Dedo na ferida

Ministério Público de SP entra com ação contra seguradora Metlife

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22 de setembro de 2004, 15h04

A promotora de Justiça do Consumidor Deborah Pierri ajuizou ação civil pública em defesa dos segurados da Metlife Metroplitan Life Seguros e Previdência Privada S/A, com o objetivo de obrigar a seguradora a renovar os termos contratuais vigentes desde 1996.

A Promotoria recebeu representação de diversos segurados, nas quais esclareciam que a empresa, tendo incorporado a Seguradora América do Sul S/A (Seasul), em setembro de 2003, inicialmente comunicou que todos os direitos e obrigações estariam mantidos.

No entanto, no primeiro semestre de 2004 a Metlife enviou carta aos segurados do plano VidaPlus Familiar manifestando a sua intenção em não renovar o contrato, sob a alegação genérica de que a apólice apresentava desequilíbrio financeiro.

Na mesma carta, a seguradora tratou de oferecer duas opções (leia-se novos contratos) nas quais reduziu as coberturas, impôs reajuste por faixa etária e também por IGPM, fatores não previstos no contrato.

As opções, segundo a promotora de Justiça, mascaram a elevação do prêmio em percentuais que variam de 139 a 217% ou mantêm a mensalidade impondo redução do capital segurado em percentuais que variam de 58 a 63%.

O Ministério Público entendeu que o caso deveria ser levado ao Poder Judiciário, pois somente no estado de São Paulo o número de segurados passa de mil e, ainda, porque houve, por parte da seguradora, desrespeito aos interesses legítimos dos consumidores, incidindo em práticas comerciais abusivas (arts. 4º, I e III, 39, IV, V, X, XI, e 51, IV, X, XI, XIII e XV, todos do Código de Defesa do Consumidor).

A ré é subsidiária da empresa Metropolitan Life Insurance Company MetLife e está no Brasil desde 1999 com mais de 30 bilhões de capitais segurados (número de 2003).

O pedido da promotora de Justiça é para que a seguradora se abstenha de suspender ou cancelar todos os contratos de seguro VidaPlus Familiar. Pede também que a empresa retome os contratos que já foram cancelados, com as condições acordadas anteriormente, “independentemente de terem os consumidores aderido aos novos contratos impostos” e emita novos boletos de pagamento.

Ela requer também que a MetLife seja obrigada a comunicar todos consumidores titulares dos contratos VidaPlus Familiar o teor da decisão, no prazo máximo de cinco dias a contar da intimação, e que seja imposta multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento de qualquer uma das hipóteses.

Deborah solicita, ainda, que a empresa seja condenada a devolver em dobro todos os valores indevidamente cobrados dos consumidores que aderiram a novos planos, de acordo com o artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor, e que indenize os danos patrimoniais e morais sofridos pelos segurados em decorrência da não renovação dos contratos.

Leia a íntegra da ação

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da ___ Vara Cível da Capital

Procedimento

Anexo – n.42/161/000.618/04-2

Promotoria de Justiça do Consumidor

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, pela 2ª. Promotora de Justiça do Consumidor, vem, perante Vossa Excelência, na conformidade dos artigos 129, III da Constituição Federal, 5º e 12º da Lei da Ação Civil Pública e artigos 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor, propor a ação civil pública com pedido liminar em face de METLIFE Brasil – Metropolitan Life Seguros e Previdência Privada S/A, CNPJ no. 02.102.498/0001-29, com sede em São Paulo-SP, na Avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini, 1253, CEP 04571-000, pelos fatos e fundamentos que se seguem:

Da legitimidade:

A legitimidade do Ministério Público decorre da sua missão constitucional de defesa do consumidor, especialmente, a de propor ações civis públicas em defesa dos direitos difusos e coletivos (art. 129, III da Constituição Federal).

Na esfera infraconstitucional, diga-se singelamente que a legitimidade decorre do Código de Defesa do Consumidor, pois a combinação dos artigos 81 e 82 permitem o ajuizamento de ação civil de qualquer natureza para tutela dos interesses dos consumidores.

Por fim, ressalte-se que a lei da ação civil pública autoriza o ajuizamento da ação em defesa dos consumidores, também o requerimento de medida liminar em defesa da coletividade.

A legitimidade relaciona-se ao objeto da ação, pois a ré mantém na sua carteira de segurados, milhares de contratos firmados pelos consumidores com a empresa Seasul – Seguradora América do Sul S.A. a quem incorporou.(1)

A dimensão da presente demanda, pode ser medida pela notória grandeza da atividade da ré, pois ao incorporar a empresa indicada, trouxe para si, somente no Estado de São Paulo, mais de 1000 vidas seguradas, sem contar com outras tantas vidas seguradas, cujos consumidores encontram-se dispersos em todo país.


O traço coletivo da presente demanda é que os contratantes mantêm com a ré, em sentido genérico um mesmo tipo de contrato, denominado VIDAPLUS FAMILIAR (CDC, art. 81,II).

Além disso, os interesses dos consumidores têm contornos de homogeneidade (CDC, artigo 81, III), na medida em que o reconhecimento da demanda acarretará o dever da ré restituir o que tenha sido indevidamente pago a título de prêmio, bem como, a de responder pelos prejuízos patrimoniais e morais que sua conduta abusiva e ilícita tenha causado aos consumidores.

Dos fatos:

Pelo que se vê nos documentos em anexo, a ré no ano de 2003 sucedeu a empresa Seasul – Seguradora América do Sul S/A e com isso os direitos e obrigações de milhares de contratos de seguro de vida.

A ré ao apresentar-se aos segurados fez consignar (fls. 57), que todos os direitos seriam preservados e que a partir de então era sua a responsabilidade por todas as obrigações assumidas pela Seasul.(2)

Como dissemos, há notícias de que somente no Estado de São Paulo a ré mantém na mesma situação cerca de 1.200 segurados (fls. 38 do Anexo).

Entretanto, passados poucos meses da incorporação, a ré enviou cartas padronizadas aos segurados manifestando seu interesse em não renovar os contratos, com a justificação simplista de que as apólices até então mantidas apresentavam desequilíbrio financeiro.

