Saúde pública

Procurador quer garantir tratamento para portadores de Hepatite C

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22 de setembro de 2004, 19h00

A Procuradoria da República ingressou, nesta quarta-feira (22/9), com Ação Civil Pública para garantir tratamento gratuito aos pacientes de Hepatite C crônica sem que precisem ingressar com ação judicial.

Caso a ação seja julgada procedente, o MPF quer que a decisão seja extensiva a todos os cidadãos catarinenses, usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Pede que seja aplicada multa diária de R$ 5 mil em caso de descumprimento da determinação.

Segundo o procurador da República em Santa Catarina, Carlos Augusto de Amorim Dutra, autor da ação, a exigência do MPF quer fazer valer a Constituição Federal, a Lei 8.080/90 e a Norma Operacional da Assistência à Saúde — NOAS/SUS 01/2002.

Em junho deste ano, a mulher de um portador da doença ingressou com representação no MPF depois que seu marido foi informado por funcionários da Policlínica Regional do SUS de que precisaria propor ação judicial para obter o medicamento.

Amorim Dutra protocolou a ação com pedido de liminar por considerar a situação urgente, já que o portador está com dificuldades de locomoção e necessita do tratamento determinado pelo médico o mais rápido possível.

A ação foi proposta contra a União, o estado de Santa Catarina e o município de Florianópolis, que, de forma solidária, deverão providenciar o fornecimento gratuito e ininterrupto dos medicamentos, tanto ao paciente em questão quanto a todos os que, no curso da ação, comprovarem a necessidade do uso dos remédios.

Leia a íntegra da ação

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz da Vara Federal

Subseção Judiciária de Florianópolis

Seção Judiciária de Santa Catarina

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador da República infra assinado, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro nos arts. 127 e 129, incisos II e III, da Constituição Federal; bem como nos dispositivos pertinentes da Lei n° 7.347/85 e da Lei Complementar n° 75/93, vem perante Vossa Excelência propor:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

em desfavor da

UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno, com sede nesta Capital, na Praça Pereira Oliveira, nº 35, Ed. INAMPS 7º, 8º e 9º andares, Centro, CEP 88010-540, Florianópolis/SC, podendo ser citado na pessoa do Procurador-Chefe da Advocacia da União em Santa Catarina, Doutor Emedi Camilo Vizzotto;

ESTADO DE SANTA CATARINA, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Avenida Prefeito Osmar Cunha, 220, Edifício Bancário J.J. Cupertino, Caixa Postal 441, CEP 88015-100 – Florianópolis SC, podendo ser citado na pessoa do Procurador Geral do Estado de Santa Catarina, Doutor Imar Rocha e;

MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Rua Conselheiro Mafra, 656, Centro, Edifício Aldo Beck – sala 601, CEP 88010-914, Florianópolis, podendo ser citado na pessoa da Procuradora-Geral, Doutora Maria Eduvirgem Cardoso,

pelos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir expostos (a indicação de fls. é relativa à numeração do procedimento administrativo):

1 – DO OBJETO DA AÇÃO

Pretende-se com a presente Ação Civil Pública a prestação da tutela jurisdicional para garantir aos cidadãos, usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), residentes no Estado de Santa Catarina ou, alternativamente, nos municípios abarcados pela Subseção Judiciária de Florianópolis – SC, em especial aos pacientes que apresentarem diagnóstico de Hepatite C Crônica, o acesso a remédios, nos casos em que for indicado o tratamento medicamentoso com Interferon Peguilado 180mcg e Ribavirina, em regime de gratuidade, tudo em consonância com a Constituição Federal, a Lei n° 8.080/90 e a Norma Operacional da Assistência À Saúde – NOAS/SUS n° 01/2002.

2 – DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Dentre as funções institucionais do Ministério Público Federal previstas na Constituição Federal, destaca-se:

Art. 129 São funções institucionais do Ministério Público:

[…]

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia.

III – promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Pela análise do texto normativo transcrito, verifica-se que o constituinte incumbiu especificamente ao Ministério Público a relevante missão de garantir a efetividade dos serviços de relevância pública e a defesa e proteção do patrimônio público, do meio ambiente e qualquer outro interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo socialmente relevante.

No mesmo sentido da Carta Federal, como não poderia deixar de ser, preceitua a Lei Complementar n° 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União:

Art. 5°. São funções institucionais do Ministério Público da União:

[…]

V – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto:

aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de saúde e à educação.

