Fora de ordem

Juiz não tem direito a recuperar inscrição antiga da OAB

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14 de abril de 2005, 12h47

Juízes e desembargadores do Rio Grande do Sul não têm direito a recuperar o número da antiga inscrição na OAB. Acórdão da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acatou o pedido da seccional gaúcha da OAB e vedou a restauração do número de inscrição em caso de cancelamento e posterior retorno aos quadros da entidade.

Para os ministros, o exercício de atividade incompatível com a advocacia acarreta o cancelamento da inscrição na OAB e não o seu licenciamento. “A imutabilidade de inscrição somente pode ser assegurada a quem não teve a inscrição cancelada, pois o cancelamento implica a eliminação total do vínculo do profissional com a instituição corporativa”, afirmou o ministro Castro Meira.

O advogado e juiz aposentado Miguel Juchem, impetrou Mandado de Segurança pelo reconhecimento do direito a restabelecer o número de sua inscrição original. O pedido de cancelamento foi feito em 1981, quando o advogado tomou posse como juiz. Após aposentar-se, em 1998, solicitou a sua inscrição no quadro de advogados, com a reativação de sua inscrição anterior, fundamentando o seu pedido na lei nº 4.215/63.

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região concedeu a segurança e determinou que a OAB-RS procedesse à inscrição de Miguel Juchem com o número original. A entidade, representada pelo advogado Pedro Maurício Machado, conselheiro da OAB gaúcha, recorreu ao STJ. A informação é do site Espaço Vital.

Sustentou que a decisão é contrária ao artigo 62 da Lei nº 4.215/63, que se limitava a assegurar a imutabilidade do número atribuído em ordem cronológica, e não para a inscrição subseqüente. Invocou também a Lei nº 8.906/94, que vedou expressamente a restauração do número anterior da inscrição.

A relatora, ministra Eliana Calmon, considerou que “quando o profissional assume, em caráter definitivo, cargo ou função incompatível com o exercício da Advocacia, necessariamente dá-se o cancelamento da sua inscrição, não tendo havido alteração do regime da lei 4.215/63 para o regime da lei 8.906/94. Para voltar a exercer a profissão, deve-se proceder a nova matrícula, daí porque não se pode falar em reativação da matrícula anterior, preservando-se o número antigo”.

O ministro Franciulli Netto, voto vencido, negou provimento ao recurso da Ordem. Ele considerou ser possível a inscrição do juiz aposentado na OAB com o seu número original. Os demais ministros da Turma votaram com a relatora.

RESP nº 475.616

Leia a íntegra do acórdão

RECURSO ESPECIAL Nº 475.616 – RS (2002⁄0148914-0)

RELATORA:MINISTRA ELIANA CALMON

RECORRENTE:ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL DO RIO GRANDE DO SUL

RECORRIDO :MIGUEL ANTONIO JUCHEM

EMENTA

ADMINISTRATIVO – ADVOGADO – INSCRIÇÃO – CANCELAMENTO – NOVA INSCRIÇÃO – MANUTENÇÃO DO NÚMERO ORIGINÁRIO – IMPOSSIBILIDADE – VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC – QUESTÃO CONSTITUCIONAL.

1. Não cabe ao STJ, a pretexto de violação ao art. 535 do CPC, examinar omissão em torno de dispositivo constitucional, sob pena de usurpar a competência da Suprema Corte na análise do juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários. Mudança de entendimento da Relatora em face da orientação traçada no EREsp 162.765⁄PR.

2. Tanto a Lei 4.215⁄63 quanto a Lei 8.906⁄94 estabelecem que o profissional que passasse a exercer, em caráter definitivo, cargo ou função incompatível com a advocacia necessariamente deve ter cancelada sua inscrição. O licenciamento, por sua vez, está previsto para a hipótese em que o profissional exerce, em caráter temporário, cargo ou função incompatível com a advocacia.

3. Cancelado o registro, seja na vigência do Estatuto antigo ou do novo regime, inexiste direito à manutenção do número da inscrição originária, pois o art. 11, § 2º da Lei 8.906⁄94 apenas explicitou o que já estava previsto no art. 62 da Lei 4.215⁄63.

4. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Castro Meira, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora. Vencido o Sr. Ministro Franciulli Netto, que lhe negou provimento.” Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira e Francisco Peçanha Martins votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília-DF, 09 de novembro de 2004 (Data do Julgamento)

MINISTRA ELIANA CALMON

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: –

Trata-se de recurso especial, interposto com fulcro na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão do TRF da 4ª Região assim ementado: “MANDADO DE SEGURANÇA. INSCRIÇÃO JUNTO À ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. CANCELAMENTO DECORRENTE DO EXERCÍCIO DE CARGO INCOMPATÍVEL COM O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. NÚMERO DE INSCRIÇÃO ANTIGO. LEI 4.215⁄64 E LEI 8.906⁄94. ULTRA-ATIVIDADE DA LEI EM QUE SE DEU A INSCRIÇÃO ORIGINÁRIA.


– Afastada a causa proibitiva do exercício da advocacia, em face de exercício de cargo incompatível com a mesma, e deferida a inscrição do profissional junto à OAB, regulará o ato de inscrição a lei em que se deu a inscrição originária, que na sua ultra-atividade deixará a salvo das reservas da nova lei o direito adquirido do inscrito.