Vejamos: “A apólice do Seguro de Vida em Grupo acima mencionada, vem apresentando desequilíbrio financeiro, ou seja, a arrecadação de prêmios desta apólice vem sendo insuficiente para fazer frente aos pagamentos a indenizações e à constituição de reservas financeiras obrigatórias por lei. Isto se deve ao fato de que esta apólice nunca sofreu atualização dos valores de prêmio quando o segurado atingia uma nova idade, causando o citado desequilíbrio. Pelo exposto acima e em conformidade com os dispositivos legais que regulam o assunto, devemos comunicá-lo que a referida apólice não poderá ser renovada após sua data de vencimento em 01.08.2004” (3) .

Incorporando a carteira de segurados, muitos deles com contratos firmados entre 1996 e 1997, a ré em menos de um ano não suportou as obrigações assumidas.

Ao contrário do prometido, por ocasião da incorporação, preferiu lançar mão da rescisão unilateral, forçando os segurados a realizarem novas contratações com condições extremamente onerosas.

Com efeito, disse a ré:

“Contudo a MetLife Brasil, preocupada com a continuidade do seu bem estar e segurança, está apresentando a você duas alternativas que irão garantir a continuidade de sua proteção. Veja na página seguinte as características desse novo seguro”.

As alternativas se expressam nas seguintes opções:

“a) OPÇÃO A – MANTENDO O MESMO VALOR DE INDENIZAÇÃO POR MORTE NATURAL DO SEU PLANO ATUAL: MORTE NATURAL….; DUPLA INDENIZAÇÃO POR MORTE ACIDENTAL…; INVALIDEZ PERMANENTE POR ACIDENTE…; b) OPÇÃO B – NOVOS VALORES DAS INDENIZAÇÕES (MANTENDO O VALOR DA PARCELA DO SEU PLANO ATUAL): MORTE NATURAL…; DUPLA INDENIZAÇÃO POR MORTE ACIDENTAL…; INVALIDEZ PERMANENTE POR ACIDENTE…”.(4)

Dessas imposições emergem as seguintes conclusões:

A primeira opção implica na manutenção do capital segurado, mas com elevação substancial do prêmio(5) .

Já a segunda oferta implica em modificação (redução) do capital segurado, com a manutenção aparente do prêmio mensal.

Apenas para conhecimento deste Juízo é necessário o exame de alguns casos exemplares:

1. O segurado E.P.A., com contrato firmado em agosto de 1997: Na opção A – a indenização por falecimento por causa natural é de R$ 201.842,37; o prêmio passa de R$ 169,38 para R$ 405,91 – (139,64%); Na opção B – a indenização é reduzida a R$ 84.226,75 (58,27 %) e o prêmio mantido (fls. 22v);

2. O segurado L.B.S., com contrato firmado em julho de 1997: Na opção A – a indenização por falecimento por causa natural é de R$ 195.637,26; o prêmio passa de R$ 164,19 para R$ 521,73 – (217,76 %), Na opção B – a indenização é reduzida a R$ 61.568,17 (68,53%) e o prêmio mantido (fls.46v);

3. O segurado V.F., com contrato firmado em outubro de 1996: Na opção A – a indenização por falecimento por causa natural é de R$ 174.098,82; o prêmio passa de R$ 146,10 para R$ 404,45 – (176,83%), Na opção B – a indenização é reduzida a R$ 62.890,10 (63,88 %) e o prêmio mantido (fls. 52v);

A elevação dos prêmios, nos exemplos citados, demonstra a onerosidade excessiva, pois variam de 139,64% a 217,76% e na verdade retiram qualquer possibilidade de que o consumidor opte, de fato, pela manutenção dos valores indenizáveis, pois seus ganhos, definitivamente, não chegam perto dessa correção.

O mesmo ocorre com os consumidores que desejam manter o valor do prêmio, pois nessa hipótese a redução do valor indenizável varia de 58,27% a 63,88%, frustrando as expectativas legítimas dos segurados que por anos e anos cuidaram de cumprir com suas obrigações.


Prosseguindo no exame da conduta ilícita da ré, temos também a modificação unilateral do contrato, pois ao contrário do anteriormente estabelecido, impõe aos segurados o reajuste do prêmio por faixa etária e também a inserção de índice inflacionário (IGP-M), ambos não previstos nos contratos.

Com efeito, nas cartas, enviadas aos segurados, a ré destacou:

“IMPORTANTE – Visando garantir que o seu seguro mantenha-se atualizado perante a inflação, anualmente estes valores (capitais segurados e prêmio) em ambas as opções acima, serão atualizados pela variação do IGP-M no período e o valor do prêmio atualizado de acordo com sua nova idade.” (fls. 52v).

Verifica-se, então, a modificação das condições contratuais até então mantidas, pois os contratos tinham como cláusula de atualização as seguintes condições:

“7. ATUALIZAÇÃO DOS VALORES DO SEGURO. Os valores deste seguro – capitais e prêmios – serão reajustados na forma e períodos estabelecidos na proposta de contratação, respeitados os limites máximos estabelecidos pela Seguradora.” (fls. 55v.).

Releva anotar-se que alguns segurados não estavam vinculados aos índices do IGP-M, consoante se verifica nas propostas colacionadas ao procedimento.

De qualquer forma, não há em nenhum caso examinado o reajuste por faixa etária. Essa modificação é extremamente onerosa aos segurados.

Por fim, outra alteração contratual imposta pela ré traduz-se em redução nas coberturas.

Nos contratos mantidos até então, as condições gerais do pacto tinham como garantia, dentre outras, a cobertura para casos de invalidez permanente e total por doença.

Confira-se:

“5. GARANTIAS. 5.1 Este seguro compreende as seguintes garantias, ressalvado, em qualquer hipótese, o disposto na Cláusula 11, destas Condições Gerais: (…); d) Indenização por Invalidez Permanente e Total por Doença (IPD), garante o pagamento de uma indenização de valor igual a da garantia básica, caso o Segurado Titular, exclusivamente, fique total e permanentemente inválido, em conseqüência de doença. Entende-se como invalidez total e permanente por doença aquela para a qual não se pode esperar recuperação ou reabilitação pela medicina e que impeça o Segurado Titular de exercer qualquer atividade da qual lhe advenha remuneração ou lucro”(fls. 55v).

