Questão trabalhista

Policial que fazia segurança privada tem vínculo empregatício

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28 de setembro de 2004, 21h06

Os juízes da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) decidiram que não existe impedimento legal para um policial militar manter contrato de trabalho com empresa privada.

Eles julgaram Recurso Ordinário contra sentença da 19ª Vara do Trabalho de São Paulo, que reconheceu o vínculo empregatício de um policial com a empresa de segurança Transval e, solidariamente, com o banco BCN.

O BCN recorreu ao TRT-SP sustentando que policiais militares estariam impedidos de firmar contrato de trabalho com empresas particulares.

De acordo com a relatora do recurso, juíza Vilma Mazzei Capatto, “a legislação trabalhista é de âmbito federal e nela não há dispositivo que impeça o detentor do cargo de policial militar de manter vínculo empregatício com empregador comum. A eventual transgressão ao regulamento da corporação é matéria alheia ao conflito, fugindo à competência desta Justiça Especializada qualquer apreciação e julgamento a respeito”.

“A circunstância de o reclamante estar sujeito à convocação pela corporação militar não afasta o requisito da não eventualidade da prestação de serviços, pois a reclamada, ao contratar um policial militar, tinha ciência de que os préstimos do autor somente seriam exigíveis quando o mesmo não estivesse a serviço do órgão público a que estava afeto”, acrescentou a relatora.

Processo nº 02009199801902001

Leia o voto da relatora

RECURSO ORDINÁRIO DA 19 ª VT/ SP

RECORRENTE : BANCO BCN S/A

RECORRIDOS : CLAUDIO ROBERTO FERREIRA e TRANSVAL S/A LTDA.

EMENTA : Policial militar – vínculo empregatício: Não há óbice legal para o vínculo empregatício de policial militar. A legislação trabalhista é de âmbito federal e nela não há dispositivo que impeça o detentor do cargo de policial militar de manter vínculo empregatício com empregador comum. O Regulamento Disciplinar da Corporação não pode sobrepujar a legislação federal.

Recurso ordinário da 2ª reclamada (BCN) às fls. 159/169 contra a r. sentença de fls. 153/156, cujo relatório adoto e que julgou procedente em parte a reclamatória, argüindo preliminar de incompatibilidade jurídica do pedido, incompatibilidade entre o pedido e a causa de pedir e ilegitimidade ad causam. No mérito, insurge-se contra o reconhecimento do vínculo empregatício com o reclamante.

Depósito recursal às fls. 171 e custas às fls. 173.

Regularmente intimado pelo DOE (fls. 175), o reclamante não apresentou contra-razões.

A D. Procuradoria do Trabalho opina, às fls. 211, pelo prosseguimento do feito.

É O RELATÓRIO.

VOTO

Conheço, eis que presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

PRELIMINARES

A recorrente argúi preliminar de incompatibilidade jurídica do pedido, incompatibilidade entre pedido e causa de pedir e ilegitimidade ad causam.

As duas primeiras preliminares, como formuladas, envolvem matéria de mérito e com ele serão apreciadas.

Quanto à ilegitimidade ad causam, não há como se acolher a preliminar argüida.

Depreende-se dos documentos acostados aos autos que entre as reclamadas existiu um contrato de prestação de serviços (v. fls. 133) da 1ª reclamada (Transval) para a 2ª reclamada (BCN) e um contrato da Transval com o reclamante (v. fls. 134) que, à míngua de provas de fraude ou dolo, há que se tê-los como válidos.

Assim, a 2ª reclamada, ora recorrente (BCN), na condição de tomadora de serviços, é também responsável pelos créditos do autor na hipótese de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da real empregadora (Transval).

O fundamento jurídico dessa responsabilidade decorre do disposto no artigo 455, da CLT, já que, em última análise, a 2ª reclamada (BCN) beneficiou-se do trabalho do reclamante.

A tomadora de serviços tem o dever de zelar pela boa escolha e bom desenvolvimento da prestadora de serviços. Incabível seria admitir-se que a tomadora pode escolher a esmo e não fiscalizar o responsável pelas tarefas repassadas. Não o fazendo, por óbvio, foi conivente com a conduta irregular praticada, não podendo, destarte, pretender beneficiar-se de sua própria inércia.

O artigo 455 da CLT, repita-se, é o único dispositivo legal trabalhista a tratar desta matéria, sendo utilizado de maneira analógica à hipótese. Seja pelo princípio da razoabilidade, seja pela analogia legal, a tomadora deve figurar no pólo passivo da demanda e responder subsidiariamente pelos créditos do autor, como bem decidiu o D. Juízo a quo.

Este entendimento está em perfeita consonância com a reiterada jurisprudência, consubstanciada no Enunciado nº 331 do C. TST, especificamente em seu item IV : “O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial” (sic).

Ressalte-se que a responsabilidade subsidiária não se confunde com o reconhecimento do vínculo empregatício com a 2ª reclamada (Transval), persistindo, todavia, a responsabilidade subsidiária, repita-se, decorrente de eventual inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da prestadora de serviços (Transval).

Nada, pois, a acolher. Rejeito.

M É R I T O

1. Vínculo empregatício

A 2ª reclamada (BCN), na condição de responsável subsidiária na presente demanda, insurge-se contra o reconhecimento do vínculo empregatício do reclamante com a 1ª reclamada (Transval), sob o fundamento de o autor ser policial militar.

Improcede o apelo.

O fato de o reclamante ser policial militar, por si só, não constitui óbice para o reconhecimento do vínculo empregatício, quando presentes os requisitos legais.

A legislação trabalhista é de âmbito federal e nela não há dispositivo que impeça o detentor do cargo de policial militar de manter vínculo empregatício com empregador comum. A eventual transgressão ao regulamento da corporação é matéria alheia ao conflito, fugindo à competência desta Justiça Especializada qualquer apreciação e julgamento a respeito.

Os ilustres juristas Orlando Gomes e Elson Gottschalk definem o contrato de trabalho como “a convenção pela qual um ou vários empregados, mediante certa remuneração e em caráter não eventual prestam trabalho pessoal em proveito e sob direção do empregador” (in Curso de Direito do Trabalho, 14ª edição, pág. 118).

A 1ª reclamada (Transval) sofreu a pena de revelia e confissão pelo não comparecimento à audiência instrutória (v. fls. 118), o que gerou a presunção de veracidade das alegações expendidas na exordial, de molde a se reconhecer a presença dos requisitos plasmadores da relação de emprego, insculpidos nos artigos 2º e 3º da CLT.

O fato de o autor trabalhar em dias alternados, também não tem o condão de descaracterizar a relação empregatícia.

A circunstância de o reclamante estar sujeito à convocação pela corporação militar não afasta o requisito da não eventualidade da prestação de serviços, pois a reclamada, ao contratar um policial militar, tinha ciência de que os préstimos do autor somente seriam exigíveis quando o mesmo não estivesse a serviço do órgão público a que estava afeto.

Assim, presentes os requisitos plasmadores da relação de emprego, não há como se dar guarida ao inconformismo.

Nada, pois, a deferir. Mantenho.

FACE AO EXPOSTO, REJEITO AS PRELIMINARES e, no mérito, NEGO PROVIMENTO ao recurso ordinário da 2ª reclamada (BCN), nos termos da fundamentação supra.

Mantenho o valor da condenação.

Vilma Mazzei Capatto

Juíza Relatora

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