[…]

Art. 6°. Compete ao Ministério Público da União:

[…]

VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

[…]

c) a proteção dos interesses, individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor.

Destarte, afigura-se legítima a atuação do Ministério Público Federal para a defesa de direitos e interesses difusos, entre os quais se insere o direito à saúde, exteriorizada, in casu, na busca de provimento judicial que assegure aos pacientes que apresentarem diagnóstico de Hepatite C Crônica, nos casos em que for indicado o tratamento medicamentoso com Interferon Peguilado 180mcg e Ribavirina, ainda que importado ou não constante da lista oficial do Ministério da Saúde, a entrega gratuita do medicamento pelo Poder Público.

3 – DA LEGITIMIDADE PASSIVA

A legitimidade passiva dos réus decorre, inicialmente, da Constituição Federal:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

A lei n° 8.080/90, por sua vez, disciplina a organização, direção e gestão do Sistema Único de Saúde, nos seguintes moldes:

Art. 9°. A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos:

I – no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;

II – no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e

III – no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente.

Depreende-se, destarte, que o Sistema Único de Saúde ramifica-se, sem, contudo, perder sua unicidade, de modo que de quaisquer de seus gestores podem/devem ser exigidas “ações e serviços” necessários à promoção, proteção e recuperação da saúde pública.

Por fim, destaca-se, também, que embora a Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS-SUS – 01/2002 preceitue ser responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos Estados a garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade, ela também determina que “a regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor municipal, quando o município encontrar-se na condição de gestão plena do sistema municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais situações”.

Assim, em razão de encontrar-se o Município de Florianópolis na situação de gestão plena do sistema municipal de saúde, deve o mesmo ser responsável solidariamente pelas demandas relacionadas ao direito à saúde. No caso, o Município de Florianópolis deve também ser obrigado solidariamente com a União e o Estado a garantir os remédios necessários para o tratamento em questão.

4 – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

O art. 109, inciso I, da Constituição Federal assim dispõe:

Art. 109 Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – As causa que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés assistentes ou oponentes, exceto as de falências, as de acidente de trabalho, e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

[…]

§2°. As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.

Os recursos destinados à aquisição dos medicamentos a serem, posteriormente, fornecidos às pessoas são provenientes do Sistema Único de Saúde, cujo financiamento participam, dentre outras fontes, a União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, consoante dispõe a Constituição Federal:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III – participação da comunidade.

Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

Por conseguinte, a União, em cumprimento ao seu dever de participar do financiamento do SUS, repassa ao Estado de Santa Catarina e ao Município de Florianópolis recursos para a finalidade apontada.

Ante o exposto, figurando a União como parte ré, justificada está, nos termos do artigo 109, inciso I, da Magna Carta, a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento da presente demanda.

5 – DOS FATOS

Em 23 de junho de 2004, foi instaurado na Procuradoria da República em Santa Catarina (Florianópolis) procedimento administrativo correlato a inquérito civil público, na forma da Lei Complementar n. 75/93, art. 7º, inciso I, in fine, a partir de Representação formulada pela Senhora Vera Cristina Sant´Anna de Sá, e demais documentos protocolados sob o nº. 1.33.000.001814/2004-05, noticiando que seu marido, o Senhor Reynaldo Affonso Zucarelli de Sá, necessita de medicamentos para tratamento de doença diagnosticada, conforme receituário médico. Os medicamentos foram requeridos à Policlínica Regional do SUS, não sendo atendida a pretensão. Informou a representante que os funcionários da Policlínica avisaram da necessidade de propor ação judicial para conseguir os medicamentos.

Os documentos acostados ao procedimento administrativo nº 2408/04 permitem concluir, por intermédio do atestado médico, fl. 14, expedido pelo Doutor Marco A. Benício Ribeiro – CRM-SC 7698 – que o Senhor Reynaldo Zucarelli é portador de Hepatite C Crônica, sendo necessário o tratamento com os medicamentos Interferon Peguilado 180mcg e Ribavirina, por 24 semanas. Estes medicamentos são de alto custo, não tendo condições o Senhor Reynaldo Zucarelli de arcar com os valores sem prejudicar o sustento próprio e da família.

