Discussão social

Veja a discussão no STF sobre a competência da Justiça do Trabalho

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4 de abril de 2005, 18h10

A decisão do Supremo Tribunal Federal de que cabe à Justiça Comum o julgamento de ações de indenização decorrentes de acidente de trabalho fez a magistratura trabalhista soltar o verbo. O julgamento da matéria rendeu também uma boa discussão entre os ministros.

No Plenário, em 9 de março último, os ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, relator da questão, defenderam a competência da Justiça do Trabalho para analisar causas do gênero e foram vencidos pelos demais ministros da Corte. A discussão foi acalorada e pendeu para um fato social: a distribuição da Justiça trabalhista pelo país.

Para Marco Aurélio, é preciso se acostumar com a Justiça do Trabalho, que, a partir de 1946, passou a integrar o Judiciário e, hoje, está purificada. O ministro Cezar Peluso, que iniciou a divergência sobre a questão, afirmou que “não há nada contra a Justiça do Trabalho, só não queremos atrapalhar a vida dos acidentados”.

Irônico, Marco Aurélio respondeu: “Não, ao contrário. O colega defende inclusive a Justiça do Trabalho, aliviando-a”. Peluso reagiu: “O empregado que mora lá em Mirante do Paranapanema, onde não há vara da Justiça do Trabalho, para mover ação de indenização, ter que recorrer à Justiça do Trabalho…”.

O relator Carlos Britto sustentou que a manutenção das ações na Justiça trabalhista favoreceria os hipossuficientes — pessoa com poucos recursos econômicos — porque ela está “muito mais aparelhada para conhecer as peculiaridades da relação (trabalhista)”.

Peluso, novamente, respondeu: “Não! Ao contrário! A Justiça do Trabalho não existe em todos os lugares do país. A Justiça Estadual sempre existiu em todos os lugares do país, para facilitar o hipossuficiente”.

Leia o voto de Marco Aurélio e a discussão do tema em Plenário

09/03/2005

TRIBUNAL PLENO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 438.639-9 MINAS GERAIS

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Senhor Presidente, leio para meu governo, mais uma vez, a regra do § 3º do artigo 109 da Constituição Federal, a encerrar uma exceção e, portanto, a merecer, apenas, interpretação estrita. Deslocaram-se da Justiça Federal as ações do segurado contra – texto expresso do § 3º – instituição de previdência para a Justiça estadual. Não se deslocaram, subtraindo-se o tema à jurisdição cível do trabalho, as ações de empregado ou ex-empregado contra ex-empregador ou empregador decorrentes da responsabilidade prevista na Carta, deste último, considerada a culpa ou o dolo.

Não posso, diante desse contexto, do balizamento do § 3º do artigo 109 mencionado, do fato de esse dispositivo encerrar exceção, referindo-se à competência da Justiça comum apenas para as ações do segurado – e, aqui, o cidadão não se qualificou como segurado, nessa qualidade de segurado – contra o Instituto, apanhar outros conflitos de interesse, envolvendo pessoas diversas. Há de se emprestar interpretação sistemática à Carta, que é um grande todo.

Ao lado dessa competência da Justiça com um, repito, para ações movidas por segurado contra instituição previdenciária federal, tem-se a competência da Justiça do Trabalho para controvérsias decorrentes da relação de trabalho, e, se o empregado ajuíza ação, apontando que o dano decorreu do contrato de trabalho e é da responsabilidade do empregador, competente para o julgamento desta ação é a Justiça do Trabalho.

Por isso, peço vênia para acompanhar o voto do relator, entendendo que a Justiça comum acertou ao declinar da competência.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 438.639-9 MINAS GERAIS

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Sr. Presidente, assunto foi largamente debatido na Primeira Turma, e o eminente Relator ficou vencido. Os Ministros Sepúlveda Pertence, Eros Grau, Marco Aurélio e o eminente Relator me corrigirão se me equivoco.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Sempre sustentei, na Turma, o entendimento do relator, inclusive quanto àquela responsabilidade do empregador pelo acidente, que é um plus, considerada a responsabilidade do Instituto. Sempre procedi assim tendo em conta que a ressalva do inciso I do artigo 109 da Constituição Federal remete ao § 3º desse mesmo artigo e a fixação da competência da Justiça comum pressupõe o envolvimento, na relação processual, da Previdência, da autarquia.

