Terror e suspense

Padre morto em motel e outros assassinatos abalam Igreja

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13 de abril de 2005, 10h57

O assassinato de três padres abalou a Igreja Católica em Goiânia. Primeiro, o padre Adriano Curado, de 27 anos, da Paróquia Bom Jesus, foi envenenado, em abril de 2002. Dois anos depois, um dos principais suspeitos da morte, o padre Moacir Bernardino, da mesma paróquia, no bairro Novo Mundo, que administrava os bens da Arquidiocese de Goiânia, foi morto com dois tiros no rosto, e o veículo em que estava, um Santana, sumiu.

Na quinta-feira (7/4), a peça-chave para a solução dos crimes, o padre José Altino Torres, foi morto em um motel por José Amilton Coelho de Souza. José Altino, que era amigo de Bernardino, estava na companhia da ex-noviça Creuza Soares Macena, mulher de José Amilton, no Motel Sky, em Aparecida de Goiânia. O padre conheceu Creuza, de 44 anos, em 1980.

Ela disse à polícia que pretendia fugir com o amante e que o marido sabia sobre o caso com o padre. Mas, segundo Creuza, há dois meses José Amilton começou a segui-los. Conforme nota da Arquidiocese, José Altino estava afastado de suas funções sacerdotais por causa de problemas ‘físicos e psicológicos’ provocados por um acidente. Ele era tido como violento. No ano passado, chegou a ser preso em Palmas (TO), após atirar no irmão dele, em uma discussão por causa da herança dos pais.

Josuemar Vaz de Oliveira, delegado que investiga o assassinato do padre Bernardino, diz que José Altino era o principal suspeito pela morte do religioso. Segundo ele, em 9 de junho passado, Bernardino tinha combinado fazer uma peixada em sua casa, na vizinha Guapó, para onde se mudara depois do envenenamento de Adriano, em Goiânia. Convidara José Altino, que não compareceu. Às 23h45 daquele dia, o corpo de Bernardino foi encontrado na Vila Mauá, com dois tiros do lado direito do rosto, o que leva à conclusão de que foram disparados por uma pessoa que estava ao lado do padre no Santana.

Na investigação sobre a morte de Adriano, o delegado Eurípedes da Silva III obteve autorização judicial para gravar as conversas de Bernardino. Segundo ele, em muitas passagens eram relatadas orgias na Paróquia Bom Jesus. Ele concluiu que o padre e o estudante para padre Dairan Pinto de Freitas, de 23 anos, mantinham um relacionamento homossexual e que eram os maiores interessados na morte de Adriano. Em 2004, Dairan e Bernardino chegaram a ser presos por dez dias, por ordem do juiz Jessier Coelho de Alcântara. A polícia concluiu que os dois desviavam dinheiro da paróquia para as orgias.

O arcebispo de Goiânia, d. Washington Cruz, determinou silêncio sobre o caso. Mas a polícia apurou que o padre Adriano fora enviado para a Paróquia Bom Jesus com a missão de verificar se havia desvio de dinheiro. Mudouse para a casa paroquial no dia 15 de abril. No dia 17, foi envenenado durante o café da manhã com um produto da cadeia dos organomonoclorados.

Joviano Carneiro Filho, procurador jurídico da Arquidiocese de Goiânia, diz que a cúpula da Igreja quer ver o caso apurado. ‘Para nós, o padre Bernardino não é nada disso que dizem dele. Era uma pessoa muito querida.’

Crimes lembram ‘O Nome da Rosa’

A Paróquia Bom Jesus, no bairro pobre do Novo Mundo, fica a três quilômetros do Estádio Serra Dourada, onde em 1991 o papa João Paulo II celebrou uma missa para milhares de fiéis, num altar feito à semelhança do cocar de um índio. É muito simples. Fica numa praça, onde termina a linha de ônibus do Novo Mundo. Do outro lado um templo da Assembléia de Deus disputa os fiéis.

Embora em nada se pareça com a abadia onde se passa O Nome da Rosa, de Umberto Eco, as mortes dos padres lembram o romance. Dos que comandavam a Paróquia Bom Jesus, dois foram mortos em dois anos; na abadia de Eco, sete padres foram assassinados em sete dias. Na Bom Jesus, a polícia ainda não conseguiu pistas definitivas sobre os assassinos ou as perdeu definitivamente com as mortes; na abadia do Nome da Rosa, o padre franciscano William de Baskerville e seu assistente Adso de Melk decifram tudo o que vinha acontecendo. Cada um dos mortos tinha seu medo e suas implicações nos casos.

