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Justiça proíbe banco de cobrar tarifa de empréstimo pessoal

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17 de setembro de 2004, 11h26

A Justiça paulista proibiu o Banco BMG S/A de cobrar tarifa por liquidação antecipada de empréstimo pessoal. A liminar é da 3ª Vara Cível Central da Capital, que atendeu pedido do Ministério Público paulista. O não cumprimento da liminar acarretará multa diária no valor de R$ 10 mil. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

A promotora de justiça do consumidor Adriana Borghi Fernandes Monteiro ingressou com Ação Civil Pública alegando que o BMG incorre em prática abusiva ao não estabelecer nos contratos celebrados a redução de juros por ocasião da liquidação antecipada — total ou parcial — dos empréstimos bancários.

Além disso, segundo o MP, a instituição financeira cobra um percentual sobre o montante do débito, incluído numa tabela de “tarifas de serviços bancários”, que estaria amparada por resoluções do Banco Central.

A promotora afirma que o Código de Defesa do Consumidor assegura ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos. O Ministério Público entende que no contrato de empréstimo pessoal do BMG não há referência a essa disposição legal.

“A prática abusiva perpetrada pela instituição ré é evidente. O Código de Defesa do Consumidor, quando assegura ao usuário do serviço de crédito a liquidação antecipada do débito, determina a redução proporcional dos juros e demais acréscimos permitidos por lei, justamente porque o consumidor pretende quitar seu débito antes da data prevista para tanto, vindo a instituição ré, de forma acintosa, a cobrar do consumidor tarifa de 5% sobre o montante do débito para possibilitar o pagamento”, afirmou a promotora na ação proposta à Justiça.

Leia a liminar

PODER JUDICIÁRIO

SÃO PAULO

PROCESSO Nº 000.04.080985-4, 3ª Vara Cível do Foro Central

Despacho Proferido

Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público de São Paulo contra o Banco BMG S/A, visando a proibição de cobrança de tarifa por liquidação antecipada de mútuo, bem como obrigação de inserir nos instrumentos de adesão todas as informações necessárias para o exercício do direito previsto no art. 52, § 2º, da Lei 8078/90.

À primeira vista, considerando o sistema de proteção ao consumidor, que a tarifa em questão não está compreendida nas Resoluções 2303/96 e 2747/00 do Bacen, bem como a inexistência de um serviço bancário a gerar contraprestação pecuniária, afigura-se presente a verossimilhança do direito.

Assim, com fundamento no art. 12 da Lei 7347/85, defiro a liminar e ordeno ao réu que se abstenha de cobrar qualquer valor nas hipóteses de quitação antecipada de empréstimos pessoais, sob pena de multa diária ora fixada em R$ 10.000,00 para cada violação do preceito.

Cite-se e intime-se, expedindo-se carta com urgência, independentemente de qualquer recolhimento.

Int.

Leia a íntegra da Ação Civil Pública

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ª VARA CÍVEL CENTRAL DA CAPITAL

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, pela Promotora de Justiça do Consumidor que esta subscreve, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal; nos artigos 81, parágrafo único, incisos I e II, e 82, inciso I, ambos do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), e nos artigos 1º e 5º, caput, da Lei nº 7.347/1985, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido LIMINAR, a ser processada pelo rito ordinário, em face de BANCO BMG S/A, inscrito no CNPJ/MF sob nº 61.186.680/0001-74, com sede em Minas Gerais, na Rua Álvares Cabral, nº 1.707, 2º andar, Bairro Santo Agostinho, CEP 30170-001, Belo Horizonte, representado por seu diretor João Batista de Abreu, portador do R.G. nº 6.615.326-SSP/SP e inscrito no CPF/MF sob nº 094.017.097-34, pelos fundamentos de fato e de direito adiante expostos:

I – DA LEGITIMIDADE ATIVA

A presente ação tem por escopo a tutela jurisdicional dos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, assim considerados todos aqueles que celebraram ou que virão a celebrar termos de adesão aos contratos de empréstimo pessoal com a ré.

Apurou-se no Procedimento anexo que os direitos coletivos e difusos acima mencionados estão sendo ou serão violados em razão da existência de práticas abusivas, já que a demandada deixa de prever, no instrumento contratual, a liquidação antecipada do contrato, seja total ou parcial, no que diz respeito ao pagamento reduzido de juros e demais acréscimos previstos em lei e, além disso, permite a aplicação de tarifa correspondente a 5% (cinco por cento) sobre o saldo devedor, como de fato vem ocorrendo.


O contrato de empréstimo pessoal da demandada estabelece que os pagamentos devidos pelo usuário são programados para serem feitos mediante a sistemática de desconto pelo respectivo empregador em seu salário e demais verbas trabalhistas. Em não se dando desta forma os descontos, pode o usuário autorizar a demandada a proceder aos mesmos através de débito em conta corrente de sua titularidade, podendo ainda o usuário, visando a liquidação de seu débito, utilizar ficha bancária, formulário de pagamento avulso, pagamento direto no caixa ou qualquer outra forma aceita pela demandada, sob pena de incorrer em mora.

