É constitucional

Conheça o voto de Peluso sobre criação do controle externo

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14 de abril de 2005, 16h22

“São antigos os anseios da sociedade pela instituição de um órgão superior, capaz de formular diagnósticos, tecer críticas construtivas e elaborar programas que, nos limites de suas responsabilidades constitucionais, dêem respostas dinâmicas e eficazes aos múltiplos problemas comuns em que se desdobra a crise do Poder”.

A afirmação foi feita pelo ministro Cezar Peluso durante julgamento sobre a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o chamado controle externo do Judiciário. Peluso foi o relator do julgamento que considerou constitucional a criação do CNJ. A votação ficou em 7 a 4. A ação foi ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

Além do relator, votaram pela constitucionalidade do CNJ os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Nelson Jobim. Foram vencidos os ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence.

Peluso entendeu que “se o instituto que atende pelo nome de quinto constitucional, enquanto integração de membros não pertencentes à carreira da magistratura em órgãos jurisdicionais, encarregados do exercício da função típica do Judiciário, não ofende o princípio da separação e independência dos Poderes, então não pode ofendê-la a fortiori a mera incorporação de terceiros em órgão judiciário carente de competência jurisdicional”.

Leia o voto de Peluso

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.367-1

PROCED.: DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO

REQTE.(S): ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMB

ADV.(A/S): ALBERTO PAVIE RIBEIRO E OUTRO(A/S)

REQDO.(A/S): CONGRESSO NACIONAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – (Relator):

1– Examino a preliminar.

Argúi a Advocacia-Geral da União que os pedidos seriam “juridicamente impossíveis”, porque deduzidos antes da publicação oficial da Emenda, coisa proibida no sistema de controle de constitucionalidade. Pede, em conseqüência, a extinção do processo, sem julgamento do mérito.

Não obstante tenha razão o Advogado-Geral quanto à inadmissibilidade de controle de constitucionalidade em caráter preventivo, ao caso não quadra a conseqüência. Posto que, à data de propositura da ação, a Emenda Constitucional nº 45/2004 não houvesse sido deveras publicada, foi-o pouco tempo depois, o que torna agora cognoscíveis os pedidos. A publicação superveniente da Emenda remediou a carência original da ação.

A rigor, o vício processual imputado pela Advocacia-Geral ligava-se a suposta falta de interesse de agir, e não, a impossibilidade jurídica dos pedidos. É que não se estava diante de inviabilidade teórica absoluta dos pedidos, nem doutra espécie de improcedência prima facie, que são as explicações últimas da falta de possibilidade jurídica como uma das causas da chamada carência da ação. Tratar-se-ia, quando muito, de caso de desnecessidade da tutela jurisdicional, já que os textos impugnados ainda não tinham obtido existência jurídica. Mas, com a publicação subseqüente da Emenda, despontou pleno e nítido o interesse processual.

Tem razão, ainda, o Advogado-Geral, quando afirma não serem, as regras processuais, meras formalidades, mas, sim, garantias do Estado democrático de direito (fls. 166). Equivoca-se, no entanto, ao tirar daí necessidade de extinção anômala do processo. Repugnaria ao sistema processual o decreto de carência. A falta de interesse de agir é posta como causa de trancamento do processo, porque a solução evita dispêndio inútil de tempo e energias na condução de uma causa insuscetível de produzir resultado prático ao autor. Não é este o caso, entretanto, pois a publicação da Emenda extirpou qualquer dúvida sobre a necessidade e a adequação dos pedidos. Fosse agora extinto o processo, a AMB retornaria de imediato a este juízo, com demanda idêntica, e ter-se-iam, então, perdido tempo e esforços, em dano da parte e do ofício jurisdicional, em contraste aberto com os propósitos que norteiam a construção dogmática das condições da ação. A respeito, merece lembrada a advertência de LIEBMAN: “as formas são necessárias, mas o formalismo é uma deformação”.(1) E é bom não esquecer que as condições da ação devem coexistir ao tempo da decisão da causa.(2)

Rejeito a preliminar.

2. O tema nuclear da causa, a criação do Conselho Nacional de Justiça, órgão supostamente destinado a controle externo do Poder Judiciário, foi e continua sendo objeto de amplos debates nas mais diversas instâncias da sociedade brasileira.(3) Dada a natureza mesma do assunto, em cujas entranhas situam-se matrizes fundamentais da nossa ordem jurídico-constitucional, que, com graves reflexos nas ações cotidianas, vão desde a divisão e o equilíbrio entre os Poderes até a estrutura e a independência do Poder Judiciário, não admira haja despertado e ainda desperte discussões fervorosas no ambiente político, no domínio acadêmico e, sobretudo, no seio da magistratura, da advocacia e, até, do Ministério Público.


Eu próprio jamais escondi oposição viva, menos à necessidade da ressurreição ou criação de um órgão incumbido do controle nacional da magistratura, do que ao perfil que se projetava ao Conselho e às prioridades de uma reforma que, a meu sentir, andava ao largo das duas mais candentes frustrações do sistema, a marginalização histórica das classes desfavorecidas no acesso à Jurisdição e a morosidade atávica dos processos. Não renuncio às minhas reservas cívicas, nem me retrato das críticas pré-jurídicas à extensão e à heterogeneidade da composição do Conselho. Mas isso não podia impedir-me, como meus sentimentos e predileções pessoais não me impediram nunca, em quatro lustros de ofício jurisdicional, de, atento à velha observação de CARDOZO, ter “aberto os ouvidos sacerdotais ao apelo de outras vozes”, ciente de que “as palavras mágicas e as encantações são tão fatais à nossa ciência quanto a quaisquer outras”.(4) Julgo a causa perante a Constituição da República.

3. O argumento radical da autora vem da regra da separação, com os corolários da independência e harmonia entre os três Poderes da República (art. 2° da Constituição Federal). Segundo a AMB, a instituição de órgão funcionalmente voltado ao “controle da atuação administrativa e financeira” do Judiciário e do “cumprimento dos deveres funcionais” dos magistrados, mas composto por membros na origem alheios ao mesmo Poder — dois dos quais indicados pelo Legislativo –, violaria a dita cláusula pétrea da separação dos Poderes, em cujo ventre reside a garantia da independência do Judiciário.

Essa postura da autora já desvela toda a preocupação — muito legítima, diga-se — de que o advento do Conselho Nacional de Justiça traduza sério risco à independência do Poder Judiciário, no exercício de sua função típica, a jurisdicional. É que, apenas para adiantar o que me parece o ponto nevrálgico da causa, ninguém tem dúvida de que não pode a independência do Judiciário, seja a externa, assim considerada a da instituição perante os demais Poderes e órgãos de pressão, seja a interna, a dos magistrados entre si, estar sob nenhum risco próximo nem remoto, porque, em resguardo da ordem jurídica e, ao cabo, da liberdade do povo, tal predicado constitui a fonte, o substrato e o suporte de todas as condições indispensáveis a que a atividade judicante seja exercida com a imparcialidade do tertius, sem a qual já se não concebe a jurisdição em nenhum Estado civilizado e, muito menos, no Estado democrático de direito.

Retomarei logo mais o tema, bastando-me por ora reavivar esta inconcussa verdade político-jurídica: é na exata medida em que aparece como nítida e absolutamente necessária a garantir a imparcialidade jurisdicional, que a independência do Judiciário e da magistratura guarda singular relevo no quadro da separação dos Poderes e, nesses limites, é posta a salvo pela Constituição da República. De modo que todo ato, ainda quando de cunho normativo de qualquer escalão, que tenda a romper o equilíbrio constitucional em que se apóia esse atributo elementar da função típica do Poder Judiciário, tem de ser prontamente repelido pelo Supremo Tribunal Federal, como guardião de sua inteireza e efetividade.

A independência suporta, na sua feição constitucional, teores diversos de autonomia administrativa, financeira e disciplinar. Na verdade, ela só pode considerada invulnerável, como predicado essencial do sistema da separação, quando concreta redução de seu âmbito primitivo importe, em dano do equilíbrio e estabilidade entre os Poderes, transferência de prerrogativas a outro deles, ainda que não chegue a caracterizar submissão política. Ou, no que concerne ao Judiciário, quando outra forma de supressão de atribuições degrade ou estreite a imparcialidade jurisdicional. Fora dessas hipóteses, nada obsta a que o constituinte reformador lhe redesenhe a configuração histórica, mediante reorganização orgânica e redistribuição de competências no âmbito da estrutura interna do Judiciário, sem perda nem deterioração das condições materiais de isenção e imparcialidade dos juízes.

4. À luz permanente dessa idéia, analiso a alegação de que a criação do Conselho Nacional de Justiça, com a estrutura e as competências outorgadas pela Emenda nº 45/2004, atentaria, mais que contra a norma do art. 2º da Carta, contra o autêntico sistema constitucional da separação dos Poderes. Nisso convém remontar, embora brevemente, às raízes históricas e à evolução da doutrina política que o inspira e explica.(5)

Apesar de ter adquirido consagração com a obra clássica de MONTESQUIEU, a teoria da separação dos poderes tem antecedentes antigos. Já ARISTÓTELES, na Política, defendia a idéia de que a concentração do poder político nas mãos de um só homem, “sujeito a todas as possíveis desordens e afeições da mente humana”, era inconveniente,(6) e, com tal aviso, distinguia as funções do Estado em deliberante, executiva e judiciária.(7)


Foi na Era Moderna, entretanto, que a divisão do exercício do poder principiou a tomar corpo, sobretudo no sulco da evolução política por que passou a Inglaterra até a edição do Bill of Rights, em 1689. Baseado na realidade inglesa do tempo, LOCKE formulou a primeira construção sistemática de uma teoria da separação de poderes, dividindo-os em Legislativo, Executivo e Federativo.(8) Ao primeiro competiria elaborar as leis que disciplinariam o uso da força na comunidade civil; ao segundo, aplicar as leis aos membros da comunidade; e ao terceiro, o desempenho da função de relacionamento com outros Estados. Não aparece, na obra do autor, o Poder Judiciário como corpo independente dos demais.(9)

Apesar de reputar diversas em si as funções representadas de cada um desses poderes, LOCKE entendia que o Executivo e o Federativo deveriam ser exercidos pela mesma pessoa. E subordinava-os ambos ao poder Legislativo, considerado supremo, sujeito apenas ao poder do próprio povo. Essencial, para ele, seria a separação entre os componentes do Legislativo e do Executivo:

“(…) como pode ser muito grande para a fragilidade humana a tentação de ascender ao poder, não convém que as mesmas pessoas que detêm o poder de legislar tenham também em suas mãos o poder de executar as leis, pois elas poderiam se (sic) isentar da obediência às leis que fizeram, e adequar a lei a sua vontade (…)”.(10)

Conquanto ainda estivessem algo distantes da fórmula clássica da tripartição dos poderes, cunhada ao depois por MONTESQUIEU, essas teorizações já continham in nuce a idéia da necessária divisão funcional do poder político, porque não ficasse depositado em mãos únicas. Partiam da percepção empírica, mas sábia, de que o poder tende a desvios – a qual foi mais tarde sintetizada na máxima de LORD ACTON (“todo poder corrompe”) -, e tinham em vista ideal político muito claro: evitar, em nome da preservação da liberdade, os excessos, abusos e inconvenientes do poder ilimitado; a arbitrariedade estatal, enfim.