Hoje a Paróquia Bom Jesus é comandada pelo padre Donizeth, que a assumiu há dois meses. A arquidiocese lhe impôs a obrigação do silêncio sobre o caso dos assassinatos. Além do mais, ele está traumatizado com as histórias que ouviu ou leu. E sabe que ainda pode ser procurado por investigadores da polícia. Ele diz, no entanto, que o rebanho começa a voltar. “Só posso dizer que as coisas estão melhorando e que a igreja voltou a ser bem freqüentada”, garante.

A paróquia tem uma escola de informática para carentes e um centro de recuperação de alcoólatras. A igreja, erguida pelo padre Bernardino com a contribuição dos fiéis, tem 96 bancos de madeira. Nas paredes estão pequenos quadros com a via-crúcis, que narram os últimos momentos da vida de Jesus Cristo.

Num grande cartaz, logo na entrada, há a informação de que no mês de março 325 pessoas pagaram o dízimo, que somou R$ 7.037,10. As ofertas anônimas chegaram a R$ 1.796,59. Esse aviso é um cuidado do pároco atual, já que o antecessor, padre Bernardino, era suspeito de desviar o dinheiro da igreja.

Padre Donizeth atribui tudo o que foi feito na paróquia ao empenho de Bernardino, embora evite fazer qualquer juízo de valor a respeito do sacerdote que comandou por tanto tempo a paróquia e acabou se envolvendo em uma história de amor com um aluno. Foi apontado como suspeito de assassinato, tendo ficado preso por dez dias e, posteriormente, morto em circunstâncias tão misteriosas que até hoje o carro em que estava, um Santana, continua desaparecido.

Jaqueline, de 19 anos, batizada pelo padre Moacir Bernardino, diz que até hoje não entende direito o que aconteceu. Como outras pessoas da vizinhança, afirma que tudo parece um pesadelo. “Conheci muito o padre Bernardino. Isso tudo é muito triste.”

Pai de pároco atribui crime a demônios

O aposentado Agnaldo Campos Curado, de 64 anos, pai do padre Adriano, envenenado dois dias depois de assumir a Paróquia Bom Jesus, no bairro pobre do Novo Mundo, em Goiânia, diz que seu filho teria uma carreira brilhante na Igreja. Mas seu sonho foi desfeito. “Demônios travestidos de pessoas o mataram”, afirmou o aposentado. Desde que o filho foi morto, em 17 de abril de 2002, ele luta por justiça.

Curado mora em Corumbá de Goiás, 125 quilômetros a nordeste de Goiânia e 125 quilômetros a sudoeste de Brasília. Tem outros quatro filhos e quatro netos. Adriano era o mais velho.

O padre faria 30 anos em 2005. Foi para o seminário, em Anápolis, quando tinha 20 anos. Depois de sete anos de estudo, em 21 de dezembro foi ordenado sacerdote. O pai relembra que a cerimônia foi comandada pelo então arcebispo de Goiânia, d. Antonio Ribeiro.

Com apenas três meses e meio de vida religiosa pós-ordenação, terminou morto por envenenamento ao assumir sua primeira paróquia, a do Bom Jesus, no Novo Mundo, na parte leste de Goiânia.

“Até hoje estou completamente chocado com que o aconteceu. Eu, minha mulher (Bárbara, de 49 anos) e meus filhos. Mas não há outro jeito senão tocar a vida”, disse o aposentado. Curado mora no centro de Corumbá de Goiás, na casa que construiu com seu salário de servidor da área burocrática do Ministério da Saúde.

“Todos sabem”

O pai do padre Adriano guarda grande mágoa da Igreja de Goiânia. “Eles gastam um mundo de dinheiro para tentar esconder a verdade. Todo mundo sabe quem matou meu filho”, garantiu Curado.

Ele conta que somente no ano passado conheceu o padre José Altino, que agora foi assassinado num motel pelo marido da amante. “A primeira vez que o vi foi no enterro do padre Moacir Bernardino.”

Curado disse também que antes da morte de Bernardino, o padre José Altino começou a dizer para todo mundo que a família de Adriano tinha intenção de matar o ex-vigário da Paróquia Bom Jesus. “Imagine só, dizer uma coisa destas da gente. Ainda bem que a polícia viu que era tudo invenção. A gente só quer que os responsáveis paguem por seus crimes, porque não são criaturas de Deus.”

Fonte: O Estado de S. Paulo — João Domingos

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