Embora haja alusão no contrato, em sua cláusula 4.1.6, acerca da liquidação antecipada, seja parcial ou total, não há informação clara e precisa quanto à forma de cálculo sobre o débito, no que tange principalmente os juros e encargos legais, sendo certo que, quando o consumidor pretende liquidar antecipadamente o contrato, vem a instituição ré a cobrar-lhe um percentual sobre o montante do débito, estabelecido em uma Tabela de “Tarifas de Serviços Bancários” que, segundo a demandada, está em consonância com a Resolução do Banco Central 2.303/96, com nova redação dada pela Resolução 2.747/00 sendo somente afixada nas dependências da instituição-ré. Em princípio, há que se argumentar que referidas Resoluções não fazem referência expressa à possibilidade de cobrança da tarifa aqui tratada e, ainda que o fizessem, a prática seria abusiva, haja vista a falta de informação ostensiva e clara ao consumidor, no contrato, acerca das condições de sua liquidação antecipada, que se trata de disposição que deveria estar prevista nas condições gerais do contrato de empréstimo pessoal da demandada e, portanto, obrigatoriamente prevista no corpo do instrumento contratual, que é o documento disponibilizado ao consumidor.

Atualmente, há inúmeros consumidores que já contrataram com a ré e estão expostos à referida prática abusiva. No futuro, muitos outros virão a contratar com a requerida e também estarão expostos à mesma prática.

A massa de consumidores que já contratou com a ré e, portanto, já está submetida à prática abusiva e, consequentemente, à cobrança abusiva da tarifa por ela praticada, é titular de interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, pertencentes a um grupo ou categoria de pessoas determinadas, ligadas com a ré por uma relação jurídica base, a saber, a contratação de empréstimos pessoais. Nessa esteira, a teor do que dispõe o art. 81, parágrafo único, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, os interesses ou direitos que se pretende tutelar com a presente actio são aqueles denominados coletivos.

A tutela ora pretendida não busca somente a defesa dos interesses e direitos daqueles que já contrataram com a ré, mas também daqueles que virão, ou possam vir a contratar com ela e, com isso, estarão submetidos à abusividade já descrita. Neste caso, podemos falar na tutela de interesses ou direitos denominados difusos, conforme definidos pelo art. 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, isto é, aqueles de natureza transindividual e indivisível de que são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, a saber, a possibilidade que qualquer pessoa tem de contratar com a ré e ser atingido pela descrita prática abusiva e suas implicações.

Não bastasse, a omissão contratual não permitiu o conhecimento prévio das condições da liquidação antecipada e, muito menos, do percentual de tarifa, desobrigando, pois, nos termos do art. 46, do Código de Defesa do Consumidor, os consumidores que contrataram com a ré do pagamento de qualquer tarifação. Logo, todos os valores cobrados dos consumidores que já contrataram com a ré a título de tarifa, cuja cobrança e o percentual eram absolutamente desconhecidos, deverão ser restituídos, porque pagos indevidamente.

Esta categoria de consumidores é titular de direitos e interesses definidos pelo art. 81, parágrafo único, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, denominados interesses ou direitos individuais homogêneos, ou seja, aqueles decorrentes de origem comum, individuais e divisíveis, cuja tutela é postulada coletivamente em razão dessa origem comum, tornando-os espécie de direito coletivo para facilitar a defesa dos consumidores e evitando-se decisões jurisprudenciais controversas.

O Ministério Público, instituição essencial à Justiça, detêm, dentre suas atribuições, a legitimidade para a tutela preventiva e repressiva dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, tal como preceituam o art. 129, inciso III, da Constituição Federal; o art. 103, inciso VIII, da Lei Complementar Estadual nº 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo); os arts. 1º, 3º, 5º, caput, e 21 da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e os arts. 82, inciso I, c.c. o 81, parágrafo único, incisos I, II e III do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).


II – DA COMPETÊNCIA

A instituição bancária-ré, embora sediada em Minas Gerais, possui agências em todo o território nacional, assim entabulando contratos de prestação de serviços, entre os quais o aqui tratado, contrato de empréstimo pessoal, com consumidores de todo o País.

Desse modo, os danos aqui considerados são, sem sombra de dúvida, de âmbito nacional, assim delimitando a competência para processo e julgamento da presente ação civil pública do foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, na forma expressamente disposta pelo artigo 93, inciso II do Código de Defesa do Consumidor, a seguir transcrito:

“Ressalvada a competência da justiça federal, é competente para a causa a justiça local:

II – no foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente”.

Sobre essa questão, cabe trazer à colação a lição apontada pela eminente jurista ADA PELLEGRINI GRINOVER, in CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR COMENTADO PELOS AUTORES DO ANTEPROJETO, 8ª EDIÇÃO, PÁGINA 878:

“Mas o produto ou serviço pode acarretar prejuízos de dimensões mais amplas, atingindo pessoas espalhadas por uma inteira região ou por todo o território nacional. Nesse caso, a determinação da competência territorial faz-se pelo foro da capital do Estado ou do Distrito Federal (inc. II do art. 93). Tanto num como noutro caso, a competência é da justiça local”.

