Pirataria em questão

STF interrompe novamente julgamento de Law Kin Chong

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19 de abril de 2005, 13h51

O julgamento do pedido de libertação do empresário Law Kin Chong, que está preso na Polícia Federal em Brasília, sofreu nova interrupção nesta terça-feira (19/4). A maioria dos integrantes da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, antes de dar seqüência ao julgamento do mérito do Habeas Corpus, decidiu analisar as peças do processo ao qual o empresário responde na 5ª Vara Criminal de São Paulo.

O empresário já havia sofrido uma derrota no final de março passado quando, por maioria de votos, a Primeira Turma indeferiu o pedido de liminar no HC. O julgamento do mérito, iniciado nesta terça-feira, da mesma forma que na apreciação da liminar, contou de cara com voto favorável do relator, ministro Marco Aurélio. “O paciente está preso, sem culpa formada, há dez meses e dezoito dias”, afirmou o ministro. (veja a íntegra de seu voto abaixo).

Para Marco Aurélio, há um descompasso dos fundamentos do decreto de prisão preventiva do empresário com a ordem jurídica em vigor. O ministro condena o fato de que suposições e ilações, que “correm ao sabor da capacidade intuitiva de cada qual” tentem lastrear a apenação antecipada do réu. Além disso, no relatório, Marco Aurélio volta a apontar a existência de um inquérito no STF, instaurado a pedido da Procuradoria-Geral da República contra o deputado Luiz Antonio Medeiros (PL-SP), que presidiu, no ano passado, a CPI da Pirataria na Câmara.

O inquérito levanta a suspeita de que o crime de corrupção que o empresário teria praticado contra o deputado e pelo qual ele está preso, poderia se transformar em crime de concussão. Ou seja, Law Kin Chong, ao contrário de oferecer dinheiro para que Medeiros atenuasse sua exposição no relatório da CPI da Pirataria, teria sido achacado por este. Medeiros, em nota enviada à revista Consultor Jurídico quando o caso começou a ser discutido no STF, considerou o fato um absurdo. O inquérito está sendo relatado pelo ministro Cezar Peluso.

A alegação do excesso de prazo da prisão preventiva apontada pelo ministro Marco Aurélio, no entanto, foi rebatida pelo ministro Carlos Ayres Britto. Ele disse ter informações do juízo federal segundo as quais os advogados do empresário estariam provocando demora no andamento da instrução — o que teria levado à extrapolação do prazo da prisão preventiva.

Diante da informação levada por Britto, o ministro Cezar Peluso afirmou que não teria condições de julgar a questão. Desse modo, para dar continuidade ao julgamento, a Primeira Turma decidiu requisitar todas as peças dos autos na 5ª Vara Criminal de São Paulo anexadas ao processo depois da abertura de vista para alegações finais.

Leia a íntegra do voto do ministro Marco Aurélio

HABEAS CORPUS 85.298-0

PROCED.: SÃO PAULO

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

PACTE.(S): LAW KIN CHONG

IMPTE.(S): LUIZ FERNANDO SÁ E SOUZA PACHECO E OUTRO(A/S)

ADV.(A/S): MARIA ADELAIDE PENAFORT PINTO QUEIRÓS E OUTRO

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Lanço, como parte do relatório, o que tive oportunidade de sintetizar quando da submissão de questão de ordem à Turma, visando ao deferimento da medida acauteladora:

A prisão preventiva do paciente foi decretada, em 1º de junho de 2004, pelo Juízo da 5ª Vara Criminal de São Paulo. Ter-se-ia, como pano de fundo, tentativa de corromper o deputado federal Luiz Antonio de Medeiros, Presidente de Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para investigar fatos relacionados a produtos industrializados – CPI da Pirataria. Ofertada a denúncia, imputou-se ao paciente a prática de corrupção ativa e a de impedir ou tentar impedir o regular funcionamento de comissão parlamentar de inquérito ou o livre exercício das atribuições de seus membros – artigo 333 do Código Penal e artigo 4º, inciso I, da Lei nº 1.579/52. Seguiu-se a impetração de habeas no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, indeferido, e no Superior Tribunal de Justiça, que, por três votos a dois, negou a ordem.

