Sociedade digital

Teleinterrogatório não elimina nenhuma garantia processual

Autor

  • Vladimir Aras

    é professor da UFBA e do IDP integrante do MPF mestre em Direito Público (UFPE) doutor em Direito (UniCeub) especialista MBA em Gestão Pública (FGV) e membro-fundador do Instituto de Direito e Inovação (ID-i).

28 de setembro de 2004, 20h43

Ao tempo em que já se fala em processo eletrônico e em que se vê a crescente adoção de sistemas informáticos para o tratamento de informações e a prestação de serviços mais céleres aos jurisdicionados, ainda se percebe forte resistência à implementação de sistemas audiovisuais que permitam a coleta de provas a distância, especialmente no curso de procedimentos criminais.

O problema de que nos ocuparemos neste artigo consiste em saber se é juridicamente possível a adoção de aparelhos de teleconferência no processo penal brasileiro, quais são as experiências desta ordem no cenário internacional e quais seriam os fatores favoráveis e contrários à implementação de tais meios tecnológicos de coleta de provas no Brasil.

Entre nós, o foco da controvérsia está no interrogatório on-line, para tomada por videoconferência de declarações de acusados em ações penais, havendo pouca ou irrelevante oposição à coleta de depoimentos de vítimas, testemunhas e peritos por esse sistema, bem como no que se refere à realização remota de sustentações orais e de sessões de tribunais.

Deixando de lado questões técnicas, que dizem respeito aos profissionais da área de telecomunicações e de ciência da computação, vale estabelecer uma classificação das intervenções processuais que podem ser realizadas por videoconferência.

Assim temos:

– o teleinterrogatório, para tomada de declarações do indiciado ou suspeito, na fase policial, ou do acusado, na fase judicial;

– o teledepoimento, para a tomada de declarações de vítimas, testemunhas e peritos;

– o telerreconhecimento, para a realização de reconhecimento do suspeito ou do acusado, à distância, ato que hoje já se faz com o uso de meras fotografias;

– a telessustentação, ou a sustentação oral a distância, perante tribunais, por advogados, defensores e membros do Ministério Público;

– o telecomparecimento, mediante o qual as partes ou seus advogados e os membros do Ministério Público acompanham os atos processuais à distância, neles intervindo quando necessário;

– a telessessão, ou a reunião virtual de juízes integrantes de tribunais, turmas recursais ou turmas de uniformização de jurisprudência;

– a telejustificação, em atos nos quais seja necessário o comparecimento do réu perante o juízo, como em casos de sursis processual e penal, fiança, liberdade provisória, etc.

Prós e os contras do sistema

Diversas são as manifestações contrárias ao teleinterrogatório, sendo menos numerosa ou enérgica a oposição ao teledepoimento (para peritos, vítimas e testemunhas) e à telessustentação, esta para advogados, defensores e membros do Ministério Público.

A utilização de videoconferência para a tomada de declarações de suspeitos ou acusados de crimes levanta maior repulsa entre os críticos das aplicações de informática jurídica, tendo em vista a necessidade de assegurar os preceitos constitucionais que garantem aos acusados a ampla defesa e o due process of law.

O movimento de oposição ao interrogatório on-line tem sido capitaneado em nosso País principalmente pela Associação Juízes para a Democracia, pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, pela Associação dos Advogados de São Paulo e por outras entidades de âmbito estadual e nacional, inclusive órgãos públicos.

Com efeito, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça manifestou-se oficialmente contrariamente ao teleinterrogatório no Brasil. A Resolução nº 5, de 30 de setembro de 2002, fundada nos pareceres dos conselheiros Ana Sofia Schmidt de Oliveira e Carlos Weis, rejeitou a proposta de realização de teledepoimentos de réus, consubstanciada na Portaria nº 15/2002, mesmo para a ouvida de presos considerados perigosos.

Em que pese a autoridade do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, sua recomendação não tem força normativa e não tem impedido a implantação do sistema em juízos criminais e de execuções penais por todo o Brasil.

Fundamentalmente, a repulsa ao método de interrogatório a distância deita raízes nos princípios do devido processo legal e da ampla defesa (artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal), bem como na letra do artigo 185 do CPP, que dispunha que “O acusado, que for preso, ou comparecer, espontaneamente ou em virtude de intimação, perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado”. A questão de fundo é, assim, a expressão “comparecer perante a autoridade judiciária”.

Mesmo com a reforma parcial do capítulo sobre o interrogatório do réu no CPP, decorrente da Lei n. 10.792/2003, as razões de inconformismo não se alteraram, tendo em vista que a nova redação do artigo 185 do CPP não permitiu expressamente o teleinterrogatório, mas também não o proibiu, como era intenção inicial dos opositores do sistema audiovisual.


Não concordamos que uma exegese da letra do artigo 185 do CPP, na sua anterior ou na atual redação, tenha o condão de inviabilizar o sistema de teleinterrogatório. Nações democráticas da Europa já adotam o teleinterrogatório, sem qualquer lesão a direitos individuais de imputados, tanto no plano interno quanto no espaço jurídico comum europeu. Além do mais, sabe-se que a interpretação gramatical ou literal não é a melhor para solucionar uma questão tão complexa.

Na sistemática do CPP, “comparecer” nem sempre significa necessariamente ir à presença física do juiz, ou estar no mesmo ambiente que este. Comparece aos autos ou aos atos do processo quem se dá por ciente da intercorrência processual, ainda que por escrito, ou quem se faz presente por meio de procurador, até mesmo com a oferta de alegações escritas, a exemplo da defesa prévia e das alegações finais.