Assim a Jurisprudência:

“Interpretando o artigo 93, inc. II, do Código de Defesa do Consumidor, já se manifestou esta Corte no sentido de que não há exclusividade do foro do Distrito Federal para o julgamento da ação civil pública de âmbito nacional. Isto porque o referido artigo, ao se referir à Capital do Estado e ao Distrito Federal, invoca competências territoriais concorrentes, devendo ser analisada a questão estando a Capital do Estado e o Distrito Federal em planos iguais, sem conotação específica para o Distrito Federal”. (STJ-2ª Seção, CC 17.533-DF, rel. Min. Menezes Direito, j. 13.9.00, v.u., DJU 30.10.00, p. 120). No mesmo sentido: STJ-RT 799/192.

Desse modo, correta a propositura da ação perante o foro da Capital do Estado de São Paulo, porque competente para seu processo e julgamento.

III – DO INTERESSE SOCIAL

A presente ação, conforme acima demonstrado, visa a tutela de todas as espécies de direitos coletivos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, quais sejam, interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Como já mencionado, o Ministério Público possui legitimidade ativa para a tutela destas três espécies de direitos e interesses por via de ação civil pública. Enquanto a legitimidade para a tutela dos interesses difusos e coletivos se extrai da própria natureza desses interesses, que além de transindividuais são indivisíveis, com relação aos individuais homogêneos, que nada mais são do que interesses individuais, mas que têm origem fática comum e podem ser tutelados coletivamente, a legitimidade do Ministério Público revela-se, sobretudo, quando há grande dispersão de lesados e/ou quando há interesse social, isto é, com relevância suficiente a ensejar a atuação do órgão ministerial.

No presente caso os interesses individuais homogêneos que se visa tutelar por meio desta ação consubstanciam-se em questões relativas a empréstimos bancários e, portanto, de grande relevância social.

Com efeito, é de se notar, inicialmente, que os consumidores da ré, a saber, pessoas em dificuldades financeiras, celebraram contratos com ela, que está estabelecida há anos no meio bancário, possuindo grande oferta de empréstimos pessoais.

Supõe-se que instituições como a ré, regularmente estabelecidas no mercado de consumo, cumpram rigorosamente, em sua atuação profissional, os ditames das normas legais.

É de causar indignação e preocupação a sujeição de elevado número de consumidores à prática abusiva pela ré perpetrada, e que instituição bancária de seu porte, que conta com credibilidade em seus contratos e serviços, cause prejuízo a seus consumidores usuários, que se constituem de um grande número.

É inconcebível, num país como este, de imenso déficit financeiro, que instituições bancárias adotem práticas abusivas como a aqui descrita, apenas por visarem lucro, deixando de lado o que realmente deve nortear seu funcionamento.

A ré tinha, portanto, o dever de zelar pelos interesses daqueles que a ela confiaram sua situação econômico-financeira, mas descumpriu esse dever, transgredindo a lei.

Assim, interessa à sociedade como um todo que sejam adotadas medidas eficazes, a fim de cessar imediatamente o perigo de dano, e que sejam reparados os prejuízos sofridos pelo elevado número de consumidores lesados. Justificando-se, pois, plenamente, a atuação ministerial para a tutela dos interesses individuais homogêneos no presente caso.


IV – DOS FATOS

Conforme se apurou no incluso procedimento administrativo, que acompanha a presente inicial, a ré vem agindo de forma abusiva na prestação de serviços de empréstimo pessoal, em prejuízo dos consumidores.

O Código de Defesa do Consumidor, quando dispõe acerca do fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, reza em seu artigo 52, § 2º que: “É assegurada ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos”.

Com efeito, o “CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL MEDIANTE UTILIZAÇÃO DO CARTÃO BMG FIDELIDADE – CONTRATO DE ADESÃO”, fornecido pelo Banco estabelece, em sua cláusula 4ª, as várias formas de pagamento conferidas ao usuário em relação ao empréstimo concedido, de modo sucessivo, consoante já observado acima, porém não traz previsão clara e ostensiva para a hipótese de liquidação antecipada de débito, seja total ou parcial.

Assim, conforme se depreende, não há no instrumento contratual referência à possibilidade, conferida por lei, de liquidação antecipada do contrato, com seus consectários, mas apenas alusão à possibilidade de o usuário solicitar à Central de Atendimento a posição atual do saldo devedor para fim de quitação, mediante ficha bancária, formulário de pagamento avulso ou qualquer outro meio aceito pela demandada (cláusula 4.1.6), sem conferir a este a informação adequada acerca da forma de pagamento antecipado do débito, sobre o qual recai redução proporcional de juros e demais acréscimos legais, inexistindo hipótese de cobrança de tarifa sobre o montante do débito, restando configurada, dessa forma, a prática abusiva que impede o direito de informação ao consumidor e é contrária à boa-fé objetiva.

A Tabela de “Tarifas de Serviços Bancários” (fls. 26) que, segundo o afirmado pela ré, é afixada nas dependências da instituição, dispõe o seguinte, em seu item 2: “Despesas de Operação – Liquidação antecipada de contrato, 5% (cinco por cento) sobre o saldo devedor, limitado a: R$ 50,00 (cinqüenta reais)”.

Essa cobrança, acerca da qual o consumidor não possui qualquer informação prévia, e que, frise-se, fere frontalmente o Código de Defesa do Consumidor, vem a surpreender o usuário do serviço prestado pela demandada, de forma lesiva a seus interesses e direitos.

