº 32/01 não recepcionou a MP nº 2225/01. MP que não observa o princípio da urgência insculpido no art. 62 da CF não gera qualquer eficácia. A EC n° 32/01 vedou expressamente legislar-se por MP matéria de ordem processual. As questões relativas a atos de improbidade podem ser processadas mediante ação civil pública.” (AI 347.472-5/2-00, Terceira Câmara de Direito Público, Rel. Des. Gama Pellegrini, v. u., 04/05/2004)

11. Protesta-se provar o alegado por todos os meios de provas admitidos.

12. Com fulcro no art. 260 do Código de Processo Civil, dá-se à causa o valor de R$ 492.000,00, correspondente a um ano de dano ao erário público de valor mensal de R$ 41.000,00, tal como apontado no item 2.8, acima.

Termos em que, d. r. e a. esta, p. deferimento.

Campos do Jordão, 18 de abril de 2005.

Sebastião José Pena Filho

Promotor de Justiça

Notas de rodapé:

1- Conforme exposição de motivos do projeto de lei, a fls. 58 (vide item 2.2.b, desta peça).

2- Não estão contabilizados os 3 (três) assessores jurídicos.

3- Diz o artigo: Ordenação de despesa não autorizada

Art. 359-D. Ordenar despesa não autorizada por lei:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

4- Diz o preceito: Art. 1 – São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (…)

V – ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes; (…)

5- Dizem os preceitos: Art. 4 – São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato: (…)

VI – descumprir o orçamento aprovado para o exercício financeiro;

VII – praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática;

VIII – omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município, sujeitos à administração da Prefeitura; (…)

6- Art. 20 – A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

7- O art. 20, caput, da Lei n.º 8.429/92, transcrito na nota anterior, acaba por conferir efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário.

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