Cofres públicos

Presidente do TRT do Amazonas é acusada de improbidade

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28 de setembro de 2004, 13h35

A presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (Amazonas e Roraima), Solange Maria Santiago Moraes, que também acumula o cargo de corregedora-geral, trabalhou apenas 31 dias úteis entre março e agosto do ano passado. As faltas ao trabalho foram preenchidas com viagens, que subtraíram R$ 223 mil dos cofres do TRT contra R$ 75,4 mil em 2002. E, com as viagens, cresceram as despesas com diárias, que passaram de R$ 76,7 mil, em 2002, para R$ 193,6 mil no ano passado.

A farta despesa com viagens e diárias, bem como o absenteísmo no trabalho praticado pela magistrada foram apontados pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) ao procurador-geral do Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado, que acatou a representação e requereu, na sexta-feira (24/9), ao presidente do Tribunal a apuração imediata dos fatos.

Na sua representação (veja íntegra abaixo), o presidente da Anamatra, Grijalbo Coutinho, lembra que a juíza viajou para Florianópolis, no início de setembro de 2002, acompanhada por 10 assessores, cada qual recebendo cinco diárias e meia, além de seus vencimentos normais. Em outra oportunidade, já em maio deste ano, Solange Moraes, seguiu para Maceió, entre 11 e 16 de maio, acompanhada por 15 assessores, todos eles percebendo diárias de viagem, além dos vencimentos normais.

Grijalbo Coutinho aponta ainda gastos excessivos da magistrada com autorizações concedidas a juízes para participarem de cursos da Escola Superior de Guerra, com todas despesas pagas e recebendo também diárias de viagem. Todos esses dados foram coletados pela Anamatra nos boletins mensais internos do TRT, cuja edição foi suspensa pela presidente em junho passado. As faltas de Solange ao trabalho, por exemplo, foram contabilizadas a partir dos períodos de viagem da presidente registrados nos boletins.

Em sua manifestação dirigida ao presidente do TCU (veja íntegra abaixo), o procurador-geral, Lucas Furtado, considera altamente “graves” os fatos denunciados e comenta: “Ainda que se admita afastada a violação ao princípio da legalidade estrita, resta inconteste, no caso em tela, a inobservância dos princípios da moralidade, da razoabilidade, da eficiência e da economicidade, que devem igualmente nortear a gestão dos administradores públicos”.

Lucas Furtado continua lembrando que “a moralidade constitui pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública, não podendo o agente público, ao atuar, desprezar o elemento ético de sua conduta”.

Assim, acrescenta, “não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, mas também deve conhecer as fronteiras do justo e do injusto, do conveniente e do inconveniente, do oportuno e do inoportuno”. O procurador conclui solicitando a adoção de providências, o ressarcimento dos valores recebidos de má-fé e a interrupção imediata dos pagamentos que estejam sendo feitos indevidamente.

A revista Consultor Jurídico tentou falar com a juíza através

da chefia de gabinete. Até o momento não obteve retorno.

Leia as íntegras das representações de Lucas Furtado e da Anamatra

Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente do Tribunal de Contas da União

Com fundamento no art. 81, inciso I, da Lei n.º 8.443/92, e no art. 237, inciso VII, do Regimento Interno/TCU, o Ministério Público junto ao TCU formula

REPRESENTAÇÃO

em razão do teor da documentação anexa, por intermédio da qual vem a ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho dar ciência de eventuais irregularidades perpetradas pela Juíza-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, especificamente no ano de 2003, consistentes em “gastos excessivos com diárias e viagens por parte da própria Juíza, sempre acompanhada de um grande grupo de assessores.”

As irregularidades teriam sido, inclusive, objeto de verificação junto ao SIAFI, constatando-se, quanto ao exercício de 2003, aumento de mais de 100% em relação às despesas com diárias efetivadas no exercício anterior. Segundo a ANAMATRA, “em 2002 gastou-se R$ 76.734,44, em 2003 gastou-se R$ 193.659,07”. No que concerne às passagens aéreas, o incremento de gastos também fora exorbitante, haja vista que “em 2002 gastou-se R$ 75.472,03 e em 2003 gastou-se R$ 222.640,12”. De maior gravidade teria sido a inexistência, no período em tela, de “fato extraordinário para justificar tal utilização imoderada de recursos públicos.”

