Patrimônio nacional

Normas da área petrolífera visam assegurar abastecimento interno

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16 de setembro de 2004, 14h56

Os estoques estratégicos de combustíveis, a garantia de abastecimento do mercado nacional e os seus efeitos nos contratos de concessão.

Temos acompanhado, ao longo dos últimos meses, as constantes oscilações nos preços do barril de petróleo e o conseqüente receio global pela possibilidade de uma nova crise mundial de abastecimento.

Tais variações no preço do barril, conforme vêm sendo apontado pelos especialistas no setor, se devem, primordialmente, a dois acontecimentos: a instabilidade em dois grandes países produtores (Iraque e Venezuela) e a situação político-financeira da maior petrolífera russa (Yukos).

Na esfera nacional, não obstante os acontecimentos acima relatados, o mercado acompanha, com uma certa apreensão, a atitude tomada pelo governador do estado do Paraná que, às vésperas da Sexta Rodada de Licitação da ANP, propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), pela qual pretende ver declarado inconstitucionais diversos dispositivos da Lei 9.478/97 (Lei do Petróleo), em vigor há sete anos.

Dentre os argumentos apresentados na Adin em comento, o governador do estado do Paraná sustenta que a Lei do Petróleo fere o princípio constitucional da soberania da União e da garantia do desenvolvimento nacional. De acordo com a ação, a lei encoraja a exportação sem levar em conta a demanda interna da produção. Também é alegada na Adin que as áreas são parte do patrimônio público não renovável, que seriam entregues às multinacionais, deixando o país correr o risco de ficar sem reservas de petróleo.

Certamente, essa não foi a vontade dos legisladores quando da criação da Lei do Petróleo, tampouco é o desejo da nação. Entretanto, por acreditarmos que tal alegação na Adin se deu de forma equivocada, decidimos fazer uma breve reflexão sobre um tema não muito recorrente, mas de essencial importância para o debate em questão, qual seja, os estoques estratégicos de combustíveis, a garantia de abastecimento do mercado nacional e os seus efeitos nos contratos de concessão.

Preliminarmente, enfatizamos que a questão dos estoques estratégicos não é nova para os Estados e agentes do setor. Ganhou relevância no âmbito internacional a partir do primeiro choque do petróleo, ocorrido em 1973, em decorrência da crise de suprimento enfrentada por diversas economias.

No ano seguinte ao daquela crise foi criada, por um grupo de países integrantes da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Agência Internacional de Energia (AIE), tendo como principais objetivos a implementação de um sistema de estoques de combustíveis, a fim de reduzir a vulnerabilidade frente a interrupções na oferta do produto; o desenvolvimento de políticas energéticas para substituição do petróleo; e a cooperação com produtores e consumidores de petróleo não associados à OCDE(1).

Logo quando de sua criação, a AIE definiu como estoque estratégico, seja ele emergencial ou de segurança, a reserva mínima equivalente a 90 dias de importações líquidas de petróleo e derivados de cada país-membro que tenham sido verificadas no ano anterior.

Ficou também estabelecido que, quando a oferta de petróleo de um determinado país fosse inferior a 7% do valor observado no mesmo período do ano anterior, a reserva estratégica poderia ser gradativamente liberada para consumo interno daquele país.

O estoque estratégico pode ser composto por petróleo ou seus derivados, na forma de gasolina, destilados médios e óleos combustíveis pesados, sendo que, por razões financeiras prefere-se manter estoques na forma de óleo bruto, pois, além de ser mais barato e de melhor armazenamento, o petróleo é menos corrosivo que os derivados, podendo ser guardado por maior período, sem se deteriorar. Além disso, em situações de dificuldades no suprimento, pode ser convertido em uma gama de derivados.