Aqui, a ação foi proposta, ante o desdobramento da relação jurídica do trabalho, contra o ex-empregador pelo ex-empregado. Por isso penso que incide o artigo 114 da Carta da República, no que revela a competência da Justiça do Trabalho.

O SR. MINISTRO GILMAR MENDES – Mesmo antes da emenda?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mesmo antes da emenda.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – O fato que originou a pretensão de indenização pelo direito comum é considerado acidente de trabalho?


O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – Acidente de trabalho.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – O estado da questão na Turma foi o seguinte: o inciso VI teria, pura e simplesmente, positivado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em relação às ações de indenização por dano moral, em si, decorrentes de relação de trabalho, exceto quando o mesmo fato gerar, ao mesmo tempo, duas pretensões: uma de direito comum de ação de indenização e, outra, de direito acidentário. Neste caso, temos uma particularidade que me parece decisiva: o fato de que, em tese, a ação de indenização, baseada na legislação acidentária, é da competência da Justiça estadual. Se atribuirmos à Justiça do Trabalho a ação de indenização baseada no direito comum, mas oriunda do mesmo fato histórico, temos uma possibilidade gravíssima de contradição: sendo o mesmo fato histórico, com duas pretensões diferentes e duas qualificações jurídicas diferentes, pode suceder – e não raro sucede, por isso o perigo de uma construção nesse sentido – que uma Justiça considere o fato provado e a outra negue a própria existência do fato. Isso significa, portanto, que temos o perigo de decisões contraditórias e absolutamente incompreensíveis para o comum dos cidadãos. O cidadão não é capaz de imaginar que a Justiça estadual, por exemplo, tenha julgado improcedente a ação acidentária, porque teve o fato por não provado, e a Justiça do Trabalho julgue procedente a ação de indenização por dano moral, reconhecendo que o mesmo fato aconteceu.

Parece-me que deva intervir, aí, no fator de interpretação e de discriminação dessas competências, aquele problema da chamada unidade de convicção, isto é, o mesmo fato, quando deva ser apreciado mais de uma vez, deve sê-lo pela mesma Justiça. Agora, com a unificação das alçadas, esse risco é mínimo, aliás, nenhum, porque será sempre o mesmo tribunal, no Estado, que vai julgar ambas as causas, tanto a da ação acidentária, como a ação de indenização por direito comum. Portanto, não haverá risco nenhum de contradição porque o tribunal local, salvo caso excepcionalíssimo, não poderá desconhecer a decisão da mesma Corte sobre o mesmo fato. Razão porque, na Turma, eu havia votado e, com o devido respeito, insisto nesse ponto de vista que, para evitar exatamente essa contradição possível de julgados, se faça essa discriminação, ou seja, retire-se da interpretação do inciso VI as ações de indenização por dano moral ou material quando o fato for ao mesmo tempo também qualificado como acidente de trabalho.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – O acidente foi silicose, uma doença respiratória.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Sr. Presidente, as minhas ponderações dizem respeito ao que entendo ser uma grave responsabilidade do Supremo Tribunal Federal com a sua própria jurisprudência, em matérias com esta: de definir competência.

Ambas as Turmas, com o sempre respeitável dissenso do Ministro Marco Aurélio, haviam firmado a competência na hipótese da Justiça comum estadual. Recordo, na Primeira Turma, o RE nº 349.160 e, na Segunda, o RE nº 345.486, o primeiro, por mim relatado, e o segundo relatado pela eminente Ministra Ellen Gracie.

Não creio, assim – e isso pesou, sobretudo à vista de observação do Ministro Eros Grau no julgamento recentíssimo do RE nº 394.943, pela Primeira Turma -, que, em casos onde já haja decisões de mérito, devamos nós, sem muita ponderação, subitamente, mudar a jurisprudência. É claro que há casos pendentes, que estarão em primeiro grau ou em segundo grau.