Com vistas a ressaltar a falta de razoabilidade nas despesas suso mencionadas, apresenta a ANAMATRA quadro elucidativo de viagens realizadas pela Juíza-Presidente do TRT da 11ª Região, do qual se depreende que “no mês de março/2003, a Presidente trabalhou durante apenas 8 dias úteis, no mês de junho/2003, 3 dias úteis, no mês de agosto/2003, 5 dias úteis, no mês de outubro/2003, 7 dias úteis, também em abril/2003, 7 dias úteis e, finalmente, em maio/2003, trabalhou apenas 8 dias úteis”, isso em razão de suas viagens custeadas por aquele Tribunal.


Ainda da análise do quadro apresentado pela ANAMATRA, causa-nos espécie o fato de que na viagem empreendida para Florianópolis/SC, no período de 2 a 5 de setembro de 2003, a Juíza-Presidente fez-se acompanhar de nada menos do que 10 (dez) assessores, cada qual recebendo 5 e ½ diárias. E em viagem realizada para Maceió/AL, como destaca a ANAMATRA – e que também nos causou estranheza -, “a Presidente fez-se acompanhar de 15 assessores, sendo que 13 (treze) deles receberam 5 e ½ diárias e outros 2 (dois) receberam 9 e ½ diárias.”

Senhor Presidente, ainda que se admita afastada a violação ao princípio da legalidade estrita, resta inconteste, no caso em tela, a inobservância dos princípios da moralidade, da razoabilidade, da eficiência e da economicidade, que devem igualmente nortear a gestão dos administradores públicos.

O legislador, é cediço, não consegue prever e alcançar, especificamente, todos os casos concretos, podendo o agente público deparar-se com situações – não previstas objetivamente em lei – que venham a exigir solução interpretativa-integrativa, fundada no ordenamento jurídico considerado em sua totalidade. Na verdade, exige-se do administrador público a sensibilidade de aplicar a lei com a inquietação de buscar no ordenamento jurídico a interpretação sistêmica das normas, porquanto a restringir-se em dispositivo isolado, como se fosse o Direito ciência dos números, aumentada estará, significativamente, a possibilidade do desacerto.

Tem-se, assim, como pretensão básica a consecução do objetivo exegético delineado por Carlos Maximiliano, no sentido de que o Direito deve ser interpretado inteligentemente, “não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis.” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 166)

Em alguns casos, a pura e simples aplicação do positivismo legalista poderá significar menoscabo ao interesse público. Donde se conclui que os deveres do administrador público não são somente os expressos em lei, mas também os exigidos pelo interesse da coletividade e, via de conseqüência, os impostos pela moral administrativa.

Vale lembrar, por oportuno, que a moralidade constitui pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública, não podendo o agente público, ao atuar, desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim sendo, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, mas também deve conhecer as fronteiras do justo e do injusto, do conveniente e do inconveniente, do oportuno e do inoportuno. Nesse diapasão, está a Lei n.º 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, ao fazer alusão, em seu art. 2º, caput, à moralidade como sendo um dos princípios a que se obriga o administrador público.

No abalizado magistério de Maria Sylvia Zanella di Pietro (Direito Administrativo, 14ª ed. São Paulo, Editora Atlas, 2002, p. 79), “…sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras da boa administração, os princípios de justiça e de eqüidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa.”

