Expressão patenteada

Unilever e Gessy Lever infringem marca mineira usando expressão Color Vital

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17 de setembro de 2004, 13h03

As empresas Unilever N.V. e Gessy Lever Ltda. — uma das maiores fabricantes de produtos de higiene pessoal e perfumaria do mundo — infringem a marca da empresa mineira Biocilim Indústria de Cosméticos Ltda, do mesmo ramo, usando a expressão Color Vital em um produto desenvolvido para cabelos tingidos.

O entendimento é da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Para a Justiça mineira este direito já pertence a marca mista Vitacolor da Biocilim. O direito está garantido para a empresa desde 1999, pelo certificado de registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Tudo começou quando a Unilever e a Gessy Lever ajuizaram na primeira instância ação visando obter declaração judicial, de que o uso da expressão Color Vital não infringe os direitos sobre a marca mista Vitacolor da empresa mineira. O pedido foi concedido, o que fez a Biocilim apelar ao Tribunal de Alçada.

Os juízes Alberto Vilas Boas, relator, Roberto Borges de Oliveira e Alberto Aluizio Pacheco de Andrade, reverteram decisão de primeira instância e concederam o pedido da Biocilim. Eles basearam-se no Código de Propriedade Industrial que protege o uso indevido de marcas. A Unilever e a Gessy Lever já estão recorrendo da decisão do Tribunal de Alçada.

O relator levou em consideração que a “Constituição e o Código de Propriedade Industrial asseguram, de modo objetivo a propriedade e o uso exclusivo da marca registrada, independentemente de prejuízo do seu titular, o que vale dizer que este não está obrigado a provar a existência de danos, a não ser que pretenda ressarcimento, de que os autos não cuidam”.

De acordo com o Tribunal de Alçada mineiro, somente em 2000 é que a Unilever, com sede na Holanda, e a Gessy Lever, em São Paulo, requereram registro junto ao INPI das marcas mistas Seda Color Vital e nominativa Color Vital. Até hoje a solicitação não foi atendida pelo órgão.

O registro da Biocilim da expressão Vitacolor e sua exploração comercial em linha de produtos para cabelos tingidos é, portanto, anterior tanto à comercialização dos produtos Seda Color Vital quanto ao próprio depósito das respectivas marcas.

A empresa mineira alega que, atualmente, a marca é considerada fator primordial e básico para a comercialização de produtos e que poderia ser prejudicada no mercado em que atua.

Alegou ainda que não pode existir semelhança entre Vitacolor e Color Vital porque ambas servem para assinalar produtos da mesma classe, são vendidos nos mesmos estabelecimentos e podem causar erro, dúvida ou confusão no consumidor.

Os juízes consideraram que os produtos de ambas as partes são idênticos no seu uso (cabelos), finalidade (proteção e restauração após aplicação de tintura), público e, ainda, comercializados nas mesmas lojas.

Eles afirmaram que o nome que a Unilever e Gessy Lever pretendem utilizar na sua nova linha de produtos é uma reprodução porque usa dos mesmos radicais Color e Vita com o acréscimo da letra “L”, que de forma evidente e clara é passível de causar confusão ou associação com a marca da Biocilim.

Apelação Cível 423.732-3

Leia a íntegra do acórdão

EMENTA: CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. PROPRIEDADE INTELECTUAL. MARCAS. DECLARAÇÃO DE NÃO INFRINGÊNCIA DE DIREITOS DE MARCA ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. CONFUSÃO.

– Descabe ser declarada a não infringência de direitos de marca anteriormente registrada se o nome usado em produto posteriormente lançado no mercado pela autora é suscetível de causar confusão em face daquele já comercializado pela ré.

– Apelo provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 423.732-3, da Comarca de VESPASIANO, sendo Apelante (s): BIOCILIM INDÚSTRIA DE COSMÉTICOS LTDA. e Apelado (a) (os) (as): UNILEVER N.V. e OUTRA,

ACORDA, em Turma, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

Presidiu o julgamento o Juiz ALBERTO VILAS BOAS (Relator) e dele participaram os Juízes ROBERTO BORGES DE OLIVEIRA (Revisor) e ALBERTO ALUÍZIO PACHECO DE ANDRADE (Vogal).

O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Assistiu ao julgamento, pela apelante, o Dr. Frederico Franco Orzil e, pelo Apelado, a Drª Renata Guimarães Pompeu.

Belo Horizonte, 24 de agosto de 2004.

JUIZ ALBERTO VILAS BOAS

Relator

VOTO

O SR. JUIZ ALBERTO VILAS BOAS:

Conheço do recurso.

De início, cabe ressaltar que deixo de analisar preliminar de cerceamento de defesa, alegado pela apelante, já que a decisão lhe será favorável.