O Ministro Carlos Britto traz à discussão a nova redação do artigo 114 da Constituição, conforme a recente emenda Constitucional nº 45/2004. Com relação aos casos pendentes, aos que não haja decisão, a concluir o Tribunal que houve alteração significativa, seria de aplicá-la aos casos pendentes segundo a própria orientação do Tribunal. Recordo que, em outra questão muito discutida, ações entre empregador e sindicato de trabalhadores, o Tribunal decidiu que, tendo sobrevindo a Lei nº 8.984/95, a qual atribuiu a competência da Justiça do Trabalho, não fazia sentido deixar de dar-lhe aplicação imediata para reafirmar a jurisprudência anterior. Por isso, creio, que seria de ponderar essa distinção inicial em que, havendo decisões de mérito, conforme a nossa jurisprudência, pela Justiça comum, não se altera essa jurisprudência. Era o caso que julgamos na Primeira Turma.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – V.Exa. permite só um aparte? Eu queria lembrar que essa nossa jurisprudência…

Não tem sido entendida de modo muito claro, muito uniforme, porque já colacionei duas decisões monocráticas no mesmo sentido que proponho agora: uma do eminente Ministro Cezar Peluso, no Agravo de Instrumento nº 526.444, e outra do eminente Ministro Carlos Velloso, no RE 409.699.


Quer dizer, a matéria ainda padece de uma certa cristalinidade.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – No Plenário tínhamos decidido, fui o Relator, afirmando a competência.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – O momento me parece propício, portanto, para o deslinde da questão.

O SR. MINISTRO GILMAR MENDES – O Ministro Cezar Peluso, pelo que entendi, propõe uma redução teleológica para retirar o acidente…

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Para manter a jurisprudência da Corte. Quanto se tratar de acidente de trabalho, continua sendo da Justiça estadual para que ela aprecie o mesmo fato.

O SR. MINISTRO GILMAR MENDES – Quer dizer, quando o dano moral decorrer de acidente de trabalho, será sempre da Justiça comum. Isso não retira praticamente a eficácia da Emenda Constitucional?

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Há danos morais, exemplo que já examinamos aqui, em que o empregado foi despedido sobre uma acusação de prática de crime ou prática de fato desonroso, demonstrado em precedentes, e outras coisas do mesmo tipo.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Então, deveria ter sido essa a intenção da Emenda, positivar essa jurisprudência do Supremo.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – O que me preocupa é realmente a mudança da orientação não fundada na Emenda Constitucional para os casos que estão em curso, mas como a examinávamos na Primeira Turma, um caso de decisões de mérito de ambas as instâncias, de acordo com a nossa jurisprudência, e que se pedia que fosse revertida para devolver o processo ao início.

Agora, o Ministro Cezar Peluso propõe uma solução que me parece altamente ponderável, baseado no que S.Exa. chamou de princípio de unidade de convicção. Se o Tribunal se inclinar por essa solução, acho razoável, porque resolve os problemas de massa. Este caso mesmo, pelo que li da pauta temática que nos foi distribuída, é um caso recorrente no distrito de Nova Lima, na grande Sabará.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Há mais de duas mil causas tentando pela Justiça do Trabalho de Nova Lima.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Senhor Presidente, gostaria de insistir na dualidade de ações, conforme a relação processual. Não há a menor dúvida: quanto à ação acidentária contra autarquia, a competência está prevista de forma clara, incisiva, precisa, no § 3º do artigo 109 mencionado.

A Carta de 1988, todavia, cuidou da responsabilidade do empregador pelo acidente quando ele concorra com elemento subjetivo, a culpa ou o dolo. Aí surge, vejam, um conflito de interesses decorrente do contrato de trabalho, portanto, apanhado pelo artigo 114 da Carta, entre o empregado ou ex-empregado, empregador ou ex-empregador. No caso concreto, temos um processo revelando no pólo passivo autarquia? Não, temos um processo em que se busca a indenização por dano moral, pressupondo, portanto, elemento subjetivo em decorrência de atos do empregador contra o empregado. Portanto, uma causa, repito, que surgiu ante a relação de trabalho, movida contra o empregador ou ex-empregador pelo empregado ou ex-empregado. Nesse caso, como também naquele outro da responsabilidade subsidiária, da responsabilidade também do empregador quando ocorrida a culpa ou dolo, a competência é da Justiça do Trabalho, em face do disposto no referido artigo 114. Não posso interpretar de forma analógica o § 3º do artigo 109 da Carta, no que encerra, excepcionando a regra de que ações contra autarquia federal devem ser processadas e julgadas na Justiça Federal, a competência da Justiça comum de forma alargada, analógica, para apanhar essa outra situação em que o conflito decorreu do contrato de trabalho e a ação não envolve a autarquia.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Acho até que o argumento, que é muito forte, de certo modo favorece a minha proposta. Se a Constituição abstrai do fato de estar no pólo passivo da ação acidentária uma autarquia da União para retirada do princípio geral que seria da competência da Justiça Federal e atribuiu para a Justiça estadual é porque deu relevância a este fato. Se a autarquia é abstraída para efeito de competência, com muito mais razão o empregador ou o fato em si de ter havido uma relação de trabalho.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não, o § 3º se refere expressamente à ação proposta contra a autarquia. A contrario sensu, evidentemente não tenho, aí, agasalhado o conflito que envolva empregador e empregado.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Deu um relevo para essa exceção.

