Apelação ofensiva

Advogado é condenado por dizer que juiz protegeu ‘jovem advogada’

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5 de abril de 2005, 11h14

O advogado Lauro Aparecido da Rocha está obrigado a prestar serviços comunitários por um ano e dois meses e pagar multa no valor de cinco salários mínimos. Motivo: ofensa a um juiz no recurso de apelação. Ele escreveu que o juiz estava protegendo a advogada que defendia a parte contrária no processo. A decisão é da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Cabe recurso.

O advogado ajuizou na 1ª Vara Cível de Blumenau ação indenizatória de Olir Francisco Martinelli contra Retex Indústria Têxtil — defendida pela advogada Juliane Kaestner Meyer. O juiz Jorge Luis da Costa Beber negou o pedido. A informação é do site Espaço Vital

No recurso, o advogado disse que o juiz estava protegendo a “jovem e elegante advogada da parte ré, que estava apavorada e tremendo, pelo fato de não ter arrolado testemunhas”. O juiz, inconformado, entendeu que precisava tomar “providências enérgicas”.

O próprio juiz diz que “o referido causídico pintou um quadro com as cores da injúria, ao referir que o juiz teria tido um comportamento parcial, procurando ‘proteger’ e tranqüilizar a ‘jovem’”. Ele afirmou, ainda, que “há inocultavelmente injúria grave nas falsidades atribuídas em desfavor do comportamento do signatário que foi taxado de decidir uma causa movida não pelo Direito, mas pela sua libido, aguçada pelo dotes pessoais da advogada que representava a parte demandada”.

“Vejo-me na contingência de tomar providências enérgicas contra o amontoado de aleivosias e maledicências que foram consignadas na peça recursal, que afrontam dolosamente a dignidade e a honra do signatário”, afirmou o juiz. “Com efeito, o advogado do autor — não digerindo seu insucesso profissional, fruto da sua própria inércia, justo que deixou de produzir imprescindível prova acerca da culpa ou dolo da empresa ré, confundindo a responsabilidade objetiva das ações acidentárias deflagradas contra o órgão previdenciário com a responsabilidade subjetiva inerente ao pedido de indenização decorrente do direito comum — procurou atacar maldosamente a pessoa do signatário”, afirmou.

Beber fez o pedido ao Ministério Público Estadual. A promotora Lenir Roslindo Piffer formulou a queixa-crime. A denúncia foi recebida e resultou na condenação de um ano e dois meses de detenção (regime inicial aberto). A pena foi substituída pela prestação de serviços à comunidade. Ele recorreu ao TJ-SC. A partir de voto do desembargador relator Solon d’Eça Neves, a condenação penal foi confirmada. O advogado disse que a decisão “foi corporativista” e que vai recorrer.

Processo nº 2004.013186-0

Leia a íntegra do despacho do juiz em que ele se defende das insinuações

Processo: 008.00.010831-3 (Indenizatória)

Autor: Olir Francisco Martinelli

Advogado: Lauro Aparecido da Rocha

Ré: Retex Indústria Têxtil Ltda.

Advogado: Juliane Kaestner Meyer

Vara: 1ª Vara Cível / Blumenau

1. Recebo o recurso em seu duplo efeito, devendo a parte ré ser intimada para oferecimento de contra razões.

2. Determino que a Sra. Escrivã apague todos os riscos efetuados pelo advogado autor nas peças processuais, deixando de aplicar a penalidade prevista pelo art. 161 do CPC em razão da inexistência de cotas, mas de simples rabiscos sublinhando trechos de petições e da própria sentença (RT 546/88).

3. Por outro lado, embora nada ortodoxo, vejo-me na contingência de tomar providências enérgicas contra o amontoado de aleivosias e maledicências que foram consignadas pelo patrono do autor na sua peça recursal, que afrontam dolosamente a dignidade e a honra do signatário. Com efeito, o advogado do autor, não digerindo seu insucesso profissional, fruto da sua própria inércia, justo que deixou de produzir imprescindível prova acerca da culpa ou dolo da empresa ré, confundindo a responsabilidade objetiva das ações acidentárias deflagradas contra o órgão previdenciário com a responsabilidade subjetiva inerente ao pedido de indenização decorrente do direito comum, procurou atacar maldosamente a pessoa do signatário. Aliás, toda a jurisprudência citada na inicial envolve ações de infortunística, diga-se, bem diversa da pretensão deduzida pelo autor.