Vide, a propósito, o artigo 570 do CPP, que afasta a nulidade do ato, considerando-a sanada, quando o réu “comparecer” para alegar a falta de citação, intimação ou notificação. Evidentemente, aí não se trata de comparecimento físico diante do juiz, mas sim de comunicação processual, por petição endereçada ao magistrado.

Se assim é, pode-se muito bem ler o “comparecer” do artigo 185 do CPP, referente ao interrogatório, como um comparecimento virtual, mas direto, atual e real, perante o magistrado.

A Lei n. 10.259/2001, que cuida dos Juizados Especiais Federais (cíveis e criminais), permitiu que as turmas de uniformização de jurisprudência reúnam-se por meios eletrônicos. De fato, o artigo 14, §3º, da lei, diz que “A reunião de juízes domiciliados em cidades diversas será feita pela via eletrônica”. Que é isto senão uma audiência virtual? Estamos diante de uma sessão de julgamento plenamente válida, embora os juízes participantes não estejam presentes no mesmo recinto, mas sim presentes em recintos diversos, em plena interação.

Alega-se que o artigo 9º, §3º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Pacto de Nova Iorque) e o artigo 7º, §5º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), prevêem o direito do réu de ser conduzido à presença física do juiz natural. Ora, as referidas normas falam apenas em levar o detido à “presença do juiz”, e a presença virtual, ao vivo, atual e simultânea, por meio de videoconferência, confere ao acusado as mesmas garantias que o comparecimento in persona, diante do magistrado.

Portanto, desde que seja garantida a liberdade probatória ao acusado e que sejam assegurados ao réu os direitos de ciência prévia, participação efetiva e ampla defesa (1) (inclusive com o acompanhamento do ato in loco por seu defensor e/ou por um oficial de justiça), não há razão para temer o teleinterrogatório, sob o irreal pretexto de violação a direitos fundamentais do acusado no processo penal. Até porque só há nulidade processual, quando existir prejuízo, e não se pode afirmar que essa é a regra no tocante a teledepoimentos criminais.

Ademais, o comparecimento físico do acusado perante a autoridade judicial não é exigido pelo direito internacional nem pela Constituição brasileira. Com efeito, o artigo 5º, inciso LXII, declara que “A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”.

Frise-se: a prisão será “comunicada” ao juiz competente. Não impõe a Constituição a apresentação do réu ao juiz, na sede do juízo, mesmo num momento em que a legalidade ou legitimidade da prisão em flagrante ainda não foi verificada pelo Judiciário.

O teleinterrogatório não é um dos males do tempo. Ao contrário, vem eliminar certas burocracias e óbices ao andamento dos feitos criminais. Não esqueçamos que a videoconferência se presta à ouvida de réus presos e de réus soltos, detidos na mesma ou em comarca diversa do distrito da culpa, ou residentes a longas distâncias do foro. Assim, o sistema atende a interesses fundamentais de uns e outros.

A mera mudança do procedimento de apresentação do réu ao juiz, especialmente nos casos em que estejam em julgamento presos perigosos, não elimina nenhuma garantia processual, nem ofende os ideais do Estado de Direito. Basta que se adote um formato de videoconferência que permita aos sujeitos processuais o desempenho, à distância, de todos os atos e funções que seriam possíveis no caso de comparecimento físico.

O interrogatório, momento culminante da autodefesa do réu, não é nulificado simplesmente porque se optou por este ou por aquele modo de captação da mensagem. Destarte, tanto pode o réu falar diante do juiz, e ter o seu depoimento transcrito a mão, em máquina de escrever ou em computador, quanto pode fazê-lo em audiência gravada in loco, ou em interrogatório transmitido remotamente por vídeo-link.


O meio utilizado não desnatura nem contamina o ato. O que importa é que, em qualquer das hipóteses, se assegure ao acusado o direito de ser acompanhado por defensor e os direitos de falar e ser ouvido, de produzir e contrariar prova e o direito de permanecer em silêncio quando lhe convier (artigo 5º, LXIII, da CF).

O teleinterrogatório elimina algum desses direitos ou cerceia alguma dessas liberdades? Perde-se o direito ao silêncio? O juiz abandona sua imparcialidade? Institui-se um tribunal de exceção? O réu é proibido de falar ou impedido de calar? A comunicação entre as partes e o magistrado é interrompida, vedada ou limitada? Elimina-se a interação do acusado com o juiz, a acusação e os demais intervenientes do processo? Desaparece o feedback comunicacional? Não, evidentemente não.

Todas as formalidades dos artigos 185 a 196 do CPP são cumpridas. Todas as indagações dos artigos 187 a 190 podem ser feitas. Todos os direitos são respeitados, na substância e na essência. Onde, então, o problema?

A presença virtual do acusado, em videoconferência, é uma presença real. O juiz o ouve e o vê, e vice-versa. A inquirição é direta e a interação, recíproca. No vetor temporal, o acusado e o seu julgador estão juntos, presentes na mesma unidade de tempo. A diferença entre ambos é meramente espacial. Mas a tecnologia supera tal deslocamento, fazendo com que os efeitos e a finalidade das duas espécies de comparecimento judicial sejam plenamente equiparados. Nisto, nada se perde.

Sabe-se que não há nulidade sem prejuízo. É a regra do artigo 563 do CPP: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. Por sua vez, o artigo 564, inciso III, alínea “e”, determina a nulidade do processo em caso de falta de interrogatório.

Vale dizer: o que anula a ação penal é a falta do interrogatório, e não a sua realização por meios tecnológicos. Pergunta-se objetivamente aos opositores da teleaudiência: falando em tese, há algum real prejuízo para o réu com o teleinterrogatório? Não. Logo, não há qualquer justificativa jurídica, nos planos da razoabilidade e do garantismo, para tolher ou proibir tal forma de interrogatório, em que o comparecimento continua a ocorrer, sendo o réu conduzido à presença virtual do juiz da causa, sem prejuízo do contraditório efetivo.