O SR. MINISTRO GILMAR MENDES – Abriu exceção até em relação a competência da Justiça Federal, tendo em vista certamente a universalidade do pleito e a universalidade da Justiça estadual.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Na verdade, essa foi uma razão prática. A pouca disfusão da Justiça Federal para ações sempre de hipossuficiência.


O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – O preceito vem da Carta anterior. Agora, com a Constituição de 1988, surgiu a responsabilidade do empregador, não do Instituto, em razão de acidente de trabalho.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Surgiu, com a Constituição de 48 em matéria de culpa, em matéria de dolo já era. Culpa grave era da súmula do Supremo Tribunal.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não, teremos de cotejar as Constituições. Na Carta, penso, a responsabilidade do empregador por acidente do trabalho foi prevista pela primeira vez em 1988, pela Constituição, dita por Ulysses Guimarães, cidadã.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Ministro, apesar de Ulysses Guimarães ter dito, não duvido…

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Pelo menos, estive na Justiça do Trabalho durante onze anos e jamais me defrontei com uma reclamação trabalhista versando sobre o tema, para usar a nomenclatura de lá e da Consolidação das Leis do Trabalho – da época em que a Justiça do Trabalho não integrava o Judiciário.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Ministro, respeito, como sempre, as opiniões de V.Exa., mas, interpretando o Direito pré-constitucional, esta Casa firmou a Súmula nº 229.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Ministro, mas estou julgando, agora, diante de uma nova realidade constitucional.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – V.Exa. afirmou que surgiu com a Constituição de 88. Permito-me, respeitosamente, dissentir.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – A responsabilidade do empregador, sim. Vossa Excelência foi quem disse que não, porque asseverei que a responsabilidade teria surgido com a Constituição de 1988.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Súmula nº 229.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – A Súmula não é Constituição, Excelência.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Ministro, a Constituição não tratava de acidente de trabalho a não ser nesta alusão.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Foi justamente o que eu disse. Estamos falando línguas diversas.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – A discussão é acadêmica.

O SR. MINISTRO CELSO DE MELLO – Na verdade, a Súmula do Supremo pauta-se no Decreto-lei nº 7.036/44, se não me engano.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – A única diferença que a Constituição realmente inovou foi subtraindo o adjetivo grave da culpa do empregador que levava a responsabilidade do direito.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Voltamos ao que eu disse, a previsão constitucional de responsabilidade do empregador por acidente do trabalho surgiu com a Carta de 1988. Constitucional, repito, com envergadura maior.

O SR. MINISTRO CELSO DE MELLO – A constituição de 88, realmente, constitucionalizou e explicitou uma norma que já havia no plano ordinário desde 44.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – É o que estou dizendo.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – Ministro Marco Aurélio, essa responsabilização do empregador por acidente sofrido pelo empregado, fruto da relação de emprego, ainda consta de uma norma de direito material expressa da Constituição. É o inciso XXVIII do art. 7º.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Sim, Ministro, sabemos.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – Excelência, veja os termos. É bom atentarmos para os termos da Constituição.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – O Ministro Marco Aurélio fez uma redução: disse que surgiu no Direito brasileiro.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não, Excelência! Não coloque palavras na minha boca. Eu disse que, em termos constitucionais – Vossa Excelência, agora, não quer admitir que asseverei algo consentâneo com a Carta da República, que é outra coisa. Estou sempre pronto a dar a mão à palmatória. Agora, atribuir-me o que eu não disse, não! Estou aqui para julgar os embargos declaratórios.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – O problema é absolutamente acadêmico. A inovação foi a culpa qualquer que seja ela.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – Demais disso, essa interpretação que leva para a Justiça do Trabalho processo e julgamento de causas desse jaez, ela, em última análise, favorece o hipossuficiente.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Não! Ao contrário!