– Tendo a inscrição originária se dado sob a égide da lei 4.215⁄63, onde o número do registro era imutável – art. 62 – não se aplica ao inscrito a vedação do art. 11, § 2º da lei 8.906⁄94, fazendo, pois, o inscrito jus a restabelecer seu número originário de inscrição.

– Apelação e remessa oficial improvidas”. (fls. 200)

Sustenta a OAB que a rejeição dos embargos declaratórios afrontou o art. 535, II do CPC, porque não se manifestou o Tribunal de origem sobre o art. 5º, XXXVI da CF, relativamente à tese da existência de mera expectativa de direito ao número antigo de inscrição, porque os fatos aquisitivos do direito (cancelamento e reinscrição) não se teriam configurado por completo ao tempo da lei antiga (Lei 4.215⁄63).

Aduz contrariedade ao art. 62 da Lei 4.215⁄63, que se limitava a assegurar a imutabilidade do número atribuído em ordem cronológica “a cada inscrição” e não, na hipótese de seu cancelamento, para a inscrição subseqüente, bem como negativa de vigência ao art. 11, § 2º da Lei 8.906⁄94, que vedou expressamente a restauração do número de inscrição anterior.

Afirma que a inscrição foi cancelada (tornada nula, ineficaz), não se tratando de mero licenciamento por impedimento temporário, hipótese em que o registro originário teria permanecido e mesmo sob a égide do Estatuto anterior não havia direito à imutabilidade do número para o advogado que cancelasse a inscrição. Entende que, ainda que o cancelamento tenha se processado na vigência da lei anterior, e que do art. 62 da Lei 4.215⁄63 decorresse o direito à “reativação” do número quando da reinscrição, os elementos configuradores do direito adquirido não se teriam verificados todos, pois a “reinscrição” e a “reativação” do número somente veio a ser requerida quando já vigente a lei nova, o que se constitui mera expectativa de direito, e não direito adquirido.

Alega que o STF já reconheceu inexistir direito adquirido, lato sensu, ao regime jurídico do exercício profissional, inclusive na advocacia, verbis:

“ADVOGADO. INSCRIÇÃO NA O.A.B. ANTERIORMENTE A LEI N. 4.215, DE 27.04.63, QUANDO VIGIA O ART. 11 DO DEC. N. 22.478⁄33. Por não exercer cargo público o recorrente não tinha nenhum impedimento. Nomeado Procurador Estadual, passou a incidir impedimento previsto no art-85, inc-VI, da mencionada Lei n. 4.215. Se o advogado não tem impedimento, ao tempo da sua inscrição, vem a contraí-lo, incide no regime na lei nova (art-149 da Lei n. 4.215⁄63). O respeitável aresto recorrido adotou a melhor exegese da regra legal. o art. 5. do Provimento n. 11 do Conselho Federal da OAB deixou de ser prequestionado. Ao demais, quando assim não fosse, regra de provimento não se sobrepõe a norma legal. Dissidio jurisprudencial não caracterizado. Aplicação da Súmula 369. Recurso extraordinário não conhecido”. (RE 90.190⁄RJ, Relator Min. Djaci Falcão, 2ª Turma, unânime, DJ de 11⁄03⁄1983, página 2.474)

Sustenta que se número de inscrição releva para a identificação do advogado, a intenção do legislador, ao ditar o novo Estatuto da Profissão foi exatamente a de impedir que ex-advogados, tendo-se voltado em caráter permanente a mister diverso, abandonando a condição original de advogado, possam se valer do número de inscrição anterior, já cancelada, como se advogados antigos fossem, pois que, de direito e de fato, não o são. O exercício da magistratura, ou do Ministério Público, da escrivania judicial ou de tabelionato, por exemplo, não se constitui em simples suspensão da advocacia, mas de efetiva desistência dessa profissão, com a efetiva adoção de outra.

Após as contra-razões, subiram os autos, admitido o especial na origem. Relatei.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA): O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, para satisfazer-se o requisito do prequestionamento, é necessário que o Tribunal a quo tenha emitido juízo de valor a respeito da tese defendida no recurso especial.

Assim, se a violação a dispositivo infraconstitucional ocorrer com o julgamento na Segunda Instância, devem ser interpostos embargos de declaração para que o Tribunal se manifeste a respeito. Recusando-se o Tribunal a fazê-lo, a orientação desta Corte é no sentido de que o recurso especial deve indicar como violado o art. 535 do CPC, sob pena de aplicação da Súmula 211⁄STJ.

O Supremo Tribunal Federal, diferentemente, no julgamento do RE 219.934⁄SP, prestigiando a Súmula 356⁄STF, sedimentou entendimento no sentido de considerar prequestionada a matéria pela simples interposição de embargos declaratórios, ainda que restem eles rejeitados sem o exame da tese constitucional, desde que a mesma tenha sido devolvida por ocasião do julgamento da apelação. Ficou assentado no precedente que, se a parte suscitou oportunamente a questão, não pode ser ela prejudicada se o Tribunal silencia e se recusa a prestar a jurisdição, rejeitando os embargos.


Desta forma, a Suprema Corte opta por admitir de logo o recurso a reconhecer que houve negativa de prestação jurisdicional e determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo, a não ser que a parte prejudicada, expressamente, alegue violação ao art. 5º, XXXV da CF.