Ainda no plano das nulidades, vale mencionar que o artigo 564, inciso IV, do CPP, dispõe que haverá nulidade “por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato”. O comparecimento físico do réu diante do juiz para ser interrogado não é uma formalidade ad substantiam.

Ademais, a realização do teleinterrogatório não acarreta omissão de formalidade alguma, mas substituição de um procedimento por outro. Mesmo que a forma aqui fosse elemento essencial do ato, a nulidade seria relativa, pois segundo o artigo 572, inciso II, do mesmo código, as nulidades ali referidas consideram-se sanadas “se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim”.

Aqui se lança uma pá de cal sobre o assunto. Se a finalidade do ato é atingida, não há nulidade alguma a declarar, preservando-se o teleinterrogatório. A regra aplica-se ainda às nulidades relativas previstas no artigo 564, III, “e”, segunda parte, e “g”, do CPP.

Repetimos: não guardamos dúvidas quanto à possibilidade jurídica da realização de teledepoimentos no processo penal brasileiro. Todavia, demonstrando a natureza controvertida do tema, há decisões isoladas de tribunais nacionais reconhecendo a ocorrência de nulidade em processos em que se adotou o sistema de videoconferência para a realização de interrogatórios.

Exemplo desse tipo de posicionamento é o da 10ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, que na apelação n. 1.393.005/9, assim decidiu, por unanimidade, em 22 de outubro de 2003:

“INTERROGATÓRIO ON LINE – Nulidade: – O interrogatório judicial realizado a distância, por sistema de videoconferência, que tem sido denominado interrogatório on line, revela patente nulidade por violar princípios de natureza constitucional, em especial os da ampla defesa e do devido processo legal” (TACRIM/SP – Apelação nº 1.393.005/9 – São Paulo – 10ª Câmara – Relator: Ary Casagrande – 22.10.2003 – V.U.).

Entretanto, curiosamente, a mesma corte, por outra de suas câmaras, decidira, no dia anterior, 21 de outubro de 2003, também por unanimidade, pela plena validade do interrogatório por videoconferência, a saber:

“INTERROGATÓRIO JUDICIAL ON-LINE – Valor – Entendimento: – O sistema de teleaudiência utilizado no interrogatório judicial é válido à medida que são garantidas visão, audição, comunicação reservada entre o réu e seu defensor e facultada, ainda, a gravação em compact disc, que será anexado aos autos para eventual consulta. Assim, respeita-se a garantia da ampla defesa, pois o acusado tem condições de dialogar com o julgador, podendo ser visto e ouvido, além de conversar com seu defensor em canal de áudio reservado”. (TACRIM/SP – Apelação nº 1.384.389/8 – São Paulo – 4ª Câmara – Relator: Ferraz de Arruda – 21.10.2003 – V.U., Voto nº 11.088)


O Tribunal de Justiça de São Paulo, no habeas corpus nº 428.580-3/8, da comarca da Capital, também decidiu pela validade do teleinterrogatório:

“Habeas Corpus – Pretensão de se anular instrução realizada pelo sistema de videoconferência – Alegação de violação dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa – Nulidade inocorrente – violação não caracterizada porque mantido o contato visual e direto entre todas a partes e porque facultada a permanência de um defensor na sala de audiência e outro na sala especial onde o réu se encontra – Medida que, ademais acarreta celeridade na prestação jurisdicional e sensível redução de custos para o Estado – Ordem denegada”. (pt. nº113.719/2003).

O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre o tema. No recurso ordinário em habeas corpus n. 6272/SP, a 5ª Turma do STJ, acolhendo o parecer do Ministério Público Federal, decidiu por unanimidade em 3 de abril de 1997 pela validade do interrogatório por videoconferência, verbis:

“Recurso de habeas-corpus. Processual penal. Interrogatório feito via sistema conferencia em real time. Inexistindo a demonstração de prejuízo, o ato reprochado não pode ser anulado, ex vi artigo 563 do CPP. Recurso desprovido” (STJ, RHC 6272/SP, 5ª Turma, Rel. Ministro Félix Fischer, j. 3/4/97, impetrante Evaldo Aparecido dos Santos).

Mais recentemente, em 14 de setembro de 2004, ao analisar o recurso ordinário em habeas corpus 15.558/SP, impetrado em favor de Jair Facca Junior (2), a 5ª Turma do STJ decidiu, por unanimidade, que o uso de videonconferência em ação penal não acarreta cerceamento do direito de defesa, não havendo portanto nulidade a sanar.

Na ocasião, o relator, ministro José Arnaldo da Fonseca, acolheu o parecer da subprocuradora-geral do Ministério Público Federal, Lindora Maria Araújo, que, a seu tempo, asseverou:

“A realização de audiência por videoconferência permite contato visual e em tempo real entre todas as partes envolvidas no processo: juiz da causa, acusado, defensor, órgão de acusação, vítimas e testemunhas. (…) A percepção cognitiva obtida no sistema de teleaudiência é a mesma auferida na forma usual de realização de audiência com a presença física das partes”.

Do parecer do MPF também colhe-se menção à utilização do sistema em outro julgamento, examinado no HC nº 410.640.3/6, impetrado perante a 3ª Câmara Criminal do TJ/SP:

“Esse correto aparelhamento que existe no Tribunal de Justiça de São Paulo foi detalhado no julgamento do habeas corpus nº 410.640.3/6 pela 3a Câmara Criminal daquela corte, litteris: “Na ‘vídeoconferência’ em causa, o paciente e os co-réus sempre tiveram a possibilidade de contato e diálogo, a qualquer momento, com seus advogados. Para tanto, instalados ‘links’ privativos (‘linhas exclusivas que garantem a conversa reservada’ – fls. 41). Além disso, propiciadas, é claro, a recíproca visão e audição dos acontecimentos e desenvolvimento da audiência, ainda com facultada gravação em ‘compact-disc’ que pode ser anexado aos autos para qualquer eventual consulta. Nas salas especiais dos diversos estabelecimentos onde se encontravam o paciente e os co-réus, equipamentos de imagem, escuta perfeita dos depoimentos e canal de áudio reservado para comunicação com Defensores.

