Soja transgênica

Produtor do RS fica livre de pagar royalties a Monsanto

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15 de abril de 2005, 11h57

O produtor de soja transgênica, Gilberto Cassol, do município de Três Passos (RS), não terá de pagar royalties para a Monsanto na venda do produto para as cooperativas ou empresas que comercializam a safra. A decisão é da juíza Cátia Paula Saft, da 1ª Vara Cível da Comarca de Três Passos. Cabe recurso.

Segundo ela, a cobrança “não segue um parâmetro jurídico ou legal, mas sim uma verdadeira busca de lucro fácil às expensas dos produtores rurais, que, sem alternativa, necessariamente são obrigados a pagar o valor”.

O advogado do produtor, Marvius Dornelles Remus, entrou com pedido de Antecipação de Tutela para suspender a cobrança de royalties. Alegou que ela é abusiva, ilegal, desprovida de qualquer fundamento econômico, sem embasamento jurídico e decorrente de uma tentativa de dominação do mercado.

De acordo com ele, o produtor é obrigado a comercializar a safra para empresas que dominam mais de 80% do mercado nacional de soja tendo de “se submeter ao recolhimento compulsório e impositivo” dos royalties. O pedido foi fundamentado na Lei de Cultivares (nº 10.688/03), Lei de Defesa Econômico (nº 8.894/94), Lei de Regulamentação da Soja Transgênica (nº 11.092/05) e Lei de Propriedade Industrial (nº 9.279/96).

Argumentos aceitos

A juíza Cátia Paula Saft acatou os argumentos do produtor. Ela considerou que a maioria dos produtores rurais do Rio Grande do Sul, sob pena de não ver sua produção comercializada, fica obrigada a “depositar a safra junto aos ‘colaboradores’ da empresa demandada”.

Segundo a juíza, a Monsanto “supõe” que a tecnologia da soja geneticamente modificada é sua e pode estar cobrando sem comprovar que a semente usada no plantio da safra comercializada seja sua. “Basta conhecer minimamente a situação agrícola do estado para saber-se que a maior parte da semente plantada no RGS é advinda da vizinha Argentina, trazida ilicitamente pelos ‘barraqueiros’ e rapidamente disseminada entre os produtores, que a repassaram de vizinho em vizinho. Ademais, a Requerida somente estaria autorizada a cobrar royalties se pudesse comprovar que a venda [da semente] foi feita por si, requisito com o qual não pode cumprir, mas que não pode ser imputado ao produtor”, diz a juíza.

De acordo com a juíza, “considerando que na vizinha Argentina o cultivo dos organismos geneticamente modificados já é autorizado há longa data, pode-se afirmar que muitas das sementes lançadas ao solo hodiernamente não são de tecnologia da Requerida, pois como é de conhecimento geral, no mundo há outras empresas que igualmente já dominam esta tecnologia, no Brasil, inclusive, a Embrapa”.

Ela suspendeu a exigibilidade da cobrança de royalties e fixou multa de R$ 10 mil em caso de descumprimento.

Leia a decisão

Vistos.

Trata-se de Ação Ordinária c/c Pedido Liminar ajuizada por Gilberto Cassol em favor de Monsanto do Brasil Ltda, aduzindo que é produtor rural e nessa condição comercializada anualmente a quantia aproximada de 25.000 (vinte e cinco mil) sacas de soja. Disse que a demanda busca garantir o seu direito de não pagar royalties sobre a comercialização de sua produção de soja, argumentando que a cobrança estaria sendo feita de forma ilegal pela empresa demandada, sem qualquer embasamento legal, decorrente de uma tentativa de dominação e abuso e mercado relevante (trust) de soja geneticamente modificada (transgênica) no Brasil.

Referiu que a empresa se intitula titular exclusiva da tecnologia denominada “Roundup Ready”, pelo que vem cobrando, de forma abusiva, R$ 1,20 (um real e vinte centavos) por saca de soja produzida e comercializada no RGS.

Asseverou que tal pretensão, por ilegal e despida de qualquer fundamento econômico ou jurídico, não se realiza diretamente pela ré, mas através de um cartel ou trust, formado por participantes e colaboradores previamente contratados pela demanda, encarregados de cobrar e repassar os valores arrecadados. Mencionou que estes participantes e colaboradores dominam mais de 80% (oitenta por cento) do mercado nacional de compra da soja, de modo que o autor submete-se ao recolhimento compulsório e impositivo, sob pena não ter com quem comercializar sua produção.