É importante ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor, ainda no artigo 52, obriga o fornecedor de produtos e serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor à prévia e adequada informação sobre o preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; o montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; os acréscimos legalmente previstos; o número e periodicidade das prestações e a soma ou total a pagar, com e sem financiamento.

Mais uma vez o Código de Defesa do Consumidor traz o direito à informação clara e ostensiva, sendo que a instituição-ré não apenas deixa de atender disposição legal expressa quando não prevê no contrato de empréstimo pessoal as condições de liquidação antecipada do débito, seja total ou parcial, com a redução proporcional dos juros e demais acréscimos permitidos pela lei, como, indo mais além, também aplica ao usuário que pretende quitar seu débito um percentual não previsto e contrário à lei, a título de tarifa.

A prática abusiva perpetrada pela instituição ré é evidente. O Código de Defesa do Consumidor, quando assegura ao usuário do serviço de crédito a liquidação antecipada do débito, determina a redução proporcional dos juros e demais acréscimos permitidos por lei, justamente porque o consumidor pretende quitar seu débito antes da data prevista para tanto, vindo a instituição ré, de forma acintosa, a cobrar do consumidor tarifa de 5% (cinco por cento) sobre o montante do débito para possibilitar o pagamento. Ora, a desvantagem excessiva e o prejuízo do consumidor são gritantes e devem ser cessados pela prestação jurisdicional que se busca com esta ação.

Quanto à questão cumpre trazer à baila posicionamento Jurisprudencial em caso de concessão de financiamento, que pode ser utilizado analogicamente ao presente, em vista do alcance do artigo 52 do CDC:

“Sistema Financeiro de Habitação. Liquidação antecipada de dívida hipotecária. Saldo devedor. Cálculo segundo as regras imperantes no momento da celebração do contrato. O pagamento antecipado de uma dívida importa em retirar da mesma os encargos exigíveis se a satisfação se prolongasse através de prestações sucessivas”. (Apelação Cível 191162304 – Terceira Câmara Cível – Tribunal de Alçada – RS).

E a previsão legal já mencionada é justamente essa: permitir ao consumidor que pretende quitar sua dívida antes do término das prestações sucessivas a redução proporcional dos encargos exigíveis se a satisfação do crédito se prolongasse no tempo. Ao contrário disso, a instituição-ré cobra do consumidor tarifa sobre o pagamento antecipado, criando a ele absurda situação de desvantagem econômica.


A requerida foi notificada a manifestar-se no procedimento administrativo que instrui esta inicial e, como justificativa, disse que a cobrança da tarifa para o caso de liquidação antecipada do contrato é autorizada pelo Banco Central do Brasil e regulada pela Resolução 2.303/96, com nova redação dada pela Resolução 2.747/00, sendo certo ainda que essa cobrança não está entre aquelas tarifas vedadas pelo Conselho Monetário Nacional.

Como já verificado acima, as Resoluções referidas não dispõem expressamente sobre a cobrança da tarifa em discussão, portanto não é correta a afirmação da instituição demandada de que a prática está autorizada, seja pelo Banco Central, seja pelo Conselho Monetário Nacional.

Todavia, ainda que expressa disposição houvesse nesse sentido, tal estaria em absoluto desacordo com a norma legal já mencionada, eivando de abusividade a prática adotada.

Diante do quadro apresentado, este órgão procurou solucionar a falha administrativamente, notifi-cando o representante legal da instituição-ré para assumir compromisso de ajustamento de conduta perante o Ministério Público, a fim de expurgar a abusividade por ela praticada, mas na data da audiência houve expressa recusa nesse sentido, demonstrando a ré seu desinteresse em estabelecer conduta não vedada pela lei de defesa do consumidor, razões estas que levam este órgão a promover a presente ação.

V – DO DIREITO

Os fatos acima narrados evidenciam que a demandada, Instituição Bancária, realiza, na prestação de serviços de crédito, pactuada pelo “CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL MEDIANTE UTILIZAÇÃO DO CARTÃO BMG FIDELIDADE” (cuja natureza é de contrato de adesão), prática abusiva, uma vez que deixa de indicar condição geral desse contrato, qual seja, a forma de liquidação antecipada do contrato, tornando-o omisso, violando, com isso, o dever de informação do fornecedor, estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, em seus arts. 6º, inciso III; 8º, parágrafo único; 9º; 30; 46 e 51, inciso IV; bem como violando o princípio da boa-fé objetiva (art. 4º, inciso III e art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor). A violação ao dever de informação é ainda mais evidenciada pela natureza de adesão do mencionado contrato (art. 54, do Código de Defesa do Consumidor).

Não bastasse a abusividade da mencionada prática, consistente, sobretudo, na omissão contratual com relação à liquidação antecipada do débito, a demandada, aproveitando-se da referida omissão, realiza outra prática abusiva, pois aplica a tarifa de 5% (cinco por cento) sobre o montante do débito em casos em que o consumidor deseja pagar, de uma só vez ou parcialmente, aquilo que tomou emprestado do Banco, em total desrespeito ao estabelecido pelo art. 52, caput e § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, já objeto de análise acima.