Foram expedidos ofícios, no dia 1º de julho, às Secretarias de Saúde do Estado de Santa Catarina e do Município de Florianópolis requisitando-se atendimento à solicitação do cidadão. Em resposta, fl. 16, a Secretaria do Estado da Saúde afirma que o Senhor Reynaldo Zucarelli não é beneficiado pelo programa de medicamentos de Alto Custo/SES, além do que, não se tratando de ação judicial, a Secretaria não pode atender a solicitação. Já a Secretaria de Saúde do Município indica, fl. 19, que o requerente deve fazer o cadastramento junto à farmácia da Policlínica referencial da Esteves Júnior. Por fim, em reunião no dia 24 de agosto de 2004, a representante reafirmou o pedido feito ao Ministério Público Federal para as providências cabíveis no sentido do fornecimento do remédio para seu marido, informando que continuava a recusa em relação ao atendimento adequado.

A documentação que instruiu o Procedimento Administrativo anexo, que passa a integrar esta exordial, aponta a necessidade premente do paciente de dispor dos medicamentos Interferon Peguilado 180mcg e Ribavirina. Importante ressaltar que o Senhor Reynaldo Zucarelli encontra-se em situação de grave enfermidade, inclusive com dificuldades de locomoção, e necessitando do tratamento determinado pelo médico o mais rápido possível.

Ademais, é consabido que o Poder Público despende vultosa quantia de verba pública para custear propagandas institucionais, ao mesmo tempo em que nega medicamento a quem dele necessita, criando aos cidadãos óbice ao direito à vida.

Os requeridos não têm do que se orgulhar quando relegam à própria sorte um cidadão deste País que, desesperado pela doença grave, se vê na desditosa contingência de ter de contar com a mobilização do Ministério Público Federal e da Justiça Federal, como último recurso para a obtenção do medicamento que lhe é imprescindível à preservação da saúde e porque não dizer da própria dignidade.

Destarte, alternativa não resta, senão o ajuizamento da presente.

6 – DO DIREITO

Em que pese os pacientes que apresentarem diagnóstico de Hepatite C Crônica, nos casos em que for indicado o tratamento medicamentoso com o Interferon Peguilado 180mcg e Ribavirina, não estarem amparados por legislação específica, como é o caso daqueles que sofrem de enfermidades como a AIDS e que contam com o devido suporte legal (Lei n.º 9.313/96), estão, pelo menos em tese, protegidos pela Carta Magna.

É sabido e consabido que a Lei n.º 9.313/96, a qual dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS, foi aprovada mediante grande lobby promovido perante o Congresso Nacional, uma vez que tal afecção saiu do anonimato ao deixar de atingir apenas as camadas populares mais baixas, vindo a alcançar também as castas mais altas da sociedade, afetando inclusive o mundo artístico, fazendo com que o tema surtisse grandes impactos e que rapidamente fossem adotadas medidas. Contudo, tal diploma legal deve ser aplicado analogicamente às demais doenças como um todo, a fim de se preservar o mais sublime dos direitos constitucionalmente garantidos: o direito à vida, sob pena de que a garantia constitucional do direito à saúde se converta em vã promessa.

Aliás, é inaceitável que a União, o Estado de Santa Catarina e o Município de Florianópolis não possuam condições de arcar com o custo da medicação que deve ser ministrada ao Senhor Reynaldo Affonso Zucarelli de Sá, conforme parecer médico exarado, a fl. 4, dos autos do Procedimento Administrativo anexo nos seguintes termos:

À Secretaria de Saúde

Solicito com urgência liberação do (remédios prescritos) para o Sr. Reynaldo A. Zucarelli, pois o mesmo é portador de Hepatite C Crônica – Cirrose Hepática, necessitando tratamento imediato pelo risco de agravamento das lesões hepáticas.

Assim, não são exorbitantes os valores a serem gastos, quando comparados aos gastos com campanhas institucionais da União, do Estado e do Município, quantias superiores ao montante que constitucionalmente estão obrigados a investir para a preservação da saúde e da própria vida, não apenas de Reynaldo Affonso Zucarelli de Sá, mas de todo e qualquer cidadão que não disponha de recursos para adquirir mencionados medicamentos.

A Suprema Corte, por intermédio de uma de suas dignas vozes, Excelentíssimo Ministro Celso de Mello, apresenta inteligente orientação no seguinte sentido, verbis:

Não deixo de conferir… significativo relevo ao tema pertinente à ‘reserva do possível’ (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Righs”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadas de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.