Tais considerações são necessárias para constatar-se que o STJ e o STF, neste particular, procedem de maneira diversa, o que vem sendo consagrado no direito aplicado, como decidiu a Primeira Seção no EREsp 162.765⁄PR.

Com efeito, embora seja da competência do STJ examinar possível violação ao art. 535 do CPC, quando a omissão for de questão constitucional, tendo em vista o encaminhamento dado pelo STF, melhor será que esta Corte reconheça que inexiste interesse de recorrer neste aspecto, deixando o STF dar a última palavra sobre a admissibilidade do recurso extraordinário. Esta é atual posição desta Segunda Turma.

Excluído o exame da tese do direito adquirido ou de expectativa de direito, de competência da Suprema Corte, tem-se para análise a interpretação do art. 62 da Lei 4.215⁄63 e do art. 11, § 2º da Lei 8.906⁄94.

Transcrevo, a seguir, os dispositivos pertinentes e correlatos:

Lei 4.215⁄63:

Art. 60. Será licenciado do exercício da advocacia, mediante requerimento próprio, representação de terceiro, ou de ofício pelo Conselho Seccional, o profissional que:

I – passar a exercer, temporariamente, cargo, função ou atividade incompatíveis com a advocacia (artigos 82 a 86);

(…)

Art. 61. Será cancelado dos quadros da Ordem, além do que incidir na penalidade de eliminação (art. 111), o profissional que:

(…)

II – passar a exercer, em caráter definitivo, cargo, função ou atividade incompatíveis com a advocacia (art. 82 a 86);

(…)

Art. 62. É imutável o número atribuído, em ordem cronológica, a cada inscrição.

Lei 8.906⁄94:

Art. 11. Cancela-se a inscrição do profissional que:

I – assim o requerer;

II – sofrer penalidade de exclusão;

III – falecer;

IV – passar a exercer, em caráter definitivo, atividade incompatível com a advocacia;

V – perder qualquer um dos requisitos necessários para inscrição.

§ 1º Ocorrendo uma das hipóteses dos incisos II, III e IV, o cancelamento deve ser promovido, de ofício, pelo Conselho competente ou em virtude de comunicação por qualquer pessoa.

§ 2º Na hipótese de novo pedido de inscrição – que não restaura o número de inscrição anterior – deve o interessado fazer prova dos requisitos dos incisos I, V, VI e VII do Art. 8º.

§ 3º Na hipótese do inciso II deste artigo, o novo pedido de inscrição também deve ser acompanhado de provas de reabilitação.

Art. 12. Licencia-se o profissional que:

I – assim o requerer, por motivo justificado;

II – passar a exercer, em caráter temporário, atividade incompatível com o exercício da advocacia;

III – sofrer doença mental considerada curável.

Tanto a sentença monocrática como o acórdão recorrido entenderam que, ao proceder à inscrição nos quadros da Ordem e ao cancelamento do respectivo registro, ainda sob a égide da Lei 4.215⁄63, que dispunha sobre a inalterabilidade do número de inscrição do profissional, tem direito o impetrante à manutenção do número originário de inscrição.

Nesta Corte, sobre a tese, há um único precedente:

ADMINISTRATIVO – ADVOGADO – INSCRIÇÃO – CANCELAMENTO – NOVA INSCRIÇÃO – MANUTENÇÃO DO NÚMERO ANTERIOR.

– O Art. 11, § 2º, da Lei 8.906⁄94, ao tratar do retorno aos quadros da OAB, de quem teve inscrição anterior cancelada, limita-se em dizer que o simples requerimento não tem o condão de restaurar a velha inscrição. O dispositivo adverte para a necessidade de que o ex-advogado prove que atende alguns requisitos (não todos) necessários à inscrição originária.

– Tal dispositivo não vedou a manutenção do número originário, nem retirou dos titulares de inscrições canceladas a perspectiva de manter o número que os identifica com a OAB. (REsp 384.365⁄RS, Relator Min. Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, unânime, DJ de 15⁄12⁄2003, página 00187).

Entretanto, o Professor Paulo Luiz Netto Lôbo, em Comentários ao Estatuto da Advocacia (3ª Edição, Editora Saraiva, 2002), relativamente ao art. 11, § 2º da Lei 8.906⁄94, afirma:

O Estatuto regula em numerus clausus as hipóteses de cancelamento da inscrição. O cancelamento é ato desconstitutivo, que afeta definitivamente a existência da inscrição. O efeito do cancelamento é ex nunc, a partir do fato gerador, salvo na hipótese de inscrição obtida com falsa prova, porque a natureza da decisão seria declaratória de inexistência.

(…)

Mesmo quando o ex-inscrito deseje e possa retornar à atividade da advocacia, cessando o óbice legal, sua inscrição anterior jamais se restaura, em nenhum de seus efeitos. Outra inscrição haverá de se dar, comprovados os mesmos requisitos do art. 8º, exceto quanto à comprovação do diploma de graduação em direito, regularidade eleitoral e militar, devendo seu pedido ser aprovado pelo Conselho Seccional e submeter-se a novo compromisso. É este o sentido da explicitação contida no § 2º, do art. 11. A Resolução nº 02⁄94 e o Provimento nº 81⁄96 excepcionou do Exame de Ordem os magistrados, os promotores de justiça e os integrantes das carreiras jurídicas, quando requererem nova inscrição como advogado, mas será nova a inscrição, obtendo-se novo número de registro.