Foi o que norteou MONTESQUIEU. Ao propor a divisão das funções do Estado em legislativa, administrativa e jurisdicional, assim justificou a atribuição de cada uma a órgãos diferentes:

“La liberté politique, dans um citoyen, est cette tranquillite d’esprit qui provient de l’ opinion que chacun a de sa sùreté; et, pour qu’on ait cette liberte, il faut que lê gouvernement soit tel qu’um citoyen ne puisse pas craindre un autre citoyen.

Lorsque dans la même personne ou dans le même corps de magistrature la puissance législative est réunie à la puissance exécutrice, il n’y a point de liberte, parce qu’on peut craindre que le même monarque ou le même senat ne fasse des lois tyranniques pour lês exécuter tyranniquement.

Il n’y a point encore de liberte si la puissance de juger n’est pas séparée de la puissance législative et de l’exécutrice. Si elle étoit jointe à la puissance législative, le pouvoir sur la vie et la liberté des citoyens seroit arbitraire; car le juge seroit législateur. Si elle étoit jointe à la puissance exécutrice, le juge pourroit avoir la force d’un oppresseur.

Tout seroit perdu si le même homme, ou le même corps des principaux, ou des nobles, ou du peuple, exerçoient ces trois pouvoirs: celui de faire des lois, celui d’exécuter les résolutions publiques, et celui de juger les crimes ou les différends des particuliers”.(11

(“A liberdade política em um cidadão é aquela tranqüilidade de espírito que provém da convicção que cada um tem da sua segurança. Para ter-se essa liberdade, precisa que o Governo seja tal que cada cidadão não possa temer outro.

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou o mesmo Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente.

Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor.

Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais (sic) ou de nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares”).(12)

Dessa velha lição vê-se que, ao arquitetar sua clássica teoria, MONTESQUIEU era movido de um só ânimo: repartir o exercício do poder entre pessoas distintas, a fim de impedir que sua concentração comprometesse a liberdade dos cidadãos. Contra os intuitivos abusos a que leva o poder incondicionado, sustentou a fórmula da tripartição das funções públicas, como mecanismo de limitação do poder e, conseqüentemente, garantia da liberdade individual. Nas palavras de LOEWENSTEIN: “la libertad es el telos ideológico de la teoría de la separación de poderes”.(13)


A síntese de MONTESQUIEU é mais bem compreendida quando vista como proposição elementar, que era, de uma teoria política, antes que de teoria propriamente jurídica. O autor tinha os olhos postos na realidade política francesa, dentro da qual era ardoroso defensor do liberalismo na luta contra o absolutismo monárquico do Ancien Regime(14), segundo a moldura do conflito clássico entre liberdade e autoridade. Seu propósito original estava, assim, em combater o poder absoluto, menos que em preconizar uma técnica de organização racional das funções públicas. A idéia da tripartição dos poderes foi, portanto, o método lucubrado para a consecução de um fim maior: limitar o poder político.

Com a aparentemente exclusiva exceção de PASSERIN D’ ENTRÈVES,(15) é o que sempre professaram os estudiosos. Como afirma OTTO BACHOF: sentido de la división de poderes es impedir la concentración de poder y, con ello, un posible abuso del mismo”.(16)

No mesmo sentido, ouça-se CARRÉ DE MALBERG:

“Et d’ailleurs, toute la démonstration de Montesquieu tourne autour de cette idée principale: assurer la liberte des citoyens, em leus fournissant par la séparation des pouvoirs la garantie que chacun de ceux-ci sera exercé légalement. (…) Seule, en effet, la séparation des pouvoirs peut fournir aux gouvernés une garantie sérieuse et une protection efficace”.(16)

(“Aliás, toda a argumentação de Montesquieu gira em torno desta idéia principal: assegurar a liberdade dos cidadãos, fornecendo-lhes, por meio da separação dos poderes, a garantia de que cada um deles será exercido legalmente. (…) Portanto, somente a separação dos poderes pode dar aos governados uma garantia séria e uma proteção eficaz”).

Também, a HANS KELSEN:

“A significação histórica do princípio chamado ‘separação de poderes’ encontra-se precisamente no fato de que ele opera antes contra uma concentração que a favor de uma separação de poderes”.(17)

Mais enfáticos são ZAFFARONI e TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR. O primeiro acentua:

“(…) as palavras de Montesquieu são muito mais claras se forem consideradas como provindas de um sociólogo e não como texto dogmático, porque parte ele do reconhecimento de um fenômeno humano que não pode ser esquecido na medida em que se conserve um mínimo de contacto com a realidade: todo poder induz ao abuso.

(…)

Entendendo Montesquieu sociológica e politicamente — e não jurídica ou formalmente — não resta dúvida de que ele quer significar que o poder deve estar distribuído entre órgãos ou corpos, com capacidade de regerem-se de forma autônoma com relação a outros órgãos ou corpos, de modo que se elida a tendência ‘natural’ ao abuso”.(18)

Remata o segundo:

“Montesquieu, na verdade, via na divisão dos poderes muito mais um preceito de arte política do que um princípio jurídico. Ou seja, não se tratava de um princípio para a organização do sistema estatal e de distribuição de competências, mas um meio de se evitar o despotismo real. (…) Nesse sentido, o princípio não era de separação de poderes, mas de inibição de um pelo outro de forma recíproca”.(19)

A matriz histórica da separação dos Poderes há de ser, pois, reconduzida, no contexto da causa, ao alcance de instrumento político que lhe emprestava o autor que a consagrou como teoria: conter o poder, para garantir a liberdade. E esta a razão por que, em coerência com seus pressupostos teóricos e objetivos práticos, MONTESQUIEU jamais defendeu a idéia de uma separação absoluta e rígida entre os órgãos incumbidos de cada uma das funções estatais. Antes, chegou a fazer referência a mecanismos de relacionamento mútuo entre os poderes, a fim, precisamente, de lhes prevenir abusos no exercício. Contra a natural tendência de expansão do poder, era mister a criação de instrumentos que garantissem a subsistência do esquema tripartite de funções, impedindo que os representantes de uma delas se sobrepusessem aos demais. Doutro modo, o poder incontido sacrificaria a liberdade. E exemplo significativo de relações dessa espécie, colhido à obra do grande pensador francês, é a intervenção do Executivo no processo legislativo mediante o veto.(20)

Discorrendo sobre o pensamento de MONTESQUIEU, CARRÉ DE MALBERG realça-lhe essa idéia:

“La doctrine de Montesquieu se rattache donc essentiellement au système de l’ ‘État de droit’. Cependant, par la force des choses, cette doctrine, bien que visant principalement à sauvegarder la liberté civile, implique aussi certaines dispositions à prendre, em vue d’ assurer la liberté des autorités publiques elles-mêmes, dans leurs rapports les unes avec les autres, en tant qu’il s’agit, pour chacune d’elles, de l’exercice du pouvoir qui lui est spécialement attribué. C’est là un nouvel aspect, fort important, du sujet. En effet, la division des compétences et la spécialisation des fonctions ne saurient, à elles seules, suffire à réaliser la limtation des pouvoirs: pour que cette limitation se trouve assurée, il faut, em outre, qu’aucun des trois ordres de titulaires des pouvoirs ne possède ou ne puisse acquérir de supériorité, qui lui permettrait de dominer les deux autres et qui, par lá même, pourrait peu à peu dégénérer en omnipotence. Et pour cela, il est indispensable que les titulaires des trois pouvoirs soient, non seulement investis de compétences distinctes et séparées, mais encore rendus, par leur constitution organique, indépendants et comme égaux les uns vis-à-vis des autres. Ce n’est qu’à cette condition qu’ils pourront effectivement se limiter et s’arrêter entre eux”.(21)


(“A doutrina de Montesquieu se liga, portanto, essencialmente ao sistema do ‘Estado de direito’. Entretanto, pela força das coisas, essa doutrina, embora vise principalmente a salvaguardar a liberdade civil, implica também certas disposições que tomam, no intuito de assegurar a liberdade das autoridades públicas elas mesmas, em suas relações umas com as outras, no quanto se trata de cada uma delas, o exercício do poder que lhe é especialmente atribuído. Aí está um novo aspecto, extremamente importante, do tema. Certamente, a divisão das competências e a especialização das funções não seriam, sozinhas, suficientes para realizar a limitação dos poderes: para que essa limitação se encontre garantida, é preciso, além disso, que nenhuma das três ordens de titulares dos poderes possua ou possa adquirir superioridade que lhe permita dominar os outros dois e que, conseqüentemente, possa pouco a pouco degenerar em onipotência. E para isso, é indispensável que os titulares dos três poderes sejam, não somente investidos de competências distintas e separadas, mas ainda se tornem, por sua constituição orgânica, independentes e como iguais uns frentes aos outros. É somente nesta condição que eles poderão efetivamente se limitar e se deter entre si”).

Recuperada a ratio que orientou MONTESQUIEU, qual seja, garantir a liberdade civil por meio da contenção do poder político, não admira nem surpreende não tenha ele proposto separação absoluta entre as funções públicas, até porque relações recíprocas entre os Poderes são, do ponto de vista funcional, imprescindíveis à economia do próprio sistema, pois também tendem a prevenir que as necessidades concretas de seu exercício sirvam de pretexto a que um se avantaje aos outros. Observa ZAFFARONI:

“Não há em Montesquieu qualquer expressão que exclua a possibilidade dos controles recíprocos, nem que afirme uma absurda compartimentalização que acabe em algo parecido com ‘três governos’ e, menos ainda, que não reconheça que no exercício de suas funções próprias esses órgãos não devam assumir funções de outra natureza.”(22)

Nada disto é novidade. Mas há, aqui, toda a pertinência em relembrá-lo, porque tal pensamento, não apenas seduziu, mas guiou, na talvez mais bem sucedida simplificação orgânico-funcional e aplicação histórica da teoria, seus mais agudos comentadores e responsáveis pela difusão do sistema nas modernas constituições ocidentais: ALEXANDER HAMILTON, JAMES MADISON e JOHN JAY.

Vale a pena rever como se pronunciaram os “Founders”, nos panfletários artigos federalistas:

“Portanto, visto que estes fatos foram o norte de Montesquieu para estabelecer o princípio de que se trata, podemos concluir que, quando ele estabeleceu ‘que não há liberdade todas as vezes que a mesma pessoa ou a mesma corporação legisla e executa ao mesmo tempo, ou por outras palavras, quando o poder de julgar não está bem distinto e separado do Legislativo e Executivo’, não quis proscrever toda a ação parcial, ou toda a influência dos diferentes poderes uns sobre os outros; o que quis dizer, segundo se colige das suas expressões, e ainda melhor dos exemplos que lhe serviram de regra, foi que, quando dois poderes, em toda a sua plenitude, se acham concentrados numa só mão, todos os princípios de um governo livre ficam subvertidos”.(22)

E, mais adiante, concluem:

“Fica provado no capítulo antecedente que o axioma político que se examina não exige a separação absoluta dos três poderes; demonstrar-se-á agora que sem uma tal ligação que dê a cada um deles o direito constitucional de fiscalizar os outros, o grau de separação, essencial à existência de um governo livre, não pode na prática ser eficazmente mantido”.(24)

Esse conjunto de idéias foi o substrato teórico que governou os federalistas na engenharia do esquema de contenções e compensações que, figuradas nos “checks and balances”, concretizaram a mais curial resposta política à necessidade da existência de expedientes de controle mútuo entre os poderes, para que nenhum transpusesse seus limites institucionais. Sem descurar o dogma da separação entre as funções, que as quer independentes e bem definidas, sublinharam toda a importância dos instrumentos de fiscalização recíproca, como peças essenciais na engrenagem da divisão e do equilíbrio entre elas, a serviço da resistência à intrusão e à tirania. A respeito dessa configuração prática, notava COOLEY, ainda no século XIX:

“This arrangement gives each department a certain independence, which operates as a restraint upon such action of the others as might encroach on the rights and liberties of the people, and makes it possible to establish and enforce guaranties against attempts at tyranny. We thus have the checks and balances of government, which are supposed to be essential to free institutions”.(23)


(“Esse arranjo confere a cada poder certa independência, que opera como um freio à ação dos outros que possa interferir nos direitos e liberdades das pessoas, e torna possível o estabelecimento e implementação de garantias contra tentativas de tirania. Temos, assim, freios e contrapesos de governo, que se reputam essenciais a instituições livres”).

