Perigo ao lado

MP pode contribuir para legalizar dinheiro da MSI

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18 de abril de 2005, 8h44

Dois episódios recentes envolvendo futebol e Justiça mostram pedagogicamente como boas intenções podem ser o melhor caminho para sepultar boas ações. Tanto na turbulenta onda de indignação pelo suposto caso de racismo contra o jogador Grafite como na investigação do Ministério Público de São Paulo sobre a origem do dinheiro dos parceiros do Corinthians, o resultado da ação pode ser justamente o oposto do que se busca.

Execrar e humilhar o agressor que, no calor da refrega, chamou seu opositor de “negro”, ou, vá lá, de “negro de merda”, de repente se transformou na solução final para todas as dívidas e culpas raciais dos brasileiros. Melhor ainda que o infrator é um “argentino”, e com isso, além de expiar nossas próprias culpas, podemos exercitar, sem complexos, nossa xenofobia.

O perigo em todo o carnaval montado em torno do episódio é a possibilidade de se reduzir o crime de racismo ao de injúria. O que facilita as coisas: preso o agressor está resolvido todo o contencioso racial. Por mais infamante que seja, chamar um negro de negro não é o cerne da questão racial. Obrigar-se a uma linguagem politicamente correta, infelizmente, não vai diminuir a exclusão a que nosso modelo de sociedade condenou sua parcela menos favorecida, que por inúmeras razões, está constituída em sua maioria de negros e pardos.

O segundo episódio jurídico-esportivo da última semana se refere ao relatório que o Ministério Público de São Paulo produziu sobre a suspeita origem do dinheiro da MSI, a misteriosa empresa internacional que se tornou parceira do Corinthians.

Nenhuma pessoa minimamente informada duvida de que na toca MSI/Corinthians tem coelho. Mas daí a levar a sério as conclusões do MPE de São Paulo, há uma distância transiberiana.

Para os promotores que assinam o relatório, a história é clara. Um mafioso russo, chamado Bóris Berezovsky, com dinheiro sujo sobrando, resolve lavá-lo investindo em um grande clube do país do futebol. Pode ser até verdade, mas apesar de todo esforço do MP paulista, ela não fica demonstrada.

Com uma ligeireza de dar inveja a Carlitos Tevez os promotores traçam em um parágrafo o perfil criminoso de Berezovsky: “Também se vê daquele documento a ligação de Boris Berezovsky com sucessivos governos da antiga União Soviética e, posteriormente, da Rússia, fato que lhe propiciou a aquisição de empresas estatais a preços abaixo do valor real de mercado e, também, a acusação de ter representado “papel importante no desenvolvimento da ‘jihad’ islâmica ao financiar as ações de grupos armados na Tchetchênia em 1999”, assim, apontado como “banqueiro informal” dos movimentos tchetchenos, local que, nos dois anos seguintes, “se tornaria um centro para a ação de criminosos”, tendo sua capital, Grozny, listada como importante ponto para o “tráfico internacional de heroína”.

Como se estivesse no papel da CVM russa, o MP de São Paulo decreta um crime para Berezovsky no processo de privatizações na Rússia e como se fosse um Tribunal Internacional de Guerra declara ilegal sua participação no conflito separatista da Chechênia. Infelizmente não consegue com a mesma autoridade, dizer porque acham que o dinheiro da MSI é sujo e o que Berezovsky tem a ver com isso.

Neste caso também se corre um grave risco: diante da impossibilidade de provar que o dinheiro da MSI tem origem criminosa, o MP pode acabar contribuindo para legalizá-lo.

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