É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade (ADPF 45 MC/DF – Informativo do STF nº 345).

Saliente-se, inclusive, que as demais doenças, ao contrário da AIDS que está agasalhada pela Lei nº 9.313/96, em conjunto matam muito mais do que esta, justificando a aplicação analógica da Lei retromencionada:

Art. 1. Os portadores do HIV (vírus da imunodeficiência humana) e doentes de aids (síndrome da Imunodeficiência Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação necessária a seu tratamento.

§1º. O Poder Executivo, através do Ministério da Saúde, padronizará os medicamentos a serem utilizados em cada estágio evolutivo da infecção e da doença, com vistas a orientar a aquisição dos mesmos pelos gestores do Sistema Único de Saúde.

§2º. A padronização de terapias deverá ser revista e republicada anualmente, ou sempre que se fizer necessário, para se adequar ao conhecimento científico atualizado e à disponibilidade de novos medicamentos no mercado.

Art. 2º. As despesas decorrentes da implementação desta Lei serão financiadas com recursos do orçamento da Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme regulamento”.

Assim, certo é que o artigo 1º da Lei nº 9.313/96 assegura aos portadores do HIV o recebimento, pelo SUS, gratuitamente, da medicação necessária ao seu tratamento de acordo com a padronização de medicamentos a ser feita pelo Ministério da Saúde (§§ 1º e 2º). Necessário é, pois, que se estenda tal benefício a todas as outras pessoas igualmente portadoras de alguma patologia.

Apesar do exposto, o SUS em suas diversas áreas de atuação – Federal, Estadual e Municipal – tem negado o fornecimento de determinados medicamentos imprescindíveis para o correto tratamento de enfermidades como a do caso concreto, violando, destarte, o direito constitucional e legal à saúde, ao recebimento gratuito de medicamentos e, em última análise, o próprio direito à vida.

Ressalte-se que o ocorrido com o Senhor Reynaldo Affonso Zucarelli de Sá não configura um caso isolado, haja vista que todas as pessoas acometidas pela mesma enfermidade, que já necessitam ou que venham a necessitar de novos medicamentos para o tratamento de Hepatite C Crônica, caso os solicitem ao SUS, deparar-se-ão com a sua recusa em fornecê-los, vendo-se, cada uma delas, obrigada a recorrer ao Ministério Público Federal e ao Judiciário, para que possam continuar vivendo, para que tenham sua própria vida e incolumidade resguardadas.

O recebimento gratuito, pelos portadores de tal enfermidade, de “toda a medicação necessária a seu tratamento” se afigura, então, direito difuso, transindividual, de natureza indivisível, do qual são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato.

Ora, nítido está que o objetivo primordial da presente demanda, para a qual está devidamente legitimado a figurar no pólo ativo o Ministério Público Federal, é a proteção de um dos direitos individuais e coletivos mais relevantes e que restou violado com o não-fornecimento, pelo SUS, da medicação necessária ao tratamento das pessoas portadoras de Hepatite C Crônica: o direito à vida. Aliás, configura-se com tal negativa a subsunção ao tipo penal do artigo 135 do Código Penal – OMISSÃO DE SOCORRO – na modalidade qualificada prevista no parágrafo único, caso demonstrada a lesão corporal de natureza grave, quando não no tipo da lesão corporal grave, ou gravíssima, conforme venha o paciente a sofrer prejuízos oriundos da falta da referida medicação.

Não menos maculada restou a garantia constitucional da Saúde, como direito de todos e dever do Estado, que se não possuísse acepção de valor/interesse social, não mereceria tratamento individualizado pela Carta Magna de 1988, no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo II (Da Seguridade Social), Seção II.

Neste sentido, os tribunais pátrios têm decidido:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. OBJETIVO: RECONHECIMENTO DO DIREITO DE OBTENÇÃO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS AO TRATAMENTO DE RETARDO MENTAL, HEMIATROPIA, EPILEPSIA, TRICOTILOMANIA E TRANSTORNO ORGÂNICO DA PERSONALIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. RECURSO ORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE ASSEGURADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 6º E 196 DA CF). PROVIMENTO DO RECURSO E CONCESSÃO DA SEGURANÇA.

I – É direito de todos e dever do Estado assegurar aos cidadãos a saúde, adotando políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e permitindo o acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (arts. 6º e 196 da CF).