Na inicial do habeas em mesa, ressalta-se que o Procurador-Geral da República veio a provocar instauração de inquérito tendo em conta parâmetros a revelar o crime de concussão. Então, afirma-se que o paciente pode passar da condição de sujeito ativo do crime de corrupção ativa a vítima do crime de concussão.


A seguir, evocando-se o que decidido no Habeas Corpus nº 80.980-SP, relatado pelo ministro Celso de Mello, busca-se demonstrar a insubsistência dos fundamentos da preventiva. Menciona-se o fato de que, ante um leque de tipos penais aventados no inquérito policial, o Ministério Público acabou pinçando dois deles, delimitando os parâmetros objetivos da ação penal. São examinados, na inicial, os fundamentos da preventiva, salientando-se a impertinência do que assentado.

Ter-se-ia o envolvimento de suposições, com consideração de fatos anteriores ao delito e de elementos próprios deste último. Aludindo-se ao período de encarceramento – à data da impetração, em 16 de dezembro de 2004, consubstanciado em 197 dias -, pleiteou-se a concessão de medida acauteladora, vindo-se, alfim, a tornar definitiva, sob o ângulo da prisão preventiva, a liberdade do paciente. Procedeu-se à juntada de cópia da ação penal, acompanhando a peça primeira desta impetração os documentos de folha 13 a 29.

O processo foi distribuído, por prevenção, ao ministro Cezar Peluso, em virtude da relatoria do Habeas Corpus nº 84.089-DF (folha 30). À folha 41, Sua Excelência apontou a impropriedade da prevenção, reportando-se às circunstâncias do caso e registrando que os Habeas Corpus nºs 83.851-DF e 84.089-DF foram ajuizados em face de processo em curso na Comissão Parlamentar de Inquérito, por sinal já arquivada.

Os impetrantes almejaram, no curso do recesso de dezembro, a apreciação da liminar pela Presidência da Corte (folhas 44 e 45), procedendo à juntada do acórdão do Superior Tribunal de Justiça. Mediante a peça de folha 64 a 66, a ministra Ellen Gracie, no exercício da Presidência, indeferiu a liminar, ao fundamento de não se contar com elementos suficientes "ao menos nesse momento" para infirmar a conclusão a que chegou o ministro Hélio Quaglia Barbosa na ocasião do julgamento do habeas pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, decisão da qual se transcreve trecho em que se destaca o poderio da organização que seria liderada pelo paciente, mencionando-se a irrelevância de se tratar de organização criminosa, ou não. Afastando o reflexo da instauração, nesta Corte, do Inquérito nº 2.165, determinou Sua Excelência fossem solicitadas informações ao Superior Tribunal de Justiça, a serem acompanhadas das notas taquigráficas, bem como, uma vez recebidas as peças, fosse colhido o parecer da Procuradoria Geral da República.

No dia 17 do corrente mês, deu entrada petição, insistindo os impetrantes, perante o ministro Cezar Peluso, na concessão da medida acauteladora. Sua Excelência reafirmou a óptica anterior quanto à inexistência da prevenção, o que ocasionou a redistribuição do processo, que me veio concluso, já então com as informações do Superior Tribunal de Justiça, em 24 de fevereiro de 2005.

Acrescento que, à folha 132, consta certidão de julgamento da questão de ordem, com o seguinte teor:

Certifico que a Egrégia PRIMEIRA TURMA ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão, realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Decisão: Após os votos dos Ministros Marco Aurélio, Relator, e Eros Grau deferindo a medida liminar, pediu vista dos autos o Ministro Carlos Britto. 1a. Turma, 01.03.2005.