Sobre a questão, é importante trazer à colação a lição de NELSON NERY JUNIOR, CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 8ª Edição, página 616:

“Uma das mais importantes conquistas do consumidor com o Código foi o direito de liquidação antecipada do débito financiado, com a devolução ou redução proporcional dos juros e demais encargos… Caso o fornecedor não assegure esse direito ao consumidor, além do direito previsto neste dispositivo, terá ele direito de haver perdas e danos, patrimoniais e morais, nos termos do art. 6º, nº VI, do CDC”.

No caso dos autos, não só a instituição-ré não prevê a forma de cálculo de liquidação antecipada do contrato em seu bojo, como também, quando o realiza, cobra tarifa não prevista e em desacordo com disposição legal, violando o princípio da boa-fé objetiva que deve nortear esse tipo de contrato.

Ora, não só a instituição-ré não respeita os ditames da lei ao conceder a liquidação antecipada do contrato, como vai mais além, trazendo ao consumidor excessiva desvantagem, na medida em que este, ao liquidar seu empréstimo, tem que pagar tarifa sobre percentual a ser calculado em vista do montante devido.

Não resta dúvida, pois, de que a forma de liquidação antecipada do contrato, total ou parcialmente, deve ser estabelecida em disposição expressa do instrumento contratual, sob pena de incorrer-se, como ocorre com a ré, em prática abusiva.

Ensina o prof. NELSON NERY JÚNIOR que as cláusulas (condições) gerais do contrato:

“têm os atributos do preestabe-lecimento, unilateralidade da estipulação, uniformidade, rigidez e abstração. São estipulações feitas por um dos futuros contratantes, denominado predisponente ou estipulante (unilateralidade), antes, por-tanto, do início das tratativas contratuais (preestabelecimento), que servirão para reger os negócios do estipulante relativos àquela área negocial (uniformidade), sendo que o intento do predisponente é no sentido de que o futuro aderente aceite os termos das cláusulas sem discutir seu contéudo e alcance (rigidez), e, ainda, que essa forma de contratação possa atingir indistintamente o contratante que quiser aderir às cláusulas contratuais gerais (abstração), vale dizer, o que possa haver circulação em massa desses formulários onde estão contidas as cláusulas gerias para que as contratações se deêm em massa”.(1)


Note-se que os contratos de adesão caracterizam-se justamente por conterem dispositivos aprovados pela autoridade competente ou condições contratuais gerais (art. 54, da Lei nº 8.078/90).

Logo, resta claro o sentido de condição geral de cláusula que estabelece a forma de liquidação antecipada do contrato, sendo que, por conseguinte, deveria constar expressamente no instrumento contratual, preservando-se o direito do consumidor à informação (art. 6º, inciso III do CDC), informação essa que deve ser, especialmente por tratar-se de contrato de adesão (art. 54, caput do CDC), correta, clara, precisa, ostensiva e legível, em língua portuguesa e de fácil compreensão sobre as características, quantidade, qualidade, composição, preço, entre outros (art. 6º inciso III, 2ª parte e art. 54, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor), e preservando-se, ainda, o direito do consumidor a ter conhecimento prévio do conteúdo da avença (art. 46, do CDC).

O direito à informação, consagrado como direito básico do consumidor, é citado por diversas vezes pelo Código de Defesa do Consumidor, principal diploma legal das relações de consumo. Nessa esteira, a existência desse direito básico do consumidor de receber informação traduz-se, inversamente, no dever do fornecedor de prestar informação no fornecimento de seus produtos e serviços, bem como em suas práticas de mercado e contratuais.

Evidente, pois, a intenção do legislador ao criar o sistema de proteção ao consumidor: obrigar o fornecedor a informar o consumidor de forma adequada e clara a respeito do serviço que está contratando, o que significa dizer, precipuamente, que não deve faltar aos consumidores, no momento da contratação, nenhuma informação necessária ao cumprimento e execução do contrato.

Esse direito atende, fundamentalmente, aos princípios da liberdade de escolha nas relações de consumo e da igualdade nas contratações, permitindo que o consumidor tenha real e efetiva possibilidade de optar entre fornecedores da mesma natureza, em situações iguais, bem como de tomar parte no contrato em igualdade de condições com o fornecedor, conhecendo todo o alcance do contrato e seu objeto.

Ademais, conforme fica evidenciado pela redação do art. 46, do estatuto consumerista, a lei exige que, nas relações contratuais, o fornecedor dê ao consumidor conhecimento prévio do contrato, preservando-se tanto o direito à informação como a boa-fé objetiva, protegendo-o contra possíveis abusos. É preceito da proteção contratual estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor coibir abusividades na contratação, sendo que a informação prévia é o instrumento que o legislador encontrou para que o consumidor saiba antecipadamente todos os seus direitos e deveres, para não ser surpreendido por mudanças no curso do contrato e poder exercer de forma plena sua liberdade de escolha.

É de se notar que a exigência contida no dispositivo ora invocado tem por alvo uma conduta objetiva do fornecedor que, não se realizando, implicará em prática comercial abusiva. Cria-se, pois, um dever objetivo cominando-se uma sanção, qual seja, a de que a falta de informação prévia não obrigue o consumidor. Ademais, o dever criado não se perfaz somente com o ato de dar conhecimento das bases do contrato ao consumidor, mas reveste-se principalmente num dever de informar no sentido de que o consumidor deve compreender todo o sentido e alcance daquilo que se estabeleceu.