Ao discorrer, ainda, acerca da competência do Poder Judiciário para examinar a moralidade dos atos administrativos, a referida administrativista deixa assente que “Não cabe ao magistrado substituir os valores morais do administrador público pelos seus próprios valores, desde que uns e outros sejam admissíveis como válidos dentro da sociedade; o que ele pode e deve invalidar são os atos que, pelos padrões do homem comum, atentam manifestamente contra a moralidade. Não é possível estabelecer regras objetivas para orientar a atitude do juiz. Normalmente, os atos imorais são acompanhados de grande clamor público, até hoje sem sensibilizar a Administração.” (Ob. cit., p. 211)

Quanto aos efeitos do ato eivado de imoralidade, a professora Maria Sylvia assim se manifesta: “Embora não se identifique com a legalidade (porque a lei pode ser imoral e a moral pode ultrapassar o âmbito da lei), a imoralidade administrativa produz efeitos jurídicos, porque acarreta a invalidade do ato, que pode ser decretada pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário.” (Ob. cit., p. 79)

Em artigo publicado na seção Direito e Justiça do Correio Braziliense de 16.12.2002, intitulado “A Ética nas Funções de Estado”, o Ministro Marco Aurélio, presidente do STF, perfilha a tese de que deve ser exigido daqueles que personificam o Estado postura compatível com o múnus público, o cumprimento e o respeito às leis, mas à luz da ética como norte fundamental das relações interpessoais. Por considerar oportuno ao caso ora em apreço, urge transcrever excerto do referido trabalho, verbis:


“Mais do que justificada, portanto, desponta a necessidade de se fortalecer, aprimorar e divulgar amplamente os padrões éticos que devem reger a prestação do serviço público, com o objetivo tanto de coibir infrações como de difundir uma mentalidade que, de tão absorvida, torne-se arraigada, um modo de proceder tão usual como a mais rotineira tarefa. O ideal seria a introjeção completa desses princípios éticos como uma forma inequívoca de proporcionar benefício comum à nação, tanto quanto todos aceitam ser indispensável a obediência às leis de trânsito como única possibilidade de ter-se veículos e pedestres pelas ruas. Não se trata de uma utopia. É questão de prioridade e determinação, para a qual inescusável vem a ser o empenho férreo, diligente, diuturno do Estado no intuito de estabelecer e difundir normas e procedimentos simples, claros e de fácil compreensão com vistas a firmar um padrão ético de conduta efetivo que vá ao encontro das expectativas da sociedade, atualmente eivada de crescente desconfiança em relação aos agentes públicos.” (grifamos)

Alguns doutrinadores consagrados apelam também para o princípio da razoabilidade para daí inferir que a valoração subjetiva da decisão a ser tomada no caso concreto tem que ser feita dentro do razoável, ou seja, em consonância com aquilo que, para o senso comum, seria aceitável perante a lei, intimamente associada, portanto, a um padrão ético. Reforça-se, aqui, a tese de que a lei não deve ser aplicada cegamente, cabendo ao intérprete aperfeiçoá-la ao senso comum.

Conforme nos ensina Lúcia Valle Figueiredo, “não se pode conceber a função administrativa, o regime jurídico administrativo, sem se inserir o princípio da razoabilidade. É por meio da razoabilidade das decisões tomadas que se poderão contrastar atos administrativos e verificar se estão dentro da moldura comportada pelo Direito.” (Curso de Direito Administrativo, p. 42)

Há determinados atos, como os que estão a motivar a presente Representação, que são manifestamente contrários ao interesse público. Não há sequer falar em discricionariedade, posto que não cabe ao administrador que não a conduta que seja conforme o interesse público tutelado pela lei. A liberdade concedida ao agente público muitas vezes se reduz diante do caso concreto, de maneira que em algumas situações os fatos permitem apenas uma solução compatível com o interesse público e a finalidade legal.

Nesse sentido, não serão apenas inconvenientes e inoportunas, mas também ilegítimas e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis, as decisões administrativas desarrazoadas, bizarras, praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento aos fins perseguidos pela lei.

No caso em comento, é evidente que a os gastos excessivos com diárias e passagens, autorizados pela Juíza-Presidente do TRT da 11ª Região, ofendem noções de moralidade e de razoabilidade, mormente quando se constata o exíguo tempo por ela efetivamente destinado mensalmente às suas atribuições na Presidência daquele órgão, consoante ressalta a ANAMATRA na documentação encaminhada ao Gabinete deste Procurador-Geral.