A responsabilidade sobre a reserva estratégica inicialmente recaía integralmente sobre as empresas de petróleo, que buscavam se precaver contra possíveis interrupções no fornecimento. Posteriormente, com o objetivo de se ampliar o controle sobre as reservas em momentos de contingências – já que eram armazenadas juntamente com o estoque operacional das empresas — verificou-se a entrada dos Estados, através da constituição de estoques próprios ou em sociedade com as companhias de petróleo.

Conforme orientação da própria AIE, os países-membros (exceto Canadá, Noruega e Inglaterra, por se tratarem de países exportadores líquidos de petróleo) criaram legislação própria, regulamentando a manutenção das reservas emergenciais. Nesse sentido, a título exemplificativo, a Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos não exigem que as empresas mantenham estoques compulsórios, enquanto alguns outros países-membros impõem penalidades às companhias que não mantiverem o estoque mínimo exigido pela AIE.

No Brasil, com a crise mundial de abastecimento de petróleo que ocorreu em virtude da Guerra do Golfo, em 1991, para assegurar a normalidade do abastecimento nacional de petróleo, seus combustíveis, derivados de álcool destinado para fins carburantes e de outros combustíveis líquidos carburantes, foi instituído, pelo art. 4º da Lei n.º 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, regulamentado pelo Decreto n.º 238, de 24 de outubro de 1991, o Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis (Sinec).

Segundo o art. 2º do Decreto n.º 238/91, o Sinec compreende: a Reserva Estratégica, destinada a assegurar o suprimento de petróleo bruto e de álcool para fins carburantes quando do surgimento de contingências que afetem de forma grave a oferta interna ou externa desses produtos; e os Estoques de Operação, destinados a garantir a normalidade do abastecimento interno de combustíveis derivados de petróleo, bem assim de álcool etílico, anidro e hidratado, e outros combustíveis líquidos carburantes, em face de ocorrências que ocasionarem interrupção nos fluxos de suprimento e escoamento dos referidos combustíveis.

Os produtos destinados à Reserva Estratégica serão adquiridos e mantidos pela União e utilizados mediante prévia autorização do presidente da República, por proposta do ministro das Minas e Energia e a Reserva Estratégica será regulada por ato do mesmo Ministro.(2)

Com a Emenda Constitucional n.º 9, de 9 de novembro de 1995, que passou a permitir que as atividades da indústria do petróleo, de monopólio da União, até então desenvolvidas com exclusividade pela Petrobras, pudessem ser realizadas por empresas estatais e privadas, foi promulgada a Lei do Petróleo que, visando ao atendimento dos princípios e objetivos da política energética nacional, estabelecidos em seu art. 1º, criou, pelo art. 2º, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e instituiu, pelo art. 7º, a ANP, conferindo-lhes atribuições específicas, dentre elas as que permitem assegurar o adequado funcionamento do Sinec e, com isto, atender às necessidades de consumo interno de petróleo, seus derivados e gás natural.

Ao CNPE, vinculado à Presidência da República e presidido pelo ministro de Minas e Energia, como órgão de assessoramento, foi atribuída a competência para propor ao presidente da República políticas nacionais e medidas específicas destinadas ao atendimento dos princípios e objetivos da política energética nacional.

Dentre as suas atribuições, conforme inciso V, do referido art. 2º da Lei do Petróleo, compete ao CNPE “estabelecer diretrizes para a importação e exportação, de maneira a atender as necessidades de consumo interno de petróleo e seus derivados, gás natural e condensado, e assegurar o adequado funcionamento do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis, de que trata o art. 4º da Lei n.º 8.176, de 8 de fevereiro de 1991”(3).

Neste sentido, o CNPE, seguindo as deliberações tomadas em Reunião Ordinária realizada em 21 de julho de 2003, estabeleceu, por meio da Resolução N. 8 de 21 de julho de 2003, as políticas e diretrizes a serem seguidas e implementadas pela ANP na regulação, contratação e fiscalização das atividades integrantes da indústria do petróleo, especificamente no que tange à exploração e produção de áreas exploratórias, e aos procedimentos licitatórios promovidos por esta agência.