Com tal roupagem, a receita política de MONTESQUIEU, acolhida já na Declaração de Direitos da Virgínia, em 1776, incorporou-se em boa parte das Constituições ocidentais, a principiar pela americana. E sua menção na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, contribuiu decisivamente para a transformar em dogma da teoria constitucional.(26)

Isso, é óbvio, não significa que se lhe tenham manifestado de modo homogêneo as configurações históricas nos textos constitucionais, como se fossem adaptações mecânicas de um modelo de contornos acabados. Ajustando-se às tradições culturais, à realidade política e ao próprio arcabouço institucional de cada país, o grau de autonomia dos poderes e os mecanismos possíveis de controle recíproco variam muito em cada um dos sistemas jurídico-constitucionais que adotam o postulado político da separação, oscilando, especialmente, entre os modelos integrados à tradição do constitucionalismo francês e do norte-americano. E é natural que assim seja. Afinal, como diz OTTO BACHOF, “no existe ningún esquema patenteado de división de poderes que pueda funcionar en todas las épocas y bajo los más diversos supuestos sociales”.(27)

Mas a afirmação do princípio como ingrediente axiomático da definição e estrutura dos Estados democráticos, essa sobrevive às diferenças sociais e aos rumos da evolução política, a despeito das variações que lhe determinam tais vicissitudes históricas.

4. Diante dessas premissas, é preciso, então, apurar as feições particulares que tomou o princípio em nossa Constituição Federal. Como pontua HESSE(28), a identificação do conteúdo desse postulado histórico não pode prescindir da análise da configuração e dos contornos que lhe dá a ordem jurídica concreta de certo Estado. De modo que só o exame da sua concreta disposição na ordem jurídica vigente permitirá aferir se a instituição do Conselho Nacional de Justiça insulta, ou não, o sistema positivo da separação e independência dos Poderes. Já o tinha advertido o Min. GILMAR MENDES, quando ainda ocupava o cargo de Advogado-Geral da União:

“(…) o contraste entre a norma questionada e o parâmetro constitucional da divisão de poderes é uma operação de índole normativa e valorativa, que, por isso, deve levar em conta não uma concepção abstrata do princípio de divisão de poderes, mas seu conteúdo efetivo na ordem constitucional positiva” (apud ADI nº 135, voto do Rel. Min. OCTÁVIO GALLOTTI, DJ de 15.08.97).

Ninguém tampouco tem dúvidas acerca da superior importância atribuída pela Constituição Federal às normas da separação dos Poderes, em conformidade, aliás, com nossa tradição republicana. Já no art. 2º, estatui: “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. E logo o sublima a cláusula irremovível, vedando, no art. 60, § 4º, inc. III, seja “objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…)III — a separação dos Poderes”. Donde se tem logo por indiscutível que o princípio da separação e independência dos Poderes integra a ordem constitucional positiva, em plano sobranceiro. E, nessa perspectiva, cada um deles tem sua organização regulada em capítulo distinto no Título IV: arts. 44 a 75 (Legislativo), arts. 76 a 91 (Executivo) e arts. 92 a 135 (Judiciário).

Ora, é o confronto analítico dos preceitos relativos à organização e ao funcionamento de cada uma dessas funções públicas que permite extrair o conteúdo e a extensão de que se reveste a teoria da separação em nosso sistema jurídico-constitucional. Noutras palavras, é seu tratamento normativo, através de todo o corpo constitucional, que nos dá o sentido e os limites dos predicados da independência e da harmonia, previstos no art. 2º.

E o que se lhe vê é que o constituinte desenhou a estrutura institucional dos Poderes de modo a garantir-lhes a independência no exercício das funções típicas, mediante previsão de alto grau de autonomia orgânica, administrativa e financeira. Mas tempera-o com a prescrição doutras atribuições, muitas das quais de controle recíproco, e cujo conjunto forma, com as regras primárias, verdadeiro sistema de integração e cooperação, preordenado a assegurar equilíbrio dinâmico entre os órgãos, em benefício do escopo último, que é a garantia da liberdade.

Esse quadro normativo constitui expressão natural do princípio na arquitetura política dos freios e contrapesos. À Constituição repugna-lhe toda exegese que reduza a independência dos Poderes a termos absolutos, os quais, aliás de todo estranhos aos teóricos de sua fórmula, seriam contraditórios com a idéia que a concebeu como instrumento político-liberal.


Confirma-o rápido percurso pelo texto constitucional. Não são poucos os institutos cuja disciplina revela ostensiva existência de mecanismos predispostos ao controle mútuo entre os Poderes e, até, ao desempenho anômalo, por um deles, de função típica de outro. Basta mencionar o veto, o impeachment, o controle de constitucionalidade das leis, as medidas provisórias, as leis delegadas, o poder conferido ao Legislativo de sustar atos normativos do Executivo (art. 49, inc. V), bem como de lhe fiscalizar e controlar os atos (inc. X), o controle das contas públicas pelo Congresso Nacional e pelo Tribunal de Contas, a competência do Senado para julgar o Chefe do Executivo e os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Conselho da República, o poder do Presidente da República conceder indulto e comutar penas, etc. Não menos significativa é a previsão do procedimento de elaboração conjunta do orçamento de cada Poder, por meio da lei de diretrizes orçamentárias e da própria lei orçamentária.

No que concerne à vida orgânica do Judiciário, merece atenção especial a competência do Executivo para nomear parte dos membros do Poder, como se dá com integrantes da Justiça Eleitoral (arts. 119, inc. II, e 120, inc. III), dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais estaduais e do Distrito Federal, por via do chamado quinto constitucional (art. 94), e dos próprios Ministros desta Casa, cuja investidura depende ainda de aprovação do Senado (art. 101, § único).

Todos esses exemplos provam, ad rem, que a incorporação privilegiada do princípio da separação na ordem constitucional não significa de modo algum que a distribuição primária das funções típicas e a independência formal dos Poderes excluam regras doutro teor, que, suposto excepcionais na aparência, tendem, no fundo, a reafirmar a natureza unitária das funções estatais, a cuja repartição orgânica é imanente a vocação conjunta de instrumentos da liberdade e da cidadania. Tal arrumação normativa está longe de fraturar ou empobrecer o núcleo político e jurídico do sistema, que só estará mortalmente ferido lá onde se caracterizar, à luz de sua inspiração primordial, usurpação de funções típicas ou aniquilamento prático da autonomia de cada Poder. É essa, de certo modo, a opinião comum dos constitucionalistas pátrios.(29)

E, ao propósito, nossa experiência constitucional em nada destoa do que se verifica alhures. Reconhece, em caráter geral, WILLIAM PRILLAMAN> que:

“(…) no branch or agent of government in a separation of powers system is completely ‘independent’ from the other branches. Courts rely on other branches of government for their budgets and enforcement of their rulings; the judicial nomination process often depends on executive nomination and legislative approval; and appointees may be subject to legislative impeachment. Thus, no judiciary is completely removed from the affairs of the more political departments of government”.(30)

“[(…) nenhum ramo ou agente de governo, em um sistema de separação de poderes, é completamente ‘independente’ dos outros. As cortes dependem de outros setores do governo tanto para aprovação de seus orçamentos, como para o cumprimento de suas decisões; o processo de nomeação judicial freqüentemente depende de nomeação do Executivo e aprovação do Legislativo; e os indicados podem ainda ser submetidos ao impeachment legislativo. Assim, nenhum Judiciário está completamente afastado dos assuntos dos ramos mais políticos do governo”].

Sob o prisma constitucional brasileiro do sistema da separação dos Poderes, não se vê a priori como possa ofendê-lo a criação do Conselho Nacional de Justiça. À luz da estrutura que lhe deu a Emenda Constitucional nº 45/2004, trata-se de órgão próprio do Poder Judiciário (art. 92, I-A), composto, na maioria, por membros desse mesmo Poder (art. 103-B), nomeados sem interferência direta dos outros Poderes, dos quais o Legislativo apenas indica, fora de seus quadros e, pois, sem laivos de representação orgânica, dois dos quinze membros.

Brandida como argumento exemplar e capital da pretensa inconstitucionalidade do Conselho, tal indicação em si, em que qualquer crítico desapaixonado enxergaria, quando muito, mera representação simbólica da instância legislativa, não pode equiparar-se a nenhuma forma de intromissão incompatível com a idéia política e o perfil constitucional da separação e independência dos Poderes. O preceito que a estabelece não inova coisa alguma na ordem constitucional, em cujo contexto guarda, com ruidosa clareza, menor extensão lógica e índice muito mais modesto de participação doutro Poder no processo de escolha de membros do Poder Judiciário, do que, por exemplo, o velhíssimo modelo do art. 101, § único, da Constituição da República, o qual defere ao Chefe do Executivo competência exclusiva para nomear todos os integrantes desta Casa! Têm, nesse claro sentido, sabor apenas didático, as observações de ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, de que


“ (…) prevalece entre nós, quanto ao Supremo Tribunal Federal e aos tribunais superiores federais, o sistema de nomeação dos magistrados pelo Executivo, com aprovação do Senado Federal. É por isso que a independência do Judiciário, absoluta quanto ao exercício de suas funções, não o é no que respeita à constituição dos tribunais.”(31)

Seria, deveras, fraqueza de espírito insistir na demonstração do absurdo lógico-jurídico que estaria em dar, sob pretexto de usurpação de poderes, pela inconstitucionalidade da criação do Conselho, sem antes reconhecê-la, com maiores e mais conspícuas razões, ao processo de nomeação de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal.

A fortiori, esta conclusão óbvia, não apenas decepa a objeção de inconstitucionalidade específica a título de injúria ao sistema da separação e independência dos Poderes, mas, sobretudo, é prova suficiente de que a não há nenhuma, ainda quando genérica, por conta dessa mesma causa material, nas regras de composição, escolha e nomeação dos membros do Conselho. Donde vem, logo, o erro de o tomar por órgão de controle externo.

Talvez ocorra a alguém que, na prática, essa composição híbrida poderia comprometer a independência interna e externa do Judiciário. A objeção não é forte, porque os naturais desvios que, imputáveis à falibilidade humana, já alimentavam, durante os trabalhos preparatórios da Constituição americana, o ceticismo calvinista em relação aos riscos de facciosidade do parlamento, são inerentes a todas as instituições, por acabadas e perfeitas que se considerem. Mas, se escusa reforço à resposta, é sobremodo importante notar que o Conselho não julga causa alguma, nem dispõe de nenhuma atribuição, de nenhuma competência, cujo exercício fosse capaz de interferir no desempenho da função típica do Judiciário, a jurisdicional. Pesa-lhe, antes, abrangente dever constitucional de “zelar pela autonomia” do Poder (art. 103-B, § 4º, inc. I). E não seria lógico nem sensato levantar suspeitas de que, sem atribuição jurisdicional, possa comprometer independência que jamais se negou a órgãos jurisdicionais integrados por juízes cuja nomeação compete ao Poder Executivo, com ou sem colaboração do Legislativo.

