Custas judiciais

MPF quer garantir repasse direto para a Justiça Federal

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6 de abril de 2005, 18h34

O Ministério Público Federal quer que a União crie uma conta corrente separada da conta única do Tesouro Nacional para receber integralmente as custas judiciais pagas à Justiça Federal. Assim, as verbas seriam administradas pelo Poder Judiciário e não mais pelo Executivo como acontece até agora.

Segundo o procurador João Gilberto Gonçalves Filho, autor da Ação Civil Pública, a medida está prevista no parágrafo 2º do artigo 98 da Emenda Constitucional 45, a reforma do Judiciário. De acordo com o texto, afirma ele, as custas devem ser destinadas a atividades específicas da Justiça por meio do Conselho Nacional de Justiça.

De acordo com o procurador, o objetivo da ação é fazer cumprir o que está determinado na Emenda 45. “Com o volume de dinheiro [advindo das custas] dá para aumentar a estrutura do Judiciário e o número de juízes”, afirma Gonçalves Filho.

Leia a íntegra da ACP

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUÍZ FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARATINGUETÁ, ESTADO DE SÃO PAULO.

“Só se pode cogitar de independência real do Poder Judiciário se houver instrumentos efetivos que lhe garantam disponibilidade financeira”

(Pedro Taques) (1)

PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República que esta subscreve, diante do que disposto nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal, vem à honrosa presença de Vossa Excelência propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno e externo, podendo ser citada e intimada no endereço de seus nobres representantes judiciais, os membros da ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO – AGU, no Estado de São Paulo, pelas razões de fato e de direito adiante articuladas.

I – DOS FATOS

1. Hoje em dia as custas pagas no âmbito da Justiça Federal são depositadas em conta única do Tesouro Nacional, ficando o dinheiro recolhido sob a administração do Poder Executivo.

II – DO DIREITO

2. A Emenda Constitucional n° 45, que veiculou o que se vem chamando por “Reforma do Poder Judiciário”, criou um parágrafo segundo no artigo 98 da Constituição Federal, com o seguinte teor: “As custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça.”

3. Venhamos e convenhamos, o Poder Judiciário chegou a algo próximo de uma falência institucional (2). Não se trata de uma crítica à instituição em si, muito menos aos seus membros, mas sim da constatação, tão lamentável quanto verídica, que há uma crise insuportável de morosidade na prestação do serviço jurisdicional. As causas são múltiplas, não cabe aqui discutir.

4. Voltemos ao texto estritamente jurídico, que é a Emenda Constitucional n° 45. Trata-se de alteração feita pelo Poder Constituinte Reformador com o objetivo de melhorar a prestação dos serviços judiciais.

5. A intenção na criação do § 2° ao artigo 98 foi clara: todas as custas e emolumentos recolhidos com a atividade judicial devem ser destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça.

6. Quando se fala em atividade específica da Justiça, por oposição, descartam-se as atividades genéricas da Justiça, como o são as instituições próximas ao Poder Judiciário, mas que dele não fazem parte: Ministério Público, Advocacia Pública, Defensoria Pública. Mesmo as instituições policiais, quando no estrito exercício de atividade de Polícia Judiciária, poder-se-ia dizer que executam “atividades genéricas da Justiça”, mas é evidente que a intenção do Poder Constituinte, ao consignar o adjetivo “específicas” no § 2° do art. 98 da CF, foi o de afastar, da destinação de receita das custas e emolumentos, todas essas atividades, determinando que elas ficassem exclusivamente destinadas ao próprio Poder Judiciário, que realmente exige um grande dispêndio de recursos humanos com a burocracia dos serviços cartorários e a respectiva estrutura material.

7. O que se tutela nesta ação é o direito difuso a uma Justiça ágil e decente, o que poderá ser propiciado com o cumprimento do § 2° do artigo 98 da CF.

8. Já que o Poder Executivo não promoveu espontaneamente a alteração normativamente posta na Emenda n° 45, o Ministério Público Federal requer a Vossa Excelência que condene a ré a transferir, daqui por diante, toda a receita auferida com custas e emolumentos da Justiça Federal Comum para uma conta bancária em separado, a ser administrada e gerida pelo Conselho da Justiça Federal.

III — DO PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR

9. A saúde financeira do Poder Judiciário não pode esperar, sob pena de sua morte institucional

10. Até com relação a essa ação, a sociedade não tem condições de ficar esperando longos (realmente longos) anos até o Poder Judiciário desfeche a questão definitivamente, com decisão transitada em julgado. Permitir isso implica permitir que, durante todo esse tempo, seja o sistema normativo escancaradamente descumprido. Daí a necessidade de decisão que proporcione antecipação dos efeitos da tutela, liminarmente.

11. Caso não fosse aplicado o instituto em comento, uma decisão final, transitada em julgado, seria ineficaz para todo o (longo) tempo pretérito a ela. É dizer: não haveria remédio para sanar a violação do direito difuso tutelado por todo o tempo anterior à decisão judicial definitiva. A Constituição Federal continuaria sendo descumprida por longos e longos anos, nada mais podendo ser feito.

