Fraude na distribuição

STJ pode investigar fraude na distribuição de ações no Rio de Janeiro

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22 de setembro de 2004, 12h17

Na sua próxima sessão, marcada para 6 de outubro, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça deverá decidir se avoca para o STJ a investigação em torno das fraudes ocorridas na distribuição de processos no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A questão foi levantada em um Agravo Regimental interposto pelo advogado Paulo Ramalho, responsável pela defesa da ex-secretária do tribunal do Rio, Maria de Jesus Gasparini Lameira, que tinha protocolado uma Reclamação (nº 1.652) pedindo que o caso fosse analisado pela Corte Superior.

O relator da Reclamação, ministro Antônio de Pádua Ribeiro, que rejeitou o pedido para suspender liminarmente todas as investigações que vêm sendo feitas no Rio e avocar o caso para Brasília, não quis reconsiderar sua decisão. Ele, então, atendeu ao pedido do advogado e remeteu o Agravo para apreciação dos seus colegas na Corte Especial. O processo já se encontra “em mesa para julgamento”.

No Rio, em reunião realizada no início deste mês, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça, composto pelos 25 desembargadores mais antigos, decidiu arquivar por falta de provas as investigações administrativas contra os oito desembargadores citados no relatório da Comissão Especial que confirmou a existência da fraude na distribuição. Com isto, no TJ-RJ resta apenas um inquérito administrativo contra o único servidor de carreira envolvido no caso.

Ao negar prosseguimento à Reclamação, o ministro Pádua Ribeiro encampou os argumentos apresentados pela subprocuradora-geral da República, Maria das Mercês Gordilho Aras. Segundo o ministro, “no caso apenas foi instaurado contra a reclamante o inquérito policial, no qual são mencionadas pessoas que gozam de foro privilegiado. Tal fato, por si só, não tem o condão de atrair a competência desta Corte. Nesse sentido, já decidiu o colendo Supremo Tribunal Federal”.

Citando ainda o parecer da subprocuradora, ele insistiu que “não se logrou demonstrar a determinação de quebra de sigilo bancário e telefônico daqueles mesmos julgadores, nem a ocorrência de vício capaz de configurar afronta ao direito de defesa da indiciada, a quem falta, inclusive, interesse para suscitar questão acerca de eventual afronta a garantias de membros do Poder Judiciário”.

No Agravo Regimental, Paulo Ramalho contesta justamente a tese defendida pela subprocuradora e encampada pelo ministro relator de que não houve indiciamento de desembargadores no caso para que ele possa ser avocado para o STJ.

Diz o advogado no seu recurso: “De fato, não há, ‘até a presente data’ — para repetir a expressão do Ministério Público ou ‘até o momento’, expressão de Vossa Excelência — indiciamento de qualquer Desembargador. Não há e nem poderia haver, porque indiciamento de Desembargador só pode ser feito sob controle do Superior Tribunal de Justiça. Como referido na a petição de reiteração de pedido de liminar, que infelizmente, por questões burocráticas, só foi juntada aos autos após o despacho agravado ter sido lançado, para efeitos de fixar-se a competência dessa Colenda Corte, não se exige que o Delegado de Polícia indicie qualquer Desembargador — até porque não pode fazê-lo. Basta que teoricamente tal indiciamento seja (meramente) possível”.

Embasando sua tese, ele cita o exemplo da ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney, no Caso Lunus, ocorrido em 2002, quando o STJ, julgando situação absolutamente idêntica, decidiu avocar o caso. Em seguida, expõe: “ao negar seguimento à Reclamação, o despacho agravado colide com o precedente acima indicado, usando como razão de decidir a ausência de implemento de condição juridicamente impossível, qual seja, o indiciamento de Desembargador por Delegado de Polícia”.

Ramalho destaca ainda o que considera um erro cometido pela subprocuradora, e encampado pelo ministro, com relação à questão do pedido da quebra de sigilo bancário e telefônico dos desembargadores, rejeitada pelo juiz da 9ª Vara da Fazenda Pública do Rio.

Ele diz, no Agravo: “Em nenhum momento se afirmou na inicial que houvera quebra de sigilo bancário e telefônico de qualquer Desembargador. O que a inicial afirma é que houve pedido de afastamento de sigilo, que tramita pelo Juízo de Primeiro grau, agora em fase de recurso. A existência do pedido — mesmo que não deferido, até agora — é o quantum satis para justificar a competência desse Colendo Superior Tribunal de Justiça”.