Mas, ardilosamente, a ré anotou em sua missiva: ‘está apresentando a você duas alternativas que irão garantir a continuidade de sua proteção’ (fls. 52).

Não há de fato continuidade da proteção, pois a indenização por invalidez permanente e total por doença (IPD), desapareceu nas condições gerais ofertadas.

Tanto na opção A, quanto na opção B (fls. 52v), as indenizações são exclusivas para: morte natural, morte acidental e invalidez permanente por acidente

Claro está, que os novos contratos colidem com os legítimos interesses dos consumidores, retira-lhes a expectativa de cobertura dos riscos decorrentes da sua incapacitação laborativa por motivo de doença.

Por fim, contrariando os termos do contrato VIDAPLUS Familiar, a ré retirou a cobertura de sinistros ocorridos com cônjuges e filhos.

Não estamos falando dos direitos inerentes aos beneficiários, mas sim de exclusão de capital segurado dos familiares do contratante.

A representação feita pelo consumidor V.F. é bastante clara no sentido de destacar que a morte dos filhos e do cônjuge (natural ou acidental) e a invalidez permanente total ou parcial do cônjuge estavam cobertas pelo seguro (fls.54 e 57 ‘a’).

Entretanto, as novas condições contratuais (opção A ou B) simplesmente são omissas no tocante ao capital segurado para aqueles membros da família do titular contratante. (fls. 52v).

Resumindo os fatos, temos então que a ré, não somente rescindiu um contrato contínuo e de longa duração, como também oferta em substituição àquele, novas condições contratuais que colocam o consumidor em situação desvantajosa.

A conduta da ré frente ao Código de Defesa do Consumidor e à nova teoria contratual.

Pelo conceito clássico, contrato é acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos. Nisso insere-se o contrato de Seguro.

O artigo 757 do Código Civil dispõe:

“Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.

Dada a sua importância, os contratos estão comprometidos com a função social, isto é, cercados pelos princípios da probidade, equidade, boa fé e menos influenciados pelo dogma da autonomia da vontade.(6)

Aliás, em matéria de seguros interessa-nos as lições de Claudia Lima Marques:


“Deve presumir a boa-fé subjetiva dos consumidores e se impor deveres de boa-fé objetiva (informação cooperação e cuidado) para os fornecedores, especialmente tendo em conta o modo coletivo de contratação e por adesão. O valor pago pelo seguro deve ser aquele especificado na oferta, o qual despertou a confiança do consumidor e sobre o qual pagou suas contribuições” )(7). (grifos não originais)

Tratando-se de seguro de vida, necessário compreender que esse tipo de contrato tem por objetivo “garantir a pessoa do segurado contra riscos a que estão expostas sua existência, sua integridade física e sua saúde”(8) .

Esse vínculo é mantido entre segurado e seguradora e cuida-se, inegavelmente, de relação de consumo (CDC, arts. 2º e 3º), daí porque, plenamente aplicável às regras contidas no Código de Defesa do Consumidor(9 .

Inegável, pois a relação jurídica de consumo, daí porque plenamente aplicável às regras contidas no Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, o indicado VIDAPLUS FAMILIAR configura um exemplo típico de contrato de seguros de vida e acidentes pessoais, podendo ser compreendido como espécie de contrato cativo de longa duração, também chamados relacionais ou de serviços contínuos.

Isso porque, em contraposição aos denominados contratos descontínuos (v.g. compra e venda), caracterizados pela transação instantânea, completa, rápida e impessoal, os contratos relacionais criam relações jurídicas complexas, na qual o consumidor mantém vínculo de dependência com o fornecedor (v.g. seguros em geral, previdência privada, instituições financeiras e seguro-saúde).

Inicialmente importa considerar, que de acordo com a política nacional das relações de consumo devemos reconhecer, desde logo, a vulnerabilidade do consumidor (CDC, art.4, I), tendo em vista sua hipossuficiência, marcadamente presente nesse tipo de contrato no qual a dependência se protrai por longos anos, sendo uma de suas principais características.

Nesse particular, observa-se na descrição dos fatos, o quanto a ré aproveitou-se da vulnerabilidade dos consumidores.

Leve-se em conta, que essas relações de longa duração, especialmente as derivadas da prestação de serviços, multiplicam-se no mercado brasileiro, atraindo os negócios de grandes corporações, como é o caso da ré(10) .

Entretanto, os benefícios derivados dessas múltiplas ofertas têm como contra partida o aumento progressivo dos conflitos de consumo, revelando a razão do anseio do novo pensamento jurídico em dar tratamento adequado e específico às relações contratuais, especialmente porque envolvem serviços que possuem indiscutível importância, como são os produtos e serviços fornecidos por entidades seguradoras.

No caso concreto observa-se que a seguradora ré, prevalecendo-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, incidiu em prática abusiva (CDC, art. 39, IV).

Isso é perceptível no exame das cartas, enviadas aos consumidores, nas quais a ré exige vantagens manifestamente excessivas, pois pretende submeter seus parceiros contratuais a dois novos tipos de contratos (opção A e B), cujas vantagens atendem unicamente aos seus interesses, (CDC, art. 39, V).

Além disso, a ré incide na prática prevista no inciso XI do mesmo dispositivo, pois impõe aos consumidores reajuste por faixa etária e pelo IGPM, aplicando fórmula de atualização não prevista no contrato anteriormente pactuado.

É preciso lembrar que a nova realidade contratual (contratos cativos de longa duração) não afasta os instrumentos tradicionais do direito, mas serve de base ao intérprete para dar respostas mais claras e eqüitativas aos conflitos atuais.