Decisão: Preliminarmente, por maioria de votos, a Turma rejeitou proposta do Ministro Carlos Britto no sentido de afetar o julgamento desta questão de ordem ao Tribunal Pleno. Prosseguindo o julgamento, após o voto do Ministro Carlos Britto resolvendo a questão de ordem no sentido de indeferir a medida liminar e do reajuste de voto do Ministro Eros Grau, prolatado na Sessão do dia 1º passado, acompanhando o voto de S. Excia., pediu vista dos autos o Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Ministro Marco Aurélio. Não participou deste julgamento o Ministro Sepúlveda Pertence. 1a. Turma, 15.03.2005.

Decisão: Prosseguindo o julgamento, a Turma, por maioria de votos, indeferiu a medida liminar. Vencido o Ministro Marco Aurélio, Relator. Relator para o acórdão o Ministro Carlos Britto. 1a. Turma, 29.03.2005.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à Sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto e Eros Grau.


Subprocuradora-Geral da República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.

Às folhas 135 e 136, um dos impetrantes requereu, ante a projeção, no tempo, da custódia, a remessa do processo à Procuradoria Geral da República, independentemente de lavratura de acórdão quanto à questão de ordem, o que veio a ser deferido (folha 137).

O parecer de folha 139 a 146, da lavra do Subprocurador-Geral Dr. Edson Oliveira de Almeida, é pelo indeferimento da ordem. Após transcrições de votos e da decisão da Presidência, indeferindo a medida acauteladora, bem como de manifestação da Procuradoria junto ao Superior Tribunal de Justiça, consigna-se haver sido a prisão determinada na fase pré-processual, sendo que a denúncia formalizada estaria a versar apenas sobre a prática dos crimes de corrupção ativa e impedimento do livre exercício das atribuições de membro da Comissão Parlamentar de Inquérito – artigos 333 do Código Penal e 4º, inciso I, da Lei nº 1.579/52. Faz-se alusão à continuidade de outras investigações policiais. Então, aponta-se a complexidade do caso, a envolver atuação de grupos interligados. Afasta-se a viabilidade de instauração de um inquérito nesta Corte, base para a concessão da ordem, da mesma forma procedendo-se no tocante à possibilidade de condenação com observância de pena restritiva de direitos.

Lancei visto no processo em 17 do corrente mês, designando, como data de julgamento, a de hoje, 19 de abril de 2005, isso objetivando dar ciência aos impetrantes, no que a desnecessidade de um processo ser incluído em pauta longe fica de implicar surpresa, voltando-se, isso sim, à celeridade no julgamento.

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Valho-me de parte do voto proferido quando da apreciação da questão de ordem:

Hoje, o paciente, sem ter contra si culpa formada, tecnicamente primário, acha-se preso, preventivamente, ante quadro dos mais nebulosos, há oito meses e vinte e cinco dias.

A par desse dado temporal relevante, ao primeiro exame e considerados precedentes da Corte mencionados na inicial – Habeas Corpus nº 80.719-SP, relator ministro Celso de Mello e Habeas Corpus nº 72.368-DF, relator ministro Sepúlveda Pertence, surge descompasso dos fundamentos da preventiva com a ordem jurídica em vigor. Não servem a lastreá-la suposições, ilações que correm ao sabor da capacidade intuitiva de cada qual; não servem a lastreá-la aspectos ligados à própria prática do crime que se imputa, como se fosse o meio a ter-se apenação antecipada, sem se contar, no processo, com elementos probatórios a serem coligidos por provocação do Ministério Público. Como salientado na inicial, foram olvidadas essas premissas, com distanciamento da jurisprudência da Corte. Observem-se os parâmetros do ato extremo de constrição (folha 147 do apenso I):

Estão presentes os pressupostos autorizadores da prisão preventiva, uma vez que existe prova da materialidade de delito de corrupção ativa (art 333 do CP) e de quadrilha ou bando (art 288 do CP), e do crime previsto no art 4º, inc. I da Lei nº 1.579/52, além de indícios suficientes de autoria destes delitos (fls. 05/54 e fls. 16/62 e 166 dos autos nº 2004.61.81.3735-5 em apenso).