II – Em obediência a tais princípios constitucionais, cumpre ao Estado, através do seu órgão competente, fornecer medicamentos indispensáveis ao tratamento de pessoa portadora de retardo mental, hemiatropia, epilepsia, tricotilomania e transtorno orgânico da personalidade.

III – Recurso provido.

(Origem: STJ. Classe: ROMS. Processo: 2001000890152. UF: MG. Órgão julgador: PRIMEIRA TURMA. Data da decisão: 13/08/2002. Relator: GARCIA VIEIRA).

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AIDS. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA.

– Sendo dever do Estado a prestação de assistência farmacêutica aos necessitados, inclusive medicamentos para tratamento de doenças graves que não estejam registrados na Agência Nacional de Segurança Sanitária – ANVISA, resta presente a verossimilhança das alegações.

– Inocorre, no caso, qualquer tratamento privilegiado, assegurado simplesmente o direito à vida através das atividades que são inerentes ao Estado e financiadas pelo conjunto da sociedade por meio dos impostos pagos pelo próprio cidadão.

– Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir.

Apelações e remessa oficial improvidas.

(Origem: TRF – QUARTA REGIÃO. Classe: AMS. Processo: 200270000715590. UF: PR. Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA. Data da decisão: 01/06/2004. Relator: JUIZ JOSE PAULO BALTAZAR JUNIOR).

CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PACIENTE COM HEPATITE “C”. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO.

Delegado de polícia que contraiu Hepatite “C” ao socorrer um preso que tentara suicídio. Necessidade de medicamento para cuja aquisição o servidor não dispõe de meios sem o sacrifício do seu sustento e de sua família.

O Sistema Único de Saúde – SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna.

O direito á vida e a disseminação das desigualdades impõe o fornecimento pelo Estado do tratamento compatível à doença adquirida no exercício da função. Efetivação da cláusula pétrea constitucional.

Configurada a necessidade do recorrente de ver atendida a sua pretensão, legítima e constitucionalmente garantida, posto assegurado o direito à saúde e, sem última instância, à vida […]

Recurso especial provido.

(Origem: STJ. Classe: RESP. Processo: 200200447996. UF: SP. Órgão Julgador: Primeira Turma. Data da Decisão: 1/10/2002. Relator: LUIZ FUX.).

Os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil estão elencados os artigos 196 a 200 da Constituição da República Federativa do Brasil. Especificamente, o artigo 196 dispõe que:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988, configura direito fundamental de segunda geração. Nesta geração, estão os direitos sociais, culturais e econômicos, que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado. Não se trata mais, como nos direitos de primeira geração, de apenas impedir a intervenção do Estado em desfavor das liberdades individuais.

Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao indivíduo o direito de exigir do Estado prestações sociais (positivas) nos campos da saúde, alimentação, educação, habitação, trabalho, etc.

Cumpre ressaltar, outrossim, que baliza nosso ordenamento jurídico o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, insculpido no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal e que se apresenta como fundamento da República Federativa do Brasil.

Visando a concretizar o mandamento constitucional, o legislador estabeleceu preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde. Neste sentido, a Lei nº 8.212/91 dispõe que:

Art. 1. A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social.

[…]. 2º. A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Parágrafo único. As atividades de saúde são de relevância pública e sua organização obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes:

acesso universal e igualitário; provimento das ações e serviços através de rede regionalizada e hierarquizada, integrados em sistema único;

descentralização, com direção única em cada esfera de governo.

Assim, corroborando o mandamento constitucional, a Lei Orgânica da Seguridade Social reafirma o compromisso do Estado e da própria sociedade no sentido de “assegurar o direito relativo à saúde”.

A Lei n.º 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, estabelece:

Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§1º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

[…]

Art. 4º. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das funções mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde – SUS.

O art. 7º da citada Lei estabelece que as ações e serviços públicos que integram o Sistema Único de Saúde serão desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198, da CF, obedecendo, ainda, aos seguintes princípios:

Art. 7. […]

I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

II – integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado.

III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;

IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;

[…]

XI – conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população.

Verifica-se, destarte, que a própria norma disciplinadora do Sistema Único de Saúde elenca como princípio a integralidade de assistência, definindo-a como um conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema.