Trata-se de ação ajuizada pelas ora apeladas, visando obter declaração judicial, de que o uso da expressão COLOR VITAL não infringe os direitos sobre a marca mista VITACOLOR da apelante, tendo sido o pedido inicial julgado procedente em Primeira Instância.


Certo é que a requerida possui certificado de registro da marca mista VITACOLOR, sob o n. 821021435, depositada no INPI em 06.08.1998 e concedida em 21.12.1999, na classe 03.20 (f. 168-169 e 238).

Cumpre salientar que a classe 3 é referente a produtos de limpeza e higiene doméstica, humana e veterinária, bem como a produtos de perfumaria, toucador e cosméticos.

Desde então, a ré-apelante explora o uso da marca em uma linha de produtos específica para “cabelos tingidos, descoloridos ou com mechas” (xampu, condicionador, creme para pentear e recuperador), destinados a dar “proteção e durabilidade da cor”, além de “recuperar o brilho, a hidratação e a textura originais” (f. 239).

Por sua vez, as autoras possuem o registro da marca nominativa SEDA, sob o n. 817493727, concedida em 26.03.1996, nas classes 03.10 e 03.20, e dois registros de marca mista SEDA, números 817994513 e 817994521, concessão nos dias 22.11.1996 e 22.10.1996, respectivamente, ambos na classe 03.20 (f. 128, 130 e 132).

Conforme alegam na própria petição inicial distribuída em 23.11.2000, “recentemente, a segunda Autora lançou no mercado nacional” uma versão de sua linha de produtos SEDA para cabelos denominada de SEDA COLOR VITAL (xampo, condicionador e creme de tratamento), própria para cabelos tingidos, visando proporcionar “hidratação e proteção” (f. 134).

Verifica-se, ainda, que a mesma depositou, em 2.8.2000, as seguintes marcas: mistas SEDA COLOR VITAL na classe 3 (f. 152-162); e nominativa COLOR VITAL na classe 03 (f. 164-166). Segundo as provas do processo, ainda não foram concedidos pelo INPI os registros destas marcas.

Portanto, é incontroverso que o registro da requerida da expressão VITACOLOR e sua exploração comercial, em linha de produtos para cabelos tingidos, é anterior tanto à comercialização dos produtos SEDA COLOR VITAL quanto ao próprio depósito das respectivas marcas.

Examino, agora, a possibilidade de se declarar o pretendido pelas autoras, ou seja, de que o uso da expressão COLOR VITAL não infringe os direitos da requerida, concedida em primeira instância.

Creio assistir razão à apelante.

Ao longo da história, a utilização de sinais ou marcas em bens destinados ao consumo foi sendo lentamente disseminada em todo o mundo, passando a marca ser considerada com fator primordial e básico para a comercialização de um determinado produto. Assim, um sinal, nominal ou figurativo, utilizado em um bem para o identificar no mercado, assumiu uma importância extremamente relevante em sua comercialização.

Gabriel di Blasi e outros ensinam que:

“Generalizando, marca é um sinal que permite distinguir produtos industriais, artigos comerciais e serviços profissionais de outros do mesmo gênero, de mesma atividade, semelhantes ou afins, de origem diversa. É para o seu titular o meio eficaz para a constituição de uma clientela. Para o consumidor representa a orientação para a compra de um bem, levando em conta fatores de proveniência ou notórias condições de boa qualidade e desempenho.

Ao estudar patente, vimos que o seu principal propósito é dinamizar o desenvolvimento dos países. A função da marca, no entanto, é diferente. Ela atua, em essência, no plano comercial: do ponto de vista público, na defesa do consumidor, evitando a confusão; e do ponto de vista privado, auxiliando o titular no combate à concorrência desleal. Especialmente em um momento no qual se verifica a globalização do mercado internacional, a marca assume papel fundamental na economia das nações” (Gabriel di Blasi, Mário Soerensen Garcia, Paulo Parente M. Mendes. A propriedade industrial: os sistemas de marcas, patentes e desenhos industriais analisados a partir da Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 162).

São justamente estes aspectos, de suma relevância econômica e mercadológica das empresas, que a Lei n. 9.279/96, Código de Propriedade Industrial, visa proteger: direito de prioridade e propriedade, repressão ao uso indevido de marcas, e outros (Lei 9.279/96, Capítulo IV – Dos direitos sobre a marca).

Outro aspecto importante a ser considerado, consistente no limite de proteção que uma marca possui ao ser devidamente registrada.

O sistema implantado pelo art. 123 da Lei nº 9.279/96 considera que marca de produto ou serviço é aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa. Logo, o legislador baseou-se no princípio da especialidade das marcas, o qual estabelece que o interessado só poderá requerer registro de marca para atividade exercida.

Observo, ainda, que o registro da requerida, por ser marca mista, confere proteção tanto nominativa – nomes, palavras, denominações ou expressões – quanto figurativa – monogramas, emblemas, símbolos, figuras ou qualquer outro sinal distintivo.