O processo de cancelamento não é prejudicado pela superveniência da aposentadoria do ocupante de cargo incompatível, porque tem natureza desconstitutiva desde a investidura, não podendo convalidar a inscrição irregular.

O cancelamento pode ser requerido pelo inscrito, inclusive desmotivadamente, sendo deferido incontinenti. O pedido tem de ser pessoal (porque personalíssimo), não podendo vir mediante procurador. È definitivo, não havendo possibilidade de arrependimento.(fls. 86⁄87)

Em Comentários ao Estatuto da OAB e às Regras da Profissão do Advogado (Editora Rio), os autores, Eugênio R. Haddock Lobo e Francisco Costa Neto, ao comentarem o art. 61 da Lei 4.215⁄63, trazem à colação decisão administrativa da OAB já no sentido de que, cancelada a inscrição, o pedido de nova inscrição obedecerá aos preceitos da legislação vigente no momento em que for formalizado, inexistindo direito adquirido em relação às condições anteriores (fls. 133⁄134).

Efetivamente, entendo que tem razão o recorrente.

Não se pode deixar de considerar que o licenciamento difere substancialmente do cancelamento. Quando o profissional assume, em caráter definitivo, cargo ou função incompatível com o exercício da advocacia, necessariamente dá-se o cancelamento da sua inscrição, não tendo havido alteração do regime da Lei 4.215⁄63 para o regime da Lei 8.906⁄94. Para voltar a exercer a profissão, deve-se proceder a nova matrícula, daí porque não se pode falar “reativação” da matrícula anterior, preservando-se o número antigo.

Na minha ótica, o novo Estatuto nada inovou, apenas explicitou, no art. 11, § 2º da Lei 8.906⁄94, o que já estava previsto no art. 62 da Lei 4.215⁄63, ao dizer que, havendo novo pedido de inscrição, não poderia ser utilizado o número antigo, enquanto a lei anterior já asseverava que é imutável o número adquirido a cada inscrição, de forma que somente na hipótese de licenciamento (art. 60 da Lei 4.215⁄63 e art. 12 da Lei 8.906⁄94) poderia ser “reativado” o número originário.

A partir de uma interpretação sistêmica, peço vênia aos que adotam entendimento contrário, para votar pelo provimento do recurso.

EXMO. SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO: Cuida-se de recurso especial, interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio Grande do Sul, com fundamento no artigo 105, inciso III, letra “a”, da Constituição da República, com o objetivo de reformar, integralmente, v. julgado oriundo do colendo Tribunal Regional Federal da 4a Região.

O v. acórdão impugnado manteve sentença monocrática, a qual, ao examinar mandado de segurança, reconheceu o direito do impetrante à manutenção do número originário de sua inscrição profissional na Ordem dos Advogados da mencionada Secção.

A controvérsia surgiu em decorrência de o impetrante, inscrito sob o império da Lei n. 4.215⁄63, ter-se afastado dos quadros da Ordem por força de assunção no cargo de magistrado, nos idos de 1981. No ano de 1999, após o advento de sua aposentação, o impetrante pugnou por retomar a advocacia, de maneira que almejou seu reingresso e, também, a manutenção do número de inscrição primitiva. O pleito administrativo foi acolhido somente no que toca ao reingresso do requerente como advogado, mas em relação à permanência do seu número de inscrição não foi deferido, razão por que adveio o suso mencionado mandamus.

Consoante já assinalado, o MM. Juízo de 1º grau reconheceu o direito de restabelecer o número de inscrição original do impetrante e a Corte Regional Federal, por seu turno, referendou esse modo de julgar.

A parte recorrente, antes de apresentar os recursos especial e extraordinário, opôs embargos de declaração, com o objetivo de prequestionar as matérias que pretendia trazer para as instâncias excepcionais. O Tribunal a quo entendeu por rejeitá-los, de modo que, ao depois, brotaram os recursos de competência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Em vista do juízo positivo de admissibilidade de ambos os recursos, subiram os autos para este Sodalício.

Distribuído o feito à douta Ministra Eliana Calmon e, após indicado em pauta para julgamento, sobreveio o judicioso pronunciamento no sentido de afastar a violação apontada dos artigos 535 e 458, ambos do Estatuto Processual Civil. No mais, contudo, entendeu a digna Relatora que a pretensão da Ordem dos Advogados estava a merecer acolhimento, uma vez que, em face do cancelamento da anterior inscrição, é de rigor proceder-se uma nova matrícula, tendo em vista a dicção do artigo 11 da Lei n. 8.906⁄94.

Ante a circunstância de a matéria em comento ser inédita no âmbito da colenda 2ª Turma, pedi vistas dos autos para melhor refletir sobre o tema.

É o relatório.