É dever do Sistema Único de Saúde fornecer não apenas os remédios constantes da lista oficial do Ministério da Saúde, mas, tendo em vista as particularidades do caso concreto e a comprovada necessidade de utilização de outros medicamentos, impõe-se a obrigatória conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população, de modo a prover os doentes acometidos pela Hepatite C Crônica com os meios existentes para seu tratamento.

Por fim, a Lei nº. 9.313/96 estabeleceu a gratuidade do fornecimento de toda a medicação necessária ao tratamento da AIDS, sendo perfeitamente cabível seu emprego analógico às demais doenças de um modo geral.

Ao dispor sobre A POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS, a NOAS nº 01/2002 (Norma Operacional de Assistência à Saúde), no item 23, fixa o elenco de atribuições do Ministério da Saúde:

1.5. DA POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS

23. A responsabilidade do Ministério da Saúde sobre a política de alta complexidade/custo se traduz nas seguintes atribuições:

a – definição de normas nacionais;

b – controle do cadastro nacional de prestadores de serviços;

c – vistoria de serviços, quando lhe couber, de acordo com as normas de cadastramento estabelecidas pelo próprio Ministério da Saúde;

d – definição de incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população pelo SUS;

e – estabelecimento de estratégias que possibilitem o acesso mais equânime diminuindo as diferenças regionais na alocação dos serviços;

f – definição de mecanismos de garantia de acesso para as referências interestaduais, através da Central Nacional de Regulamentação para Procedimentos de Alta Complexidade;

g – formulação de mecanismos voltados à melhoria da qualidade dos serviços prestados;

i – financiamento das ações.

No item 23.1, exsurge, de forma inequívoca, a responsabilidade solidária da União e dos Estados-membros, por intermédio, respectivamente , do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde, para a garantia de acesso da população aos procedimentos de alta complexidade, verbis:

23.1. A garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade é de responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos estados e do Distrito Federal.

Ao Município incumbe, por sua vez, de acordo com o item 25.1, a regulação dos serviços de alta complexidade quando se encontrar na condição de Gestão Plena do Sistema Municipal:

25.1. A regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor municipal, quando o município encontra-se na condição de gestão plena do sistema municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais condições.

Em norma dirigente (conceito de José Joaquim Gomes Canotilho), de conteúdo programático, os itens 26 e 27 da NOAS prescrevem que:

26. As ações de alta complexidade e as ações estratégicas serão financiadas de acordo com a Portaria do Ministério da Saúde.

27. O Ministério da Saúde definirá os valores de recursos destinados ao custeio da assistência de alta complexidade para cada estado.

O item 44.2 da NOAS admite expressamente a contratação de serviços na rede privada sempre que não estiverem disponíveis na rede pública, ou mesmo quando, ainda que existentes na rede pública, sejam insuficientes para o atendimento da população:

44.2. O interesse público e a identificação de necessidades assistenciais devem pautar o processo de compra de serviços na rede privada, que deve seguir a legislação, as normas administrativas específicas e os fluxos de aprovação definidos na Comissão Intergestores Bipartite, quando a disponibilidade da rede pública for insuficiente para o atendimento da população.

Verifica-se, do teor desta novel Norma Operacional de Assistência à Saúde, que, no atendimento dos serviços de saúde, a União, por intermédio do Ministério da Saúde, abandonou a antiga posição de mero órgão de supervisão e distribuição de recursos, passando à condição de responsável solidária, nos serviços de média e alta complexidade.

Não há dúvida, pois, quanto ao dever do Estado de fornecer os medicamentos necessários para o tratamento da AIDS e de toda e qualquer outra enfermidade, ainda que não constem da listagem oficial do Ministério da Saúde e/ou não sejam, atualmente, fornecidos pelo SUS, porque não há como, limitando-se ao texto constitucional, estabelecer que a obrigação de fornecer medicamentos está adstrita a uma lista oficial padronizada.

7 – DA NECESSIDADE DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

A Constituição Federal evidencia em seu art. 5°, inciso XXXIV:

Art. 5 […]

XXXIV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Dispõe o artigo 273 do Código de Processo Civil que:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II – fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Justifica-se, in casu, o pedido de antecipação da tutela em relação a Reynaldo Affonso Zuccarelli de Sá pelo fato de estarem caracterizados, à lume do artigo 273, do Código de Processo Civil, todos os pressupostos autorizadores de sua concessão, a saber:

Assim sendo, conclui-se que o primeiro requisito para a concessão da tutela antecipatória é a probabilidade de existência do direito afirmado pelo demandante. Esta probabilidade de existência nada mais é, registre-se, do que o fumus boni iuris, o qual se afigura como requisito de todas as modalidades de tutela sumária, e não apenas da tutela cautelar. Assim sendo, deve verificar o julgador se é provável a existência do direito afirmado pelo autor, para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional.