Logo, não é apenas a forma de apresentação da escrita que está protegida, mas a própria palavra VITACOLOR, formada da conjugação de dois radicais, VITA e COLOR.

A declaração pretendida pelas autoras fere o art. 124, inciso XIX, da Lei n. 9.276/96, que dispõe não serem registráveis, como marca, reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia.

A uma, porque os produtos de ambas as partes são idênticos no seu uso (cabelos), finalidade (proteção e restauração após aplicação de tintura) e público, e, conforme bem salientado pela apelante, comercializados nos mesmo estabelecimentos comerciais.

A duas, pois o nome que as autoras pretendem usar na sua nova linha de produtos é uma reprodução, porque usa dos mesmos radicais COLOR e VITA, com o acréscimo da letra “L”, o que, de forma clara e evidente, é passível de causar confusão ou associação com a marca da requerida.

Isso porque não é apenas no aspecto visual, conforme fez crer o juiz primevo, que a confusão é passível de acontecer. Imagine a situação em que uma profissional de estética recomenda à sua cliente, após submetê-la a um processo de tintura nos cabelos, o uso de VITACOLOR, sem que esta tenha visto a embalagem ou ouvido falar, até então, do produto comercializado pela apelante.

Ao chegar numa farmácia ou supermercado e deparar-se com as duas marcas, VITACOLOR – da ré, ora apelante – e COLOR VITAL – das autoras, ora apeladas – é plenamente possível que a consumidora, sem saber da existência de ambos, leve o produto das autoras.

E é exatamente essa a proteção que a lei visa conferir àquele que registra sua marca e a confusão que se pretende evitar.

Conquanto entenda que o uso dos radicais VITA(L) e COLOR são comuns nos registros de marcas de produtos de perfumaria, higiene pessoal e cosméticos – comprovados por meio da pesquisa colacionada, na inicial, pelos radicais VITA e COLOR no INPI na classe 03, observa-se não haver nenhuma outra marca registrada com os dois radicais VITA(L) e COLOR juntos.

Trata-se de das mais diversas variações do uso desassociado dos radicais VITA e COLOR.

Logo, a questão nos autos não é saber se os radicais são de uso comum e, portanto, inapropriáveis por um único titular, mas se o uso dos mesmos radicais – independente do sentido que os radicais VITA ou VITAL trazem em si mesmos – são passíveis de causar confusão.

E, conforme exposto anteriormente, entendo que tal confusão é latente, com reflexos no campo da concorrência desleal, já que ela pode se dar independentemente do aspecto visual do produto.

Neste sentido, registro o pronunciamento feito pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, ao analisar caso semelhante:

“Propriedade industrial. Marca. Proteção. Denominações semelhantes. Possibilidade de gerar confusão e engano ao público consumidor. Semelhança, também, entre as atividades comerciais. Prova do prejuízo desnecessária. Decisão confirmada. Recurso não provido.

Assim, é evidente que os consumidores que já conhecem a marca registrada das autoras poderão adquirir produtos comercializados pela ré pensando que são, ou que alguma coisa tem a ver, com os produtos e serviços daquelas. A possibilidade de engano e confusão, portanto, é inquestionável, à semelhança do que ocorreu com casos famosos, como por exemplo “Drogasil” e “Droganil”, “Ática” e “Ética” e “Seven Boys” e “Seven Girls”.

Também não tem o menor fundamento a alegação de inexistência de prejuízos às autoras. Em primeiro lugar, a ação não é de indenização, mas de preceito cominatório, e a ré está confundindo inexistência de prejuízos com impossibilidade de mensurar prejuízos; estes resultam do simples emprego de marca suscetível de gerar confusão no público consumidor, não havendo necessidade alguma de perquerir quanto as autoras deixaram, ou deixarão de lucrar com esse emprego. Depois, a Constituição e o Código de Propriedade Industrial asseguram, de modo objetivo a propriedade e o uso exclusivo da marca registrada, independentemente de prejuízo do seu titular, o que vale dizer que este não está obrigado a provar a existência de danos, a não ser que pretenda ressarcimento, de que os autos não cuidam” (Apelação Cível n. 218.470-1. 7ª Câm. Cível do TJSP. JTJ – Volume 169 – p. 9).

Por fim, cabe salientar que as autoras se mostram contraditórias quanto à alegação de serem os radicais VITA e COLOR suscetíveis de proteção apenas na sua forma de apresentação (figurativa), uma vez que elas próprias depositaram registro de marca exclusivamente nominativa da expressão COLOR VITAL (f. 164).

Com estas considerações, dou provimento ao apelo e julgo improcedente o pedido formulado na inicial, invertidos os ônus da sucumbência.

Custas recursais, pelas apeladas.

JUIZ ALBERTO VILAS BOAS

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