Inferno de Dante

Com bloqueio online, BC pode substituir Lúcifer em 'A Divina Comédia'.

Autor

  • Laércio José Loureiro dos Santos

    é mestre em Direito pela PUC-SP procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª ed. Dialética 2023 — no prelo) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (coord.: Marcelo Figueiredo Ed. Juspodivm 2023).

18 de setembro de 2004, 13h30

A Justiça do Trabalho em nosso país teve como musa a regra trabalhista de gênese autoritária de Mussolini na Itália.

Dada sua origem, este regramento jurídico brasileiro é conhecido por seu extremo paternalismo para com os empregados sendo conhecidos casos em que empregadores preferem sofrer uma ação na Justiça trabalhista para que “paguem uma só vez”, como se costuma dizer.

É conhecido no mundo jurídico o fato de que pagar sem a existência de ação trabalhista poderá acarretar o pagamento duplo: uma vez espontaneamente e outra na Justiça do Trabalho. As alegações do gênero “fui coagido”, “trabalhava milhares de horas extras” etc, sempre tem verdadeira presunção de veracidade quando proferidas pelo pobre e explorado trabalhador.

Desta forma, a Justiça do Trabalho acaba fomentado conflitos e não evitando-os, como deveria ser seu papel.

Não bastasse o paternalismo que supera qualquer pai, a Justiça do Trabalho, articulada com o Banco Central, realiza um espetáculo que nem mesmo Dante Alighieri conseguiu imaginar no “Inferno” de sua obra “A divina comédia”.

Qualquer religião sabe que não se paga duas vezes pelo mesmo pecado. Se você for invejoso, vai ficar com os olhos amarrados por arames no purgatório de Dante. Se for rancoroso ficará submergido num mar escuro remoendo-se. Se for traidor será devorado pessoalmente por Lúcifer. É o que fala Dante em sua obra.

Se, porém, ficar devendo mil reais para um ex-empregado (mesmo um empregado de competência muito discutível), aí, então, surge a fogueira da perdição.

Se o empregador tiver 100 contas correntes terá bloqueado não os mil reais, mas cem mil reais, já que o sistema “burro” do banco central bloqueia indiscriminadamente toda e qualquer conta corrente do empregador!

Note-se, se você matar alguém com requintes de crueldade, utilizando-se de meio insidioso e cruel será julgado e condenado. Mas pagará uma só vez sua pena. Agora, se deve alguma coisa para um ex-empregado, pagará pelos seus e pelos pecados proporcionais ao número de contas correntes que possui.

Fosse vivo Dante Alighieri e poderia reescrever sua obra, incluindo o Banco Central do Brasil no lugar de Lúcifer, já que este — bem mais bondoso — só exige uma única vez a alma de seus condenados.

Por que um sistema deste foi implantado e só agora imaginam corrigi-lo para que o pecador pague uma única vez seu pecado? Em plena era da internet não implantaram — até hoje — um sistema de inteligência compatível a um macaco? Quantas empresas quebraram pela incompetência deste sistema?

O Banco Central comete ato imoral e ilegal ao proceder de tal foram. É claro como a luz do sol que, de acordo com o princípio da legalidade do artigo 37 “caput” da Constituição Federal, o Banco Central só pode fazer o que a lei expressamente autoriza. Que lei autoriza que alguém pague proporcional ao número de contas correntes e acima do estipulado em sentença judicial?

Evidentemente nenhuma lei do mundo autoriza a barbárie financeira perpetrada pelo Banco Central.

Como é de conhecimento dos operadores do direito e de qualquer pessoa de bom senso elementar, a ninguém é lícito alegar a própria torpeza.

Se o BC não tinha condições técnicas de implantar o bloqueio on line que não fizesse, então, o convênio enquanto não tiver condições técnicas para implementá-lo.

E mais, quantas ações de indenização deverão ser suportadas pela União em razão dos prejuízos evidentemente causados por bloqueio de valores superiores ao devido?

A sentença existe para que, cumprindo a função típica do Poder Judiciário, resolva a lide concretamente. Desta forma, o Poder Judiciário atua em casos concretos e não de maneira genérica e abstrata. Assim, a regra surgida na sentença é específica e não vaga. O valor é exato e não uma estimativa a cargo da apuração do Banco Central.

Assim, o BC que organize seus cadastros e proceda como qualquer botequim ou padaria organizado sua atividade.

Seja como for, os empresários podem ficar tranqüilos. Lúcifer, ao contrário do BC, cobra uma única vez. Quem for para o inferno pelo menos não terá que pagar duas vezes pelo mesmo pecado.

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