“Para que se tenha noção completa e exata da perfeição do sistema que, assegurando a ampla defesa e o contraditório, agiliza o andamento dos feitos e permite prestação jurisdicional pronta, conforme as mais prementes necessidades sociais, é conveniente a leitura atenta do termo de assentada em teleaudiência e do termo de apresentação dos réus presos”.

Segundo os autos do RHC nº 15.558/SP, o juízo criminal de São Paulo permitiu a presença de um advogado na sala de audiências e de outro defensor, ao lado do réu, no estabelecimento prisional. O acórdão ficou assim ementado:

“Recurso ordinário em habeas corpus. Processual penal. Interrogatório realizado por meio de sistema de videoconferência ou teleaudiência em real time. Cerceamento de defesa. Nulidade, para cujo reconhecimento faz-se necessária a ocorrência de efetivo prejuízo, não demonstrado, no caso. Recurso desprovido. (STJ, 5ª Turma, RHC 15.558/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, v.u., 14.9.2004).

No julgado, ficou assentado que a sala do estabelecimento prisional converte-se numa extensão da sala de audiências. “[…] a rigor, o paciente e os co-réus encontravam-se numa verdadeira extensão da própria sala de audiências, de tudo participando e acompanhando, com a mais completa possibilidade de contato verbal com seus advogados. Não existe, portanto, nenhuma nulidade. Finalmente, encontrou-se um sistema de teleaudiência ou vídeoconferência que harmonizou as exigências da ampla defesa e do contraditório com celeridade, segurança e presteza na produção da prova e com a prolação das sentenças”.


Além de não violar o devido processo legal, é preciso notar também que o teleinterrogatório assegura ao réu, com muito maior amplitude, o acesso ao seu juiz natural. Pelo artigo 5º, LIII, da CF, “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

De fato, adotando-se o sistema às inteiras, não serão mais necessárias cartas precatórias ou rogatórias ou cartas de ordem para interrogatório de denunciados ou ouvida de vítimas, testemunhas e peritos. O próprio juiz da causa ouvirá diretamente o acusado, onde quer que ele esteja, encarcerado ou solto, no País ou no exterior. Vale dizer: todos os atos processuais serão praticados pelo juiz natural da causa, o único competente para julgar o réu.

As cartas de ordem podem se tornar desnecessárias ou menos comuns. O ministro ou desembargador relator, juiz natural nas ações penais originárias — as que tramitam perante os tribunais na forma da Lei nº 8.038/90 —, poderá interrogar ele mesmo o réu e ouvir as vítimas, as testemunhas e os peritos, sem necessidade de delegação a magistrados de instâncias inferiores.

Todo o processo poderá ser conduzido pelo juiz da causa, diretamente, sem deslocamentos espaciais, desde que se utilize a teleconferência.

O novo método de instrução evita, outrossim, os julgamentos à revelia e os fenômenos processuais a ela correlatos, nos casos de impossibilidade física de comparecimento do réu, seja por doença ou por incapacidade financeira.

O interrogatório on-line reduzirá as hipóteses de aplicação do artigo 366 do CPP: “Se o acusado, citado por edital, não comparecer (3), nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no artigo 312”.

Ora, se o réu comparecer virtualmente ao processo não haverá porque suspender o andamento da ação penal e o curso do prazo prescricional. Nem haverá motivo para a decretação de prisão preventiva do acusado, que “não comparecer”, o que é sem dúvida uma grande vantagem processual e material para o réu.

Assinalamos ainda uma outra vantagem do sistema de videoconferência: a maior amplitude e efetividade do princípio da publicidade, previsto no artigo 5º, LX, e no artigo 93, IX, da CF.

Quando os atos processuais (interrogatório e audiências) são realizados por videoconferência aberta, um número virtualmente infinito de pessoas pode tomar conhecimento do processo penal, inclusive pela Internet, assegurando-se deste modo o princípio da publicidade geral e o controle social sobre os atos do Poder Judiciário, ampliando-se o acesso à informação.

A potencialização do princípio da publicidade é considerável, porquanto pessoas as mais diversas (inclusive vítimas e seus familiares), mesmo não estando no distrito da culpa, podem assistir aos atos processuais. Esta preocupação com o direito à informação é cada vez maior na sociedade.

Não é à-toa que o Supremo Tribunal Federal pôs no ar em setembro de 2002 a TV Justiça, destinada a se juntar às TV Câmara e TV Senado na tarefa de levar aos cidadãos informações precisas e atualizadas sobre os Poderes Legislativo e Judiciário, inclusive mediante a transmissão de sessões de julgamento ao vivo, via satélite ou por cabo.

Em se adotando o sistema de teledepoimentos, familiares dos acusados poderão acompanhar as audiências e os eventos do processo a que respondam seus entes, sem necessidade de deslocamento, feitos às vezes a grandes distâncias e com dispêndio de essenciais à própria mantença.

A própria idéia processual de publicidade especial (aquela assegurada às partes e aos seus defensores) é privilegiada com o sistema de videoconferência, levando-se em consideração que o réu, preso ou solto, poderá acompanhar as sessões de julgamento perante tribunais e toda e qualquer audiência judicial, mesmo aquelas em que sua presença for recusada, por conduta inconveniente ou para assegurar o bem-estar de testemunhas e vítimas.