Além disso, constato presentes "in casu" os requisitos ensejadores da prisão cautelar. Vejamos.

De início, impende ressaltar que a conduta criminosa irrogada é aterradora e extremamente grave. Os requeridos, persistindo no intento de manterem sua atividade criminosa, animaram-se a tentar corromper servidor público federal, para que permanecessem imunes à repressão estatal: revelam, assim, possuírem personalidades temerárias e audaciosas, incompatíveis com a vida comunitária, recomendando sejam segregados cautelarmente para garantir a ordem pública.

Ademais, a conduta por eles desenvolvida abala a credibilidade de um dos Poderes da República, já que os requeridos, pela prova produzida, ofereceram vantagem patrimonial a Deputado Federal, presidente de Comissão Parlamentar de Inquérito – uma das mais relevantes instâncias de investigação do Estado Brasileiro -, objetivando que LAW KING CHONG e seus familiares fossem beneficiados no relatório final da aludida Comissão, o que sem dúvida põe em risco a ordem pública.


Com efeito, a conduta dos requeridos, procurando ilicitamente interferir nos trabalhos de CPI, gera intranqüilidade social e atinge a boa reputação de prestigiado órgão do Poder Legislativo (artigo 58, § 3º, da Constituição Federal), causando comoção popular, afigurando-se, neste contexto, necessária a decretação das prisões preventivas requeridas, como forma de acautelar o meio social. Veja-se, a propósito, o seguinte precedente do E. Superior Tribunal de Justiça: "A ordem pública resta ofendida quando a conduta provoca acentuado impacto na sociedade, dado ofender significativamente os valores reclamados, traduzindo vilania no comportamento" (RHC nº 3169-5, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJU de 15.05.95, p. 13446).

Por outro lado, o poder econômico demonstrado pelo grupo criminoso – tendo em vista o astronômico valor em dinheiro oferecido ao parlamentar – e seu intuito de, através de meios escusos, arredar de suas atividades qualquer espécie de investigação criminal, está a demonstrar que eventual instrução criminal restará seriamente ameaçada, caso os requeridos permaneçam em liberdade e possam lançar mão de seus estratagemas espúrios.

Especificamente quanto ao requerido LAW, além de capitanear rede criminosa em franca atividade, observo que ele figura como indiciado em inquéritos policiais (autos nº 2002.61.81.4250-0 e nº 97.0106034-2 – fls. 26/27 e 38/40), perante esta Justiça Federal, denotando pendor para a prática de ilícitos, o que, somado a seu estreito relacionamento com policiais estaduais e federais, além de outras autoridades, como se dessume do conteúdo das gravações e documentos constantes destes autos e dos autos em apenso, potencializa o risco à ordem pública e reforça a necessidade da prisão "ante tempus". Da mesma maneira, anoto que o requerido PEDRO LINDOLFO registra antecedentes criminais, uma vez que há notícia de que responde a outras ações penais (autos nº 95.0104133-6 e nº 2000.61.81.0831-2 – fls. 28/37).

Como bem assentou o órgão ministerial, o prosseguimento da atuação criminosa do grupo e o fato de os principais artífices da corrupção, a despeito de investigados tanto pelo Poder Judiciário como pelo Poder Legislativo Nacional, insistirem na prática criminosa, comprovam a absoluta necessidade da decretação da prisão cautelar.

Pelo exposto, com fulcro no artigo 312 do Código de Processo Penal, para garantir a ordem pública e por conveniência da instrução criminal, DEFIRO o pedido de fls. 02/04 e DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA de LAW KING CHONG e PEDRO LINDOLFO SARLO.