Compulsando, ainda, o rol dos princípios violados no âmbito daquele TRT, destacamos agora o da eficiência, introduzido pela Emenda Constitucional n.º 19/98 no elenco dos princípios balizadores da Administração Pública direta e indireta, modificando-se, assim, o teor do caput do art. 37 da nossa atual Carta Política. Cabe frisar que a Lei n.º 9.784/99 também faz alusão à eficiência no seu art. 2º, caput.

Hely Lopes Meirelles, por seu turno, faz referência à eficiência como um dos deveres da Administração Pública, conceituando tal princípio como “o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.” (Direito Administrativo Brasileiro, 20ª ed., São Paulo, Malheiros, 1995, p. 90).

Eficiência, aliás, diz respeito tanto à otimização dos recursos e meios disponíveis quanto à qualidade do agir final. Na concepção de Juarez Freitas (O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 1999, pp. 85-86), o administrador público está obrigado a agir tendo como parâmetro o melhor resultado para a Administração. Cuida-se, assim, da eficiência como qualidade da ação administrativa que obtém resultados satisfatórios ou excelentes, constituindo a obtenção de resultados inúteis ou insatisfatórios uma das formas de contravenção mais comuns ao princípio.


Intrínseco à noção de eficiência, impõe-se como um dos vetores essenciais da boa e regular gestão de recursos públicos o respeito ao princípio da economicidade, não obstante o princípio em tela não se encontrar formalmente entre aqueles constitucionalmente previstos para a Administração Pública (art. 37, caput).

Ricardo Lobo Torres, em artigo intitulado “O Tribunal de Contas e o controle da legalidade, economicidade e legitimidade” (Rio de Janeiro, Revista do TCE/RJ, n.º 22, jul/1991, pp. 37-44), afirma que “o conceito de economicidade, originário da linguagem dos economistas, corresponde, no discurso jurídico, ao de justiça”. Traduzida “na eficiência na gestão financeira e na execução orçamentária, consubstanciada na minimização de custos e gastos públicos e na maximização da receita e da arrecadação” (grifo nosso), a economicidade representa “sobretudo, a justa adequação e equilíbrio entre as duas vertentes das finanças públicas.”

Senhor Presidente, não é possível conceber a idéia da “minimização de custos e gastos públicos” quando se está diante de vultosas despesas com diárias e passagens perpetradas em um órgão público, envolvendo número exorbitante de assessores “convidados” pela Juíza-Presidente do TRT da 11ª Região em suas viagens.

II

Como se não bastassem esses vultosos gastos com diárias e passagens no âmbito do TRT da 11ª Região, há notícia ainda de gastos excessivos decorrentes de autorizações concedidas a Juízes para participação em eventos (cursos) promovidos pela ESG – Escola Superior de Guerra. Durante o afastamento da sua atividade jurisdicional, com duração média de 1 (um) ano, o magistrado teria recebido, além de seus vencimentos e vantagens, também diárias e ajuda de custo.

Com o escopo de verificar a legalidade da concessão de afastamentos a magistrados para participação em cursos oferecidos pela ESG, sem prejuízo de vencimentos e vantagens, e ainda com a percepção de ajuda de custo e diárias ao longo de todo o período do afastamento, a Presidência da ANAMATRA solicitou o pronunciamento da sua Diretoria de Direitos e Prerrogativas.

O parecer exarado pelo Dr. Rodnei Doreto Rodrigues, Diretor de Direitos e Prerrogativas da ANAMATRA, concluiu que os indigitados afastamentos, não obstante a existência de controvérsias acerca da conveniência e oportunidade da participação de magistrados nos cursos oferecidos pela ESG, vêm sendo autorizados pelos Tribunais. O ponto fulcral residiria, portanto, na existência de direito às diárias e à ajuda de custo decorrentes dos deslocamentos da sede.