Não basta, porém, este requisito. À probabilidade de existência do direito do autor deverá aderir outro requisito, sendo certo que a lei processual criou dois outros (incisos I e II do art. 273). Estes dois requisitos, porém, são alternativos, bastando a presença de um deles, ao lado da probabilidade de existência do direito, para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional. Assim é que, na primeira hipótese, ter-se-á a concessão da tutela antecipatória porque, além de ser provável a existência do direito afirmado pelo autor, existe o risco de que tal direito sofra um dano de difícil ou impossível reparação (art. 273, I, CPC).

Este requisito nada mais é do que o periculum in mora, tradicionalmente considerado pela doutrina como pressuposto de concessão da tutela jurisdicional de urgência (não só na modalidade que aqui se estuda, tutela antecipada, mas também em sua outra espécie: a tutela cautelar)” (CÂMARA, Alexandre, Lições de Direito Processual Civil. Lúmen Iuris: São Paulo, 2000. pp. 390-1).

Assim acrescente-se que:

Qualificar um dado direito como fundamental não significa apenas atribuir-lhe uma importância meramente retórica, destituída de qualquer conseqüência jurídica. Pelo contrário, a constitucionalização do direito à saúde acarretou um aumento formal e material de sua força normativa, com inúmeras conseqüências práticas daí advindas, sobretudo no que se refere à sua efetividade, aqui considerada como a materialização da norma no mundo dos fatos, a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social, aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. (BARROSO, Luís Roberto. O direito Constitucional e a Efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 3 ed. São Paulo: Renovar, 1996, p. 83).

O fumus boni iuris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado, consubstancia-se no relatório e laudo médicos e demais documentos apresentados e que atestam, de forma inequívoca, que Reynaldo A. Z. S. apresentou diagnóstico de Hepatite C Crônica, necessitando de tratamento médico com Interferon Peguilado 180mcg e Ribavirina, que lhe é negado pelo SUS, cujo fornecimento é vital. Nessa condição, é direito garantido pela legislação já invocada, o recebimento gratuito dessa medicação necessária ao seu tratamento, de acordo com a legislação constitucional e infraconstitucional, aplicável à matéria.

O periculum in mora é notório e decorre do risco da ocorrência de agravamento do quadro clínico do paciente, em decorrência da falta de tratamento médico adequado. O receio de lesão consubstancia-se na possibilidade do referido paciente experimentar prejuízo irreparável ou de difícil reparação, se tiver de aguardar o tempo necessário para decisão definitiva da lide.

Eis um julgado recente do TRF 4ª Região quanto ao cabimento de antecipação da tutela no caso de tratamento de saúde:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. TRATAMENTO DE SAÚDE. LEGITIMIDADE PASSIVA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE À ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.

1. A União tem legitimidade à ocupação do pólo passivo de ação visando a realização de exames médicos e o fornecimento de medicação.

2. O ente político em tela não se exime do cumprimento de ordem deferitória de antecipação de tutela ao argumento de ausência de previsão orçamentária, pois consabido possuir várias fontes de receita e meios orçamentários de relocação de verbas. Também não lhe socorre a alegada prejudicialidade que a medida acarreta aos usuários que porventura necessitem dos serviços públicos de saúde.

3. Afastada a alegada ingerência do Poder Judiciário na esfera administrativa, bem como o empeço ao concessório objurgado, não havendo a incidência da Lei nº 9.494/97.

4. Presente a conjugação dos pressupostos legais a tanto, defere-se pedido de antecipação de tutela para que a União custeie a realização de exame médico e os medicamentos necessários a tratamento emergencial de saúde, notadamente ante à envergadura constitucional do direito correspondente.

(Origem: TRF 4ª Região. Classe: AG – AGRAVO DE INSTRUMENTO Processo: 200304010505363. UF: RS. Órgão Julgador: QUARTA TURMA. Data da decisão: 31/03/2004. Relator(a): JUIZ AMAURY CHAVES DE ATHAYDE).