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – Não, favorece! A Justiça do Trabalho está muito mais apetrechada, muito mais aparelhada para conhecer as peculiaridades da relação.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – A Justiça do Trabalho não existe em todos os lugares do País. A Justiça Estadual sempre existiu em todos os lugares do País, para facilitar o hipossuficiente. Essa é a razão da inserção constitucional da Justiça Federal.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – Mas o hipossuficiente precisa de uma justiça especializada, tal qual a Justiça do Trabalho.


O SR. MINISTRO CARLOS VELLOSO – Vou citar, novamente, o exemplo do meu estado natal: imagine V. Exª que lá existem cerca de trezentas comarcas. Em trezentas comarcas, temos um juiz de direito, pelo menos. Em Varas da Justiça do Trabalho, as antigas Juntas, V. Exª encontrará mais do que da Vara da Justiça Federal – mas não muito mais também não -, umas dez ou quinze cidades, talvez.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – A Justiça do Trabalho, hoje, está, praticamente, no Brasil inteiro. E, se não há, na comarca, uma Vara de Trabalho, uma comarca próxima sempre existirá, capaz de fazer o atendimento dessas demandas.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – V. Exª não conhece a realidade das comarcas.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – A Justiça do Trabalho se espalhou pelo Brasil inteiro e cresce, a cada dia, porque é uma necessidade mesmo. Data venia de tão doutas opiniões em contrário, mantenho o meu voto.

O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – Ministro Marco Aurélio, o Ministro Cezar Peluso refere que teremos o mesmo fato e que este fato poderia, depois, ser causa de uma responsabilidade da infortunística, aliás, sedentária, e, também, a responsabilidade do empregador de natureza civil.

Para que a situação referida pelo Ministro Cezar Peluso possa ocorrer – que é uma preocupação absolutamente razoável –, a pergunta é a seguinte: na ação acidentária, discute-se a culpa do empregador? Fixa-se a culpa do empregador por julgamento da procedência, ou não?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não ação movida contra ele, sim. Aí, é fato constitutivo do direito do autor a culpa ou dolo e, no caso do dano moral decorrente do acidente, atribui-se ao empregador a origem do dano moral, e não ao Instituto.

O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – E quais as ações acidentárias que ficariam na competência da Justiça comum?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Da comum, aquelas ações intentadas contra o Instituto, como previsto no preceito, para mim, exaustivo, do § 3º do artigo 109 da Constituição Federal.

O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – Na hipótese de uma ação, na Justiça comum, ajuizada contra a previdência, com base no seguro, apura-se, ou não, a culpa do empregador ou só a existência da lesão.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não, não. O empregador aí não está sendo acionado.

O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – Então, veja: se não está no fato constitutivo do direito subjetivo a indenização acidentária da infortunística um juízo de valor sobre a participação, ou não, do empregador nisso e isso só é relevante na ação acidentária, a Súmula nº 229 diz assim:

“A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.”

Aqui, entendia-se a não exclusão.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – A responsabilidade do Instituto é objetiva, basta o acidente.

O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – Ministro Sepúlveda Pertence, a competência que o Supremo reconhecia nessa hipótese de não exclusão, a pretensão se deduzia junto à Justiça comum, porque se entendia que a Justiça do Trabalho não tinha competência para as ações de indenizações.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Aí seria uma construção jurisprudencial e sempre me opus a essa óptica.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Em matéria de competência, vamos reconhecer, a jurisprudência sempre esteve muito atenta à realidade. Vamos argumentar no plano constitucional.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – O grande problema é o Tribunal fracionado, porque a matéria não vem ao Pleno e não debatemos – como estamos debatendo agora – com os integrantes das duas Turmas, com todos os componentes da Corte. Então, vai-se julgando, surge um precedente, às vezes, até individual, monocrático, há referência a esse precedente, vai-se criando jurisprudência sem que a controvérsia passe pelo Colegiado maior.

O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – Ministro Marco Aurélio, é exatamente o que estamos fazendo. Quero só fixar o seguinte: se temos, na ação infortunística, que não se perquire a culpa do empregador e essa culpa se perquire na ação contra o empregador e, inclusive, se aplicar as regras gerais de seguro, o fato do seguro não reduz a responsabilidade do empregador, porque ele não se aproveitaria de que o seguro teria uma outra causa, uma outra origem?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – É direito regressivo do Instituto.