Será caso, no entanto, de indagar se tal risco não adviria da própria natureza das competências destinadas ao Conselho, enquanto órgão nacional de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados.

Aqui, a dúvida é de menor tomo. Com auxílio dos tribunais de contas, o Legislativo sempre deteve o poder superior de fiscalização dos órgãos jurisdicionais quanto às atividades de ordem orçamentária, financeira e contábil (arts. 70 e 71 da Constituição da República), sem que esse, sim, autêntico controle externo do Judiciário fosse tido, alguma feita e com seriedade, por incompatível com o sistema da separação e independência dos Poderes, senão como peça da mecânica dos freios e contrapesos. E esse quadro propõe ainda um dilema: ou o poder de controle intermediário da atuação administrativa e financeira do Judiciário, atribuído ao Conselho Nacional de Justiça, não afronta a independência do Poder, ou será forçoso admitir que o Judiciário nunca foi, entre nós, Poder independente!

Igual coisa pode dizer-se de imediato sobre a competência de controle do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Ou a atribuição em si, a este ou àquele órgão, não trinca nem devora a independência do Poder, ou se há de confessar que este nunca tenha sido verdadeiramente autônomo ou independente. A outorga dessa particular competência ao Conselho não instaura, como novíssima das novidades, o regime censório interno, a que, sob a ação das corregedorias, sempre estiveram sujeitos, em especial, os magistrados dos graus inferiores, senão que, suprindo uma das mais notórias deficiências orgânicas do Poder, capacita a entidade a exercer essa mesma competência disciplinar, agora no plano nacional, sobre todos os juízes hierarquicamente situados abaixo desta Suprema Corte. Como se percebe sem grandes ginásticas de dialética, deu-se apenas dimensão nacional a um poder funcional necessário a todos os ramos do governo, e cujo exercício atém-se, como não podia deixar de ser, às prescrições constitucionais e às normas subalternas da Lei Orgânica da Magistratura e do futuro Estatuto, emanadas todas do Poder Legislativo, segundo os princípios e as regras fundamentais da independência e harmonia dos Poderes.

5. E é o momento de recobrar a questão crucial da causa e que está em saber se, de qualquer outro modo, direto ou indireto, em maior ou menor grau, a criação, a composição e as atribuições do Conselho põem em risco, mínimo que seja, o exercício das funções jurisdicionais, enquanto razão mesma da existência do Poder Judiciário. É que, como o sabe toda a gente, as exigências e as preocupações de tutela cabal da sua autonomia se radicam na necessidade de preservação das garantias indispensáveis ao desempenho imparcial daquelas funções. No dizer de MAURO CAPPELLETTI:


“a independência dos juízes frente ao executivo, longe de representar um valor fim em si mesmo, não é ela própria senão um valor instrumental. É difícil não compartilhar da opinião de Giovani Pugliese — que é, aliás, também a da nossa Corte Constitucional — quando afirma, exatamente, que a independência não é senão o meio dirigido a salvaguardar outro valor — conexo certamente, mas diverso e bem mais importante do que o primeiro — ou seja, a imparcialidade do juiz. O valor ‘final’ — a ‘essência’ ou a ‘natureza’, por assim dizer — da função judiciária é, portanto, que a decisão seja tomada por um terceiro imparcial, tertius super partes, depois que as partes tenham tido a possibilidade de apresentar e defender o seu caso (…).”(32)

É o que reconhece o ex-magistrado LUIS FLÁVIO GOMES, em referência à obra de IBAÑEZ:

“concebemos a independência judicial desse modo, ‘não como um fim em si mesmo, senão como um meio, um conceito instrumental em relação à imparcialidade, a serviço da idéia de que o juiz deve sempre atuar como terceiro na composição dos interesses em conflito, com a lei como ponto de referência indiscutível”.(33)

Está nisto, no valor político supremo da imparcialidade dos juízes e tribunais, o critério decisivo da estima da compatibilidade do Conselho Nacional de Justiça com todas as provisões constitucionais de um Judiciário independente. E, de tal ângulo, não vejo em que este sofra com aquele.

Como já referi, são duas, em suma, as ordens de atribuições conferidas ao Conselho pela Emenda Constitucional nº 45/2004: (a) o controle da atividade administrativa e financeira do Judiciário, e (b) o controle ético-disciplinar de seus membros.

A primeira não atinge o autogoverno do Judiciário. Da totalidade das competências privativas dos tribunais, objeto do disposto no art. 96 da Constituição da República, nenhuma lhes foi castrada a esses órgãos, que continuarão a exercê-las todas com plenitude e exclusividade, elaborando os regimentos internos, elegendo os corpos diretivos, organizando as secretarias e serviços auxiliares, concedendo licenças, férias e outros afastamentos a seus membros, provendo os cargos de juiz de carreira, assim como os necessários à administração da justiça, etc, sem terem perdido o poder de elaborar e encaminhar as respectivas propostas orçamentárias.

O que tampouco deve esquecido é que também nesse campo se manifesta o caráter não absoluto da independência constitucional do Poder. Afora as limitações concernentes à elaboração dos orçamentos, a criação ou extinção dos tribunais, a alteração do número de seus membros, a modificação da organização e da divisão judiciárias, bem como a criação de cargos e a remuneração dos serviços auxiliares e dos juízos vinculados ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça também dependem da aprovação do Poder Legislativo (art. 96, inc. II), o que demonstra, mais uma vez, que:

“as garantias do art. 96 da Constituição visam essencialmente a estabelecer a independência do Poder Judiciário em relação aos demais Poderes. Mas se é absoluta essa independência no que respeita ao desempenho de suas funções, não se pode dizer o mesmo no tocante à organização do Poder Judiciário, a qual depende freqüentemente do Poder Executivo ou do Legislativo, quando não de ambos”(34).

De modo que, sem profanar os limites constitucionais da independência do Judiciário, agiu dentro de sua competência reformadora o poder constituinte derivado, ao outorgar ao Conselho Nacional de Justiça o proeminente papel de fiscal das atividades administrativa e financeira daquele Poder. A bem da verdade, mais que encargo de controle, o Conselho recebeu aí uma alta função política de aprimoramento do autogoverno do Judiciário, cujas estruturas burocráticas dispersas inviabilizam o esboço de uma estratégia político-institucional de âmbito nacional. São antigos os anseios da sociedade pela instituição de um órgão superior, capaz de formular diagnósticos, tecer críticas construtivas e elaborar programas que, nos limites de suas responsabilidades constitucionais, dêem respostas dinâmicas e eficazes aos múltiplos problemas comuns em que se desdobra a crise do Poder. Como bem acentuou JOSÉ EDUARDO FARIA:

“(…) como o Judiciário tem diferentes braços especializados organizados em diferentes instâncias, é natural que cada um deles e cada uma delas sinta-se tentado a definir seu próprio programa de ação, o que, obviamente, torna de fundamental importância a criação de um órgão representativo de todos esses braços e instâncias capazes de atuar numa dimensão de política-domínio, responsabilizando-se pela uniformização dos diferentes programas ‘parcialmente contraditórios’ e ‘parcialmente compatíveis’ sob a forma de uma estratégia global da instituição”.(35)


Ao Conselho atribuiu-se esse reclamado papel de órgão formulador de uma indeclinável política judiciária nacional.

6. A segunda modalidade de atribuições do Conselho diz respeito ao controle “do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (art. 103-B, § 4º). E tampouco parece-me hostil à imparcialidade jurisdicional.

Representa expressiva conquista do Estado democrático de direito, a consciência de que mecanismos de responsabilização dos juízes por inobservância das obrigações funcionais são também imprescindíveis à boa prestação jurisdicional. Na síntese feliz de JUAN MONTERO AROCA,(36) a responsabilidade judicial é a outra face da moeda da independência, a sua contrapartida. E a necessidade, que o Programa de Desenvolvimento da ONU (PNUD) já enfatizou(37), de se coordenarem ambas essas exigências, põe-nos, como bem o percebeu o saudoso MAURO CAPPELLETTI, diante de “um problema de equilíbrio entre o valor de garantia e instrumental da independência, externa e interna, dos juízes, e o outro valor moderno (mas também antigo, como se viu) do dever democrático de prestar contas”.(38) E uma enorme dificuldade para se atingir tão sutil equilíbrio é fenômeno observado em toda a América Latina, como mostra WILLIAM PRILLAMAN.(39)

Entre nós, é coisa notória que os atuais instrumentos orgânicos de controle ético-disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição, como já o admitiram com louvável sinceridade os próprios magistrados, em conhecido estudo de MARIA TEREZA SADEK.(40) Realidade algo semelhante encontra-se nos demais países latino-americanos.(41)

Perante esse quadro de relativa inoperância dos órgãos internos a que se confinava o controle dos deveres funcionais dos magistrados, não havia nem há por onde deixar de curvar-se ao cautério de NICOLÓ TROCKER: “o privilégio da substancial irresponsabilidade do magistrado não pode constituir o preço que a coletividade é chamada a pagar, em troca da independência dos seus juízes”.(42) Nem ao aviso de LIMA LOPES:

“o Poder Judiciário não pode ser independente, no sentido de irresponsável, ou não prestar contas à sociedade, aos cidadãos, no que diz respeito à máquina judicial. Se quisermos livrar os juízes do controle dos cartórios, dos lobbies, das pressões corporativas, é preciso colocá-los ombreados com a cidadania”.(43)

Tem-se, portanto, de reconhecer, como imperativo do regime republicano e da própria inteireza e serventia da função, a necessidade de convívio permanente entre a independência jurisdicional e instrumentos de responsabilização dos juízes que não sejam apenas formais, mas que cumpram, com efetividade, o elevado papel que se lhes predica. Para isso, é preciso, com reta consciência e grandeza de espírito, desvestirem-se os juízes de preconceitos corporativos e outras posturas irracionais, como a que vê na imunidade absoluta e no máximo isolamento do Poder Judiciário condições sine qua non para a subsistência de sua imparcialidade. Como pondera o jurista norte-americano OWEN FISS:

“It is simply not true that the more insularity the better, for a judiciary that is insulated from the popularly controlled institutions of government — the legislative and the executive branches — has the power to interfere with the actions or decisions of those institutions, and thus has the power to frustrate the will of the people. (…) We are thereby confronted with a dilemma. Independence is assumed to be one of the cardinal virtues of the judiciary, but it must be acknowledged that too much independence may be a bad thing. We want to insulate the judiciary from the more popularly controlled institutions, but should recognize at the same time some elements of political control should remain”.(44)

(“Simplesmente não é verdade que, quanto maior o isolamento, melhor, porque um Judiciário que está isolado das instituições governamentais sujeitas a controle popular – o Legislativo e o Executivo – tem o poder de interferir nas ações ou decisões dessas instituições e, assim, o poder de frustrar a vontade popular. (…) Estamos, portanto, diante de um dilema. A independência é tida como uma das virtudes cardinais do Judiciário, mas deve-se reconhecer que muita independência pode ser uma coisa negativa. Nós queremos isolar o Judiciário das instituições sujeitas a maior controle popular, mas deveríamos admitir, ao mesmo tempo, que alguns elementos de controle político deveriam remanescer”).

Longe, pois, de conspirar contra a independência judicial, a criação de um órgão com poderes de controle nacional dos deveres funcionais dos magistrados responde a uma imperfeição contingente do Poder, no contexto do sistema republicano de governo. Afinal, “regime republicano é regime de responsabilidade. Os agentes públicos respondem por seus atos”.(45) E os mesmos riscos teóricos de desvios pontuais, que se invocam em nome de justas preocupações, esses já existiam no estado precedente de coisas, onde podiam errar, e decerto em alguns casos erraram, os órgãos corregedores.