Sobre isso escreveu Cláudia Lima Marques, calcando-se na experiência havida no direito comparado:

“Observe-se que o realismo norte-americano denominou de contratos ‘relacionais’ (relational contracts), destacando os elementos sociológicos que condicionam o nascimento e a estabilidade dos contratos complexos de longa duração. A contribuição desses estudos, que remontam a 1974, foi grande, pois, observando-se as relações ‘não contratuais’, as projeções de troca dos empresários e a sua organização em networks, baseadas mais na confiança, solidariedade e cooperação no que em vínculos contratuais expressos, desenvolveu a noção de um contrato aberto, de uma relação contínua, duradoura ao mesmo tempo em que modificável pelos usos e costumes ali desenvolvidos e pelas atuais necessidades das partes. (…) Sendo assim, a mais importante contribuição destes estudos à nova teoria contratual brasileira é a criação de um modelo teórico contínuo que engloba as constantes renegociações e as novas promessas, bem destacando que a situação externa e interna de catividade e interdependência dos contratantes faz com que as revisões, novações ou renegociações contratuais naturalmente continuem ou perenizem a relação de consumo, não podendo estas, porém, autorizar abusos da posição contratual dominante e validar prejuízos sem causa ao contratante mais fraco ou superar deveres de cooperação, solidariedade e lealdade que integram a relação em toda a sua duração” (11) (grifo não original).


Com a mesma agudeza Ronaldo Porto Macedo Júnior, na sua obra ‘Contratos relacionais e defesa do consumidor’, sugere que o modelo relacional recomenda a revalorização dos princípios da boa-fé, justiça e equilíbrio contratual, pois potencializam o reconhecimento das circunstâncias fáticas concretas, permitindo ao intérprete examinar o contrato não simplesmente como um padrão fixo de aplicação inexorável.

Vejamos sua proposta:

“Por outro lado, o modelo relacional tem também um caráter normativo e prescritivo. Assim é que ele recomenda uma revalorização e ampliação do uso do princípio da boa-fé, justiça e equilíbrio contratual como princípios capazes de orientar os agentes contratuais e operadores do direito na direção do reconhecimento das circunstâncias fáticas concretas. A boa-fé serve como princípio mediador entre o formalismo do direito e o reconhecimento da plasticidade das relações e funções econômicas de troca e pressupostos de racionalidade e premissas valorativas. Por outro lado, o reconhecimento da natureza relacional dos contratos aponta para a importância dos princípios de cooperação e solidariedade” (12) .

Mais à frente, ao abordar as regras de interpretação oferecidas pela teoria relacional, anota:

“Dentre os teóricos relacionais, um grupo acredita que os juízes devem ser guiados por normas que transcendem a relação. Eles devem ser guiados pelo sentido daquilo que a sociedade entende por justo, distributivamente justo e adequadamente participatório. Um segundo grupo argumenta que os juízes devem derivar as regras das ‘normas internas da relação’ e proteger as expectativas geradas. (…) É certo que, ao contrário da teoria clássica, a teoria relacional não oferece regras simples e seguras para a interpretação contratual. Um primeiro passo seria o reconhecimento de que os contratos relacionais devem ser interpretados a partir da percepção de que as partes estão na relação. Por outro lado, os juízes não podem ignorar que, além dos valores internos da relação, há valores sociais, externos aos contratos, como as idéias de equilíbrio e justiça distributiva”(13) .

Sob a luz dessas perspectivas, afirmamos que o contrato de seguro de vida e acidentes pessoas, havido entre os consumidores e a empresa ré, cuida-se de contrato relacional, pois envolve fornecedor e consumidor numa finalidade comum, que é o de ajudar o segurado a suportar os riscos futuros envolvendo sua vida, saúde e de seus familiares.

Assim sendo, invoca-se a aplicação dos princípios norteadores na interpretação dos contratos relacionais, especialmente, o da boa-fé, equidade, solidariedade e cooperação.

Mas, infelizmente não é isso que se observa na conduta da ré, pois empresa de grande porte como é, integrante de uma das maiores empresas de seguros nos Estados Unidos da América, com certeza procedeu a diversos estudos de viabilidade das carteiras, antes mesmo de ter feito a sua opção comercial de incorporar a Seasul.

Sabedora do perfil dos segurados e das condições contratadas, em menos de um ano lamenta o desequilíbrio financeiro da carteira, porém de modo prepotente ou ao menos descuidado não prestou qualquer informação adequada e convincente, traindo os princípios da confiança, solidariedade e da boa-fé objetiva, que permeavam o vínculo contratual estabelecido entre os consumidores e a empresa sucedida.

Isso tudo, permite-nos afirmar que a sua conduta é abusiva à luz do que dispõe os artigos 4º, III, 39, V e 51, IV, todos do Código de Defesa do Consumidor.

Aliás, é exemplar a manifestação teórica de Cláudia Lima Marques sobre um outro modelo de contrato cativo de longa duração:

“Os contratos de planos de assistência à saúde são contratos de cooperação, regulados pela Lei 9.656/98 e pelo Código de Defesa do Consumidor, onde a solidariedade deve estar presente, não só enquanto mutualidade (típica dos contratos de seguros, que já não mais são, ex vi a nova definição legal como ‘planos’), mas enquanto cooperação com os consumidores, enquanto divisão paradigmática-objetiva e não subjetiva por sinistralidade, enquanto cooperação para a manutenção dos vínculos e do sistema suplementar de saúde, enquanto possibilidade de acesso ao sistema e de contratar, enquanto organização do sistema possibilitar a realização das expectativas legítimas do contratante mais fraco…. Aqui está presente o elemento moral, imposto ex vi lege pelo princípio da boa-fé, pois a solidariedade envolve a idéia de confiança e cooperação. Confiar é ter a ‘expectativa mútua, de que’, em um contrato, ‘nenhuma parte irá explorar a vulnerabilidade da outra’. Em, outras palavras, o legislador consciente de que este tipo contratual é novo, dura no tempo, que os consumidores todos são cativos e que alguns consumidores, os idosos, são mais vulneráveis do que os outros, impõe solidariedade na doença e na idade e regula de forma especial as relações contratuais e as práticas comerciais dos fornecedores…” (14) .


Inadmissibilidade de rescisão unilateral.

Pelo que se verifica nos documentos em anexo, as propostas (A e B) adotam novos termos e alteram de forma radical as condições contratuais até então pactuadas, seja porque exclui coberturas, seja porque utiliza como fator de atualização a faixa etária dos segurados.

Isso, na verdade, possibilita a ré um aumento considerável do prêmio e também a transferência dos riscos empresariais.