Fundamentou sua pretensão na Lei de Cultivares (nº 10.688/03), Lei de Defesa Econômico (nº 8.894/94), Lei de Regulamentação da Soja Transgênica (nº 11.092/05) e Lei de Propriedade Industrial (nº 9.279/96).

Discorreu acerca da matéria de forma prolongada e, ao final, pediu, inclusive em liminar, fosse declarada judicialmente a inexigibilidade de cobrança dos royalties, com a ressalta de eventual e futura ação específica para repetição de valores até então recolhidos indevidamente à ré, através de seus prepostos. Requereu a incidência de multa diária para o caso de descumprimento.


Breve, é o relatório.

Decido.

Inicialmente cabe apenas um pequeno reparo, em razão da notícia veiculada nos meios de comunicação no último dia 25 de março, informando que, em razão de negociação havia entre os representantes dos produtores e a empresa ora demandada, restou acertado o pagamento de 1% (um por cento) do valor recebido pela saca de soja para a safra 2004/2005. No entanto, para a safra do ano de 2005/2006, restou acordado que o desconto será de 2% (dois por cento).

A notícia está assim veiculada no Jornal Correio do Povo de 25-03-05: “Terminou ontem a longa negociação sobre o valor a ser pago pelos produtores pelo uso não autorizado da tecnologia Roundup Ready, da Monsanto. Para a safra 2004/2005, o percentual será 1% do valor recebido pela saca de soja. Hoje, de acordo com o preço médio de R$ 32,32,calculado pela Emater, a cobrança seria de R$0,32 por saca. Para a safra 2005/2006, o desconto será de 2%. A Monsanto pretendia cobrar R$ 1,20 por saca, mas recuou em função da seca e das cotações da oleaginosa, em baixa. O gerente de negócios da Monsanto no Brasil, José Carramate, classifica o acerto como um “acordo de cavalheiros, sem assinatura formal”. Segundo Carramate, a cobrança será feita no ato da comercialização. Empresas e cooperativas farão repasses mensais a Monsanto e ficarão com uma porcentegam, não revelada. “Mesmo que o grão seja armazenado e só comercializado mais tarde, caso das vendas futuras, o produtor pagará só no momento da venda” .(grifei trechos). Só falta ser necessário o pagamento prévia!!!!

Peço vênia para utilizar a notícia transcrita, pois tenho que reflete muito bem a realidade da questão, razão pela qual parto desta para assinalar a ilegalidade da cobrança pretendida.

Pela nota veiculada percebe-se a ilegalidade da cobrança pretendida, pois fixada ao livre arbítrio da empresa demandada, de tal modo que inclusive alterou o valor pretendido em razão da “seca e das cotações da oleaginosa”. Ou seja, evidente, portanto, que o valor pretendido pela Empresa não segue um parâmetro jurídico ou legal, mas sim uma verdadeira busca de lucro fácil às expensas dos produtores rurais, que, sem alternativa, necessariamente serão obrigados a pagar o valor unilateralmente estipulado pela Requerida, mas, claro, somente no momento da venda!

A alusão chega a ser ofensiva , pois além de pretender indenização por produto que não possui condições de provar que advém de sua tecnologia, a empresa Requerida acredita estar ‘auxiliando’ os produtores ao cobrar o valor apenas ao final.

De outro lado, merece destaque a referência ao fato de que as Cooperativas e Empresas farão repasses mensais à Monsanto e ficarão com uma porcentagem, não revelada. Parece ou não formação de um verdadeiro cartel?! Ocorre que o único a obrigar-se a tudo, sem direito a reclamações é o produtor, aquele que efetivamente faz girar a economia neste Estado e País! Para este, não há alternativa, exceto pagar o valor, sob pena de não ver comercializada sua produção, situação que assume relevância diante de que a grande maioria dos produtores rurais do RGS não possuem condições físicas de armazenar sua produção nem mesmo por poucos dias, obrigando-se, portanto, a depositá-la junto aos “colaboradores” da Empresa demandada, com quem esta já possui um acordo prévio, cujos termos não foram revelados.

Tenho, no entanto, que a par de todas essas argumentações, a mais importante é o fato de que a empresa demandada está a cobrar por tecnologia que supõe seja sua.

Basta conhecer minimamente a situação agrícola da Estado para saber-se que a maior parte da semente plantada no RGS é advinda da vizinha Argentina, trazida ilicitamente pelos “barraqueiros” e rapidamente disseminada entre os produtores, que a repassaram de vizinho em vizinho.Ademais, a Requerida somente estaria autorizada a cobrar royalties se pudesse comprovar que a venda foi feita por si feita, requisito com o qual não pode cumprir, mas que não pode ser imputado ao produtor.