A videoconferência criminal pelo mundo

Nos últimos cinco anos, vários países inseriram em suas legislações dispositivos que permitem a utilização de sistemas de videoconferência para a produção de provas judiciais, tanto em ações civis, como em ações penais.

Em grande parte, as previsões normativas dizem respeito à coleta de depoimentos de réus já condenados, que são interrogados à distância, com o uso de vídeo-links instalados nas dependências dos estabelecimentos prisionais, ou a utilização da teleconferência para a tomada de depoimentos de vítimas de crimes sexuais ou de vítimas e acusados sujeitos a medidas de proteção.

Nos Estados Unidos da América, tanto a legislação processual federal quanto as de muitos dos 50 estados-federados permitem a utilização de videoconferência em ações criminais.


Já a partir de 1983, passou-se a adotar o sistema de vídeo-links para a coleta de depoimentos de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, de modo a evitar o traumático confrontamento do ofendido, com o ofensor, numa sala de audiência. Um dos primeiros casos em que isto ocorreu foi sem dúvida o do terrorista apelidado de Unabomber.

De fato, em 1996, após ser preso no Estado de Montana, o professor Theodore Kaczynski, o Unabomber, foi levado para o Estado da Califórnia, onde responderia a várias acusações de terrorismo. Concomitantemente, foi aberta contra ele uma ação penal por um homicídio (4), ocorrido em 1994, em Newark, no Estado de Nova Jersey, do lado oposto do país.

Como é de se imaginar, o transporte desse réu, de um extremo a outro do continente norte-americano, exigiria a mobilização de uma expressiva soma de recursos e de um elevado contingente de US Marshals (5). Em virtude de tais dificuldades e do risco que o deslocamento representava, optou-se pela realização da audiência criminal, por meio de videoconferência, de costa a costa (6).

No Reino Unido, desde 2003, a Lei Geral sobre Cooperação Internacional em Matéria Penal (7), ampliou as hipóteses de coleta de provas por via remota, já previstas no artigo 32 da Lei de Justiça Criminal (Criminal Justice Act), de 1998, e no artigo 273 da Lei Processual Penal da Escócia (Criminal Procedure Scotland Act), de 1995 (8).

A nova regulamentação, mais abrangente, está nos artigos (sections) 29, 30 e 31 da Lei Geral de Cooperação Internacional em Matéria Penal e permite que testemunhas na Inglaterra, na Escócia, na Irlanda do Norte ou no País de Gales sejam ouvidas por áudio e videoconferência, por autoridades de outros países, e vice-versa.

Na Espanha, a Lei de Proteção a Testemunhas (Ley de Protección a Testigos), a Lei Orgânica do Poder Judiciário (Ley Orgánica del Poder Judicial) e o Código de Processo Penal (Ley de Enjuiciamiento Criminal), permitem a tomada de depoimentos por videoconferência na jurisdição criminal, especialmente para garantir que vítimas protegidas não sejam vistas e/ou ameaçadas pelos acusados.

As alterações introduzidas na legislação espanhola para permitir a teleaudiência criminal decorreram da Lei Orgânica n. 13, de 24 de outubro de 2003, publicada no Boletín Oficial del Estado em 27 de outubro do mesmo ano. Este diploma reformou a Ley de Enjuiciamiento Criminal em matéria de prisão cautelar e introduziu a regulamentação do uso da videoconferência, reformando para este fim a Ley Orgánica del Poder Judicial, ao incorporar um novo parágrafo 3º, ao artigo 229 dessa norma (Lei Orgânica nº 6, de 1º de julho de 1985).

Pela legislação processual penal ibérica, o juiz criminal, considerando razões de ordem pública, segurança ou utilidade, pode lançar mão do sistema de videoconferência para a inquirição de acusados, testemunhas e peritos.

Na França, o artigo 706-71 do Código de Processo Penal (Code de Procedure Penale), introduzido pela Lei n. 1062, de 15 de novembro de 2001, dispõe sobre a utilização de meios de telecomunicação no curso do procedimento criminal, para a coleta de depoimentos de testemunhas, o interrogatório de acusados, a acareação de pessoas e a concretização de medidas de cooperação internacional.

No âmbito das Organizações das Nações Unidas (ONU), não há dúvida dos benefícios que a adoção do sistema de videoconferência pode trazer para a produção de provas processuais penais em todo o mundo, especialmente para o combate à criminalidade transnacional.

A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de dezembro de 2003 (Convenção de Mérida), prevê a utilização da videoconferência para tomada de depoimentos de réus colaboradores, testemunhas e vítimas. De fato, nos artigos 32, §2º, e 46, §18, da Convenção de Mérida, há previsão expressa do uso de videoconferência para coleta de depoimentos de réus colaboradores, vítimas, testemunhas e peritos, assim como para a produção de prova processual penal, em procedimentos de cooperação jurídica internacional.

Outro tratado internacional recente, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), que entrou em vigor em setembro de 2003, já previa a utilização de videoconferência em hipóteses semelhantes. É o caso do artigo 24, §2º, ‘b’.

Na União Européia, o Tratado de Assistência Judicial em Matéria Penal (9), assinado em Bruxelas em 29 de maio de 2000, autoriza a realização de audiências criminais para a ouvida de réus (mediante seu consentimento), testemunhas e peritos por sistemas de comunicação audiovisual à distância. A convenção aplica-se no espaço jurídico europeu, que hoje congrega vinte e cinco Estados-membros.

O artigo 10 dessa convenção dispõe sobre o tema (10). O Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia, com sede em Haia, na Holanda, desde sua instalação vem admitindo a oitiva de testemunhas e peritos por videoconferência. Tal se deu no julgamento do bósnio de origem sérvia, Dusko Tadic.