EMENTA

ADMINISTRATIVO – APOSENTADORIA EM CARGO INCOMPATÍVEL COM A ADVOCACIA – PEDIDO DE INSCRIÇÃO NA OAB, COM A MANUTENÇÃO DO NÚMERO ORIGINÁRIO, OBTIDO ANTES DA ASSUNÇÃO NO REFERIDO CARGO – ACOLHIMENTO NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA, TENDO EM VISTA QUE, À ÉPOCA, DEIXOU DE EXERCER A ADVOCACIA, SOB A ÉGIDE DA LEI N. 4.215⁄63, DE MODO QUE NÃO CABERIA CUMPRIR EXIGÊNCIA ESTABELECIDA NA NOVA ORDEM LEGAL (LEI N. 8.906⁄94) – RECURSO ESPECIAL DA OAB – IMPROVIMENTO – DATA VENIA, NÃO ACOMPANHO O MODO DE JULGAR DA MINISTRA RELATORA.


– A Corte de origem, no particular, esclarece que, “tendo a inscrição originária se dado sob a égide da lei 4.215⁄63, onde o número do registro era imutável – art. 62 – não se aplica ao inscrito a vedação do art. 11, § 2º da lei 8.906⁄94, fazendo, pois, o inscrito jus a restabelecer seu número originário de inscrição” (fl. 200).

– Não possui força a observação, trazida pela Lei n. 8.906⁄94, de que o novo pedido de inscrição não restaura o número anterior, se a inscrição originária do recorrido havia-se dado em observância aos ditames da Lei n. 4.215⁄63. Assim, a possibilidade de manutenção do número originário de inscrição na OAB encontra suporte na regra prevista na Lei n. 4.215⁄63.

– No particular, constata-se uma situação de imutabilidade jurídica consolidada sob a égide da lei anterior.

– Acompanho o raciocínio exarado no REsp 384.365-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, v.u., DJ 15⁄12⁄2003.

– Aliás a questão da imutabilidade se mostra mais patente, diante da circunstância de que o número originário obtido pelo advogado fica arquivado nos registros da Ordem dos Advogados do Brasil enquanto o seu titular estiver afastado pela incompatibilidade, ou seja, a numeração obtida na primeira vez que foi efetivada a inscrição não é transferida para outro advogado. Dessarte, não há razão para obstar que o inscrito, quando superado o motivo da incompatibilidade, volte a usar o número originário, o qual, em verdade, identificava-o como advogado. Cumpre consignar, por oportuno, que essas particularidades foram obtidas junto ao setor de cadastro da OAB – Secção São Paulo.

– Recurso especial improvido.

VOTO-VISTA

EXMO. SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO:

De início, registre-se que perfilho o modo de pensar da ilustre Ministra Eliana Calmon no que toca à pretensa afronta aos dispositivos insertos no Código de Processo Civil.

Aliás, a bem da verdade, percebe-se que a própria Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio Grande do Sul reconhece, quando da oposição de embargos declaratórios, que o v. julgado proferido na apelação não é detentor de “qualquer defeito que impeça ou dificulte sua intelecção” (fl. 202).

Colocada essa premissa, cumpre analisar a quaestio relativa à conservação da primeva inscrição do recorrido quando de seu reingresso nos quadros da OAB – Secção Rio Grande do Sul.

Por conveniente, permita-se repisar na situação fática.

O recorrido se inscreveu na OAB, em caráter definitivo, no ano de 1975, período em que vigia a Lei n. 4.215⁄63. Em decorrência de ter ingressado na magistratura, solicitou o cancelamento de sua inscrição, ante a incompatibilidade com o exercício da advocacia, legalmente reconhecida. Após a sua aposentadoria, pleiteou o seu retorno para o exercício profissional de advogado com a manutenção do número de registro que o identificava naquela Secção da OAB. Esse último pedido foi negado ao recorrido.

Ocorre, entretanto, que, na instância ordinária, foi reconhecido o direito líqüido e certo do recorrido em permanecer com o número de inscrição definitiva atribuído no ano de 1975.

O deslinde da controvérsia cinge-se em responder à seguinte indagação: subsiste o direito do advogado, que retorna aos quadros da OAB, em prosseguir com a inscrição anteriormente cancelada devido à posse no cargo da magistratura ?

Como bem lembrado pela ilustre Ministra Relatora, a douta 1ª Turma, integrada pelos preclaros Ministros José Delgado, Francisco Falcão, Luiz Fux e Teori Albino Zavascki, acompanharam, sem discrepância de votos, o entendimento do insigne Ministro Humberto Gomes de Barros, no sentido de que o regresso aos quadros da OAB confere ao advogado o direito à permanência do número de sua inscrição originária, anteriormente cancelada. Ficou registrado, na oportunidade, a necessidade de que, no pedido de inscrição, deve estar comprovado que o requerente é detentor de capacidade civil, não exerce atividade incompatível com a advocacia, goza de idoneidade moral e, por fim, preste o devido compromisso perante o Conselho da Classe. (cf. REsp 384.365-RS, DJ 15⁄12⁄2003).

Colocada essa premissa, não é demais trazer à balha o comando previsto no artigo 11 da Lei n. 8.906⁄94:

“Art. 11. Cancela-se a inscrição do profissional que:

(…) omissis

§ 2º Na hipótese de novo pedido de inscrição – que não restaura o número de inscrição anterior – deve o interessado fazer prova dos requisitos dos incisos I, V, VI e VII do art. 8º.”