Acrescento que o voto condutor do julgamento da questão de ordem fez-se lastreado não na totalidade das premissas do ato alusivo à preventiva, mas em três delas, a saber:

Preservação da ordem pública:

– Prejuízos à credibilidade de um dos Poderes da República (itens 13 a 16)

– Poder econômico e continuação das atividades delitivas (itens 18 a 28)

– Liderança de rede criminosa com diversas ramificações (itens 29 a 41)

Sob o ângulo de excesso de prazo, Sua Excelência ressaltou que a instrução criminal encerrara-se e que o réu não pode ser beneficiado com o atraso de perícia por ele requerida.

Devem ser levados em conta os parâmetros do processo no qual implementada a custódia. Conforme ressaltado no parecer do Subprocurador-Geral da República, com elogiável honestidade intelectual, a denúncia versou tão-somente sobre os crimes de corrupção ativa e impedimento do livre exercício das atribuições de membro da Comissão Parlamentar de Inquérito. Vale dizer que envolvimentos outros, quer ante investigações policiais ou mesmo ações penais em curso, não podem servir a uma verdadeira suplementação do ato impugnado mediante este habeas corpus. Analisem-se, um a um, os fundamentos da preventiva:

a) Da conduta criminosa, aterradora e extremamente grave.

Vê-se que se considerou a prática delituosa em si e, sem culpa formada, sem a preclusão de título condenatório, partiu-se para a segregação.

b) Da persistência do intento criminoso.

Aqui serve o que costumeiramente proclamado por esta Corte. Na preventiva, levam-se em conta aspectos objetivos – e não subjetivos, a correrem ao sabor da capacidade intuitiva do órgão que a examine.


c) Da personalidade temerária e audaciosa.

O que assentado parte dos dados anteriores e, portanto, mostra-se insubsistente, pouco importando que se tenha empolgado a garantia da ordem pública. Há de se aguardar a tramitação da ação penal, o julgamento definitivo e, mais do que isso, em face da garantia constitucional da não-culpabilidade, a condenação do paciente. Embora desnecessário, porquanto cumpre respeitar as balizas do processo no qual implementada a preventiva, diga-se de igual forma no tocante a inquéritos e ações penais estranhos à ação na qual implementada a custódia.

Cabe ressaltar, no caso, a neutralidade do que apontado como abalo da credibilidade de um dos Poderes da República. A prevalecer essa base do pronunciamento que resultou na preventiva, ter-se-á, sempre, imputado crime que alcance um dos Poderes da República, a prisão imediata, a prisão obrigatória, invertendo-se, a mais no poder, a ordem natural das coisas e voltando-se a período de há muito suplantado.

d) Da intranqüilidade social e da boa reputação do Poder Legislativo.

Mais uma vez, é de salientar o subjetivismo que embasa a definição de tranqüilidade social e de boa ou má reputação deste ou daquele órgão, deste ou daquele poder. A comoção popular alusiva ao fato que resultou na prisão do paciente diz respeito ao que veiculado pela mídia e aí cumpre repetir palavras de Joaquim Falcão, em artigo publicado no jornal O Globo, de 6 de junho de 1993, sob o título "A Imprensa e a Justiça":

Ser o que não se é, é errado. Imprensa não é justiça. Essa relação é um remendo. Um desvio institucional. Jornal não é fórum. Repórter não é juiz. Nem editor é desembargador. E quando, por acaso, acreditam ser, transformam a dignidade da informação na arrogância da autoridade que não têm. Não raramente, hoje, alguns jornais, ao divulgarem a denúncia alheia, acusam sem apurar. Processam sem ouvir. Colocam o réu, sem defesa, na prisão da opinião pública. Enfim, condenam sem julgar.