Ressalte-se que a conduta da ré implica em rescisão unilateral do contrato, o que lhe é vedado à luz das diretrizes traçadas pelo artigo 51, incisos XI, XIII e XV, todos do Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, o próprio contrato, mantido com os consumidores ao tratar da extinção do vínculo contratual, dispõe que entre as causas estão o mútuo consenso, a falta de pagamento do prêmio, a morte do segurado titular e o pagamento de indenização por invalidez permanente e total por doença.(15)

Entretanto é necessário invocarmos o fato de que, muito antes da edição do Código de Defesa do Consumidor, o Decreto-lei no. 73 de 21 de novembro de 1966 já vedava a rescisão unilateral dos contratos de seguro.

Com efeito, o referido diploma legal dispõe: “Art. 13. As apólices não poderão conter cláusula que permita rescisão unilateral dos contratos de seguro ou por qualquer modo subtraia sua eficácia e validade além das situações previstas em lei”.

Nem se argumente que não houve rescisão contratual, mas simples ‘não renovação’, pois isso é apenas obra da engenharia empresarial da ré, numa tentativa pífia de mascarar sua verdadeira intenção em rescindir unilateralmente o contrato.

Isso ainda é mais notório, pois a ré não somente comunicou sua intenção em não renovar o vínculo, como imediatamente ofereceu novos contratos com condições que somente atendem aos seus interesses.

A ré não somente olvidou-se dos princípios de cooperação, solidariedade, boa-fé objetiva(16) , mas de modo específico, também esqueceu das condições gerais da apólice no tocante a vigência do contrato, pois a cláusula 14 estabelece: “PERIODO DE VIGÊNCIA. O contrato tem duração de 01 (um) ano, sendo renovado automaticamente em seu aniversário” (fls. 55v).

Longe de observar os princípios e compromissos contratuais típicos de contratos cativos de longa duração, preferiu noticiar a não renovação, em ato manifesto de descumprimento contratual.

Nesse particular invoca-se o seguinte precedente do E. 2o. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, cuja ementa está:

“SEGURO DE VIDA E/OU ACIDENTES PESSOAIS – CONTRATO – RESCISÃO UNILATERAL – INADMISSIBILIDADE. No contrato de seguro, a resilição unilateral (rescisão sem lesão) não pode ser prevista em benefício apenas de uma das partes, a não ser que se observe a igualdade de condições, como recomenda o Código de Defesa do Consumidor. Substituição de forma hábil do seguro ‘Ouro Vida’ pelo ‘Ouro Vida Grupo Especial’, com menor extensão de cobertura, equivale de forma impositiva à rescisão de contrato. Impossibilidade. Procedimento abusivo. Inteligência do disposto no artigo 13 do Decreto-lei 73/66; art. 51, inciso XI da Lei 8.078/90 e demais dispositivos legais”(17).

Não custa realçar que o contrato de seguro é negócio bilateral, isto é, implica em direitos e obrigações recíprocas, quais sejam, a do segurado pagar o prêmio e da seguradora pagar a indenização, fixada na proposta ou na apólice.

Admitir-se como correto a imposição de um novo negócio, que frustre a bilateralidade do contrato, é o mesmo que negar vigência ao Código de Defesa do Consumidor. Isso porque, se a Constituição Federal prestigia a livre iniciativa pressupõe que os empresários possam suportar os riscos de sua atividade.

Na verdade, a alusão feita pela ré, de que as apólices se encontram desequilibradas financeiramente, lhe serve de base a não renovar o contrato, o que constitui benefício injustificado em detrimento dos contratantes.

Isso porque, as seguradoras sempre lançam seus produtos com base em cálculos atuariais e nisso se inclui a previsão sobre os prêmios que irão receber por longos anos.

Naturalmente, ao estipularem os prêmios nos contratos de seguro de vida, as seguradoras levam em conta o envelhecimento natural de seus clientes e, portanto, pressupõem o aumento paulatino dos riscos, ocorrências naturais ao longo da contratação.

Esse não é caso dos segurados (VIDA PLUS FAMILIAR), que embora preparados para suportar o repasse anual, se viram surpreendidos com a inclusão de aumento por faixa etária e a perda de inúmeras garantias.

Toda essa conduta deve ser rechaçada pelo Poder Judiciário, pois abrir a possibilidade de alteração das condições de um contrato, com a imposição de um novo padrão contratual, representa violação do Código de Defesa do Consumidor (arts. 4, I e III; 39, IV, V, X, XI; 51, IV, X, XI, XII e XV), na medida em que transfere os riscos da atividade econômica da seguradora, coloca o consumidor em desvantagem exagerada, é incompatível com a boa-fé e a eticidade dos contratos, implica em variação unilateral do preço e, em resumo, está em desacordo com o sistema de defesa do consumidor.


Sobre o assunto, novamente invocamos a decisão do 2o. Tribunal de Alçada Civil, pois é um paradigma a ser seguido:

“Ressalte-se que o contrato de seguro privado é um acordo de vontade bilateral e oneroso, avençado entre o consumidor, denominado segurado e o fornecedor de serviços, denominado sociedade seguradora, que gera a obrigação do segurado de pagar o prêmio de seguro e da seguradora pagar a indenização fixada na proposta, ou na apólice de seguro. Assim, sendo, aceita a proposta na contratação do seguro, deve-se observar rigorosamente o princípio da proporcionalidade e bilateralidade do ajuste pactuado pelas partes. Não se trata de compelir a agravante a contratar seguro contra sua vontade, ou tornar perpétua a relação com o segurado, a possibilitar a extinção do vínculo contratual apenas com a sua morte, mas de determinar que a agravante cumpra com suas obrigações até mesmo por força do disposto no artigo 13 do Decreto-lei 73, de 21 de Novembro de 1966, que veda a rescisão unilateral dos contratos de seguro ou por qualquer modo subtraiam sua eficácia e validade além das situações previstas em lei. ‘As cláusulas do contrato de seguro devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor-segurado (art. 47 da Lei 8.078/90)’. Nesse sentido: Marcelo da Fonseca Guerreiro – Seguros Privados, Forense Universitária, pág. 13,72.”