O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – Nessa hipótese – não estou discutindo a realidade do País, primeiro -, o que teríamos? Teríamos, em tese, que seria inviável a dissonância de juízos, já que numa não se perquire a existência de culpa, de dolo ou de responsabilidade de qualquer natureza do empregador. Indeniza-se pelo fato do acidente, e os cálculos todos são feitos através de perícias, redução de mão-de-obra etc.


Agora, na demanda em que se pretende a indenização não como sujeito passivo o instituto, mas sujeito passivo o cidadão, a questão é outra, pergunta-se, primeiro. Para responder pela responsabilidade moral ou, enfim, material, depende da existência de culpa ou de dolo.

Logo, a única coincidência que pode haver entre as duas, a única relação das duas é a existência do fato e não o juízo de valor sobre o fato.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Uma vai dizer que o fato não acontece e a outra vai dizer que o fato aconteceu.

O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – A sua divergência é essa: é possível, então, alguém sustentar que não era. A Justiça, no caso, competente para julgar ação acidentária poderia afirmar duas hipóteses: que o fato não se deu ou que o fato não se caracterizou acidente do trabalho coberto pelo seguro, ou não?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Senhor Presidente, temos um dado: pelo Código de Processo Civil, fundamento não faz coisa julgada. Poderíamos ter a Justiça comum, no processo alusivo à responsabilidade objetiva do Instituto, concluindo pela existência do fato e, na Justiça do Trabalho, o afastamento desse mesmo fato ou a conclusão sobre a inexistência de culpa ou dolo do empregador, chegando-se à improcedência do pedido formulado pelo empregado.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – E do dano. Pode ser que uma Justiça afirme a existência do dano e dê a responsabilidade objetiva e a outra reconheça que o mesmo dano não existe.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Serão ações distintas, consideradas até mesmo as partes.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Exatamente porque não há coisa julgada é que há o risco de decisões contraditórias.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não, ministro! Para o leigo, não para aqueles que dominam o Direito, porque não temos a identidade de ações.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Mas é exatamente por isso, Ministro, porque vai ser rediscutido o mesmo fato, e não podemos ter decisões contraditórias.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas, aí, de lege ferenda, poderia imaginar outra solução, concentrando, quem sabe, na Justiça comum, os processos, retirando a competência da Justiça do Trabalho. Mas, de lege lata, não é o que está nas normas de regência.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – V.Exa. me permite, apenas para um exemplo concreto. Sei disso, porque durante dezesseis anos fui Juiz do 2º Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo cuja competência substancial era acidentária, cansei de julgar causas acidentárias. Então, o que temos? Uma doença do trabalho. Mas, além de doença do trabalho, que é uma ação acidentária mais rara, temos fatos acidentários em si que causam certos danos que eram reconhecidos na ação de indenização acidentária e o mesmo fato era negado numa ação de indenização de direito comum, se o fato não aconteceu, não houve esse dano. Isto é, o mesmo fato foi reconhecido numa ação acidentária e, no outro, não era reconhecido.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – Para aferir a culpa do dolo do empregador no alegado acidente de trabalho ou o dano resultante do acidente de trabalho, para aferir esse elemento subjetivo do empregador a Justiça do Trabalho está muito mais aparelhada, muito mais afeiçoadas às particularidades das relações de emprego.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Quem julga ilícito aquiliano é a Justiça comum.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Na Justiça do Trabalho não temos mais classistas. Só temos julgadores técnicos.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Quem julga ilícito aquiliano é a Justiça comum. Excepcionalmente a Justiça do Trabalho julga esses ilícitos.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Precisamos nos acostumar com a Justiça do Trabalho, que, a partir de 1946, passou a integrar o Judiciário pátrio e, hoje, está purificada.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Não há nada contra a Justiça do Trabalho, só não queremos atrapalhar a vida dos acidentados.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não, ao contrário. O colega defende inclusive a Justiça do Trabalho, aliviando-a.

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – O empregado que mora lá em Mirante do Paranapanema, onde não há vara da Justiça do Trabalho, para mover ação de indenização, ter que recorrer à Justiça do Trabalho…

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Todavia, continuamos contando, na Consolidação das Leis do Trabalho, com um dispositivo que revela que a Justiça comum, nesse caso, tem a jurisdição trabalhista. Está na Consolidação das Leis do Trabalho.

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