Nem embaraça a conclusão, o fato de que tenham assento e voz, no Conselho, membros alheios ao corpo da magistratura. Bem pode ser que tal presença seja capaz de erradicar um dos mais evidentes males dos velhos organismos de controle, em qualquer país do mundo: o corporativismo, essa moléstia institucional que obscurece os procedimentos investigativos, debilita as medidas sancionatórias e desprestigia o Poder.

Uma das mais graves degenerações suscetíveis de acometer os modernos aparatos judiciários é, segundo a observação incontestável de MAURO CAPPELLETTI, a “monopolização da responsabilidade disciplinar em mãos da própria magistratura e, conseqüentemente, na sua degeneração em instrumento de controle puramente corporativo, isolado da sociedade”. O perigo com que se defronta é o “‘isolamento’ da magistratura, a sua transformação num corps séparé, destacado do resto do sistema estatal e da sociedade em geral”.(46) Igual opinião sustenta WILLIAM PRILLAMAN: “(…) an independent judiciary can degenerate not only into a politicized bureaucracy but also into an insular, unaccountable one”.(47)

E desse perigo não se isenta nem desvencilha o país. Do exame comparativo de diversos sistemas judiciários, conclui LIMA LOPES que

“o Brasil é, nesta série de exemplos, um caso único, como se vê, em que independência e autonomia estão mais próximas do sistema do antigo regime de patrimonialidade dos cargos, de exclusivismo corporativo até, do que de democracia propriamente dita. Aqui talvez se esteja confundindo, no debate atual, autonomia do Poder Judiciário com capacidade de isolamento. É da maior importância, hoje, não confundir autonomia e independência do Judiciário com seu isolamento social”.(48)

A presença, aliás minoritária e com mandatos pessoais de duração limitada, de membros não pertencentes aos quadros da magistratura, aparece como um dos remédios contra o mal. A respeito, é bom ouvir de novo a MAURO CAPPELLETTI:

“a arma talvez mais freqüentemente utilizada para combater essa degeneração consiste em incluir membros ‘laicos’ nos órgãos investidos do poder disciplinar, mais uma vez na tentativa de encontrar razoável equilíbrio entre o valor da independência e o de certo grau de união, que em verdade nunca deveria faltar completamente, do judiciário com o resto do body politic”.(49)

Uma persistente conexão entre o Judiciário e o corpo político é, ademais, importante fator de legitimação social e democrática que não deve subestimado por arrogância da magistratura, pois, como nota BOAVENTURA SOUSA SANTOS,“a democratização da administração da justiça é uma dimensão fundamental da democratização da vida social, económica e política”, cuja abertura deve, como ideal, incluir “o maior envolvimento e participação dos cidadãos, individualmente ou em grupos organizados, na administração da justiça”.(50)

De modo que, num juízo objetivo e sereno, como convém à matéria e ao interesse público, a composição do Conselho — cujo modelo não pode deixar de ser “pluralístico e democrático”(51) – estende uma ponte entre o Judiciário e a sociedade, de um lado permitindo oxigenação da estrutura burocrática do Poder e, de outro, respondendo às críticas severas, posto nem sempre de todo justas para com a instituição, que lhe vinham de fora e de dentro, como ecos da opinião pública. De fora, DALMO DE ABREU DALLARI pregava:

“(…) é necessário estabelecer um sistema de controle. É oportuno lembrar aqui a atitude de Thomas Jefferson, que defendeu com firmeza a independência dos juízes e tribunais, mas admitiu que tinha medo do corporativismo dos magistrados, o que pode significar não só uma comunhão de interesses, mas também um relacionamento afetivo. Daí a conveniência de um órgão controlador, integrado, em sua maioria, por magistrados, mas também por profissionais de outras áreas jurídicas, como se tem feito para compor bancas examinadoras de concursos de ingresso na magistratura. Não se pode esquecer que o Poder Judiciário exerce poder público, age em nome do povo, embora seus membros não sejam escolhidos por meio de eleição popular. Por isso é necessário um controle democrático de seu desempenho, que assegure a obediência às regras legais e a prevalência do interesse público, mantendo o requisito fundamental, que é a garantia da independência dos juízes”.(52)

De dentro, o ilustre Min. CELSO DE MELLO era só mais sutil:

“Estou cada vez mais convencido da necessidade de controle externo sobre o Poder Judiciário. Fiscalização e responsabilidade são princípios do modelo republicano. A fiscalização externa não compromete o princípio da separação dos Poderes. Ela não quer dizer que se vá exercer censura sobre o pensamento dos magistrados. A independência dos juízes deve ser preservada. Mas ela não é uma finalidade em si própria. É preciso ter juízes independentes para se poder ter cidadãos livres”.(53)


“O Judiciário só pode enfraquecer se seus membros falharem gravemente no desempenho das suas funções. Os magistrados devem se expor democraticamente à crítica social. Nenhum Poder da República está acima da Constituição, nem pode pretender que sua fisionomia institucional não possa ser redesenhada”.(54)

“(…) entendo que a discussão em torno da fiscalização externa torna-se essencial até mesmo para conferir legitimidade político-social à atividade do magistrado e evitar que abusos funcionais, que situações de ilicitude que ocorrem lamentavelmente na intimidade dos corpos judiciários continuem a ocorrer. É preciso fiscalizar”.(55)

O real temor gerado pela presença de não-magistrados no Conselho Nacional de Justiça está em que sua fiscalização ético-disciplinar, num plano de superposição, transponha os horizontes constitucionais e legais, transformando-se em instrumento de dominação política da magistratura. Não se deve baratear tão válida preocupação de que um controle arbitrário corrompa as condições e garantias de imparcialidade dos juízes e, como tal, desnature a Jurisdição. Mas não se deve tampouco sobreestimá-la, nem ceder a puras fantasias, como se não dispusesse o sistema de mecanismos aptos de defesa, com força bastante para neutralizar riscos teóricos.

Neste passo, vale a pena chamar a atenção para o fato de que a própria Emenda Constitucional nº 45/2004 contém provisões adequadas a garantir que o exercício do poder disciplinar se paute por critérios de rigorosa legalidade. Relembre-se, ainda uma vez, que a maioria qualificada de membros do Conselho é formada de juízes e, pois, de pessoas insuspeitas à magistratura, aprovadas e experimentadas no ofício de aplicar a lei. Donde é lícito crer que tal maioria constitua o primeiro elemento regulador da retidão e legitimidade do uso do poder de controle atribuído ao órgão. Acresça-se-lhe a circunstância, não menos significativa, de que a função de Ministro-Corregedor é destinada ao Ministro representante do Superior Tribunal de Justiça (art. 103-B, § 5º).

Mas até a minoria, composta por não-magistrados, é tida, sob vigorosa presunção hominis, por afeita às atividades jurisdicionais, não só no caso manifesto dos representantes do Ministério Público e da advocacia, senão também no dos dois cidadãos que, indicados pelo Legislativo, devam, à moda dos candidatos a esta Corte (art. 101 da Constituição da República), possuir “notável saber jurídico e reputação ilibada”. Que outros requisitos se poderiam pedir aos membros não-magistrados, como garantia de vivência jurídica, de compromisso com a autonomia do Poder e de fidelidade à lei?

Ao depois, a participação de juízes de hierarquia inferior em decisões disciplinares sobre atos de juízes de categoria superior não rompe nenhum princípio nem regra constitucional imutável, porque não encerra nem supõe atribuição de competência monocrática cujo exercício subverta relações hierárquicas. É que o caso retrata apenas competência destinada a formar a vontade coletiva de órgão colegiado, ao qual é adjudicado o poder de decidir. A argüição da autora, aqui, nasce de erro de perspectiva, porque não atina com o fato de que a relação hierárquica, pressuposta ao poder de decidir, se estrutura entre o órgão superior, o Conselho, e o juiz subordinado, cuja conduta é objeto do julgamento, não entre este e o juiz ou juízes integrantes do Conselho, os quais só podem ser considerados de hierarquia inferior sob outro ponto de vista. A competência de decidir e o conteúdo da decisão são juridicamente imputados ao órgão, não a cada uma das pessoas que o compõem. A relação hierárquica correspondente forma-se no nível decisório (eficácia da decisão), entre órgão superior e magistrado que lhe está sujeito, o que nada tem a ver com o tipo de subordinação que se dá noutro plano, o dos degraus da carreira.

7. Entre os membros laicos, cuja previsão dá caráter heterogêneo à composição do Conselho Nacional de Justiça, constam dois representantes do Ministério Público e dois advogados, todos indicados pelos pares (art. 103-B, incs. XI e XII). Por mais que forcejasse, não encontrei nenhuma razão de índole constitucional que lhes pudera vetar a participação no Conselho.

Pressuposto agora que a instituição do Conselho, não apenas simboliza, mas também opera ligeira abertura das portas do Judiciário para que representantes da sociedade tomem parte no controle administrativo-financeiro e ético-disciplinar da atuação do Poder, robustecendo-lhe o caráter republicano e democrático, nada mais natural que os dois setores sociais, cujos misteres estão mais próximos das atividades profissionais da magistratura, a advocacia e o Ministério Público, integrem o Conselho responsável por esse mesmo controle.


Não é à toa que ambas as profissões são objeto de normas da Constituição da República, no âmbito do capítulo reservado à disciplina das “funções essenciais à Justiça”. De acordo com o art. 127, “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado”. E o art. 133 reputa o advogado “indispensável à administração da justiça”.

Esses cânones não se limitam a refletir ou reafirmar, no mais alto escalão nomológico, certos truísmos ligados aos papéis da advocacia e do Ministério Público, como, v. g., que suas iniciativas técnicas desencadeiam o exercício da função jurisdicional, cuja inércia é garantia da imparcialidade que a caracteriza como monopólio e obrigação do Estado. Ou que, como órgãos dotados de capacidade postulatória, legitimem esse mesmo exercício, dando concreção a todos os princípios inerentes à cláusula do justo processo da lei (due process of law).

Aqueles preceitos vão além, porque concebem e proclamam, como ingredientes da própria ordem jurídico-constitucional, a dignidade e a relevância da advocacia e do Ministério Público enquanto funções essenciais da Justiça, e cujos titulares são, como tais, merecedores de garantias, como a inviolabilidade relativa dos atos e manifestações emanados no exercício da profissão de advogado (art. 133), e as prerrogativas e vedações análogas às dos juízes, relativamente aos membros do Ministério Público (art. 128, § 5º). Eis o fundamento da previsão de participação da Ordem dos Advogados em todas as fases do concurso de ingresso na carreira da magistratura (art. 93, I).

Tudo isso comprova a decisiva responsabilidade que, ao lado da magistratura, pesa, já no plano constitucional originário, à advocacia e ao Ministério Público, quanto ao correto desenvolvimento da atividade estatal que, atribuída como função típica ao Poder Judiciário no quadro da separação dos poderes, constitui a própria razão de ser das três categorias profissionais. De modo que, pelo menos no nível teórico, e é esse o que sobreleva na causa, os rumos dos interesses institucionais não podem deixar de convergir para o mesmo propósito político: o aprimoramento da atividade jurisdicional.