Impõe-se, na espécie, a dispensa de intimação para os fins do artigo 2º da Lei nº 8.437/92, no tocante ao fornecimento do medicamento ao paciente Reynaldo Affonso Zuccarelli de Sá, em face da gravidade da enfermidade e da urgência que o caso requer, sob pena de se tornar inócua decisão posterior. Ademais, a garantia constitucional do direito à vida prevalece quando em confronto com as regras de direito processual.

Deferir a tutela antecipada, no presente caso, significa preservar a vida do paciente e respeitar a sua condição de ser humano e cidadão, que tem o direito de cobrar do Estado o atendimento integral à saúde.

Não obstante o pedido de antecipação de tutela se refira especificamente ao de entrega de determinado remédio, o que levaria, em uma análise apressada, a se pensar que a obrigação que se pede se resumiria a uma prestação de dar, está-se, em verdade, diante de uma verdadeira obrigação de fazer, qual seja, a de prestar o tratamento necessário, suficiente e adequado à manutenção da saúde e preservação da vida de Reynaldo Affonso Zuccarelli de Sá.

Todos os requisitos legalmente exigidos para o deferimento da antecipação do provimento jurisdicional se encontram presentes.

Em razão do exposto, o Ministério Público Federal requer a Vossa Excelência:

a) a concessão da antecipação da tutela, inaudita altera parte, a fim de que seja determinando à UNIÃO, ao ESTADO DE SANTA CATARINA e ao MUNÍCIPIO DE FLORIANÓPOLIS, de forma solidária, o fornecimento gratuito e ininterrupto, em local disponível e de forma imediata, a Reynaldo Affonso Zuccarelli de Sá, e a todos os pacientes que, no curso da ação, comprovarem a necessidade do uso do referido remédio, por intermédio de receituário expedido por médico vinculado ao SUS, para o tratamento de Hepatite C Crônica, ainda que necessite ser importado e/ou não conste da lista oficial do Ministério da Saúde, em prazo exíguo a ser estipulado pelo prudente arbítrio de Vossa Excelência, bem como seja assegurado o fornecimento mensal da quantidade de remédio necessário à continuidade e término do tratamento. Impende salientar que a relação obrigacional é solidária, devendo a União, se for o caso, repassar ao Estado e ao Município os recursos necessários a custeá-la; e

b) a cominação de multa diária para caso de descumprimento da decisão liminar, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

8 – DO PEDIDO PRINCIPAL

Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal vem requerer a Vossa Excelência:

1 – a citação de todos os réus para, querendo, contestarem a presente ação, sob pena de revelia;

2 – a confirmação/ratificação, por sentença definitiva de mérito, dos pedidos de antecipação de tutela;

3 – a condenação definitiva da UNIÃO e do ESTADO DE SANTA CATARINA, de forma solidária, ao fornecimento dos medicamentos Interferon Peguilado 180mcg e Ribavirina, necessários ao tratamento de Reynaldo Affonso Zuccarelli de Sá e de todos os demais pacientes, usuários do Sistema Único de Saúde, residentes no Estado de Santa Catarina, ou, alternativamente, nos municípios que integram a Subseção Judiciária de Florianópolis, que apresentarem diagnóstico de Hepatite C Crônica, nos casos em que estiver indicado o tratamento medicamentoso acima referido, ainda que este tenha de ser importado e/ou não conste da lista oficial do Ministério da Saúde, bem como a condenação do MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS, solidariamente, a fornecer os medicamentos supracitados a todos os pacientes residentes na base territorial do município;

4 – a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, em vista do disposto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85, e

5 – as publicações, às expensas das rés, da decisão de antecipação dos efeitos da tutela e da sentença que julgar procedentes os pedidos formulados nesta exordial, em, no mínimo, 2 (dois) jornais de grande circulação do Estado de Santa Catarina, para possibilitar a ciência de todos os interessados.

Embora já tenha apresentado o Ministério Público Federal prova pré-constituída do alegado, requer, outrossim, produção de prova documental, testemunhal, pericial e, até mesmo, inspeção judicial, que se fizerem necessárias ao pleno conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar com a apresentação de contestação.

Dá-se à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Pede deferimento.

Florianópolis – SC, 22 de setembro de 2004.

Carlos Augusto de Amorim Dutra

Procurador da República em Santa Catarina

Rol de documentos:

Procedimento Administrativo, correlato ao Inquérito Civil Público PR/SC n° 2408/04 (autos originais).

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