Agora, a palavra final sobre o caso e, conseqüentemente, a possibilidade de os desembargadores serem investigados, está com a Corte Especial do STJ.

Leia a íntegra do Agravo Regimental e da decisão que rejeitou a Reclamação

EXMO. SR. MINISTRO RELATOR DA RECLAMAÇÃO Nº 1652, DA CORTE ESPECIAL DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

MARIA DE JESUS GASPARINI LAMEIRA, nos autos da Reclamação acima identificada, por seu advogado que ao final assina, não se conformando com o r. despacho de fls., que negou seguimento à Reclamação, vem à presença de V.Exa., com fundamento no art. 258 do Regimento Interno dessa Colenda Corte, manifestar o presente


AGRAVO REGIMENTAL

Pelas razões que a seguir serão deduzidas, requerendo ao final a reconsideração do r. despacho regimentalmente agravado ou, não havendo reconsideração, seja o feito apresentado em mesa.

Examinado-se a decisão percebe-se, data vênia, que Vossa Excelência equivocou-se no exame da situação fática, incorporando à decisão pronunciamento do Ministério Público Federal, involuntariamente, divorciado da realidade fática.

De fato, a douta Subprocuradoria-Geral da República, em parecer da lavra da Dra. Maria das Mercês C. Gordilho Aras, pronunciou-se pelo não conhecimento da Reclamação, incorrendo contudo, data vênia, em erro de avaliação.

Sustentou S.Exa. que;

“Tendo em vista a inexistência, até a presente data, de indiciamento formal de Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro por prática de condutas ilícitas versadas no presente feito, forçoso é reconhecer que não há qualquer ilegalidade a permear o indiciamento da ora Reclamante.”

(Do parecer de fls. )

O r. despacho agravado, na mesma linha do parecer, consignou:

“Não existindo até o momento o indiciamento formal de Desembargadores daquele Tribunal pela prática das condutas ilícitas noticiadas nos presentes autos, não há como entender seja esta Corte competente para o processamento do referido inquérito.”

Data vênia, o equívoco é manifesto.

De fato, não há, “até a presente data” – para repetir a expressão do Ministério Público ou “até o momento”, expressão de Vossa Excelência – indiciamento de qualquer Desembargador. Não há e nem poderia haver, porque indiciamento de Desembargador só pode ser feito sob controle do Superior Tribunal de Justiça.

Como referido na a petição de reiteração de pedido de liminar, que infelizmente, por questões burocráticas, só foi juntada aos autos após o r. despacho agravado ter sido lançado, para efeitos de fixar-se a competência dessa Colenda Corte, não se exige que o Delegado de Polícia indicie qualquer Desembargador – até porque não pode fazê-lo. Basta que teoricamente tal indiciamento seja (meramente) possível.

Nesse sentido, julgando situação absolutamente idêntica, envolvendo Governador de Estado, que não estava indiciado, e nem poderia, porque falece ao Delegado de Polícia atribuição legal para indiciar quem detenha foro especial por prerrogativa de função, já decidiu essa Colenda Corte Especial:

“Governador de Estado, Processo Criminal. Investigação. Competência do STJ. Aproveitamento dos atos realizados.

Verificado, no curso da investigação criminal, que os fatos apurados podem levar ao indiciamento da Governadora do Estado, com for privilegiado neste STJ para processo e julgamento por crimes comuns, os elementos de prova apurados devem ser enviados ao STJ para que, sob sua direção, prossiga a investigação, com aproveitamento do que até ali foi apurado.

Reclamação acolhida em parte.”

(Reclamação 1.127 – Corte Especial – Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR – ementa e inteiro teor do voto do Relator anexos à inicial)

Sem nenhuma dúvida, portanto, data venia, que ao negar seguimento à Reclamação, o r. despacho agravado colide com o precedente acima indicado, usando como razão de decidir a ausência de implemento de condição juridicamente impossível, qual seja, o indiciamento de Desembargador por Delegado de Polícia.

Num segundo ponto essencial, equivocou-se o parecer do Ministério Público Federal, adotado, em essência, pelo r. despacho ora agravado. Lançou-se na promoção:

“De mais a mais, não se logrou demonstrar a determinação de quebra de sigilo bancário e telefônico daqueles mesmos Julgadores…’”

(Do parecer, fls. ).