E não se diga que se pretende premiar o ilícito, pois para tal prática muito contribuiu o Poder Público, esquivando-se de enfrentar a matéria de forma séria e urgente, como se exigia e se esperava.

No entanto, diante da clandestinidade que a produção enfrentava e considerando que na vizinha Argentina o cultivo dos organismos geneticamente modificados já é autorizado há longa data, pode-se afirmar que muitas das sementes lançadas ao solo hodiernamente não são de tecnologia da Requerida, pois como é de conhecimento geral, no mundo há outras empresas que igualmente já dominam esta tecnologia, no Brasil, inclusive, a Embrapa.

De outro lado, cabe frisar que mesmo admitindo que a empresa demandada possua o domínio da produção da semente, não me parece crível que em razão de tal patente, esteja autorizada a cobrar também sobre a produção, pois ao adquirir a semente o produto invariavelmente já estará pagando pele tecnologia da semente. Assim, desculpando-me pela ignorância, mas não vislumbro justa causa para a exigência de valores sobre a produção.


Nesse sentido, tenho que muito bem apontou o ilustre Dr. Victor Luiz Barcellos Lima, quando da apreciação do pedido liminar no Agravo de Instrumento 70010740264, oportunidade em que assim se manifestou: “O fumus boni iuris a amparar a pretensão do recorrente, consiste na aplicação do dispositivo na lei 9.456/97, denominada lei de proteção de cultivares, que confere direito intelectual, inclusive aquele relativo à modificação genética, tão-só no que tange ao material de produção da planta, n~]ao se estendo, por evidente, à toda produção de soja como notificado na peça exordial. Nos termos da lei, portanto, não há previsão de direito intelectual sobre a produção de soja, impondo-se a concessão da liminar postulada pela agravante”.

A respeito do Agravo, permito-me discordar do Eminente Relator, que ao julgar o mérito do Recurso, entendeu pela pertinência da cobrança pretendida aduzindo que “sendo a agravada titular das patentes relativas à s sementes utilizadas pelos produtores, plausível a pretensão, escudada na lei Maior(art 5º, caput, inciso XXIX) e Lei de Patentes, de pretender indenização(não royalties) pelo uso de semente de soja por ela desenvolvidas”. (grifei). Ocorre que, exceto entendimento equivocado, inexiste previsão legal para exigir-se indenização prévia, a semelhança do que está ocorrendo, pois evidentemente se trata de hipótese de exigência de indenização prévia, estipulada unilateralmente pela demandada, sem qualquer possibilidade de inadimplemento, sob pena de apodrecer a produção nos armazéns das empresas recebedoras.

De outro lado, não vislumbro caso de enriquecimento sem causa por parte do produtor rural, pois , como já assinalado, não existe comprovação de que a semente por este utilizada advém da tecnologia da Empresa Ré.

Diante dos argumentos acima expostos, evidenciam-se presentes os requisitos para o deferimento da antecipação de tutela, pois assente a plausibilidade do direito substancial invocado pelo requerente, havendo uma aparência incontestável de que se trata de verdade real, e, ainda, há fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, pois uma vez pronta para a colheita, obrigatoriamente a oleaginosa deverá ser comercializada, ocasião em que estará o autor obrigado a efetuar o recolhimento do percentual pretendido pela demandada. Eventual devolução das importâncias resultaria em processo longo e demorado, ao qual não deve subjugar-se a parte demandante, em razão dos fundamentos acima expostos.

Destarde, presente os requisitos legais, DEFIRO o pedido de antecipação de tutela e SUSPENDO a exigibilidade da cobrança dos royalties eventualmente incidentes na produção do autor e DETERMINO à Requerida que se abstenha de cobrá-los, direta ou indiretamente, através de Cooperativas ou Empresas, sob pena de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais) em caso de descumprimento.

Ressalto que a multa vai fixada em tal patamar como forma de desestimular o descumprimento e garantir a eficácia da decisão, especialmente em razão da capacidade econômico-financeira da Demandada.

Oficie-se, comunicando.

Sem prejuízo, cite-se a parte Requerida para que, no prazo de 15 dias, conteste o feito, sob pena de revelia.

Int.

Dil. Leg.

Três Passos, 28 de março de 2005.

Cátia Paula Saft

Juíza de Direito

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