É, pois, compreensível e conforme, não contrário, aos princípios que, presumindo-se ambas as instituições aptas e interessadas em oferecer contribuições valiosas ao aperfeiçoamento da função jurisdicional, a advocacia e o Ministério Público ganhem posto e dever de cooperação no seio do órgão agora predestinado ao controle nacional da atuação administrativo-financeira e ético-funcional do Judiciário.

Por fim, se o instituto que atende pelo nome de quinto constitucional, enquanto integração de membros não pertencentes à carreira da magistratura em órgãos jurisdicionais, encarregados do exercício da função típica do Judiciário, não ofende o princípio da separação e independência dos Poderes, então não pode ofendê-la a fortiori a mera incorporação de terceiros em órgão judiciário carente de competência jurisdicional.

8. Terão sido estas, desconfio, algumas das razões que levaram o Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, no bojo dos votos proferidos no julgamento das ADI nº 98 e nº 183, a sustentar que eventual presença de representante da Ordem dos Advogados do Brasil, em conselho dotado de atribuições similares às do órgão criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, poderia amparar-se na “definição constitucional da advocacia como função essencial à Justiça”. E, em entrevista à imprensa, a deixar clara sua posição favorável à “abertura para integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Ministério Público”, de conselho destinado a ‘formular políticas e uniformizar critérios administrativos para o setor”.(56)

E por coincidência, mais ou menos na mesma época, também o Min. CARLOS VELLOSO se pronunciou publicamente pela criação de um Conselho Nacional da Magistratura que contasse com a participação de representantes “do Ministério Público, além de membros da OAB e outras instituições idôneas”.(57)

Não fora impróprio, eu até diria que já não devem agora sentir-se lá confortáveis os advogados e os membros do Ministério Público, porque, com o assento dos seus representantes no Conselho, se despem da cômoda posição de observadores críticos, para se converterem em co-responsáveis formais pelos rumos do Judiciário.

9. A autora deduz ainda outro argumento que se prestaria a demonstrar a inconstitucionalidade do Conselho, cuja instituição violaria o pacto federativo, “ao submeter o poder judiciário dos estados membros à supervisão administrativa e disciplinar do conselho nacional de justiça” (fls. 30).


Também aqui não lhe dou razão.

O pacto federativo não se desenha nem expressa, em relação ao Poder Judiciário, de forma normativa idêntica à que atua sobre os demais Poderes da República. Porque a Jurisdição, enquanto manifestação da unidade do poder soberano do Estado, tampouco pode deixar de ser una e indivisível, é doutrina assente que o Poder Judiciário tem caráter nacional, não existindo, senão por metáforas e metonímias, “Judiciários estaduais” ao lado de um “Judiciário federal”.

A divisão da estrutura judiciária brasileira, sob tradicional, mas equívoca denominação, em Justiças, é só o resultado da repartição racional do trabalho da mesma natureza entre distintos órgãos jurisdicionais. O fenômeno é corriqueiro, de distribuição de competências pela malha de órgãos especializados, que, não obstante portadores de esferas próprias de atribuições jurisdicionais e administrativas, integram um único e mesmo Poder. Nesse sentido fala-se em Justiça Federal e Estadual, tal como se fala em Justiça Comum, Militar, Trabalhista, Eleitoral, etc., sem que com essa nomenclatura ambígua se enganem hoje os operadores jurídicos.

Na verdade, desde JOÃO MENDES JÚNIOR, cuja opinião foi recordada por CASTRO NUNES,(58) sabe-se que:

“O Poder Judiciário, delegação da soberania nacional, implica a idéia de unidade e totalidade da fôrça, que são as notas características da idéia de soberania. O Poder Judiciário, em suma, quer pelos juízes da União, quer pelos juízes dos Estados, aplica leis nacionais para garantir os direitos individuais; o Poder Judiciário não é federal, nem estadual, é eminentemente nacional, quer se manifestando nas jurisdições estaduais, quer se aplicando ao cível, quer se aplicando ao crime, quer decidindo em superior, quer decidindo em inferior instância.(59) (grifos no original)

Desenvolvendo a idéia, asseveram ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:

“O Poder Judiciário é uno, assim como una é a sua função precípua — a jurisdição — por apresentar sempre o mesmo conteúdo e a mesma finalidade. Por outro lado, a eficácia espacial da lei a ser aplicada pelo Judiciário deve coincidir em princípio com os limites espaciais da competência deste, em obediência ao princípio una lex, una jurisdictio. Daí decorre a unidade funcional do Poder Judiciário.

É tradicional a assertiva, na doutrina pátria, de que o Poder Judiciário não é federal nem estadual, mas nacional. É um único e mesmo poder que se positiva através de vários órgãos estatais — estes, sim, federais e estaduais.

(…)

(…) fala a Constituição das diversas Justiças, através das quais se exercerá a função jurisdicional. A jurisdição é uma só, ela não é nem federal nem estadual: como expressão do poder estatal, que é uno, ela é eminentemente naciona e não comporta divisões. No entanto, para a divisão racional do trabalho é conveniente que se instituam organismos distintos, outorgando-se a cada um deles um setor da grande ‘massa de causas’ que precisam ser processadas no país. Atende-se, para essa distribuição de competência, a critérios de diversas ordens: às vezes, é a natureza da relação jurídica material controvertida que irá determinar a atribuição de dados processos a dada Justiça; outras, é a qualidade das pessoas figurantes como partes; mas é invariavelmente o interesse público que inspira tudo isso (o Estado faz a divisão das Justiças, com vistas à melhor atuação da função jurisdicional)”.(60)

Negar a unicidade do Poder Judiciário importaria desconhecer o unitário tratamento orgânico que, em termos gerais, lhe dá a Constituição da República. Uma única lei nacional, um único estatuto, rege todos os membros da magistratura, independentemente da qualidade e denominação da Justiça em que exerçam a função (Lei Complementar nº 35, de 14.03.1979; art. 93, caput, da CF). A todos aplicam-se as mesmas garantias e restrições, concebidas em defesa da independência e da imparcialidade. Códigos nacionais disciplinam o método de exercício da atividade jurisdicional, em substituição aos códigos de processo estaduais. Por força do sistema recursal, u’a mesma causa pode tramitar da mais longínqua comarca do interior do país, até os tribunais de superposição, passando por órgãos judiciários das várias unidades federadas. E, para não alargar a enumeração de coisas tão conhecidas, relembre-se que a União retém a competência privativa para legislar sobre direito processual (art. 22, inc. I).

Nesse diagrama constitucional, nunca se ouviu sustentar que as particularidades concretas da organização da estrutura judiciária violassem o pacto federativo. E não se ouviu, porque perceptível sua natureza nacional e unitária, embora decomposta e ramificada, por exigências de racionalização, em múltiplos órgãos dotados de sedes e de âmbitos distintos de competência. Não se descobre, pois, sob esse ângulo, por que a instituição do Conselho Nacional de Justiça não se ajustaria à organização constitucional do Poder.


Não se quer com isso afirmar que o princípio federativo não tenha repercussão na fisionomia constitucional do Judiciário. Sua consideração mais evidente parece estar à raiz da norma que delega aos Estados-membros competência exclusiva para organizar sua Justiça, responsável pelo julgamento das causas respeitantes a cada unidade federada (art. 125). Toca-lhes, assim, definir a competência residual de seus tribunais, distribuí-la entre os vários órgãos de grau inferior, bem como administrá-la na forma prevista no art. 96, coisa que revela que a estrutura judiciária tem um dos braços situados nas Justiças estaduais. Mas a criação do Conselho Nacional de Justiça em nada altera esse quadro, nem desfigura doutro modo o pacto federativo.

Ademais, o Conselho reúne as características palpáveis de órgão federal, enquanto representativo do Estado unitário, formado pela associação das unidades federadas, mas não, de órgão da União.

O Conselho não é concebido nem estruturado como órgão da União, e, sim, do Poder Judiciário nacional, donde ser irrelevante que seu orçamento seja federal, pois a origem da fonte de custeio não transmuda a natureza nem a relação de pertinência do órgão no plano da separação dos Poderes, que é o plano onde se situa o critério de sua taxinomia, que nada tem com outro plano classificatório, o das unidades da federação. A inicial, aqui, incide noutro erro de ótica, pois não vê o plano lógico em que está o critério de divisão dos órgãos do mesmo Poder, só enxergando o que discerne entre as entidades elementares da federação. E é tão impróprio quanto supor que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, não pudessem julgar recursos interpostos em causas da competência de órgãos jurisdicionais estaduais, ou de interesse de municípios, porque o custeio de ambos corre à conta do orçamento da União.

Daí, não ser lícito estabelecer comparações do Conselho com os Executivos e Legislativos estaduais e municipais, porque estes não constituem Poderes nacionais, senão que se situam, definem e qualificam dentro das respectivas camadas da federação. E tampouco se pode imaginar, como pretende a inicial, que haveria supervisão administrativa, orçamentária, financeira e disciplinar dos órgãos judiciários estaduais por órgão da União. O Conselho, repita-se, não é órgão da União.

Sua composição reverencia e contempla as duas esferas federativas dotadas de Justiças, a União e os Estados-membros, os quais contam ali com representantes das respectivas magistraturas (art.103-B, incs. I a IX). Além disso, a indicação de um cidadão pelo Senado Federal exprime de certa maneira, senão a vontade, pelo menos forma indireta de participação dos Estados (art. 103-B, inc. XIII). Não vejo, pois, como cogitar de violação ao princípio federativo.

Não é, como tentei demonstrar, imutável o conteúdo concreto da forma federativa. As relações de subordinação vigentes na estrutura do Judiciário, dado seu caráter nacional, como o reconhece a autora (item 51 da inicial), podem ser ampliadas e desdobradas pelo constituinte reformador, desde que tal reconfiguração não rompa o núcleo essencial das atribuições do Poder em favor de outro. E foram redefinidas pela Emenda nº 45, sem usurpação de atribuições por outro Poder, nem sacrifício da independência. A redução das autonomias internas, atribuídas a cada tribunal, não contradiz, sob nenhum aspecto, o sistema de separação e independência dos Poderes. A Corte cansou-se de proclamar que não são absolutas nem plenas as autonomias estaduais, circunscritas pela Constituição (art. 25), porque, se o fossem, seriam soberanias. E o Conselho não tem competência para organizar nem reorganizar as Justiças estaduais.

E é só órgão que ocupa, na estrutura do Poder Judiciário, posição hierárquica superior à do Conselho da Justiça Federal e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, no sentido de que tem competência para rever-lhes os atos deste e daquele. Ora, está nisso o princípio capaz de resolver, em concreto, os conflitos aparentes de competência.

Por outro lado, a competência do Conselho para expedir atos regulamentares destina-se, por definição mesma de regulamento heterônomo, a fixar diretrizes para execução dos seus próprios atos, praticados nos limites de seus poderes constitucionais, como consta, aliás, do art. 103-B, § 4º, I, onde se lê: “no âmbito de sua competência”. A mesma coisa é de dizer-se a respeito do poder de iniciativa de propostas ao Congresso Nacional (art. 103-B, § 4º, inc. VII).

É antiga, aliás, em nosso sistema político-constitucional, a existência de órgãos federais a que se comete o papel de representar, arbitrar ou proteger os mais insignes interesses das unidades federadas, como é o caso do Senado (art. 46) e, até, desta Suprema Corte, com competência para o julgamento de conflitos que envolvam a “União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros” (art. 102, inc. I, “f”).