O vídeo-link para ouvida de oito testemunhas da defesa transmitiu os depoimentos a partir de Banja Luka, na Bósnia, de 15 a 18 de outubro de 2002. A inquirição foi realizada pelo advogado Michail Wladimiroff e pelos promotores Grant Niemann e Brenda Hollis (11). Anteriormente, o sistema havia sido utilizado no mesmo caso.

Teleaudiência no Brasil

Embora ainda não haja previsão expressa de tal possibilidade no Código de Processo Penal, lei da década de 1940, o nosso ordenamento já prevê hipóteses de utilização do sistema, tanto no nível infralegal (como é o caso das resoluções e portarias de tribunais), quanto no nível legal.

Exemplo desta última espécie é o Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004 (12), que introduziu no Brasil a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo (13).

O artigo 18, §18, e o artigo 24, §2º, alínea ‘b’, desse tratado instituem o uso de videoconferência, entre outras medidas destinas à proteção de testemunhas e a facilitar a cooperação internacional para combate à criminalidade organizada.

Observe-se que, embora se trate de norma de caráter internacional, após a aprovação congressual e a expedição do decreto presidencial, ocorre o fenômeno da integração normativa no plano doméstico, passando a norma convencional a valer como lei federal ordinária no Brasil.

Assim, no campo internacional, o Estado brasileiro se obrigou a instituir legislação nacional que permita às testemunhas e peritos depor “com recurso a meios técnicos de comunicação, como ligações de vídeo ou outros meios adequados”.

Daí concluir-se que, para se desincumbir da obrigação que contraiu no plano externo, a União deverá legislar sobre a matéria, introduzindo o sistema de teleaudiência criminal no processo penal brasileiro, de modo a propiciar a inteira execução da Convenção de Palermo.

Malgrado a forte oposição principalmente de associações de advogados, são inúmeras as experiências, Brasil a fora, de utilização válida e regular de sistemas de teleconferência no processo criminal.

O Tribunal de Justiça da Paraíba já pôs em funcionamento nas Varas das Execuções Penais de João Pessoa um sistema de teledepoimentos. O link entre as varas e a Penitenciária do Roger permite aos juízes das execuções realizar o interrogatório de condenados, por meio de videoconferência.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, um dos mais progressistas do País, regulamentou o interrogatório de réus por videoconferência, por meio do Provimento nº 5, de 20 de junho de 2003, expedido pela Corregedoria-Geral. O procedimento foi previsto no artigo 276.

O TRF da 4ª Região também tem realizado sessões por meio de videoconferência. As duas turmas criminais do tribunal, a 7ª e a 8ª, já se reuniram desta forma, em sessão conjunta. A primeira sessão virtual do TRF-4 ocorreu em 16 de outubro de 2003, sob a presidência da desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler, com a presença da procuradora regional da República Carla Veríssimo de Carli, representando o Ministério Público Federal.

Outra experiência bem sucedida na região Sul do Brasil, tem sido a de utilização de videoconferência nas sustentações orais perante as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais e na Turma de Uniformização de Jurisprudência (TUJ).

A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (TUJ Nacional), que funciona junto ao Conselho da Justiça Federal, em Brasília, também pode realizar sessões virtuais, assegurando-se o princípio da ampla publicidade.

Cada um dos membros da Turma pode participar das reuniões sem necessidade de deslocamento, permitindo-se também a realização de sustentações orais a partir das sedes dos Tribunais Regionais Federais em cinco capitais do Brasil. A matéria está regulada nos arts. 3º e 25 da Resolução n. 330, de 5 de setembro de 2003, do Conselho da Justiça Federal, órgão com sede em Brasília.

Todas essas medidas foram implementadas graças à previsão do arts. 8º, §2º, e 14, §3º, da Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Federais.

Destarte, observa-se que, mesmo não havendo ainda lei federal dispondo sobre o tema, são cada vez mais freqüentes e disseminados os casos de adoção do sistema de videoconferência para a produção de provas criminais, ainda antes da aprovação de uma lei processual específica.

Em levantamento realizado em 2004, havia oito iniciativas legislativas tramitando no Poder Legislativo federal a respeito do tema. A principal delas é o projeto nº 1.233/99, do deputado Luiz Antônio Fleury, que possibilita o interrogatório e a audiência a distância, por meios telemáticos.

A principal modificação proposta pelo projeto Fleury visa ao artigo 185 do CPP, cujo parágrafo único poderá passar a dispor que “Se o acusado estiver preso, o interrogatório e audiência poderão ser feitos a distancia, por meio telemático que forneça som e imagem ao vivo, bem como um canal reservado de comunicação entre o réu e seu defensor ou curador”.


Vida efêmera teve o artigo 6º da Medida Provisória n. 28, de 4 de fevereiro de 2002, que dispunha sobre normas gerais de direito penitenciário e dava outras providências. Esse diploma previa o uso de videoconferência no sistema prisional. Todavia, essa medida foi rejeitada pela Câmara dos Deputados em 17 de abril de 2002, em função do obstáculo formal previsto no artigo 62, §1º, inciso I, ‘b’, da CF, que proíbe a edição de medidas provisórias sobre direito penal e processual penal.

Otimização

A experiência internacional demonstra e a lógica evidencia: a adoção do sistema de videoconferência para a coleta de provas durante a instrução criminal otimiza e acelera a prestação jurisdicional, pela eliminação da expedição de cartas precatórias, cartas de ordem e cartas rogatórias, além de beneficiar o erário público, poupando recursos hoje despendidos com atividades de escolta e transporte de presos.