Pela leitura das razões recursais observa-se que o referido causídico procurou pintar um quadro com as cores da injúria, sustentando, em resumo, que o signatário, com um comportamento parcial, procurou “proteger” e tranquilizar a “jovem” e “elegante” advogada da parte ré, que estava “apavorada” e “nervosa” pelo fato de não ter arrolado testemunhas, tomando, então, de ofício, o depoimento pessoal do autor, tudo com a intenção de “cassar” (sic) uma confissão que o comprometesse.

Há, inocultavelmente, injúria grave nas falsidades atribuídas em desfavor do comportamento do signatário, que foi taxado de decidir uma causa movido não pelo Direito, mas pela sua libido, aguçada pelos dotes pessoais da advogada que representava a parte demandada. O desatino de tais afirmações, deflagrada contra um juiz no exercício do seu mister, agindo absolutamente dentro das normas adjetivas, não pode passar impune, sob pena de manifesta desmoralização da magistratura perante os jurisdicionados.

Um juiz, na sua comarca, não é apenas juiz, por que seu papel não se registre aos seus julgamentos, mas também na sua conduta pessoal. Dele todos exigem conduta ilibada, independência, integridade, coragem moral, competência profissional e tolerância. Desta forma, mais do que pela correção das suas sentenças, será o magistrado admirado e respeitado na medida em que puder constituir-se padrão de comportamento de seus jurisdicionados. Aliás, o citado advogado é reincidente neste tipo de comportamento, pois está sendo processado criminalmente perante a Justiça Federal sob a acusação de ter mandado publicar no Jornal de Santa Catarina um anúncio indecoroso com os telefones de uma Juíza da Justiça do Trabalho, tudo com a idêntica intenção de manchar indelevelmente a honradez daquela magistrada.

Não posso, destarte, consentir com este estado de coisas, razão por que, nesta data, com espeque no art. 141, inc. II, c/c art. 145, § único, ambos do Código Penal, estou oferecendo a competente representação criminal contra o advogado que subscreveu as razões recursais. Outrossim, anoto que também demandarei o referido causídico por danos morais, na esfera cível, pois sendo o processo público, por óbvio, não é difícil imaginar os comentários desairosos que se propagarão em razão das acusações mentirosas efetuadas. Estes danos morais deverão ser reparados, pois o juiz, como se sabe, é um homem vigiado 24 horas por dia. Sua conduta no fórum, na rua, no lar, é fiscalizada por mil olhos ávidos de encontrar falhas e deslizes, como se os jurisdicionados vivessem preocupados em encontrar erros na conduta do magistrado para justificar os que cometeram ou os que pretendem cometer.

Faço tais observações para que a Superior Instância tome ciência das providências que estão sendo tomadas, tudo com a finalidade de assegurar o respeito que é devido entre juízes e advogados, viabilizando, também, as providências contidas no art. 15 do CPC”.

Jorge Luis da Costa Beber

juiz de Direito da 1ª Vara Cível de Blumenau

Parte final da sentença criminal que condena o advogado

“ISTO POSTO, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA DE FLS. 02/03, para dar o réu LAURO APARECIDO DA ROCHA como incurso nas sanções dos arts. 138, “caput”, e 140 c/c os artigos 141, inciso II, 59, 49, 33, todos do Código Penal, e CONDENÁ-LO ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, e mais ao pagamento da pena pecuniária de 32 (trinta e dois) dias multa, no valor de ½ (metade) do salário mínimo vigente à época do fato para cada dia, tendo em vista a situação econômica do acusado.

O acusado preenche os requisitos do art. 44 do Código Penal, razão pela qual substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, por igual período da pena corporal substituída, à razão de uma hora por dia de condenação (art. 46, § 3º, CP), e prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários mínimos, convertidos em cestas básicas a favor de entidade filantrópica a ser indicada pela Central de Penas Alternativas.

Transitada em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados, oficiando-se à C.G.J. para formação do rol estadual.

Após o trânsito, encaminhe-se ainda cópia da presente decisão à Subseccional da Ordem dos Advogados do Brasil, para as providências que entender necessárias.

Custas pelo condenado. A pena de multa deve ser recolhida no prazo do art. 50 do CP.

Defiro ao réu o direito de recorrer em liberdade, eis que assim respondeu ao processo até o momento, tendo comparecido à instrução.

P.R.I. Blumenau, 04 de novembro de 2003″.

Luiz Felipe Siegert,

juiz de Direito. (Proc. nº 008.01.009012-3).

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