A esse paradigma pode também reconduzir-se a instituição do Conselho, que, sob a rubrica das atribuições inerentes ao poder de controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário (art. 103-B, § 4º), assume o dever jurídico de diagnosticar problemas, planejar políticas e formular projetos, com vistas ao aprimoramento da organização judiciária e da prestação jurisdicional, em todos os níveis, como exigência da própria feição difusa da estrutura do Poder nas teias do pacto federativo. Como já acentuamos, somente um órgão de dimensão nacional e de competências centralizadas pode, sob tais aspectos, responder aos desafios da modernidade e às deficiências oriundas de visões e práticas fragmentárias na administração do Poder.

O Conselho não anula, reafirma o princípio federativo.

10. A autora invoca ainda, em socorro de sua pretensão, algumas decisões da Corte em ações diretas de inconstitucionalidade dirigidas à criação de conselhos estaduais de “controle externo” dos órgãos judiciários. De fato, chamado a avaliar a legitimidade constitucional de órgãos desse tipo, rejeitou-a sempre o Supremo Tribunal Federal, cuja invariável jurisprudência ao propósito consolidou-se na súmula 649 (“é inconstitucional a criação, por Constituição Estadual, de órgão de controle administrativo do Poder Judiciário do qual participem representantes de outros Poderes ou entidades”).

Análise cuidadosa e, sobretudo, desinteressada mostra, todavia, que os precedentes se não ajustam nem aplicam ao caso. Em todos eles, era substancialmente diversa a situação posta ao julgamento da Corte.

Em primeiro lugar, os conselhos criados por leis dos Estados da Paraíba, do Mato Grosso, de Sergipe, do Ceará e do Pará, objetos daqueles precedentes, figuravam autênticos órgãos externos ao Poder Judiciário, concebidos e disciplinados em posições marginais à sua estrutura orgânico-burocrática. Aliás, no caso decidido na ADI nº 197, o art. 115 da Constituição do Estado de Sergipe preceituava, literalmente, que o conselho era “órgão de controle externo”, e era-o em substância. Nenhuma das composições desses colegiados contava tampouco com presença majoritária de membros pertencentes às magistraturas estaduais. A representação dos juízes era ali, em todos os conselhos, apenas equiparada, quando não inferior ao número de membros advindos doutros setores sociais (cf. ADI nº 197, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, DJ de 25.05.90; ADI nº 251, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, DJ de 02.04.93; ADI nº 135, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, DJ de 15.08.97; ADI nº 98, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 31.10.97, ADI nº 137, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 03.10.97).

Ora, não é esse o caso do Conselho Nacional de Justiça, que se define como órgão interno do Judiciário e, em sua formação, apresenta maioria qualificada (três quintos) de membros da magistratura (arts. 92, 1-A e 103-B). Desses caracteres vem-lhe a natureza de órgão de controle interno, conduzido pelo próprio Judiciário, conquanto democratizado na composição por meio da participação minoritária de representantes das áreas profissionais afins.

Os conselhos criados pelos Estados da Paraíba, Mato Grosso e Pará, compunham-nos, ainda, membros originais do Legislativo estadual (deputados), cuja presença não deixava nenhuma dúvida quanto à forma de interferência direta doutro Poder. No Conselho Nacional de Justiça, dois dos quinze membros são apenas indicados pelo Poder Legislativo, mas escolhidos fora de seus quadros de agentes e políticos, dentre os cidadãos, sem nenhum vestígio de representação nem de interferência orgânica. É, pois, notável a distância que medeia entre uma coisa e outra.

Ao depois, e está aqui verdade jurídica que se deve antecipar e proclamar com toda a clareza, os Estados-membros carecem de competência constitucional para instituir conselhos, internos ou externos, destinados a controle de atividade administrativa, financeira ou disciplinar das respectivas Justiças, porque a autonomia necessária para o fazer seria incompatível com o regime jurídico-constitucional do Poder Judiciário, cuja unidade reflete a da soberania nacional.

O Poder Judiciário é nacional e, nessa condição, rege-se por princípios unitários enunciados pela Constituição, a qual lhe predefine ainda toda a estrutura orgânica, sem prejuízo das competências que delega a cada um dos grandes ramos nela previstos. Seu funcionamento obedece, em todos os níveis, a leis processuais uniformes, editadas exclusivamente da União (art. 22, inc. I), e seus membros, os magistrados, assujeitam-se a um único regime jurídico-funcional (art. 93, caput).

De modo que eventual poder de criação de conselho estadual, ordenado ao controle administrativo-financeiro e disciplinar da divisão orgânica do Poder, atribuída com fisionomia uniforme às unidades federadas, violentaria a Constituição da República, porque lhe desfiguraria o regime unitário, ao supor competência de controles díspares da instituição, mediante órgãos estaduais, cuja diversidade e proliferação, isto, sim, meteriam em risco o pacto federativo.


Ora, tal vício de inconstitucionalidade, que já mareava a criação daqueles esdrúxulos órgãos estaduais, não guarda nenhuma pertinência com a hipótese. O Conselho Nacional de Justiça é órgão judiciário de âmbito nacional, com atribuições para atuar de maneira unitária e estratégica sobre todas as estruturas orgânicas do Poder.

E colhe-se outro dado fundamental, que remarca e exaspera a profunda diferença entre aqueles precedentes e este caso. O juízo de constitucionalidade das normas instituidoras dos conselhos fez-se, é óbvio, à luz da arquitetura que assumia o princípio da separação dos Poderes, à época, na Constituição da República, cujas regras, escusaria dizê-lo, não podiam ceder a leis subalternas. No mais profundo daqueles julgamentos, realizado na ADI nº 98, relatada pelo Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, foi reconhecido o fato, aqui já sobrelevado, de que:

“o princípio da separação e independência dos Poderes, malgrado constitua um dos signos distintivos fundamentais do Estado de Direito, não possui fórmula universal apriorística: a tripartição das funções estatais, entre três órgãos ou conjuntos diferenciados de órgãos, de um lado, e, tão importante quanto essa divisão funcional básica, o equilíbrio entre os poderes, mediante o jogo recíproco dos freios e contrapesos, presentes ambos em todas elas, apresentam-se em cada formulação positiva do princípio com distintos caracteres e proporções”.

Sob tal luz, reputou-se que a criação do conselho estadual feria o postulado da tripartição dos Poderes, tal como desenhado pelo conjunto das normas constitucionais então vigentes.

Ora, a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, como produto do exercício de competência de que não dispunham nem dispõem os legisladores estaduais, operou, em resposta a uma singular necessidade sociopolítica de aperfeiçoamento do Judiciário, mais uma adaptação histórica na formulação positiva do princípio da separação, sem vulnerar-lhe a cláusula constitucional que proíbe a espoliação do cerne das atribuições de um Poder em benefício de outro.

De modo que, por muitas e boas razões, não faz senso chamar este caso singular a contas com jurisprudência fundada noutros pressupostos constitucionais.

12. Ao cabo desta já longa argumentação sobre o objeto central da demanda, não tenho a mais tênue dúvida acerca da constitucionalidade das normas impugnadas. Devo confessar, porém, que, durante as esforçadas meditações em que, sobre o tema, pus à prova a minha consciência, foi outra a razão decisiva que, em remate, me seduziu e convenceu. E essa poderosa razão diz com a regra do art. 102, inc. l, letra “r”, que, introduzida, na Constituição da República, pela Emenda Constitucional nº 45, comete ao Supremo Tribunal Federal competência para, julgando ações, rever os atos praticados pelo Conselho Nacional de Justiça. Entre parênteses, noto que, ao tempo dos conselhos estaduais fulminados, não havia, aliás, no sistema, nem se justificava então que houvesse, nenhuma regra análoga, o que só reforça e agrava a radical impertinência dos precedentes invocados.

Toda a estrutura lógico-jurídica do raciocínio do meu voto reduz-se à tentativa de, submetendo as normas da Emenda a estreito confronto com os princípios e regras que disciplinam e formam nosso sistema constitucional de separação de poderes, entendido nas perspectivas históricas e políticas de garantia da liberdade dos cidadãos contra os riscos institucionais do arbítrio e da prepotência, estimar se de algum modo não comprometiam, em última instância, a independência e a imparcialidade dos juízes, sem as quais ninguém pode realizar seu projeto histórico de convivência ética, nem se concebe Estado Democrático de Direito. Afinal, na sabatina obrigatória perante o Senado da República, já havia eu professado, não apenas a título de opinião de cidadão, senão também como firme convicção jurídica, que me opunha a toda proposta que pusesse em risco, direto ou indireto, próximo ou remoto, a garantia constitucional da independência e imparcialidade dos juízes, parecendo-me discutíveis todas as demais.

Dissiparam-se-me as hesitações, quando, não podendo deixar de reconhecer, na ratio iuris da criação do Conselho, a necessidade sociopolítica de um órgão nacional de controle das atividades judiciárias, visto como um de muitos instrumentos hábeis de reforma, já não experimentei nenhum receio racional de que sua estruturação, nos termos da Emenda, pudesse descambar, sem reparo nem remédio, para excessos esporádicos, mas passíveis de alimentar um clima de insuportável intimidação.

E já não experimentei, porque, para além de todos os mecanismos intrínsecos de resguardo da autonomia do Poder Judiciário, pressupostos alguns na Emenda e previstos outros na precedente ordem constitucional, a cujo respeito terá sido longo o discurso do meu voto, dei com a competência, atribuída a esta Corte, de revisão da constitucionalidade e da legitimidade dos atos do Conselho Nacional de Justiça. Está aí, nessa nobre responsabilidade que o constituinte derivado depositou nos ombros desta Casa, a garantia última e específica que a obriga, como órgão supremo do Poder Judiciário e guardião da Constituição da República, a velar pela independência e imparcialidade dos juízes, aos quais já não sobra pretexto para se arrecearem de coisa alguma.


E essa tranqüilidade final do meu convencimento mostrou ainda quão inútil era o alvitre de recorrer ao expediente técnico-jurídico de redução teleológica do alcance da Emenda, para, a exemplo do que, na Itália, se adotou sob justa pressão dos juízes, os quais não tinham ali órgão a que pudessem recorrer das decisões do Consiglio Superiore, sugerir interpretação que privasse os membros laicos do Conselho Nacional de Justiça de votar em matéria ético-disciplinar dos magistrados. O Supremo Tribunal Federal é o fiador da independência e imparcialidade dos juízes, em defesa da ordem jurídica e da liberdade dos cidadãos.

13. O último tópico da inicial impugna o disposto no art. 103-B, § 4º, inc. III, que, também introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, se ressentiria de inconstitucionalidade formal, uma vez que a expressão “perda do cargo”, contida no texto vindo da Câmara dos Deputados, foi suprimida ao texto aprovado no Senado Federal. O argumento é de que a norma decotada deveria submetida à reapreciação da Câmara, em atenção ao art. 60, § 2º, da Constituição da República.

A Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República invocaram, com muita propriedade, precedentes da Corte que demonstram não padecer de inconstitucionalidade o dispositivo. Este tribunal, deveras, já assentou:

“Proposta de emenda que, votada e aprovada na Câmara dos Deputados, sofreu alteração no Senado Federal, tendo sido promulgada sem que tivesse retornado à Casa iniciadora para nova votação quanto à parte objeto de modificação. Inexistência de ofensa ao art. 60, § 2º da Constituição Federal no tocante à supressão, no Senado Federal, da expressão “observado o disposto no § 6º do art. 195 da Constituição Federal”, que constava do texto aprovado pela Câmara dos Deputados em 2 (dois) turnos de votação, tendo em vista que essa alteração não importou em mudança substancial do sentido do texto (Precedente: ADC nº 3, rel. Min. Nelson Jobim)” (ADI nº 2.666, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 06.12.2002).

