Rédea solta

Especialistas divergem sobre a legitimidade dos rodeios

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9 de abril de 2005, 8h47

Na arena da polêmica suscitada pela novela “América” sobre os rodeios não estão apenas a autora da trama Glória Perez, os entusiastas da prática e as organizações em defesa dos animais. No círculo também podem ser encontrados especialistas em Direito que, se não levam a discussão tão a ferro e a fogo, divergem sobre a legitimidade da atividade.

As vozes prós e contra são embasadas nos textos legais que deixam brechas para entendimentos de ambos os lados. Os maus-tratos a animais são vedados pela Constituição Federal, em seu artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII. O artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (9.605/98) também prevê de três meses a um ano de detenção e multa àqueles que abusam, ferem ou mutilam animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.

Por outro lado, existem duas leis federais que legitimam os rodeios. Uma delas, a 10.211/01 atribui ao peão a condição de atleta profissional. A outra, Lei nº 10.519/02, regulamenta a prática, descrita no texto como atividade de montaria ou cronometragem de provas de laço.

A questão é: o rodeio é uma atividade legítima, que faz parte das tradições populares e é de natureza esportiva ou é tão somente a submissão dos animais a atos cruéis, mediante açoites, compressões, golpes de esporas, perseguições e espancamentos?

O promotor de Justiça de São José dos Campos Laerte Fernando Levai fica com a segunda opção. “O conflito aparente de normas, no caso dos animais submetidos ao ‘abate ritual’, é apenas aparente”, afirma. “Um dispositivo que veda a conduta mais gravosa que pode recair sobre um ser vivo — a dor decorrente da crueldade — jamais poderia ser superado por interesses mercantis ou se curvar a determinadas crenças religiosas”.

Para Levai, os aparelhos usados durante a montaria “independentemente de sua forma e da capacidade de provocar lesões, causam-lhes [aos touros, bois e bezerros] inegável sofrimento físico e mental”. Também as provas de laço e derrubada, segundo o promotor, “provocam padecimento físico e mental, consistentes em perseguições, capturas e brutal contenção exercida com cordas e sujeitam os animais a traumatismos diversos, como fratura de ossos e rompimento de órgãos internos”.

Para o professor Luiz Flávio Gomes, os rodeios podem ser inseridos no princípio da adequação social: é uma atividade amplamente aceita pela sociedade “tanto quanto a perfuração da orelha da filha pela mãe que não é considerada maus-tratos”. Nesse contexto, o formalismo das leis daria lugar aos valores culturais da sociedade. “São situações de riscos e danos tolerados, desde que não afetem a vida humana”, afirma.

Ainda não há jurisprudência sobre o assunto. Entendimento da juíza Teresa Ramos Marques, de São Paulo, no entanto, pende para o lado contrário à prática. Para ela, as duas leis que regulamentam os rodeios caem por terra porque “um certo instrumento, ou uma determinada prova, não deixam de ser cruéis simplesmente porque o legislador assim dispôs. Não se desfaz a crueldade por expressa disposição de lei”.

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