Nessa esteira, ensina NELSON NERY JÚNIOR, comentando o referido artigo:

“Não satisfaz a regra do artigo sob análise a mera cognoscibilidade das bases do contrato, pois o sentido teleológico e finalístico da norma indica dever o fornecedor dar efetivo conhecimento ao consumidor de todos os direitos e deveres que decorrerão do contrato…”(2).

No mesmo sentido, a doutrina de VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR e de YOLANDA ALVES PINTO SERRANO, que, também comentando o referido artigo, postulam:

“Impõe, assim, a lei a necessidade do conhecimento prévio. E não se satisfaz, diga-se logo, com a cognição meramente formal; há de ser, ao revés, integral e real quanto ao conteúdo do contrato, quanto às suas cláusulas e quanto às suas implicações.”(3)

Como assaz verificado a forma de liquidação antecipada do débito, total ou parcial, como condição geral do contrato que é, deveria vir expressa no instrumento contratual e, por conseguinte, deveria ser dado conhecimento prévio ao consumidor sobre o quantum que ela representa, observada a norma legal. Não é o que faz a demandada, que, portanto, desrespeita a lei e incorre em prática comercial abusiva.

Sobre o conteúdo e aplicação do dever de informação prévia e da necessidade de se prever expressamente o forma de liquidação antecipada do contrato, convém, novamente, trazer à baila lição do Prof. NELSON NERY JR:


“O fornecedor deverá ter a cautela de oferecer oportunidade ao consumidor para que, antes de concluir o contrato de consumo, tome conhecimento do conteúdo do contrato, com todas as implicações conseqüenciais daquela contratação no que respeita aos deveres e direitos de ambos os contratante, bem como das sanções por eventual inadimplemento de alguma prestação assumida no contrato. Não sendo dada essa oportunidade ao consumidor, as prestações por ele assumidas no contrato, sejam prestações que envolvam obrigação de dar como de fazer ou não fazer, não o obrigarão.”(4)

Diante desse quadro, todos os usuários que firmaram o contrato de prestação de serviços de empréstimo pessoal com a ré, no qual não constava expressamente a forma de liquidação antecipada do débito, e que foram compelidos ao pagamento de qualquer tarifa, e todos aqueles que pagaram a tarifa nesse sentido têm direito à repetição do indébito (art. 42, parágrafo único do CDC).

O direito à informação do consumidor e o dever do fornecedor de dar conhecimento prévio do contrato a ele, refletem, sobretudo, a principiologia do microssistema de proteção ao consumidor, decorrendo da boa-fé objetiva, compondo dois de seus principais deveres: o de esclarecimento e o de proteção.

A boa-fé, em sentido amplo, é um conceito essencialmente ético, que podemos definir com base no magistério de ALÍPIO SILVEIRA como “a consciência de não prejudicar a outrém em seus direitos(5)” . Em sentido estrito é essa mesma consciência de não prejudicar, quando fundada no erro ou ignorância(6), como preleciona o citado civilista.

A boa-fé em sentido lato corresponde ao que se convencionou chamar de boa-fé objetiva, que segundo o magistério do Prof. ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, pode ser considerada como um princípio geral de direito, incorporado ao Direito Brasileiro como um todo, por força do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, e, ao Direito do Consumidor, pelo artigo 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor(7).

O mesmo mestre pontifica ainda que:

“(…) a admissão da boa-fé, no nosso ordenamento, não se limita, pois, ao microssistema do direito do consumidor, mas a norma deve ser aplicada pela jurisprudência, no seu papel de agente intermediário entre a lei e o caso, a todo o direito (inclusive ao direito público). A boa-fé objetiva é, do ponto de vista do ordenamento, o que os franceses denominam ‘notion-quadre’, isto é, uma cláusula geral que permite ao julgador a realização do justo concreto, sem deixar de aplicar a lei” (“Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum”, in Revista de Direito do Consumidor nº 18, abril/junho 1996).

A boa-fé é norma de comportamento positivada nos artigos 4º, inciso III, e 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, que cria três deveres principais: um de lealdade e dois de colaboração, que são, basicamente, o de bem informar (caveat venditor) o candidato a contratante sobre o conteúdo do contrato e o de não abusar ou, até mesmo, de se preocupar com a outra parte (dever de proteção).

RUI ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, a propósito da aplicação da cláusula geral da boa-fé, pontifica que as pessoas devem comportar-se segundo a boa-fé, antes e durante o desenvolvimento das relações contratuais. Esse dever, para ele, projeta-se na direção em que se diversificam todas as relações jurídicas: direitos e deveres. Os direitos devem exercitar-se de boa-fé; as obrigações têm de cumprir-se de boa-fé (“A boa fé na relação de consumo”, trabalho apresentado no II Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, Brasília, 1994).