A videoconferência é um instrumento, e não o objeto da prova processual penal. Ou seja, o juízo obterá a prova testemunhal ou pericial através do sistema audiovisual. A teleconferência tem assim natureza auxiliar, não constituindo meio de prova, salvo quando ocorra gravação do evento, para utilização posterior na própria ação penal ou na fase recursal, como prova para memória futura.

Embora haja certas desvantagens no procedimento, como a possibilidade de interrupções da transmissão por falhas técnicas e a perda de contato físico (14) entre os sujeitos processuais, é preciso perceber que os mecanismos tecnológicos permitem grande grau de detalhe nas transmissões.

Pequenas reações corporais e faciais e tênues variações da voz podem ser captadas e transmitidas pelas mídias mais modernas. Não há assim razão para temer a impossibilidade de feedback entre o juiz e o interrogado, nos sistemas de videoconferência, cujas vantagens são predominantes, pois:

– evita deslocamentos de réus, peritos, testemunhas e vítimas a grandes distâncias, com economia de tempo e recursos materiais; –

– evita o cancelamento de audiências em função de características particulares (pessoais e profissionais) das testemunhas, como enfermidades;

– aumenta a segurança pública, diminuindo o risco de fugas e de resgate de presos perigosos;

– economiza recursos públicos hoje empregados na escolta e no transporte de presos;

– permite que policiais civis, militares e federais e também agentes penitenciários atuem em outras missões de segurança pública e de investigação, sem perda de tempo útil em escoltas;

– acelera a tramitação dos feitos judiciais, eliminando cartas precatórias, cartas rogatórias e cartas de ordem;

– poupa o trabalho de juízes deprecados e rogados e de seus auxiliares;

– facilita a obtenção de prova em tratados de cooperação internacional;

– propicia contato direto das partes e dos advogados com a prova que seria produzida por precatória, por rogatória ou por carta de ordem;

– privilegia os princípios do juiz natural e do promotor natural e o princípio da imediação;

– aproxima o processo penal do princípio da identidade física do juiz, porquanto podem ser preservadas provas para memória futura a serem utilizadas pelo juiz processante, qualquer que seja ele;

– favorece o contato direto do réu (preso ou solto) com o seu juiz, em situações em que isto dificilmente ocorreria;

– contribui para facilitar a tomada de depoimentos de vítimas de crimes violentos e de vítimas, testemunhas e réus colaboradores, impedindo o confrontamento destes com os acusados;

– incrementa o princípio da publicidade geral, permitindo o acesso aos atos judiciais a qualquer do povo, pela Internet ou por outro sistema;

– otimiza o tempo de advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público;

– evita prejuízos para a acusação e a defesa, no processo penal, quando da coleta de depoimentos por precatória, quando os atos são acompanhados por membros do Ministério Público designados e por defensores ad hoc, que pouco sabem sobre detalhes do feito e as estratégias e teses do caso concreto;

– poupa recursos de réus, evitando gastos com diárias e viagens de seus defensores.

Os sistemas de zoom das câmeras mais modernas permitem tal grau de aproximação do objeto focado, que é possível identificar gestos e expressões fisionômicas do acusado ou da testemunha, que não seriam perceptíveis a olho nu.

Enfim, se uma só vantagem bastasse, poderíamos frisar que o sistema de teleaudiência, além de não prejudicar nenhum direito do réu, facilita a vida de juízes, advogados, membros do Ministério Público, vítimas, testemunhas e peritos e mesmo de acusados que não residam no foro onde deverá ocorrer o ato de instrução processual, redundando em economia de recursos financeiros, públicos e privados.


É falsa a idéia de que a audiência criminal por vídeo-link prejudica o direito à ampla defesa. Quando utilizado corretamente e com os equipamentos mais avançados, o sistema de videoconferência contribui para preservar o princípio da imediação e em alguns casos representa a única possibilidade viável de “comparecimento” (presença eletrônica) do acusado perante o seu julgador.

Desde que se assegure a fluência dos quadros de vídeo; a nitidez das imagens com possibilidade de zoom; o uso de telas amplas de alta definição; a clareza do áudio; o sincronismo áudio-vídeo, de modo a impedir delays, interrupções ou perda de dados; o controle da câmera remota pelo magistrado; um canal reservado de voz para a defesa; scanner e impressora em rede para a transmissão de documentos, entre outros equipamentos, não há razão para temer a videoconferência criminal.

O conteúdo transmitido pela rede pode ser acessado por qualquer pessoa, garantindo a publicidade do ato judicial. Possibilita-se a gravação dos eventos para memória futura, com uso processual na própria instância ou no grau recursal, ou em exibições em plenário do júri, tudo de modo a predominância do interesse público e da verdade real, com pleno respeito às garantias individuais no processo penal.

Existem inúmeras formas de minorar ou mesmo eliminar completamente os problemas do interrogatório remoto. Em primeiro lugar, o acompanhamento por advogado ou defensor público e por um oficial de justiça, tanto na companhia física do acusado quanto ao lado do juiz, é um fator que minora sobremaneira muitas das objeções listadas.

Depois, é preciso contar com o papel de custos legis do Ministério Público, que não é instituição de acusação, mas sim de promoção da justiça, cabendo-lhe velar pelos direitos individuais indisponíveis do réu, relativos ao processo penal.

Veja-se ainda que os interrogatórios podem realizar-se em salas especiais das penitenciárias, com acesso controlado, como em qualquer audiência judicial. Por fim, as razões de segurança, economia de recursos e rapidez dos procedimentos são importantes e devem ser consideradas.

Demais disso, as experiências do direito comparado precisam ser examinadas. Em quase todas as nações da União Européia, há possibilidade de ouvida de testemunhas e peritos à distância, mesmo quando estes encontrem-se noutros países.

