Recomendação feita

MPF quer fim de transferências de internos da Febem para presídio

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6 de abril de 2005, 18h07

O Ministério Público Federal pediu ao governo do estado de São Paulo que suspenda as transferências de internos da Febem (Fundação do Bem Estar do Menor) para o presídio de Tupi Paulista. Para o MPF, a transferência fere o Estatuto da Criança e do Adolescente e os tratados internacionais.

Se as recomendações do MPF não forem atendidas, entidades vão recorrer à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos).

O MPF alega que é dever do estado “assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Leia a íntegra da recomendação do MPF

RECOMENDAÇÃO MPF/SP N.º 13, de 05 de abril de 2005.

O PROCURADOR REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício das atribuições que lhe foram conferidas pelos arts. 5º, III, “e”, e 6º, XX, da Lei Complementar Federal n.º 75/93,

CONSIDERANDO a instauração do procedimento administrativo nº 1.34.001.001449/2005-64, cujo objeto é a apuração de violação de direitos fundamentais de adolescentes, ilegalmente transferidos para a Penitenciária de Tupi Paulista;

CONSIDERANDO que é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Constituição da República, art. 227);

CONSIDERANDO que o § 3º, inciso V, do mesmo artigo ordena ao Estado que respeite a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade imposta a adolescentes autores de atos infracionais;

CONSIDERANDO que a Assembléia Geral das Nações Unidas, nas “Regras para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade”, adotadas em 14 de dezembro de 1990, estabeleceu que “a detenção de menores só deve ter lugar em condições que tenham em consideração as suas necessidades particulares, estatuto e requisitos especiais, exigidos pela sua idade, personalidade, sexo e tipo de crime, assim como sua saúde física e mental, e que assegurem a sua proteção contra influências perniciosas e situações de risco” (art. 28);

CONSIDERANDO que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, órgão colegiado integrante da Administração Pública Federal, editou, no exercício de suas atribuições legais, a Resolução n.º 46 (de 29 de outubro de 1996), determinando que: a) nas unidades de internação será atendido um número de adolescentes não superior a quarenta; b) em cada Estado da Federação haverá uma distribuição regionalizada de unidades de internação; c) cada unidade deverá estar integrada aos diversos serviços setoriais de atendimento, tais como: educação, saúde, esporte e lazer, assistência social, profissionalização, cultura e segurança; d) os adolescentes em cumprimento de medida de internação deverão contar com atendimento jurídico continuado, tratamento médico-odontológico, orientação sócio-pedagógica e deverão estar civilmente identificados; e) salvo quando haja expressa determinação judicial em contrário, os adolescentes em cumprimento de medida de internação deverão ter acesso aos serviços da comunidade, em atividades externas, como preparação à reinserção social; f) o projeto sócio-pedagógico deve prever a participação da família e da comunidade, como dimensão essencial da proteção integral;

CONSIDERANDO que o art. 123 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal n.º 8.069/90) estabelece expressamente que “a internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo”;

CONSIDERANDO que o art. 185 do mesmo Estatuto ordena que “a internação, decretada ou mantida pela autoridade judiciária, não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional”;

CONSIDERANDO que o E. Supremo Tribunal Federal, nos autos do Habeas Corpus n.º 81.519/MG, reconheceu que a internação de adolescentes, em local diverso daquele a que se refere o art. 123 do Estatuto da Criança e do Adolescente, poderá ser autorizada em situações de natureza excepcional, desde que esse recolhimento seja efetivado em instalações apropriadas;

CONSIDERANDO que no dia 17 de março de 2005 a Corregedoria Geral de Justiça autorizou, a pedido do Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania, a transferência de jovens maiores de 18 anos, que estão em cumprimento de medida de internação, para a Penitenciária de Tupi Paulista, órgão integrante do sistema prisional, gerido pela Secretaria de Administração Penitenciária do governo paulista;

CONSIDERANDO que, no dia 29 de março de 2005, representantes do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CONDEPE e da Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco – AMAR estiveram na referida penitenciária e lá constataram que:

a. em descumprimento ao art. 1º da Resolução n.º 46 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, há centenas de adolescentes internados naquele presídio;

b. em descumprimento ao disposto nos arts. 17, 125 e 178 do Estatuto da Criança e do Adolescente, os jovens internos são transportados da capital paulista até o presídio em caminhões fechados, sem nenhum tipo de ventilação, e sem receberem alimentação, numa viagem que dura cerca de dez horas;

c. em descumprimento ao disposto no art. 124, inciso XV, do mesmo Estatuto, os adolescentes para lá transferidos foram despojados de suas roupas e pertences;

d. em descumprimento ao disposto no inciso IX do mesmo artigo, os adolescentes que lá estão não têm acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoais;