Ressalte-se que a boa-fé objetiva nos contratos de consumo não se refere somente às cláusulas contratuais, mas a toda e qualquer conduta que esteja contida na relação jurídica de consumo, isto é pelo “contato social”(8), existente entre fornecedor e consumidor. Assim, toda a sorte de condutas abusivas, ainda que não textualmente abarcada nas cláusulas contratuais, é contrária a boa-fé. Aliás, foi exatamente esse o objetivo do legislador consagrar a boa-fé, no art. 4º inciso III, do Código de Defesa do Consumidor como princípio geral das relações de consumo e exemplificar em rol próprio no corpo do Código as práticas abusivas vedadas, porque, sobretudo em relação às práticas contratuais, não expressas em cláusulas do contrato, deve acentuar-se o dever de boa-fé, na medida em que a proteção do consumidor e a prova do abuso se tornam ainda mais difíceis de serem apuradas e combatidas no plano concreto.

Nessa linha de raciocínio, convém trazer à luz o magistério de CLÁUDIA LIMA MARQUES que, com a costumeira precisão, define os contornos da boa-fé objetiva como regra geral de conduta que tem por fim a atuação dos contraentes durante toda a dinâmica da relação de consumo, abrangendo, destarte, não somente o vínculo instrumentalizado pelas cláusulas contratuais, mas também as práticas das partes:


“A imposição, pela nova teoria contratual, do princípio geral de boa-fé objetiva na formação e execução das obrigações obteve como primeiro resultado – e talvez, ainda o menos conhecido e aceito pelos juristas – a modificação no modo de visualizar estaticamente a relação contratual.

(…)

Esta visão dinâmica e realista do contrato é uma resposta à crise da teoria das fontes dos direitos e obrigações, pois permite observar que as relações contratuais durante toda a sua existência (fase de execução), mas ainda, no seu momento de elaboração (de tratativas) e no seu momento posterior (de pós-eficácia), fazem nascer direitos e deveres outros que os resultantes da obrigação principal. Em outras palavras, o contrato não envolve só a obrigação de prestar, mas envolve também uma obrigação de conduta!(9)

E prossegue, ainda, a ilustre jurista:

“O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, trouxe como grande contribuição à exegese das relações contratuais no Brasil a positivação do princípio da boa-fé objetiva, como linha teleológica de interpretação em seu art. 4º, inciso III, e como cláusula geral, em seu art. 51, inciso IV, positivando em todo seu corpo de normas a existência de uma série de deveres anexos às relações contratuais.

Tendo em vista a excepcional importância prática do princípio da boa-fé objetiva, vale aqui, nesta quarta edição, repetir e especificar como a doutrina alemã contemporânea está visualizando as funções da boa-fé nos contratos em geral, especificando se tratar, ao mesmo tempo, de uma medida objetiva (‘objektive Masstab’), um paradigma de conduta para as partes, e uma medida de decisão (‘Entscheidungsmasstab’), um instrumento objetivo de apreensão da realidade pelo juiz.(10)

Por tudo que se expôs, fica claro que, na medida em que a ré não prevê, expressamente, em seu contrato, a forma de liquidação antecipada do débito, viola a lealdade com que se deve realizar contratos de consumo, já que deixa de demonstrar ao consumidor a forma de pagamento para o caso de liquidação antecipada do contrato, assim deixando de cumprir um dever contratual, abusando de seu direito; e, ainda, falta com o dever de esclarecimento e colaboração.

Em outra prática abusiva, a demandada cobra do consumidor que pretende liquidar antecipadamente seu débito tarifa não permitida por lei, onerando-o e prejudicando seus direitos.

Ante o exposto, resta plenamente demonstrada a prática abusiva da demandada de cobrar tarifa de 5% sobre o montante do débito em casos de liquidação antecipada do contrato, por violar frontalmente o Código de Defesa do Consumidor e, desse modo, impor desvantagem exagerada ao consumidor, de forma que a condenação da ré em abster-se de aplicar tal percentual é medida impositiva, ensejando, inclusive, provimento liminar.

VI – DA MEDIDA LIMINAR

Impõe-se a expedição de ordem liminar, inaudita altera parte, nos termos do art. 12, da Lei nº 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública), uma vez que estão plenamente caracterizados os seus pressupostos jurídicos, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora.

O fumus boni juris decorre da violação dos arts. 6º, inciso IV e 39, inciso V, ambos do Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90, traduzindo-se nos direitos do consumidor de respeito à boa-fé objetiva por parte do fornecedor, à informação, à proteção contra práticas abusivas e contra imposição de desvantagem manifestamente excessiva, importando, pois, no dever da ré de abster-se de praticar percentual de tarifa sobre montante do débito para a liquidação antecipada do contrato de empréstimo pessoal.

O periculum in mora reside na necessidade de se inibir e impedir, o quanto antes, a continuidade da prática abusiva ora descrita, em indiscutível prejuízo ao consumidor, de modo a não se dever aguardar o julgamento definitivo da lide. Existe, inegavelmente, o fundado receio de dano a caracterizar o perigo resultante da demora na decisão final, visto que a requerida continuará aplicando percentual de tarifa de 5% (cinco por cento) sobre o montante do débito aos consumidores que quiserem quitar antecipada, parcial ou totalmente seus contratos de empréstimo.

Tendo em vista o tempo decorrido com a regular tramitação do processo, a decisão final e definitiva da presente ação pode demorar alguns anos, acarretando sensível prejuízo aos usuários atuais e futuros da ré, que, ano a ano, continuarão submetidos à referida prática lesiva.

Saliente-se que, com a concessão da liminar, o próprio Judiciário deixará de ter que decidir inúmeras outras ações individuais sobre o mesmo assunto, havendo economia processual, além de se evitar decisões divergentes.