Esta providência elimina a utilização das burocráticas cartas rogatórias, contribuindo para uma justiça mais rápida, preocupação sempre presente nas lições doutrinárias e nos acórdãos dos tribunais.

Toda essa polêmica cessará quando o legislador federal dispuser plenamente sobre a matéria, na esteira do que já está normatizado no Decreto nº 5.0515/2004, de modo a regulamentar o uso da videoconferência para a realização de teleinterrogatórios, teledepoimentos, telerreconhecimentos, telecomparecimentos, telessustentações e telessessões, tanto pelo Judiciário, quanto pelo Ministério Público e pela Polícia.

Enquanto legislação não vem, cabe aos tribunais brasileiros, preenchendo as lacunas do sistema, fazer o direito progredir, sem prejuízo dos direitos e garantias individuais. É o que vem ocorrendo.

Mediante uma interpretação sistemática da Constituição Federal, do Código de Processo Penal (15), da Lei nº 10.259/2001, do Decreto n. 5.015/2004 e de resoluções tribunalícias, entendemos que é possível a utilização ampla, no processo penal brasileiro, de instrumentos de videoconferência.

Recentes decisões de tribunais nacionais têm afirmado a validade de teleinterrogatórios e teledepoimentos realizados em várias partes do País. A posição que tem predominado, sem dúvida, é a que admite o procedimento tecnológico, dentro de critérios de razoabilidade e de ponderação de interesses, sempre assegurando-se os direitos à ampla defesa e ao contraditório.

Como quer que seja, no atual momento normativo, é mais prudente que o juiz processante opte pela anuência em lugar do império. Se houver consenso prévio, o ato judicial remoto poderá se realizado pelo juiz, sem qualquer risco processual. Não havendo prejuízo ao réu ou qualquer outra nulidade circunstancial, o teleinterrogatório será válido.

Ainda que não haja concordância prévia do réu em ser assim interrogado, o ato será legítimo, se não houver irresignação posterior pela defesa, que logre demonstrar a existência de gravame ou o não atendimento da finalidade do ato.

Como se vê, a partir de uma simples palavra, “presença”, e do singelo verbo “comparecer”, os juristas conseguem construir todo um edifício de polêmicas e querelas. A interconexão das pessoas, facilitada pela convergência tecnológica e pela telemática, não encontra igual na história da humanidade.

O ciberespaço é um conceito inteiramente novo que traduz uma realidade inimaginável há pouco mais de cinqüenta anos, mesmo para visionários como William Gibson ou Isaac Asimov. É hora de rever conceitos e assimilar as novas situações propiciadas pelas tecnologias da informação. Interagir, mesmo à distância, é a regra na sociedade cibernética.

“Estar presente” hoje não significa apenas estar no mesmo ambiente físico. Há algo mais num panorama em que as linhas do horizonte a cada dia mais se ampliam. A presença virtual é também um “estar aqui” real. O ciberespaço permeia todos os ambientes do planeta onde exista um computador, um telefone celular, um pager ou um equipamento eletrônico de comunicação. Afinal, como ensinou o inigualável Albert Einstein, os conceitos de tempo e espaço são relativos. No mundo cibernético, “estar aqui” é também “estar aí” e “estar lá”.

Enfim, é hora de olhar para frente e não repetir erros do passado. Registra a crônica forense a polêmica que se deu nos anos 1920, quando começaram a ser adquiridas as primeiras máquinas datilográficas para uso judicial no Brasil.

Conta-se que alguns juristas de então eram contrários a esses singelos aparelhos de escrever, que hoje caíram em desuso. Os doutores da época, ciosos de princípios jurídicos só por eles vislumbrados, alertavam para o risco da redação de sentenças com máquinas deste tipo, porque, alegavam, com elas não havia segurança da autoria dos atos judiciais. Felizmente, ninguém deu ouvidos a esses senhores da lei e hoje já podemos usar computadores…

Notas de rodapé

(1) Direitos que caracterizam o contraditório.

(2) A defesa alegou a ocorrência de nulidade, por violação ao contraditório, devido processo legal e ampla defesa, no interrogatório do réu, tomado por videonconferência em 22 de maio de 2003. O habeas corpus n. 428.580-3/8-00, impetrado perante o TJ/SP foi negado pela 1ª Câmara Criminal, e adveio o RHC ao STJ, também não concedido.

(3) Aliás, este dispositivo revela que o comparecimento pessoal do réu não é sempre obrigatório, podendo ele fazer-se substituir por advogado constituído.

(4) US vs. Theodore John Kaczynski, ação por violação aos artigos 844, 924 e 1716, do título 18 do US Code, perante Corte Federal do Distrito de Nova Jersey.

(5) Agentes federais encarregados da escolta e captura de presos, entre outras atividades. Criada em 1789, o US Marshals Service é a agência criminal mais antiga dos EUA. Fonte: http://www.usdoj.gov/marshals.

(6) Fonte: www.courttv.com

(7) Crime (International Co-operation) Act 2003, Chapter 3.

(8) www.legislation.hmso.gov.uk/acts/acts2003/20030032.htm

(9) Denominada em Portugal como “Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Européia”.

(10) http://www.gddc.pt/cooperacao/materia-penal/textos-mpenal/ue/rar63_2001.html

(11) Fonte: www.courttv.com

(12) O decreto que introduz tratado internacional é integrado no Brasil como lei federal.

(13) Embora tenha sido adotada em Nova Iorque, em 15 de dezembro de 2000.

(14) Mas não do contato audiovisual.

(15) Especialmente, o art.3º do CPP.

Autores

  • Brave

    é procurador da República no Paraná, ex-promotor de Justiça na Bahia, professor de processo penal na UEFS e mestre em Direito Público pela UFPE.

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