Para bem visualizar o dispositivo legal acima, permita-se reproduzir o mencionado artigo 8º e correspectivos incisos:

Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:

I – capacidade civil;

(…) omissis

V – não exercer atividade incompatível com a advocacia;


VI – idoneidade moral;

VII – prestar compromisso perante o conselho.”

Como já realçado, a inscrição da parte recorrida foi cancelada dos quadros da OAB no ano de 1981, por ocasião da assunção do cargo de magistrado. Na oportunidade, vigia a Lei n. 4.215⁄63, cujo artigo 62 dispunha:

“Art. 62. É imutável o número atribuído em ordem cronológica, a cada inscrição.”

No dispositivo infraconstitucional acima, reproduzido está centrado o fundamento de que deve prevalecer os termos da legislação anterior, ou seja, no sentido de que o número atribuído na OAB é imutável.

Com o propósito de melhor elucidar a quaestio iuris, a Corte de origem, no particular, esclarece que, “tendo a inscrição originária se dado sob a égide da lei 4.215⁄63, onde o número do registro era imutável – art. 62 – não se aplica ao inscrito a vedação do art. 11, § 2º da lei 8.906⁄94, fazendo, pois, o inscrito jus a restabelecer seu número originário de inscrição” (fl. 200).

Percebe-se, dessa feita, que não possui força a observação trazida pela Lei n. 8.906⁄94, de que o novo pedido de inscrição não restaura o número anterior, se a inscrição originária do recorrido havia-se dado em observância aos ditames da Lei n. 4.215⁄63.

Aliás a questão da imutabilidade se mostra mais patente, diante da circunstância de que o número originário obtido pelo advogado fica arquivado nos registros da Ordem dos Advogados do Brasil enquanto o seu titular estiver afastado pela incompatibilidade, ou seja, a numeração obtida na primeira vez que foi efetivada a inscrição não é transferida para outro advogado. Dessarte, não há razão para obstar que o inscrito, quando superado o motivo da incompatibilidade, volte a usar o número originário, o qual, em verdade, o identificava como advogado. Cumpre consignar, por oportuno, que essas particularidades foram obtidas junto ao setor de cadastro da OAB – Secção São Paulo.

Dentro desse contexto, se o advogado deixou de exercer a advocacia em vista do exercício de cargo incompatível, deve prevalecer a possibilidade de manutenção do número originário da inscrição da OAB.

Diante disso, peço venia à ilustre Ministra Relatora para discordar de seu judicioso modo de julgar.

Pelo que precede, nego provimento ao recurso apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio Grande do Sul.

É como voto.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA: Na sessão de 05 de outubro deste ano, após o voto da Relatora, a Ministra Eliana Calmon, dando provimento ao recurso, e do Ministro Franciulli Netto, negando provimento, pedi vista dos autos para um melhor exame da questão.

Cuida-se de recurso especial interposto com fundamento na alínea “a” do art. 105, III, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, apreciando apelação em mandado de segurança, houve por bem manter a sentença que julgou procedente o pleito do autor.

O mandamus foi impetrado por magistrado aposentado objetivando o reconhecimento do direito ao restabelecimento do número de sua inscrição original, ao retornar aos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB.

Emerge dos autos que o impetrante, em 06 de fevereiro de 1981, solicitou o cancelamento de sua inscrição por ter tomado posse em cargo público incompatível com o exercício da advocacia, o que foi deferido em 12 de março do mesmo ano. Após ter-se aposentado, em 1998, requereu sua inscrição no quadro de advogados, com a reativação de sua inscrição anterior, fundamentando seu pedido na legislação vigente à época do cancelamento, qual seja a Lei nº 4.215⁄63.

A sentença, mantida pelo Tribunal a quo, concedeu a segurança, determinando que a autoridade impetrada procedesse à inscrição do impetrante nos quadros daquela seccional com seu número original.

Insurge-se a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, alegando que o aresto recorrido, ao rejeitar os embargos de declaração opostos com o fito de prequestionar a matéria constitucional, afrontou os arts. 458, II e 535, II, do Código de Processo Civil. Aponta ainda, violação ao art. 62 da Lei nº 4.215⁄63, “que se limitava a assegurar a imutabilidade do número atribuído em ordem cronológica ‘a cada inscrição’ e não, na hipótese de seu cancelamento, para a inscrição subseqüente” (fl. 214), e ao art. 11, § 2º, da Lei nº 8.906⁄94, que expressamente veda a restauração do número de inscrição anterior, em caso de cancelamento e posterior retorno aos quadros da Ordem.

Inicialmente, no tocante ao 535, II, do Código de Processo Civil, acompanho o posicionamento da ilustre Relatora, tendo em vista cuidar-se de questão constitucional. Em conseqüência, fica prejudicada a análise da violação ao art. 458, II, também do CPC, cuja violação decorreria da alegada falta de apreciação dos embargos declaratórios.


Passo a examinar o ponto central da lide, relativo ao número da nova inscrição, ocorrida em razão de retorno aos quadros da recorrente após cancelamento da inscrição primitiva.

De uma análise das normas legais que versaram sobre o assunto, percebe-se que ambas – tanto a Lei nº 4.215⁄63 (vigente no momento em que foi deferido o cancelamento da inscrição do recorrido), quanto a Lei nº 8.906⁄94 (em vigor quando requerido o pedido de nova inscrição após aposentadoria de cargo incompatível com o exercício da advocacia) – desservem como suporte jurídico à pretensão autoral.