Sendo assim, com a concessão da liminar, o Estado estará prevenindo os danos aos consumidores.


VII – DO PEDIDO

Diante do exposto o autor requer:

a) a concessão de MEDIDA LIMINAR, inaudita altera parte, com fundamento no artigo 12, da Lei nº 7.347/85, a fim de se determinar à ré que, imediatamente, a contar da intimação da decisão concessiva da liminar, se abstenha de cobrar, nas hipóteses de liquidação antecipada do contrato de empréstimo pessoal, percentual de tarifa de 5% (cinco por cento) sobre o montante do débito, sob pena do pagamento de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), que deverá incidir a cada cobrança em que houver descumprimento do comando judicial, sujeita à atualização monetária, a ser recolhida ao Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos Lesados, prevista no art. 13, da Lei nº 7347/85;

b) seja determinada a citação da ré, na pessoa de seu representante legal, pelo correio, a fim de que, advertida da sujeição aos efeitos da revelia, a teor do disposto no art. 285, última parte, do Código de Processo Civil, apresente, querendo, resposta ao pedido ora deduzido, no prazo de 15 (quinze) dias;

c) seja a presente ação julgada procedente, proferindo-se sentença em desfavor da ré, a fim de:

c.1) tornar definitiva a medida liminar, condenando-se a ré em obrigação de não fazer consistente em abster-se de cobrar, nas hipóteses de liquidação antecipada do contrato de empréstimo pessoal, percentual de tarifa de 5% (cinco por cento) sobre o valor do débito, seja para aqueles contratos que já estão em andamento, seja para os contratos a serem celebrados no futuro, sob pena do pagamento de multa no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) que deverá incidir a cada cobrança em que houver descumprimento do comando judicial, sujeita à atualização monetária, a ser recolhida ao Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos Lesados, previsto no art. 13, da Lei nº 7347/85;

c.2) condenar a ré em obrigação de fazer consistente em inserir em seu “Contrato de Empréstimo Pessoal Mediante Utilização do Cartão BMG Fidelidade – Contrato de Adesão”, tanto para aqueles que já estão em andamento, mediante aditamento, quanto àqueles futuros, cláusula que disponha expressamente sobre a possibilidade de liquidação antecipada do débito, seja total ou parcial, mediante redução proporcional dos juros e acréscimos legais, devendo apresentar, em sessenta dias contados da intimação do trânsito em julgado da r. sentença, novo modelo de contrato, com a inclusão, e aditamento aos contratos atuais, em andamento, sob pena do pagamento de multa no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) que deverá incidir a cada contrato (atual ou futuro) em que houver descumprimento do comando judicial, sujeita a atualização monetária, a ser recolhida ao Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos Lesados, previsto no art. 13, da Lei nº 7347/85;

c.3) condenar a ré, genericamente, nos termos do artigo 95, da Lei nº 8.078/90, à reparação dos danos patrimoniais causados a centenas de usuários dos quais foram cobrados percentuais de tarifa sobre o montante do débito nos casos de liquidação antecipada do contrato de empréstimo pessoal de forma abusiva, quando o contrato sequer previa qualquer incidência de tarifa, conforme apurado em liquidação, nos termos do art. 97 do Código de Defesa do Consumidor.

Requer, outrossim:

d) a condenação da ré ao pagamento das custas processuais;

e) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, nos termos do artigo 18, da Lei nº 7.347/85 e do artigo 87, da Lei nº 8.078/90;

f) sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, mediante entrega dos autos, com vista, na Promotoria de Justiça do Consumidor (Rua Riachuelo, 115, 1º andar, Sala 10, Centro, São Paulo/SP), em face do disposto no art. 236, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil, e no art. 224, inciso XI, da Lei Complementar Estadual nº 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo).

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, especialmente pela juntada de documentos, e por tudo o mais que se fizer necessário à cabal demonstração dos fatos articulados na presente inicial.

Dá à causa, para fins de alçada, o valor de R$ 150.000,00(cento e cinqüenta mil reais).

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 02 de setembro de 2004.

Adriana Borghi Fernandes Monteiro

Promotora de Justiça do Consumidor

Notas de rodapé:

1. “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do anteprojeto”, 7ª ed., São Paulo, Forense Universitária, 2001, p. 460.

2. Op. Cit, p. 485.

3. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano, e, SERRANO, Yolanda Alves Pinto,“Código de Defesa do Consumidor Interpretado”, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 147.

4. “Op. Cit., idem

5. Cf. “A boa fé no direito civil”, in: Revista Forense, vol. LXXXVI, abril – 1941, p. 14.

6. Idem, ibidem.

7. Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum, em Revista de Direito do Consumidor, n.18. abr/junho de 1986, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, p. 26. Ver, a respeito, também ARNOLDO WALD,La bonne foi, em Travaux da Associação Henri Capitant, Tomo XLII, 1992, p. 255, e Obrigações e Contratos, 10ª Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, pp. 1155-157.

8. LIMA MARQUES, Cláudia, “Contratos no Código de Defesa do Consumidor – o novo regime das relações contratuais”, 4ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 183.

9. Op. Cit., pp. 182/183.

10. Idem, pp. 185/186.

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