Esse entendimento do Parquet acabou integralmente adotado no r. despacho agravado, nos seguintes termos:

“Como salientado pelo Ministério Público Federal ‘…De mais a mais, não se logrou demonstrar a determinação de quebra de sigilo bancário e telefônico daqueles mesmos julgadores….”

Data vênia, em nenhum momento se afirmou na inicial que houvera quebra de sigilo bancário e telefônico de qualquer Desembargador. O que a inicial afirma é que houve pedido de afastamento de sigilo, que tramita pelo Juízo de Primeiro grau, agora em fase de recurso.

Relembre-se o texto da inicial:

“Nessa linha de comportamentos pouco usuais, destaca-se o fato de que o Ministério Público Estadual ajuizou ação cautelar em face de todos os funcionários do Tribunal que trabalhavam na distribuição e dos Desembargadores que receberam as distribuições ilegais, pretendendo o afastamento do sigilo bancário e telefônico de todos.

Essa medida cautelar, distribuída à 9a. Vara de Fazenda Pública do Estado, lá tombada sob o nº. 2004.001.075638-0 (printer da internet anexo – doc.7), foi julgada extinta sem julgamento de mérito, pendente, ainda, de eventual recurso, entre outros argumentos, o de envolver Desembargadores, que só podem ser investigados por esse Colendo Superior Tribunal de Justiça”


É isso o que está escrito – e comprovado! – na inicial. Existe um pedido de afastamento de sigilo, ainda não deferido, em curso na 9ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro, tombado sob o número 2004.001.075638-0.

A existência do pedido – mesmo que não deferido, até agora – é o quantum satis para justificar a competência desse Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Anote-se, por imprescindível, que aquela medida cautelar que pretendia – e ainda pretende – o afastamento do sigilo bancário e telefônico de alguns Desembargadores e vários funcionários, e entre estes, a ora Agravante, foi julgada extinta sem julgamento de mérito, tendo havido apelação, por parte do Ministério Público Estadual, sendo o apelo, tombado sob o nº 2004.001.22980, distribuído à Egrégia Sétima Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado (em anexo, printer da Internet)

De se ver, portanto, eminente Ministro relator, que se não admitida a presente Reclamação, inclusive com o deferimento da liminar requerida, anomalamente, dentro de poucos dias, ao julgar a apelação referida, estará a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado decidindo acerca de quebra do sigilo bancário e telefônico da Reclamante e de 08 Desembargadores, cujos nomes aparecem no printer anexo, destacados com marca-texto.

Data vênia, qualquer que seja a decisão, por óbvias razões, ela será manifestamente injurídica, porque usurpadora da competência desse Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Em face do exposto, requer a Vossa Excelência a reconsideração do r. despacho agravado ou, se mantido, seja o feito submetido à Colenda Corte Especial, requerendo e aguardando a Reclamante seja reformado o despacho agravado, dando-se seguimento à Reclamação, deferindo-se, inclusive, a liminar requerida.

Pede deferimento.

Rio de Janeiro, 01 de setembro de 2004.

PAULO ROBERTO ALVES RAMALHO

OAB/RJ 49.206

Reclamação

RECLAMAÇÃO Nº 1.652 – RJ (2004/0101568-0)

RELATOR : MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO

RECLAMANTE : MARIA DE JESUS GASPARINI LAMEIRA

ADVOGADO : PAULO ROBERTO ALVES RAMALHO E OUTRO

RECLAMADO : PRIMEIRA DELEGACIA DE POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO

EMENTA

Reclamação. Inquérito Policial. Inexistência de decisão judicial.

Instaurado inquérito policial contra a reclamante que não tem foro privilegiado, a menção ali de nomes de Desembargadores não tem o condão de atrair a competência desta Corte para o processamento do citado inquérito. É incabível a reclamação se não ocorre, no caso, usurpação da competência do Superior Tribunal de Justiça.

Reclamação a que se nega seguimento.

DECISÃO

Maria de Jesus Gasparini Lameira, com base nos arts. 11, X do Regimento Interno desta Corte e 13 e seguintes da Lei 8.038/90 ajuizou reclamação para fins de preservação da competência desta Corte.

Para tanto, alegou que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro constituiu Comissão Especial para apuração de denúncia de fraude na distribuição de processos no âmbito daquela Corte. Tendo a referida Comissão concluído pela evidente existência de fraude, foi oferecida notícia-crime ao Procurador-Geral de Justiça daquele Estado, para apuração do competente inquérito policial, a fim de elucidar-se a autoria e materialidade dos delitos eventualmente cometidos.