Com efeito, o art. 62 da Lei nº 4.215⁄63 está redigido nos seguintes termos:

“Art. 62. É imutável o número atribuído em ordem cronológica, a cada inscrição.

Parágrafo único. As inscrições obedecerão as três ordens numéricas;

I – números cardinais simples para as inscrições principais (artigo 55);

II – números cardinais acrescidos de, letra A, para as inscrições suplementares (art. 56, parágrafo único);

III – números cardinais acrescidos de letra B, para as inscrições feitas por transferência de outra Seção”.

Da leitura do caput e incisos desse dispositivo, depreende-se que a imutabilidade do número refere-se a cada tipo de inscrição que um advogado inscrito poderia possuir, quais sejam, a principal, a suplementar e a decorrente de transferência de Seção. Cada advogado teria direito a essas espécies de inscrição, e cada uma delas contaria com um número atribuído em ordem cronológica e que, enquanto inscrito o profissional, seria imutável.

Não se pode entender que o artigo em comento garantia a imutabilidade do número de inscrição após seu cancelamento, pois cabia ao profissional do ramo do Direito, para retornar aos quadros da recorrente, requerer nova inscrição, como ocorre atualmente.

Na Lei 8.906⁄94, o legislador vedou expressamente tal imutabilidade, que, como verificado, não era assegurada pela norma anterior. O § 2º do art. 11 da lei em referência preceitua:

“Art. 11. Cancela-se a inscrição do profissional que:

I – (…)

IV – passar a exercer em caráter definitivo, atividade incompatível com a advocacia;

(…)

§ 2º. Na hipótese de novo pedido de inscrição – que não restaura o número da inscrição anterior – deve o interessado fazer prova dos requisitos dos incisos I, V, VI e VII do artigo 8º.

(…)”

Nota-se que o legislador houve por bem distinguir duas situações de afastamento: o licenciamento, de caráter temporário; e o cancelamento, que é definitivo.

Cancelar, de acordo com a própria acepção da palavra, significa eliminar, riscar, tornar sem efeito, tornar nulo, dar por encerrado, concluído. Assim, uma vez cancelada a inscrição, cessará todo e qualquer liame com a Ordem dos Advogados do Brasil, não havendo como se considerar possível uma futura restauração do número cancelado.

Licenciar, por sua vez, significa “isentar temporariamente de serviço” ou “autorização para ausentar-se temporariamente do serviço”. Quando ocorre o licenciamento, espera-se que o advogado volte a exercer a profissão; o caráter provisório é inerente a essa hipótese, motivo pelo qual se conclui possível a reativação do número de inscrição, haja vista não haver quebra de vínculo com a autarquia.

O exercício de atividade incompatível com a advocacia, de acordo com as Leis nºs 4.215⁄63 e 8.906⁄94, acarreta o cancelamento da inscrição nos quadros da recorrente, e não o licenciamento. A imutabilidade de inscrição somente pode ser assegurada a quem não teve a inscrição cancelada, pois o cancelamento implica na eliminação total do vínculo do profissional com a instituição corporativa.

A respeito do tema, oportuno transcrever excerto da obra de Gladston Mamede:

“A inscrição é um registro do profissional – ou da sociedade de profissionais – nos quadros da OAB, não sendo um ato perpétuo, mas, pelo contrário, que comporta cancelamento em situações precisas, quais sejam:

(…)

4.4 Exercício de atividade incompatível

Se o inscrito passa a exercer, em caráter definitivo, atividade incompatível com a advocacia, sua inscrição deve ser cancelada pelo Conselho, de ofício ou em face de comunicação por qualquer pessoa. O exercício é considerado de caráter definitivo ou temporário, não em virtude do ânimo do bacharel, mas em virtude da natureza do cargo ou função. Assim, em se tratando de estabilidade potencial ou efetiva, quebrada não pela discricionariedade ampla da autoridade pública, mas apenas nos limites angustos da lei, tem-se cargo de caráter definitivo, mesmo que nele pretenda o bacharel permanecer por pouco tempo. São exemplos: membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, serventuários de carreira da Justiça, funções vinculadas à polícia, militares etc” (MAMEDE, Gladston. Fundamentos da Legislação do Advogado Para o Curso de Ética Profissional e o Exame da OAB. pág. 66. Editora Atlas. São Paulo, 2002).


Geraldo Magela Alves lembra precedente do Conselho Federal da OAB que sufragou entendimento segundo o qual “operado o cancelamento da inscrição, o pedido de nova inscrição obedecerá aos preceitos da legislação vigente no momento em que for formalizado, inexistindo direito adquirido em relação às condições anteriores (Rec. nº 1.269⁄69; ROAB-CF 2⁄85)” (Guia do Advogado. RJ, Forense, 1993, pág. 26).

Azize Dibo Neto, ao tecer comentários ao novo Estatuto da Advocacia no que tange ao cancelamento de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, assim se manifestou:

“Cancelamento não é licença, e caracteriza afastamento das atividades de advogado, acarretando perda dos direitos previstos no art. 7º. Pode ocorrer por iniciativa do advogado (inciso I) ou decorrente da pena disciplinar máxima, a exclusão dos quadros da Ordem. Também ocorrerá quando o advogado passar a exercer, em caráter definitivo, atividade incompatível com a advocacia, ou quando o advogado perder um dos requisitos necessários para inscrição (art. 8º). O cancelamento da inscrição dar-se-á, também por falecimento.