e. em descumprimento ao disposto no inciso X do mesmo artigo, os adolescentes não estão alojados em condições adequadas de higiene e salubridade;

f. em descumprimento ao disposto no inciso VI do mesmo artigo, os adolescentes não estão internados em localidade próxima ao domicílio de seus pais ou responsáveis. Segundo consta dos autos, o Presídio de Tupi Paulista dista 663 km. da capital do Estado, está situado próximo à fronteira com o Estado do Mato Grosso do Sul e nele estão internados adolescentes de várias regiões administrativas de São Paulo, inclusive da baixada santista;

g. em descumprimento ao disposto nos arts. 17, 124, V, e 125 do Estatuto da Criança e do Adolescente, os internos sofreram ofensas à sua integridade física e moral, pois, segundo consta, foram agredidos com socos e xingamentos quando da recepção no presídio;

h. em descumprimento ao art. 94, inciso VIII, do mesmo Estatuto, o presídio não fornece alimentação suficiente e adequada aos internos;

i. em descumprimento ao disposto no § 1º do art. 124 do mesmo diploma legal, havia ao menos doze adolescentes em “solitárias”, sem autorização judicial, pelo prazo de 30 (trinta) dias;

j. em descumprimento aos arts. 123 e 185 do Estatuto da Criança e do Adolescente e aos demais preceitos constitucionais e legais citados neste documento, a administração da unidade de internação está inteiramente sob a responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária;

CONSIDERANDO, enfim, que é fato notório que a “Penitenciária Compacta de Tupi Paulista” não é unidade da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor – FEBEM, mas sim estabelecimento penitenciário de segurança máxima, destinado ao cumprimento de pena privativa de liberdade em regime fechado;

RESOLVE, com o escopo de resguardar, liminarmente, os direitos e interesses coletivos dos adolescentes, RECOMENDAR aos Excelentíssimos Senhores secretÁriOS de estado DA JUSTIÇA E DEFESA DA CIDADANIA e DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA que:

a. SUSPENDAM, liminarmente, a transferência de adolescentes em regime de internação, para a Penitenciária de Tupi Paulista;

b. ORDENEM a imediata cessação de qualquer forma de isolamento imposto aos adolescentes internados na Penitenciária de Tupi Paulista;

c. PROVIDENCIEM alimentação adequada e suficiente, bem como os produtos necessários à higiene e asseio dos internos;

d. PROVIDENCIEM, gratuitamente, até que os internos sejam retirados daquele presídio, o transporte, alojamento e alimentação necessários para que seus pais e outros visitantes possam exercer o direito previsto no art. 124, inciso VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente;

DETERMINEM a imediata instauração de sindicância administrativa para apurar as irregularidades e crimes noticiados no anexo “relato sobre visita das organizações da sociedade civil ao presídio de Tupi Paulista”, especialmente no que se refere à inclusão de adolescentes em “solitária” e aos relatos de agressões físicas sofridas pelos internos;

REQUISITA, com fundamento no art. 8o, inciso II, da Lei Complementar n.o 75/93, aos Excelentíssimos Senhores Secretários de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania e da Administração Penitenciária, que apresentem, no prazo de 10 (dez) dias:

a. a relação nominal de todos os internos transferidos para o Presídio de Tupi Paulista, com a respectiva idade e Município onde residiam antes da internação;

b. a relação nominal dos internos cujo procedimento já possui avaliação favorável à desinternação;

c. a descrição das atividades pedagógicas, culturais, esportivas e de lazer desenvolvidas naquela unidade, em atendimento ao disposto nos arts. 94, 123, parágrafo único, e 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente;

d. informações acerca de qual Secretaria está administrando a Penitenciária de Tupi Paulista e a qual órgão estão subordinados os servidores que lá estão lotados;

e. as providências adotadas pelas duas Secretarias para o cumprimento da recomendação ora exarada (Lei nº 8.625/93, artigo 27, parágrafo único, IV);

f. outras informações que julgarem relevantes para o esclarecimento dos fatos noticiados nesta representação.

ENCAMINHE-SE, com urgência, a presente RECOMENDAÇÃO aos Excelentíssimos Senhores Secretários de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania e da Administração Penitenciária, remetendo cópia do mesmo documento para: a) a Excelentíssima Senhora Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão; b) o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA; c) o Excelentíssimo Senhor Secretário Nacional de Direitos Humanos; d) o Excelentíssimo Senhor Procurador Geral de Justiça; e) o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CONDEPE; e) as organizações não-governamentais que subscrevem a representação de fls. 05.

São Paulo, 05 de abril de 2005.

SERGIO GARDENGHI SUIAMA

Procurador Regional dos Direitos do Cidadão – SP

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