Quanto ao tema, manifesta-se, conclusivamente, no sentido de que “o pagamento de ajuda de custo aos magistrados selecionados como estagiários da ESG é ilegal, por manifesta afronta ao disposto no art. 53 da Lei n. º 8.112/90”. E o pagamento de diárias, “a par de ilegal, por descompasso com o preceituado no art. 58 da Lei n.º 8.112/90, vulnera os princípios da eficiência e da razoabilidade e tende, vigorosamente, a ser ofensivo ao princípio da moralidade.”

Especificamente acerca da legalidade do afastamento para participação em cursos oferecidos pela ESG, a questão não está de todo pacificada, pois embora os Tribunais desfrutem de discricionariedade para a autorização dos afastamentos para “freqüência a cursos e seminários de aperfeiçoamento e estudos” (Loman, art. 73, I), receia-se possa estar havendo desvio de finalidade. Isso porque os cursos ministrados na ESG, envolvendo “estratégias de gestão, com ênfase em Defesa Nacional e nos interesses políticos e estratégicos do país”, não seriam diretamente voltados ao aperfeiçoamento do magistrado para a prestação jurisdicional.

No que diz respeito aos valores recebidos pelo magistrado quando do seu afastamento, é indubitável que a Loman, em seu art. 73, caput, assegura o direito aos vencimentos e vantagens (“Art. 73. Conceder-se-á afastamento ao magistrado, sem prejuízo de seus vencimentos e vantagens:(…)”.

Também é certo que a ajuda de custo e as diárias se inserem entre as vantagens a que os magistrados fazem jus (Loman, art. 65, I e IV). Há que se verificar, no entanto, se a situação em comento admite a percepção de tais vantagens. Para o deslinde da questão, urge trazer à colação o conteúdo dos arts. 53 e 58 da Lei n.º 8.112/90, diploma legal que se aplica subsidiariamente aos magistrados quando inexistir disciplinamento específico na Loman.

“Art. 53. A ajuda de custo destina-se a compensar as despesas de instalação do servidor que, no interesse do serviço, passar a ter exercício em nova sede, com mudança de domicílio em caráter permanente, vedado o duplo pagamento de indenização, a qualquer tempo, no caso de o cônjuge ou companheiro que detenha também a condição de servidor, vier a ter exercício na mesma sede.” (grifamos)


No caso específico dos afastamentos para cursos na ESG, não há falar em “interesse do serviço” – o curso atende aos interesses do magistrado enquanto cidadão, e não aos da instituição -, nem tampouco em “mudança de domicílio em caráter permanente”, já que o afastamento dá-se tão-somente pelo tempo necessário à conclusão do curso. Indevida, portanto, a percepção de ajuda de custo.

“Art. 58. O servidor que, a serviço, afastar-se da sede em caráter eventual ou transitório para outro ponto do território nacional ou para o exterior, fará jus a passagens e diárias destinadas a indenizar as parcelas de despesas extraordinárias com pousada, alimentação e locomoção urbana, conforme dispuser em regulamento.” (grifo nosso)

Resta incontroverso, pelas razões já aduzidas, que nos casos de afastamento para participação em cursos da ESG, não há falar em deslocamento “a serviço”. Por isso, e também ante a longevidade do evento (período de cerca de 1 ano), não caberia o pagamento de diárias.

III

O fato é grave, Senhor Presidente, e está a exigir a pronta atuação desta Corte de Contas, a quem compete, na condição de órgão orientador da gestão de finanças públicas, coibir a prática de atos lesivos ao erário.

Pelo exposto, este representante do Ministério Público junto ao TCU requer a Vossa Excelência a imediata apuração dos fatos ora delineados, com ênfase na verificação da legalidade dos gastos perpetrados pela Juíza-Presidente do TRT da 11ª Região, e, se for o caso, a adoção das providências necessárias à imediata interrupção dos pagamentos que estejam sendo feitos indevidamente, bem como ao ressarcimento dos valores recebidos de má fé, sem prejuízo das medidas corretivas adicionais que se fizerem necessárias.