12. É justamente para evitar situações como essa que existe o artigo 461, § 3º, do código de processo civil, verbis: “Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.”

13. Ressalte-se que, nos termos do mesmo dispositivo, a medida liminar poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, criando uma brecha de flexibilidade para a decisão judicial, permitindo ao juiz alterar o seu conteúdo caso mude de opinião, já que a precariedade é da própria natureza das medidas liminares.

14. Cumpre esclarecer que, antes mesmo do supracitado artigo 461, § 3°, do código de processo civil, cuja redação foi dada pela Lei 8.952/94, já existia autorização legislativa para a concessão de pleito liminar em ação civil pública, como se observa a partir do artigo 12 da Lei 7.347/1985, verbis: “Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.”

15. Explica o insigne LUIZ GUILHERME MARINONI, verbis:

“Como é sabido, a doutrina processual contemporânea tomou consciência de que o processo não pode ser pensado à distância do direito material. Nessa linha a doutrina fala em efetividade do processo e em tutela jurisdicional dos direitos, sempre preocupada com um processo que seja capaz de dar ao autor o resultado que o próprio direito material lhe outorga.”

16. Hoje, com as normas surgidas pelas sucessivas reformas e a evolução da doutrina processual, não mais se admite que o autor, numa primeira vista coberto de razão, tenha de suportar pacientemente a espera pela concessão de um provimento judicial definitivo, enquanto que o réu, agressor do direito material violado e responsável pela própria existência do processo, passe longos anos sem ser molestado e, durante o próprio processo, continue a violar o direito material.

17. Quando o artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal, dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, também quis dizer que a legislação não pode criar obstáculos, nem mesmo processuais, para que o Poder Judiciário possa tomar medidas eficazes contra qualquer lesão ou ameaça a direito, já que esses obstáculos processuais implicariam, por via transversa, na impossibilidade pelo Poder Judiciário de apreciação e estancamento efetivos de lesão a direitos. Uma das formas da lei subtrair do Poder Judiciário a apreciação de lesão a direitos é criar obstáculos processuais despropositados, impedindo a ação efetiva deste Poder no cumprimento de sua missão constitucional.

18. Ocorre que, no caso, a legislação é amplamente favorável à concessão da medida pretendida. Além do poder geral de cautela do magistrado, temos o artigo 12 da lei da ação civil pública e o artigo 461, § 3°, do código de processo civil .

19. Além desses dispositivos legais, surge outro, agora com estatura constitucional, recém criado pela emenda constitucional n° 45, que veiculou a comumente chamada “Reforma do Poder Judiciário”, cujo intuito foi o de torná-lo mais ágil para a população. O dispositivo referido está alocado no rol dos direitos fundamentais, assim redigido:

“Artigo 5°. Inciso LXXVIII: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

20. Posto isso, requer-se:

a) A concessão de medida liminar para determinar à UNIÃO a criação de uma conta corrente separada da conta única do Tesouro Nacional, para receber todos os valores gerados a partir de custas e emolumentos pagos na Justiça Federal Comum. Para efetividade da medida, requer-se seja oficiada a Caixa Econômica Federal, entidade que recebe esses valores em nome da ré UNIÃO, para dar cumprimento a essa ordem.

b) Ao final, seja confirmada a medida liminar pleiteada, condenando-se a ré na obrigação de fazer, consistente em transferir, em definitivo, toda a receita auferida com custas e emolumentos da Justiça Federal Comum para uma conta bancária em separado, a ser administrada e gerida pelo Conselho da Justiça Federal EM BENEFÍCIO EXCLUSIVO DA JUSTIÇA FEDERAL.

c) Seja a ré citada para, querendo, oferecer contestação no prazo legal, sem prejuízo de considerarem procedentes os termos do pedido e reconhecerem isso em juízo; Seja oportunizada ao autor a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, sem exclusão de nenhum deles, qualquer que seja.

21. Atribui-se à causa o valor de R$ 182.306.407 (cento e oitenta e dois milhões, trezentos e seis mil, quatrocentos e sete reais – valor que corresponde a um real para cada brasileiro, conforme população estimada pelo IBGE, informação extraída do seu sítio oficial na Internet).

Procuradoria da República no Município de Taubaté,

05.ABRIL.2005

JOÃO GILBERTO GONÇALVES FILHO

PROCURADOR DA REPÚBLICA

Notas de rodapé

1- Pedro Taques é Procurador Regional da República em São Paulo. Jurista de escol, Professor brilhante, Lenda viva no saudoso Estado de Mato Grosso, é o maior expoente no combate à criminalidade organizada no nosso país.

2- A idéia de falência do Poder Judiciário foi desenvolvida pelo Min. Sepúlveda Pertence em palestra proferida na sede da PGR em encontro promovido pela 5 ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF no ano de 2003.

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