O Juiz relator com perspicácia, ao analisar a manobra de outra seguradora, apontou:

“Não resta dúvida de que, embora sustente a Seguradora de forma hábil não estar sendo feito o cancelamento da apólice 40 (Quarenta), mas sim, a sua renovação, fato é que utilizando-se de sofisma procura a agravante mascarar a pretensão na rescisão unilateral do contrato de seguro, tanto que oferece em substituição novo seguro com, menor extensão e de acordo com as suas conveniências, a violar o procedimento as regras contratuais pactuadas pelas partes. A rigor, a emissão do instrumento contratual denominado apólice se traduz pela materialização do acordo de vontade entre o segurado e a sociedade seguradora, possuindo, em regra, efeito constitutivo, que deve ser observado por ambas as partes. Marcelo Teixeira Bittencourt – O Contrato de Seguros e o Código de Defesa do Consumidor, Idéia Jurídica, 2000, p. 9, sustenta que ‘o contrato de seguro possui como elemento básico a boa-fé, havendo previsão no art. 1443 do Código Civil, no artigo 11 do Decreto-lei 73 de 21.11.1966 e em diversos princípios do CODECON (art. 51, IV, da Lei no. 8.078/90)’. ‘É claro que a boa-fé visa equilibrar as obrigações contratuais, tornando-se a relação contratual estável e justa para ambas as partes.’ O contrato de seguro é de adesão e não por adesão, como pretende fazer crer a seguradora, objetivando o reconhecimento de seu procedimento a possibilitar a rescisão contratual de forma unilateral, a violar, de forma arbitrária, as disposições contidas no Decreto-lei 73/66, Lei 8.078/90 e demais dispositivos que regulam a matéria, já que o disposto no artigo 51, X do Código de Defesa do Consumidor não permite a fixação de cláusula que possibilite o fornecedor alterar unilateralmente o contrato firmado com o consumidor, pois visa proteger o equilíbrio e a boa-fé do avençado. Marcelo T. Bittencourt, Obra citada, pág. 48”. (grifos não originais)

A conduta da ré, em não renovar o contrato e oferecer novas condições contratuais (opção A e B), configura abuso de direito (CC, art. 187)(18) , previsto pelo sistema como ato ilícito, capaz de gerar sua responsabilização por todos os danos causados.

Com efeito, os danos patrimoniais e morais experimentados pelos consumidores não devem ficar excluídos de ressarcimento, pois as expectativas legítimas dos consumidores eram continuar com o vínculo contratual, especialmente depois de longos anos, quando muitos consumidores já tenham atingido idade mais avançada, o que lhes dificultaria, sobremodo, obter no mercado de seguro preço e condições razoáveis.

Da medida liminar

Nessa fase inicial importa garantir a todos os segurados o direito de não se verem excluídos pela seguradora ré.

Com efeito, muitos dos segurados, dispersos em todo o país, já devem ter seus seguros vencidos e não renovados e outros tantos em breve poderão estar nessa situação.

O impedimento da exclusão dos segurados não pode aguardar o resultado final da demanda.

Leve-se em conta, que dois dos consumidores já conquistaram tutela antecipada, o que acabaria desdobrando-se em iniciativa custosa e desnecessária de milhares de outros segurados no ajuizamento de demandas individuais.

Não há razão para que este Órgão do Ministério Público aguarde a resposta da reclamada, especialmente, motivando-se na brilhante decisão, prolatada aos 13 de setembro de 2004 pela Juíza Maria Cláudia Bedoti.


Vejamos:

“Evidente a possibilidade de dano de difícil reparação, caso os autores sejam privados, por ato de iniciativa exclusiva da ré, da cobertura secundária para a qual contribuíram por diversos anos. De outra banda, questionável a legalidade da pretendida resolução unilateral do contrato., à vista da legislação consumerista que regulamenta a relação das partes e em face dos princípios da boa-fé objetiva. Isto Posto, presentes os requisitos legais, defiro o pedido de antecipação de tutela para determinar à ré que se abstenha de suspender ou cancelar os contratos de seguro celebrados com os autores, garantindo-lhes as mesmas condições de reajustes, emitindo, para tanto, novos boletos bancários para a cobrança dos prêmios…”(19) (grifo não original).

Claro está, que o risco dos consumidores é suficiente para a outorga da medida de urgência, mas é de se levar em conta que a adoção de medida assemelhada beneficiaria a própria prestação jurisdicional, dispensando-se o Poder Judiciário de julgar milhares de ações individuais.

De qualquer modo, convenhamos que a não renovação dos contratos nas datas de vencimento; a possibilidade de aumento do prêmio mensal por fatores que até então não estavam previstos; exclusão de cobertura são práticas abusivas e que levariam a frustração dos ideais e esforços de milhares de consumidores, que por anos e anos contribuíram para a manutenção do contrato.

Na verdade, a missiva da ré é típica de quem não pretende ser solidário e cooperativo com o consumidor, pois não lhe permitiu, de fato, alternativa senão a de seguir suas diretrizes unilaterais, sem qualquer respeito ao pacto firmado com a empresa Seasul, incorporada pela seguradora ré.

O não impedimento de tal conduta no liminar do processo porá em risco os interesses de milhares de vidas seguradas, especialmente porque os novos termos (opção A e B do VidaPlus) são extremamente desvantajosos.

O longo tramitar da ação somente beneficiaria à seguradora ré, pois até o seu término muitos dos segurados terão dificuldades. Por exemplo, o segurado coberto contra os riscos decorrentes da invalidez total e permanente por doença, direito excluído no novo plano, teria que aguardar a coisa julgada se formar para somente aí receber a indenização para tanto?

Assim, presentes os requisitos a que se referem os arts. 11 e 12 da Lei 7.347/85, necessária a concessão de medida liminar para:

obrigar a ré a abster-se de suspender ou cancelar todos os contratos de seguro de vida (VidaPlus Familiar), sob o pretexto de desequilíbrio financeiro das apólices, firmados anteriormente com os consumidores pela SEASUL, empresa incorporada pela ré em setembro de 2003, em respeito ao diversos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (arts. 4, I e III; 39, IV, V, X, XI; 51, IV, X, XI, XIII e XV(20) ) e também à cláusula contratual de no. 14 dos contratos padronizados (vide fls. 55v);

com relação a todos os contratos que já tenham sido cancelados unilateralmente pela ré, motivada no desequilíbrio financeiro da apólice, seja obrigada a manter tais contratos, retomando as condições pactuadas anteriormente, retroagindo-se tal decisão à data do referido cancelamento, sem qualquer modificação nos direitos e deveres dos contratantes, independentemente de terem os consumidores aderidos aos novos contratos impostos, devendo a seguradora ré emitir os documentos de cobrança (boletos) necessários (isentos de quaisquer encargos – juros/multas), no prazo máximo de 5 dias contados da intimação da decisão liminar.