Ministério Público, em 24 de setembro de 2004.

Lucas Rocha Furtado

Procurador-Geral

EXMO. SR. PROCURADOR GERAL DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO.

ANAMATRA – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CGC/MF sob o nº. 00536110/0001-72, representativa dos interesses dos magistrados da Justiça do Trabalho em âmbito nacional, sediada nesta capital federal, no SHS, Q. 6, bloco E, conjunto A, salas 604/607, Ed. Brasil XXI, Brasília – DF, CEP.: 70.316-000, vem, por seus advogados, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, comunicar a existência de fatos que podem ser considerados como ilícitos administrativos, para o fim de que esse órgão do Ministério Público Federal tome as providências legais que entender.

1. Apurou a Associação ora suplicante, ANAMATRA a existência de denúncias contra a Juíza Presidente e Corregedora do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região relativas à realização de gastos excessivos com diárias e viagens por parte da própria Juíza, sempre acompanhada de um grande grupo de assessores.

2. Especialmente esses fatos foram objeto de verificação junto ao SICAF onde se apurou um aumento de mais de 100% nos gastos com diárias (em 2002 gastou-se R$ 76.734,44, em 2003 gastou-se R$ 193.659,07) e passagens (em 2002 gastou-se R$ 75.472,03 e em 2003 gastou-se R$ 222.640,12), sem que no período tivesse ocorrido fato extraordinário para justificar tal utilização imoderada de recursos públicos.

3. Para melhor visualizar a falta de razoabilidade desses gastos, apresenta a Anamatra o incluso quadro elucidativo das viagens empreendidas pela Exma. Sra. Presidente e Corregedora do TRT da 11a. Região, destacando, mês a mês, as inúmeras viagens empreendidas pela magistrada até o mês de maio/2004.

4. Nesse quatro resta evidenciado que no mês de março/2003 a Presidente trabalhou durante apenas 8 dias úteis, no mês de junho/2003 3 dias úteis, no mês de agosto/2003, 5 dias úteis, no mês de outubro/2003, 7 dias úteis, também em abril/2003, 7 dias úteis e, finalmente, em maio/2003 trabalhou apenas 8 dias úteis, sempre em razão de suas viagens custeadas pelo Tribunal.

5. Na viagem empreendida para Florianópolis/SC, no período de 2 a 5 de setembro de 2003 a Presidente fez-se acompanhar de 10 assessores, cada qual recebendo 5 e ½ diárias.

6. Já na viagem empreendida para Maceió/AL, no período de 11 a 16 de maio de 2004, a Presidente fez-se acompanhar de 15 assessores, sendo que treze (13) deles receberam 5 e ½ diárias e outros dois (2) receberam 9 e ½ diárias.

9. Mas não é só. Os gastos excessivos da atual Presidente do TRT da 11a. Região também se verificam nas autorizações concedidas a Juízes para participar da ESG – Escola Superior de Guerra, “sem prejuízo de seus vencimentos e vantagens, inclusive diárias”.

10. Tais fatos foram objeto de percuciente parecer elaborado pelo Dr. Rodnei Doreto Rodrigues, Juiz do Trabalho membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas da ANAMATRA, cuja cópia instrui o presente pedido de instauração de procedimento de apuração de ilícito administrativo.

11. Em face do exposto, requer a suplicante que esse órgão do Ministério Público Federal, com competência para exercício de suas funções perante o Tribunal de Contas da União, verificando a ilegalidade das condutas anunciadas nesta petição, tome as providências cabíveis, para o fim de que o Tribunal de Contas da União examine a legalidade dos gastos realizados pela Juíza Presidente e Corregedora do TRT da 11ª Região.

12. Nestes termos, pede e espera deferimento.

Brasília, 21 de setembro de 2004.

ALBERTO PAVIE RIBEIRO

(OAB-DF, n. 12847)

ANA FRAZÃO

(OAB-DF, n. 7.077)

GRIJALBO FERNANDES COUTINHO

Presidente da ANAMATRA

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