O Procurador-Geral de Justiça remeteu expediente à 1.ª Delegacia de Polícia naquela Capital, que abriu o Inquérito 124/04 indiciando a ora reclamante, funcionária daquele Tribunal, pela prática dos crimes capitulados nos arts. 313-A e 325, § 1.º e 2.º, todos do Código Penal.

Afirma que o relatório da Comissão Especial que apontara fraude na distribuição de vários processos foi encaminhado à mesma 1.ª Delegacia, não havendo notícia do destino que lhe deu o Delegado-Titular daquele Órgão.

Entende que as supostas fraudes na distribuição dos referidos processos, no âmbito do Tribunal de Justiça fluminense, envolviam diretamente os Desembargadores destinatários dessas distribuições irregulares. Assim, a investigação somente poderá ser conduzida perante este Superior Tribunal de Justiça.

Requer, como medida liminar que, verbis:

“a) sejam suspensos todos os procedimentos em curso na 1.ª Delegacia Policial, que tenham por objeto investigação em torno das supostas fraudes apontadas no relatório do Tribunal de Justiça (doc. 02, anexo), especialmente o inquérito policial nº 124/04 e outros do mesmo gênero;

b) seja suspenso o curso do processo n.º 2004.001.075638-0, em trâmite na 9.ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que tem por objeto medida cautelar de quebra de sigilo bancário e telefônico da requerente e dos


Desembargadores citados na investigação preliminar;” Distribuídos os autos durante as férias forenses, foram estes remetidos à douta Subprocuradoria-Geral da República, que se pronunciou pelo não conhecimento da reclamação.

O art. 13 da Lei 8.038/90 dispõe:

“Art. 13. Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público”.

O citado dispositivo pressupõe a existência de feito, no qual a competência desta Corte esteja sendo usurpada. No caso dos autos, segundo se infere da petição, apenas foi instaurado contra a reclamante o inquérito policial, no qual são mencionadas pessoas que gozam de foro privilegiado. Tal fato, por si só, não tem o condão de atrair a competência desta Corte.

Nesse sentido, já decidiu o colendo Supremo Tribunal Federal, como se pode ver das seguintes ementas: “DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECLAMAÇÃO CONTRA ATOS DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – C.P.I. DO FUTEBOL.

1. A Reclamação, de que cuidam os artigos 102, I, “I”, da C.F., 13 da Lei nº 8.038, de 28.05.1990 e 156 do R.I.S.T.F., pressupõe a existência de processo judicial, no qual um órgão do Poder Judiciário esteja usurpando competência do Supremo Tribunal Federal ou desrespeitando a autoridade de suas decisões.

2. Não é o caso de atos praticados por Comissão Parlamentar de Inquérito, sujeitos a outra forma de controle jurisdicional.

3. Questão de ordem, que se resolve com o não conhecimento da Reclamação.

4. Plenário. Decisão unânime.” (Rcl 2066 QO-RJ, Rel. Ministro Sydney Sanches, DJ de 27/9/2002) “Reclamação. Negativa de seguimento. Agravo regimental. Art. 102, I, b da Constituição Federal. Foro privilegiado. A simples menção de nomes de parlamentares, por pessoas que estão sendo investigadas em inquérito policial, não tem o condão de ensejar a competência do Supremo Tribunal Federal par o processamento do inquérito, à revelia dos pressupostos necessários para tanto dispostos no art. 102, I, b da Constituição.

Agravo regimental improvido.” (AgReg na Rcl 2101-DF, Rel. Ministra Ellen Gracie, DJ de 20/9/2002) Não existindo até o momento o indiciamento formal de Desembargadores daquele Tribunal pela prática das condutas ilícitas noticiadas nos presentes autos, não há como entender seja esta Corte competente para o processamento do referido inquérito.

Como salientado pelo Ministério Público Federal “… De mais a mais, não se logrou demonstrar a determinação de quebra de sigilo bancário e telefônico daqueles mesmos Julgadores, nem a ocorrência de vício capaz de configurar afronta ao direito de defesa da indiciada, a quem falta, inclusive, interesse para suscitar questão acerca de eventual afronta a garantias de membros do Poder Judiciário”.

Ante o exposto, com base no art. 557 do CPC e do art. 34, XVIII do Regimento Interno desta Corte, nego seguimento à presente reclamação.

Brasília, 10 de agosto de 2004.

Ministro Antônio de Pádua Ribeiro

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