Também, o barulho da turba não serve a implementar-se algo que, por natureza e à luz do direito constitucional posto, está no campo das exceções, ou seja, a prisão de simples acusado em relação ao qual milita o princípio da presunção, da não-culpabilidade. Sem fazer-se comparação, considerados os envolvidos, nunca é demais lembrar que a voz do povo levou Cristo ao Calvário.

e) Do poder econômico do grupo e da chefia deste.

Também aqui se partiu para o terreno da presunção e aí, ante o poderio econômico financeiro do paciente, não estampado sequer em constatação efetiva, em documento que o pudesse tornar extremo de dúvidas, proclamou-se a necessidade da custódia. Tanto faz cuidar-se, no processo, do rico ou do pobre; tanto faz possuir o processo, sob o ângulo da autuação, sob o ângulo das partes, esta ou aquela capa. Há de se atuar com eqüidistância e não se tem, na ordem jurídica, no Código de Processo Penal, base para a preventiva, quer em vista do poder econômico de certo grupo, quer da liderança deste. Vê-se que, no ato atacado, colocaram-se em dúvida, até mesmo, os freios inibitórios daqueles que se mostram servidores públicos e que merecem o devido respeito.

Aludiu-se ao estreito relacionamento da paciente "com policiais estaduais e federais, além de outras autoridades, como se dessume do conteúdo das gravações e documentos constantes destes autos e dos autos em apenso (…)". Proclamou-se que tal fato coloca em risco a ordem pública, reforçando a necessidade da prisão que, ainda bem, reconheceu-se "ante tempus". Em síntese, a prisão do paciente veio a ressoar como tentativa de evitar que autoridades sucumbissem, como se isso fosse a regra nas relações públicas. Deve-se presumir não o excepcional, o extravagante, o extraordinário, o teratológico, mas o que normalmente ocorre, imaginando-se, quanto àqueles que atuam personificando o Estado, procedimento harmônico com as regras da boa conduta e não a bandidagem desenfreada.

f) Da insistência da prática delituosa.

Aqui se fez presente petição de princípio – imputada prática delituosa, tem-se, como conseqüência inafastável, que o envolvido insistirá e virá a praticar outros atos penalmente glosados. Eis a inversão da ordem natural das coisas. Eis enfoque que se afigura de todo extravagante, implicando o desconhecimento da natureza humana. O homem, quando acusado, quando acuado, fica, isso sim, mais atento quanto aos atos que deva praticar, evitando posturas fronteiriças que possam servir, até mesmo, à satisfação de dados estatísticos. Isso é o que normalmente ocorre, e não a busca da vantagem indevida, a continuidade da prática de delitos, a derrocada em maior extensão. Vê-se que o ato alusivo à preventiva é um verdadeiro hino ao preconceito, resultando na revelação de raciocínio a partir de reserva mental, já que impossível o encarceramento a partir da presunção de o paciente ser culpado não só consideradas as imputações constantes do processo em curso, em que determinada a custódia, como também de qualquer outro que esteja formalizado ou venha a sê-lo.

Não me canso de dizer que se paga um preço por se viver em um Estado Democrático de Direito. Ele é módico e pode ser satisfeito por todo e qualquer cidadão, independentemente da própria qualificação: está no respeito irrestrito ao direito posto, às regras elaboradas pelo Legislativo. Em última análise, tenha-se sempre presente, objetivando a segurança jurídica – e o chicote muda de mãos – que, em Direito, o meio justifica o fim, e não este, aquele.

A par da precariedade das premissas do ato de prisão preventiva, considere-se, ainda, sob o ângulo da concessão de ordem de ofício, já que esse tema não foi alvo de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, a projeção, no tempo, de algo precário e efêmero que jamais pode ser visto como uma verdadeira pena, ou seja, a prisão preventiva. O paciente está preso, sem culpa formada, há dez meses e dezoito dias.

Concedo a ordem. Projeto o exame do pedido de extensão ao co-réu para a fase posterior à conclusão, se positiva, do Colegiado.

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