Se pretender nova inscrição, o advogado não restaura o número de inscrição anterior. Deverá ainda fazer a prova dos requisitos de capacidade civil, de não exercer atividade incompatível com a advocacia, de idoneidade moral e novamente prestar o compromisso.

Se o cancelamento deu-se por aplicação de penalidade, deverá fazer provas de reabilitação” (NETO, Azize Dibo. Novo Estatuto da Advocacia e da OAB comentado, pág. 38, Obra Jurídica Editora)

Por fim, vale destacar trecho da obra “Comentários ao Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB”, que delineia os traços característicos de cada uma das situações – licenciamento e cancelamento:

“A inscrição dá ao interessado a possibilidade de exercer a profissão de advogado, seja como titular, seja como estagiário. Deferida, expede-se a carteira de identidade profissional, e, prestado o compromisso, o interessado está apto ao exercício da profissão. Assim como é deferida pelo Conselho, poderá ser cancelada, ocorrendo determinadas circunstâncias, conforme veremos a seguir.

(…)

Se o inscrito passa a exercer atividade incompatível com a advocacia deve, imediatamente, comunicar à OAB, através do Conselho onde tem sua inscrição, ou dos Conselhos onde tem inscrição principal e inscrições suplementares, e cessar, imediatamente, o exercício de sua atividade.

Nem mesmo deve aguardar resposta a seu pedido de cancelamento, mas substabelecer, sem reservas, em todas as causas em que estiver atuando, para advogado habilitado.

(…)

Para inscrever-se o bacharel em Direito (ou o acadêmico, no caso de estagiário) necessita comprovar à OAB uma série de requisitos que, em conjunto, lhe dão direito a ser incluído nos seus quadros.

A perda de qualquer deles, como está expresso, determina, de ofício ou mediante representação, o cancelamento da inscrição.

Este cancelamento, como acontece nos casos do inciso IV, quando a iniciativa não parte do advogado, deve ser precedido de processo para o qual deve haver uma citação inicial, e dada possibilidade de ampla defesa ao interessado.

Embora se diga que se cancela a inscrição quando o interessado ‘perder qualquer dos requisitos’ para a inscrição, o dispositivo só terá aplicação prática nos casos de perda dos requisitos mencionados nos itens I, IV ou V, isto é, perder a capacidade civil, passar a exercer atividade incompatível com a advocacia ou perder a idoneidade moral. A perda destes requisitos só poderá ser comprovada por meio de processo regular, podendo o profissional defender-se plenamente.

(…)

Quando o interessado se licencia, basta requerer, novamente, sua carteira, comprovando o término do impedimento. Já no caso de cancelamento da inscrição, outra inscrição deve ser feita, comprovando-se, novamente, todos os requisitos necessários à inscrição.

No licenciamento, o mesmo número de inscrição antes existente continua valendo; no caso de cancelamento da inscrição, outro número deve ser dado ao advogado ou estagiário.

Para obter nova inscrição, deve o interessado comprovar: capacidade civil, não exercer atividade incompatível com a advocacia, idoneidade moral. Sobre todos estes requisitos já falamos, ao comentarmos o art. 8º.

Comprovada a necessária qualificação para a obtenção de nova inscrição, estando o processo em ordem, é deferido o pedido e expedida nova carteira, a ser entregue após a prestação de novo compromisso perante o Conselho.

(…)

Passando a exercer definitivamente atividade incompatível com a advocacia, deve o interessado requerer o cancelamento da inscrição; passando a exercer temporariamente tal atividade, basta o licenciamento.

No cancelamento, a inscrição é extinta, necessitando-se nova inscrição para voltar-se aos quadros da OAB; no licenciamento, permanece o vínculo, podendo o advogado ou estagiário, através de simples requerimento, ter sua carteira novamente. Com o cancelamento, o interessado recebe nova carteira, com novo número de inscrição; como licenciamento, recebe a mesma carteira, portanto mantém o mesmo número de inscrição.

Todas estas diferenças fazem com que deva o profissional que passa a exercer atividade incompatível reflita bem antes de fazer o pedido, se de cancelamento ou de licenciamento. Às vezes, parece que a mudança é definitiva, mas nem sempre tal acontece. Assim, nos cargos em comissão, parece-nos aconselhável pedido de licenciamento; já na nomeação por concurso público, justifica-se o cancelamento” (Apio Cláudio de Lima Antunes; Jayme Paz da Silva; Marco Túlio de Rose. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Organizador: Orlando de Assis Corrêa. Aide Editora. págs. 71⁄76).

De tudo quanto exposto, seja sob os auspícios da lei anterior, seja sob a égide da atual lei de regência, mostra-se inviável o restabelecimento do número de inscrição originária no caso dos autos.

Assim, pedindo vênia ao Ministro Franciulli Netto, acompanho a Relatora para dar provimento ao recurso especial.

É como voto.

Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Castro Meira, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora. Vencido o Sr. Ministro Franciulli Netto, que lhe negou provimento.” Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira e Francisco Peçanha Martins votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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