Além de outras diretivas para o setor, a Resolução fixou como premissa que o Ministério de Minas e Energia, baseando-se nos estudos feitos pela ANP, deverá sempre estabelecer a relação ideal entre as reservas e a produção de petróleo e gás natural, para que, assim, possa dimensionar e priorizar a oferta de áreas de exploração. Pretende, mais uma vez, consolidar a auto-suficiência do país na produção destes hidrocarbonetos, mantendo, sempre, o adequado volume de reserva, que é essencial para a segurança econômica de um país.

É assim que, com a finalidade de preservar o interesse nacional e, deste modo, assegurar a normalidade do abastecimento de petróleo e seus combustíveis derivados em todo o território brasileiro, a ANP, em todos os contratos de concessão – inclusive os da Sexta Rodada –, fez prever que, em caso de emergência nacional, declarada pelo presidente da República, se houver a necessidade de limitar exportações de petróleo ou gás natural, poderá, mediante notificação por escrito com antecedência de 30 dias, determinar que o concessionário atenda, com petróleo e gás natural por ele produzidos, às necessidades do mercado interno ou de composição dos estoques estratégicos do país.

Como se pode observar, todas as normas que tratam de atividades da indústria do petróleo, que constituem monopólio da União, procuram preservar o interesse nacional e nesse sentido assegurar a normalidade do abastecimento interno.

Para que possa ser alcançada essa normalidade, ou pelo menos minimizados os efeitos decorrentes de eventuais contingências que possam afetar a oferta interna ou externa de petróleo, de seus combustíveis derivados, de álcool destinado para fins carburantes e de outros combustíveis líquidos carburantes, o Decreto n.º 238/91, de forma preventiva, dispôs sobre a Reserva Estratégica e os Estoques de Operação, que compreendem o Sinec.

Além disso, e de forma complementar, a Lei do Petróleo, ao atribuir ao CNPE, como órgão de assessoramento do presidente da República, a competência para estabelecer diretrizes para a importação e exportação de petróleo e seus derivados, gás natural e condensado, de maneira a atender as necessidades de consumo interno e, assim, assegurar o adequado funcionamento do Sinec, autorizou à ANP, como representante da União Federal, prever em todos os contratos de concessão a faculdade de, em caso de emergência nacional, declarada pelo presidente da República, determinar que o concessionário limite as exportações.

Em sendo assim, verifica-se que o poder da ANP para determinar a limitação de exportação não é discricionário, pois depende da declaração de emergência nacional pelo presidente da República e, também, deve se ater à proporção da participação do concessionário na produção nacional de petróleo e gás. Podemos entender como emergência nacional qualquer situação iminente que possa afetar a oferta interna ou externa de petróleo, seus derivados e gás natural.

Notas de rodapé:

1. Para referência, atualmente a OCDE é composta pelos seguintes 30 países: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coréia, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Inglaterra, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, República Tcheca, Suécia, Suíça e Turquia. Dos países membros da OCDE somente Islândia, México, Polônia e Eslováquia não integram a AIE.

2. O Art. 2º do referido Decreto faz menção ao Ministério da Infra-Estrutura, que foi extinto pela Lei n.º 8.422/92, tendo as suas atribuições sido transferidas para o Ministério de Minas e Energia, criado pela mesma Lei. O Departamento Nacional de Combustíveis, também mencionado no Decreto em tela, foi extinto pela Lei n.º 9.478/97 e suas atribuições transferidas para a ANP, criada pela mesma Lei.

3. Para o exercício de suas atribuições, o CNPE conta com o apoio técnico dos órgãos reguladores do setor energético, de acordo com o disposto no § 1º, do citado artigo 2º, dentre eles a Agência Nacional do Petróleo – ANP, conforme inciso XIV, do art. 8º, da Lei do Petróleo.

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