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Polícia Federal defende interesse privado, diz deputado

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13 de abril de 2005, 17h23

Inquietantes, na definição precisa do deputado petista Paulo Delgado, as cenas exibidas ontem nos jornais, em que uma constrangida executiva da BrasilTelecom, Carla Cico, deixa o prédio da Polícia Federal, escoltada por uma equipe de advogados, depois de ter sido interrogada por quatro horas e indiciada em um inquérito do qual não se sabe, sequer, se o crime em apuração é mesmo crime previsto nas prerrogativas da PF.

Trata-se de um inquérito instaurado para apurar o que se poderia definir como excessos do Banco Opportunity, que encomendou à Kroll a investigação de concorrentes da BrasilTelecom, tendo a empresa produzido fitas e implicado no caso pessoas que hoje estão no governo.

Paulo Delgado, que há muito vem condenando este tipo de ação-espetáculo tanto da Polícia Federal, como das Comissões Parlamentares de Inquérito e do Ministério Público, acha que o caso pode dar a impressão de estar uma agência do Estado servindo a interesses privados.

“A Polícia Federal não está agindo na defesa do Estado, como é prerrogativa constitucional dela. A disputa brasileira é no mercado. A Anatel foi chamada a resolver uma questão de mercado, como resolveu ontem. E a Polícia Federal interroga, indicia e atormenta a vida do pessoal do Opportunity, com um viés penal, visivelmente favorecendo um dos lados. É ambígua a ação da Polícia Federal no caso”, afirma.

À argumentação de que o processo envolve também questões de Estado, uma vez que teria sido espionado um integrante do governo federal, o deputado esclarece: “A origem do episódio é anterior ao nosso governo. O próprio ministro Luiz Gushiken (a autoridade citada), prejudicado no caso, era diretor de uma consultoria previdenciária dos fundos de pensão à época, e não ministro de Estado”.

O Brasil, segundo a análise do deputado, está cheio de histórias desse tipo, em que uma agência do Estado serve a interesse privado.

“Não cabe à Polícia Federal impor disciplina a um conflito de mercado se não quer parecer ambígua”, afirma.

Paulo Delgado estende suas preocupações à ação das CPIs e do Ministério Público. “Em qualquer ação da autoridade pública o importante é que tenha o devido processo legal, para não acostumar a sociedade com o crime. A exibição de força, de forma ilegal, contra cidadãos ilegais, já é um erro. Mas contra os que são apenas acusados de ilegalidade, é um escândalo”.

O hábito espetacular de apurar infração penal, tanto da Polícia Federal, quanto do Ministério Público e das CPIs, afirma Paulo Delgado, acaba produzindo prova que não se sustenta diante dos tribunais. “E faz do acusado um réu ilegal”.

E a partir daí, os efeitos nefastos em cascata, entre eles as ações de indenização milionárias, contra o Estado, que mais dia menos dia os acusados ganham, na Justiça. “O mandato judicial não é flagrante delito, nem busca e apreensão em domicílio produz o réu confesso”.

Delgado admite: “Há uma demanda por espetáculo repressivo e arbitrário, que é própria da dificuldade de enfrentar os problemas mais complexos da sociedade brasileira. E consolidam, ao contrário do que parecem, a noção de impunidade. CPIs viraram programa de auditório do poder Legislativo; a liminar, o do Judiciário; as operações de buscas e apreensão, o da Polícia Federal e do Ministério Público”.

O que ninguém está percebendo, alerta o deputado, é que no roteiro desse espetáculo, o indiciado de forma arbitrária ou apressada pode ser libertado ou absolvido. Isso produz um direito contra o Estado. E uma também espetacular indenização a ser paga não pela PF, pelos integrantes da CPI ou do Ministério Público, mas pelo contribuinte.

Exemplos citados por Delgado: Ibsen Pinheiro (CPI do Orçamento), absolvido; Roseana Sarney (caso Lunus), absolvida; Gtech (Caixa Econômica Federal), computadores devolvidos; Duda Mendonça (rinha de galo), não indiciado; Alceni Guerra (concorrência na Saúde), absolvido; Eduardo Jorge (Ministério Público), absolvido. “É infindável a lista de ações justas e injustas, arbitrárias ou não. O certo é que a glorificação necessária das ações respaldadas pela lei e fundamentadas no espírito democrático, explica a frustração com as ações de poder, força e autoridade que servem à dupla interpretação”.

Para Delgado, PF, MP e CPIs são instituições essenciais do estado democrático, “mas não pertencem aos seus membros”. O deputado é contra o espetáculo das investigações cujo objetivo, a seu ver, é “constranger os acusados e julgá-los definitivamente no ato da busca da prova ou do depoimento”.

“Reconheço que pode haver mais acerto que erro, no final. A Polícia Federal tem acertado muito. Mas ambos são definitivos. O acerto ou o erro”. Um outro dado, mencionado por Paulo Delgado é que a Polícia quer que o acusado produza a prova contra ele mesmo. ” E não se dá conta das indenizações que estão sendo geradas por erro do Estado”.

O caso Duda Mendonça, diz Delgado, é claro: tinha 500 pessoas na rinha, pegaram duas, o Duda e o vereador do PT. “No caso Opportunity há uma disputa de mercado, com ações na Anatel, no mercado americano e numa corte de arbitragem de Londres. Visivelmente a Polícia Federal agrava a situação de um dos lados num momento de decisões”.

Registre-se, também, neste raciocínio, que ao fazer um papel como o que está desempenhando neste caso, a Polícia Federal acaba funcionando como a Kroll para um dos concorrentes. Ou seja, se o Opportunity é acusado de contratar a empresa americana para o que seria uma atividade ilegal de espionagem de seus concorrentes, a Polícia Federal poderia também ser acusada de, por hipótese, estar fazendo o papel da Kroll do grupo italiano, um dos contendores. Seja que tipo de trabalho tenha feito a Kroll, legal ou ilegal, ela serviu a um lado, e a Polícia Federal está servindo ao outro.

“A preservação do Estado é uma coisa, a intervenção no mercado é outra”, sentencia Paulo Delgado.

* Artigo publicado no jornal Valor Econômico

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