A — Seja a ré obrigada a comunicar a todos os consumidores titulares dos contratos Vida Plus Familiar o teor da presente decisão, também no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da intimação da decisão;

B — Para garantir o cumprimento da decisão, em todas as hipóteses (a,b,c) seja imposto a multa diária de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) por ato em violação ao comando judicial, cujo produto, após liquidação, deverá ser revertido ao Fundo de Reparação (Lei 7.347/85, art. 13).

Dos pedidos finais.

Ante ao exposto, aguarda-se ao final o julgamento de procedência dos seguintes pedidos, a fim de que:

a). seja confirmada a liminar, condenando-se a ré à não suspender ou cancelar todos contratos (VIDAPLUS FAMILIAR), (motivada no desequilíbrio financeiro da apólice), mantendo-se os termos contratuais, firmados anteriormente com a empresa SEASUL, incorporada pela ré em setembro de 2003;

b). seja a ré condenada a retomar os termos contratuais, mesmo para aqueles segurados que tenham aderido às opções A e B, sem imposição de qualquer ônus ou encargos aos consumidores;

c). seja a ré condenada genericamente a devolver em dobro (CDC, art. 42, parágrafo único) todos os valores cobrados indevidamente e pagos a maior pelos consumidores, que tenham aderido aos novos planos, tudo a ser apurado em liquidação de sentença, consoante dispõe o artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor;


d). seja a ré condenada genericamente a indenizar todos os prejuízos (patrimoniais e morais) sofridos pelos consumidores em decorrência da não renovação dos contratos, tudo a ser apurado em liquidação de sentença (CDC, art. 95).

Requer, outrossim, seja determinada a citação da ré, pelo correio, a fim de que, advertida dos efeitos da revelia (CPC, 285), apresente, querendo no prazo de 15 dias, respostas aos pedidos ora aduzidos.

Pugna-se ainda, por sua condenação ao pagamento das custas processuais com as devidas atualizações monetárias.

Protesta-se pela dispensa ao pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, conforme disposição do art. 18 da Lei 7.347/85 e do art. 87 da Lei 8.078/90.

Sejam as intimações feitas pessoalmente, mediante entrega dos autos na Promotoria de Justiça do Consumidor, situada na Rua Riachuelo, 115, 1º andar, sala n. 130, nesta Capital, com vista, consoante o disposto no art. 236 §2º do Código de Processo Civil e no art. 224, inc. XI da Lei 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo).

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, notadamente pela produção de prova oral e, caso necessário, pela juntada de documentos e por tudo o mais que se fizer necessário à cabal demonstração dos fatos articulados na inicial, bem ainda, pelo benefício do art. 6º, inc. VIII da Lei 8.078/90 (inversão do ônus da prova).

Acompanham a inicial os autos do procedimento n.42/161/000.618/04-2 (com 145 folhas), instaurado pela Promotoria de Justiça do Consumidor.

Atribui-se à causa, para fins de alçada, o valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais).

Nestes termos, pede deferimento.

São Paulo, 21 de setembro de 2004.

Deborah Pierri

2º Promotora de Justiça do Consumidor

Juliana Giometti Magalhães Teixeira

Estagiária do Ministério Público

Notas de rodapé:

1. A empresa ré é sucessora da Seasul (Proc. SUSEP 0001.4379/90 – 404.014.001/03/00).

2. Nos autos da ação de rito sumário no. 000.04.081104-2, 6ª. Vara Cível da Capital (Fernando Ângelo Miranda x METLIFE), há referência à missiva encaminhada aos segurados: “ Em decorrência disso, a MetLife, passa a responsabilizar-se por todas as obrigações assumidas pela Seasul. Da mesma forma, todos os negócios e produtos negociados pela Seasul, anteriormente à incorporação, passam a ser negociados pela MetLife SEM QUALQUER ALTERAÇÃO, inclusive sendo administrado pelos mesmos profissionais. Na prática, nada muda para você, TODOS OS SEUS DIREITOS ESTÃO PRESERVADOS.” (grifos do autor), (fls.110 e fls.91)

3. Cf. fls. 22 e outras.

4. Fls.22v

5. …

6. Sobre isso confiram-se os comentários aos arts. 421 e 422 do CC., feitos por Carlos Santos Oliveira: “ Nessa parte o Código Civil brasileiro sofreu uma grande e significativa alteração, talvez a mais significativa de todas, ao inserir em seu texto os princípios da função sócia e de probidade e boa-fé. A inserção desses princípios, que em realidade de traduzem em cláusulas gerais, teve o condão de promover a alteração da teoria contratual, dando ensejo a uma nova teoria dos contratos, permeada pela exigência de uma conduta proba, reta, honesta das partes contratantes e também pela exigência da observância de uma função social, como razão e limite ao exercício da liberdade contratual. De se destacar que no direito anterior não existia qualquer menção aos princípios da função social do contrato, de probidade e boa-fé objetiva, o que efetivamente caracteriza a inovação do novo estatuto privado de direito. A boa-fé mencionada no Código Civil anterior, quando mesmo tratava da posse e do usucapião, por exemplo, era a subjetiva, enquanto que a boa-fé objetiva apenas vinha mencionada no art. 1443, do antigo diploma civil, ao dispor a respeito das disposições gerais atinentes aos contratos de seguro. Portanto, pela primeira vez o princípio da boa-fé objetiva vem insculpido como cláusula geral, permeando todas as relações contratuais na órbita civil” (O novo Código Civil comentado, Freitas Bastos, vol. 1, p.319).

7. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: RT, 4º edição, p. 395/396

8. Maria Helena Diniz in Código Civil Anotado, São Paulo, 6ª edição, 2000, p. 938

9. “São os contratos agora denominados de consumo, sejam eles de compra e venda, de locação, de depósito, de abertura de conta corrente, de prestação de serviços profissionais, de empréstimo, de financiamento ou de alienação fiduciária, de transporte, de seguro, de seguro saúde, só para citar os mais comuns”, Cláudia Lima Marques, idem, p. 163.

10. A empresa ré é subsidiária da empresa Metropolitan Life Insurance Company MetLife e está no Brasil desde o início de 1999 e pelos seus dados somente no ano de 2003 tem mais de R$ 30.000.000.000 em capitais segurados e mantém 24.000 apólices individuais. Esses dados foram tirados do sítio www.metlife.com.br, acesso em 15/09/04.


11. Contratos no CDC, RT. 4ª ed., p. 82/83

12. Contratos relacionais e defesa do consumidor, Max Limonad, 1998, p. 365.

13. Idem, p. 366/67. Nesse ponto de seu trabalho Ronaldo Porto Macedo Júnior invoca a lição de Hadfield: “a abordagem relacional para a interpretação contratual requer sensibilidade às particularidades de cada relação… Não há regras firmes e rápidas (hard and fast rules)… A interpretação relacional é um exercício de atenção, intuição e juízo sobre o fato específico.”

14. Cláudia Lima Marques, Contratos no CDC, RT, 4ª ed, p. 417.

15. Cf. cláusula: “13. EXTINÇÃO DO CONTRATO. 13.1 O contrato extinguir-se-á: a) Em qualquer época por mútuo e expresso consenso entre o Segurado Titular e a Seguradora; b) Pela falta de pagamento do prêmio mensal, 60 (sessenta) dias após o vencimento; c) Pela morte do Segurado Titular; d) Pela indenização por invalidez Permanente e Total por Doença”. (fls. 55v).

16. Sobre a boa-fé objetiva confira-se a excelência do trabalho de Marco Antonio Zanellato: “Segundo o magistério de ALÍPIO SILVEIRA, essas duas acepções de boa-fé surgiram no Direito civil alemão. Com efeito, o Código Civil Alemão (B.G.B) distingue, de um lado, Treu und Glauben (arts. 157, 162, 242, 320, 815, …), e do outro, Guter Glaube (arts. 932, 937, 955, 957, 1.121, …). Treu und Glauben é a boa-fé em sentido lato: refere-se à interpretação dos contratos e ao cumprimento das obrigações. É a honradez no cumprimento das obrigações, a honradez objetiva (em contraposição à honradez fundada na crença – erro ou ignorância), a lealdade, honestidade ou probidade. ‘A inobservância desta boa fé acarreta para o indivíduo, quer a nulidade do ato jurídico, quer a perda de certos direitos, quer a sua responsabilidade. Pressuposto de todas essas sanções é, evidentemente, o prejuízo alheio”. Mais à frente citando Antonio Junqueira de Azevedo alude que: “(…) a admissão da boa-fé, no nosso ordenamento, não se limita, pois, ao microssistema do direito do consumidor, mas a norma deve ser aplicada pela jurisprudência, no seu papel de agente intermediário entre a lei e o caso, a todo o direito (inclusive ao direito público). A boa-fé objetiva é, do ponto de vista do ordenamento, o que os franceses denominam ‘notion-quadre’, isto é, uma cláusula geral que permite ao julgador a realização do justo concreto, sem deixar de aplicar a lei. A boa-fé é norma de comportamento positivada nos artigos 4º, inciso III, e 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, que cria três deveres principais: um de lealdade e dois de colaboração, que são, basicamente, o de bem informar (caveat venditor) o candidato a contratante sobre o conteúdo do contrato e o de não abusar ou, até mesmo, de se preocupar com a outra parte (dever de proteção). Sobre esse conteúdo da boa-fé, identificam-se as opiniões de outros autores. CARBONNIER fala em um “dever de honradez e probidade e, concentrando sua atuação na boa-fé contratual, alude à cooperação indispensável entre as partes contratantes. TRABUCCHI, por seu turno, refere-se à colaboração, solidariedade, honestidade e correção. Fala, também, em lealdade, clareza e coerência, fidelidade e respeito aos deveres que, segundo a consciência geral, devem ser observados nas relações jurídico-sociais.GORPHE sublinha que a boa-fé impõe o dever moral de não prejudicar ou enganar o outro, que não é mais do que uma aplicação da norma geral que manda não fazer mal ao próximo. Entre nós, ORLANDO GOMES, na linha do pensamento alemão, alude à boa-fé no sentido de que as partes contratantes devem agir com lealdade e confiança recíprocas, devendo haver colaboração entre elas, ou seja, uma deve ajudar a outra na execução do contrato. RUI ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, a propósito da aplicação da cláusula geral da boa-fé, pontifica que as pessoas devem comportar-se segundo a boa-fé, antes e durante o desenvolvimento das relações contratuais. Esse dever, para ele, projeta-se na direção em que se diversificam todas as relações jurídicas: direitos e deveres. Os direitos devem exercitar-se de boa-fé; as obrigações têm de cumprir-se de boa-fé . Sublinha, ademais, que: ‘O princípio gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração e da exoneração da avença. Além de criar deveres, impõe limites ao exercício dos direitos, a impedir seu uso de modo contrário à recíproca lealdade”. (www.mp.sp.gov.br – Cenacon – Ficha 657/00)

17. AI 738.537-00/7, 4a. C., rel. Juiz Julio Vidal, j. 27.8.2002 (JTA-LEX 197/422), (fls. 133).

18. CC. Art.187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

19. 6a. Vara Cível Capital, Autores Fernando Ângelo Miranda x Metropolitan Life Seguros e Previdência S/A, autos no. 000.04.081104-2, em 13/09/04. (doc. fls. 132)

Confira-se o CDC: “art. 4º A política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; (…) III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art.170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhes seus produtos ou serviços; V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; X – exigir sem justa causa o preço de produtos ou serviços; XI – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido; art. 51 São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais, relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; (…) X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após a sua celebração; XV- estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor”.

Ação 000.04.083347-0

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