“Quanto à alteração ocorrida na Câmara dos Deputados, relativa à supressão das palavras ‘ou restabelecê-la’, em seguida ao verbo ‘reduzir’, no § 1º do novo art. 75, sem que a proposta tivesse retornado ao Senado para nova apreciação, tenho que esse aspecto não importou ofensa ao art. 60, § 2º da Carta Magna. Como amplamente debatido no julgamento liminar, a possibilidade de restabelecimento da alíquota original tinha caráter autônomo em relação à possibilidade da sua redução, não tendo a supressão daquela importado em modificação substancial do sentido da norma aprovada e promulgada. O que importa, no caso, é que o texto promulgado foi devidamente aprovado por ambas as Casas, nos termos exigidos pelo § 2º do art. 60 da Constituição” (ADI nº 2.031, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 17.10.03. Grifos nossos)

Dos mesmos autos consta decisão do então Relator, Min. OCTÁVIO GALLOTTI, à apreciação do pedido liminar, nestes termos:

“Aprovada a proposta pelo Senado Federal, foi ela, na Câmara, objeto, entre outros, de dois destaques de votação em separado (DVS´s), de cuja aprovação redundaram as alterações mencionadas no relatório que precede este voto, a saber: a supressão do verbo ‘restabelecer’ no § 2º, e a eliminação da oração final do § 3º do novo art. 75 do ADCT (…).

Foram, porém, destaques meramente supressivos, que não comprometem a aprovação do remanescente,, solenemente promulgado em sessão conjunta das duas casas do Congresso. Essa a tradição do processo legislativo, que remonta à própria gênese do regime político em vigor, como se depreende do texto do art. 29 do Regimento Interno da Assembléia Nacional Constituinte de 1987/8, que vedou a apresentação de emendas, em segundo turno de votação, ‘salvo as supressivas’, claramente a indicar que não invalida, a aprovação destas, a subsistência do texto aprovado em primeiro turno” (ADI nº 2.031, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, DJ de 28.06.02. Grifos nossos).

No caso, a norma tachada de inconstitucional estabelece uma série de competências do Conselho Nacional de Justiça, cada uma das quais dotada de independência semasiológica e normativa. Amputada, no Senado, a expressão “perda do cargo”, o texto residual, aprovado em ambas as Casas do Congresso, manteve intacto o sentido nomológico, dada sua perceptível autonomia semântica. É o que basta por repelir a argüição de ofensa ao art. 60, § 2º, da Constituição Federal.

De todo modo, como reconhece a própria autora, a inclusão do poder de ordenar perda do cargo de magistrado vitalício, dentre as atribuições do Conselho Nacional de Justiça, essa é que poderia encher-se de vistosa inconstitucionalidade, perante o art. 95, inc. I, da Constituição da República, que restringe, taxativamente, as hipóteses em que pode dar-se a perda.


Nada valeria tornar a submeter a locução suprimida ao escrutínio da Câmara dos Deputados, se eventual norma resultante da aprovação estaria fadada a ser tida por inconstitucional, como bem alvitrou o parecer da PGR:

“(…) a supressão da expressão ‘perda do cargo’ não comprometeu a aprovação do remanescente, vale dizer, do conteúdo temático do texto normativo, posto que (sic), reconheceu-o a própria inicial, a expressão até então existente era ‘flagrantemente inconstitucional’, por indispor-se até mesmo ante a literalidade do artigo 95, I parte final, da Constituição Federal, daí porque a supressão preserva o conjunto remanescente, para trilharmos o correto pensamento do Min. Octávio Gallotti” (fls. 194).

14. A autora formulou, ainda, aditamento à petição inicial, para acrescer fundamento à pretensão. Encontra-se pendente de apreciação, na Câmara dos Deputados, proposta de acréscimo de mais um § ao art. 103-B da Constituição, com o seguinte teor:

“§ 8º É vedado ao membro do Conselho, referido nos incisos XII e XIII, durante o exercício do mandato:

a) exercer outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

b) dedicar-se a atividade político-partidária;

c) exercer, em todo o território nacional, a advocacia”

Segundo a AMB, a falta de norma semelhante no corpo da Emenda Constitucional nº 45/2004 significaria que as vedações propostas não se aplicariam aos advogados e cidadãos integrantes do Conselho Nacional de Justiça, daí resultando tratamento desigual entre seus membros, o que seria inconciliável com a Constituição da República (fls. 130-132).

O raciocínio da autora, mais uma vez, não conduz a declaração de inconstitucionalidade do Conselho Nacional de Justiça. A pendência da proposta voltada a incorporar aqueles impedimentos à ordem constitucional não implica que lhes não estejam sujeitos os advogados e cidadãos integrantes do Conselho. Basta juízo analógico baseado nos arts. 95, § único, e 127, § 5º, inc. II, da Constituição Federal, para tirar-se a limpo que ninguém pode desempenhar atividades incompatíveis com a função de membro do Conselho, tais como as previstas naquele projeto e independentemente de sua conversão em regra constitucional específica. Da ausência desta não se infere inconstitucionalidade daquele, por insulto ao princípio isonômico.

15. Diante de todo o exposto, não conheço do pedido declaratório de inconstitucionalidade do art. 125, § 8º, haja vista a inexistência de tal dispositivo no texto da Emenda Constitucional nº 45/2004 afinal promulgado, e, em relação aos demais, julgo improcedente a ação.

Notas de rodapé

1- Manual de direito processual civil. Trad. Cândido Rangel Dinamarco, vol. I, 2ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 258.

2- Cf., por todos, DINAMARCO, CÂNDIDO RANGEL. Instituições de direito processual civil, vol. 3. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 143.

3- Veja-se SADEK, MARIA TEREZA. Controle externo do poder judiciário. In: Reforma do judiciário. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001, passim.

4- CARDOZO, BENJAMIN N.. A Natureza do processo e a evolução do Direito. Trad. Lêda Boechat Rodrigues. São Paulo: Nacional de Direito, 1956, p. 144.

5- CELSO FERNANDES CAMPILONGO afirma cuidar-se de um dos conceitos mais complexos da teoria constitucional (Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 30).

6- Livro III, Capítulo XI. In: Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 1999, pp. 230-234.

7- LOEWENSTEIN, KARL. Teoría de la constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Editorial Ariel, 1976, p. 57.

8- Segundo tratado sobre o governo civil, XII, XIII e XIV. In Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos. Petrópolis: Vozes, 1994, pp. 170-186.

9- GOUGH, J. W.. Introdução ao Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos, cit., p. 30.

10- Ob. cit., p. 170.

11- De l’esprit des lois. Paris: Garnier Freres, s. d., p. 143.

12- O espírito das leis. Trad. Pedro Vieira Mota, 5ª ed.. São Paulo: Saraiva, 1998, pp. 167-168.

13- Teoría de la constitución, cit., p. 55.

14- RIBEIRO, HÉLCIO. Justiça e democracia – judicialização da política e controle externo da magistratura. Porto Alegre: Síntese, 2001, p. 65.

15- The notion of the state – an introduction to political theory. Oxford: Oxford University, 1967, p. 121.

16- Contribution a la théorie générale de l’état, t. II. Paris: Sirey, 1922, p. 7.

17- Teoria geral do direito e do estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes/Universidade de Brasília, 1990, p. 274.

18- Poder judiciário – crises, acertos e desacertos. Trad. Juarez Tavares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pp. 81-83.


19- O judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência? In: Revista trimestral de direito público, vol. 9, 1995, p. 41. No mesmo sentido, veja-se CUNHA FERRAZ, ANNA CÂNDIDA. Conflito entre poderes – o poder congressual de sustar atos normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 16.

20- Cf. FERREIRA FILHO, MANOEL GONÇALVES. Curso de direito constitucional. 24ª ed.. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 133.

21- Ob. cit., p. 8.

22- Ob. cit., pp. 82-83.

23- O federalista. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2003, pp. 299-300. Grifos nossos.

24- Ob. cit., p. 305. Grifos nossos.

25- COOLEY, THOMAS M..General principles of constitutional law, 2ª ed.. Boston: Little, Brown and Company, 1891, p. 41 (reimpressão de 1998).

26- SILVA, JOSÉ AFONSO DA. Curso de direito constitucional positivo, 18ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 113.

27- Ob. cit., p. 58.

28- HESSE, KONRAD. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 368.

29- SILVA, JOSÉ AFONSO DA. Ob. cit., pp. 113-115. FERREIRA FILHO, MANOEL GONÇALVES. Ob. cit., p. 133. BASTOS, CELSO RIBEIRO. Curso de direito constitucional, 22ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 166.

30- The judiciary and democratic decay in Latin America: declining confidence in the rule of law. Westport: Praeger, 2000, p. 16.

31- Teoria geral do processo, 21ª ed.. São Paulo: Malheiros, p. 172.

32- Juízes irresponsáveis?. Trad. Carlos Alberto Àlvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1989, p. 32.

33- A dimensão da magistratura no estado constitucional e democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 42.

34- ARAÚJO CINTRA, ANTÔNIO CARLOS DE, GRINOVER, ADA PELLEGRINI e DINAMARCO, CÂNDIDO RANGEL. Ob. e loc. cit..

35- O poder judiciário no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 1995, p. 71.

36- Independencia y responsabilidad del juez. Madrid: Civitas, 1990, p. 91.

37- Judicial independence in transitional countries. United Nations Development Programme. Oslo: Governance Centre, 2003, p. 27.

38- Ob. cit., p. 33.

39- Ob. cit., p. 19.

40- Ob. cit., esp. pp. 118 e 122.

41- Ob. cit., p. 21.

42- La responsabilità del giudice. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, 1982, p. 1.285, apud CAPPELLETTI, MAURO. Ob. cit., p. 33.

43- LIMA LOPES, JOSÉ REINALDO DE. Crise da norma jurídica e reforma do judiciário. In: FARIA, JOSÉ EDUARDO (org). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 76.

44- The right degree of independence. In: Transitions to democracy in Latin America: the role of judiciary, 1993, p. 56, apud PRILLAMAN, WILLIAM. Ob. cit., p. 17. Há recente tradução desse ensaio de OWEN FISS no Brasil, na obra Um novo processo civil – estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

45- ATALIBA, GERALDO. República e constituição, 2ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 65.

46- Ob cit., pp. 73 e 75. Mesma opinião foi expressa pelo autor no ensaio Who watches the watchmen?. In: American journal of comparative law, vol. 31, 1983, pp. 48 e 50.

47- Ob. cit., p. 16.

48- LIMA LOPES, JOSÉ REINALDO DE. Ob. cit., p. 80.

49- Ob. cit., pp. 75-

50- Pela mão de Alice –o social e o político na pós-modernidade, 9ª ed.. São Paulo: Cortez, 1995, p. 177.

51- ZAFFARONI, EUGENIO RAÚL. Ob. cit., p. 130.

52- Juízes independentes, judiciário sob controle social. In: Revista da associação dos magistrados do Estado do Rio de Janeiro, ano 2, n. 8, p. 33. Grifos nossos.

53- Entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, em 11.04.99.

54- Entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, em 19.03.99.

55- Apud SADEK, MARIA TEREZA. Ob. cit., p. 132.

56- Entrevista concedida ao Jornal de Brasília, em 22.09.1995.

57- Entrevista concedida ao Jornal do Brasil, em 26.12.1994.

58- Teoria e prática do poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943, p. 77.

59- ALMEIDA JÚNIOR, JOÃO MENDES DE. Direito judiciário brasileiro, 5ª ed.. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 47.

60- Ob. cit., pp. 166 e 184. Grifos do original.

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