Porta de saída

Diretor de unidade da Febem em São Paulo é afastado do cargo

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16 de setembro de 2004, 20h21

José Christiano Viana, diretor da unidade Complexo Raposo Tavares da Febem de São Paulo, foi provisoriamente afastado de seu cargo. A decisão, tomada nesta quinta-feira (16/9), é da juíza Mônica Ribeiro de Souza Paukoski, do Departamento de Execuções da Infância e da Juventude da Capital, que acolheu pedido do Ministério Público estadual. Cabe recurso.

Na representação apresentada à Justiça, o MP descreve agressões, espancamentos e maus-tratos aos internos da unidade. Segundo a sentença, o diretor compactuou, por ação ou omissão, com as irregularidades.

De acordo com a juíza, houve descumprimento dos artigos 124 e 125 da Lei Federal 8.069/90, que prevê “zelar pela integridade física e mental dos adolescentes que estão sob a custódia estatal” e submeter os adolescentes a processo de ressocialização eficaz.

Segundo a sentença, Viana foi alertado das inspeções judiciais feitas no local pelo Departamento de Execuções da Infância e da Juventude da Capital, nos dias 16 de julho e 13 de setembro deste ano. Foi requisitado ao diretor medidas enérgicas como o “restabelecimento da situação regular da unidade, banindo-se por completo a ociosidade e o anômalo encarceramento dos adolescentes”, além da “inserção imediata dos jovens na escolarização formal, cursos e outras atividades pedagógicas”.

Mesmo com as advertências judiciais, a Febem e seus dirigentes não tomaram providências para alterar o quadro irregular da instituição, afirmou a juíza.

A investigação da instituição foi solicitada pela Comissão de Acompanhamento das Medidas Sócio-educativas dos Conselhos Tutelares e pelo Movimento de Direitos Humanos. Os dois órgãos colheram, na própria Febem, declarações dos adolescentes sobre

ameaças de morte, torturas e maus tratos.

Com base nesses depoimentos, eles solicitaram ao Secretário Estadual de Justiça, Alexandre de Moraes, e à Vara da Infância e Juventude, a apuração das denúncias e a punição dos culpados.

De acordo com Ariel de Castro Alves, conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, no dia 13 deste mês, durante visita de fiscalização na unidade de Raposo Tavares, a comissão pôde presenciar diversos adolescentes trancados nos quartos, vivendo em condições inadequadas de higiene.

Os jovens relataram aos conselheiros que estavam trancados há mais de dois meses. Eles disseram ainda, que apanhavam, tinham que urinar em garrafas plásticas, trocavam de roupa duas vezes por semana, tinham aula só de vez em quando e nem todos tinham acesso a cursos profissionalizantes.

Segundo Alves, as constatações dos conselheiros mostram que muito pouco mudou desde a visita do Ministério Público à unidade em julho passado. Na ocasião, promotores denunciaram que 40 internos teriam sofrido torturas com tiros de rojões.

As agressões teriam sido praticadas por integrantes do grupo de apoio para controle de distúrbios, conhecido como “choquinho”, e por outros funcionários ainda não identificados.

Leia a íntegra da representação do MP

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DO DEPARTAMENTO DE EXECUÇÕES DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA CAPITAL

Protocolado nº 76/04 – MP

O Ministério Público do Estado de São Paulo, pelos Promotores de Justiça que a presente subscrevem, no uso de suas atribuições legais, vêm à presença de V. Excelência, nos termos dos artigos 191 e seguintes do Estatuto da Criança e do Adolescente, oferecer REPRESENTAÇÃO PARA APURAÇÃO DE IRREGULARIDADES na UNIDADE DE INTERNAÇÃO 27 (UI-27), situada na Rodovia Raposo Tavares, km 19,5, Jardim Arpoador, São Paulo/SP, onde se cumpre medida sócio-educativa de internação, pelas razões abaixo aduzidas:

I – DAS AGRESSÕES

Segundo o apurado os funcionários da FEBEM, em sua maioria, iniciaram uma greve que atingiu diversas unidades no início do mês de julho (dia 02/07/04 – matéria do site “Folha On Line” – fls. 292), greve esta que perdura até a presente data. Com a paralisação da categoria os internos da UI-27 passaram a ser mantidos no pátio, em tempo integral, sendo suspensas as atividades pedagógicas, culturais, esportivas e atendimentos técnicos (psicologia e assistência social) anteriormente oferecidos na unidade nos termos do artigo 94 do E.C.A.

Na madrugada do dia 07 para o dia 08 de julho de 2004 um grupo de funcionários da FEBEM conhecido como “Choquinho” (1) ou “Grupo de Apoio”, munidos de cassetetes, escudos, capacetes e rojões, sob o pretexto de conter uma rebelião e evitar a fuga de internos, entrou no pátio da unidade e passou a espancar e queimar os internos que neste momento já estavam nus e “formados” (2) no fundo do pátio. Após a invasão do “Choquinho” outros funcionários, procedentes de diversas Unidades (UI-22, UI-27, UI-28, UI-37, UI-38 e Pirituba), entraram no local, munidos com pedaços de madeira e outros objetos contundentes, e passaram a auxiliar o grupo na sessão de tortura promovida contra os internos.

Além de serem espancados e queimados, os adolescentes foram obrigados a imitar galinha e gritar frases como: “Nós somos cu!”, “O Grupo de Apoio é que manda!” etc. Dessa forma, os espancamentos, queimaduras e humilhações foram desnecessários e visaram apenas a aplicação de castigo pessoal através do intenso sofrimento físico e mental proporcionado aos internos.

II – DAS IRREGULARIDADES

Consta do Protocolado nº 14/04-MP, em apenso, que em data anterior (04/12/2003), já foi constatada na UI-27 a total falta de higiene e salubridade, conforme relatou a Secretaria da Saúde:

“A U.I. NOGUEIRA 27 encontra-se em condições ruins de funcionamento e conservação, como falta de higiene, os banheiros não dispõem de iluminação adequada, os vidros das janelas estão quebrados, as descargas dos vasos sanitários não funcionam, há apenas um vaso sanitário disponível para uso com apenas um cesto de lixo, os mictórios estão com vazamentos, os chuveiros não aquecem a água, os banhos são de água fria. Os internos desta unidade declararam que o filtro de água para beber está quebrado e que as condições de higiene das roupas é ruim”…”A U.I.27 é que se apresenta em condições precárias de conservação higiene e nesta unidade os internos realizaram várias queixas como (higiene e condições sanitárias)” (fls. 05/25 daquele apenso).

A situação presenciada durante as visitas de inspeção da Promotoria de Justiça e do MM. Juízo do DEIJ desde o dia 16 de julho de 2004 não foi diversa. Conforme as Atas e Relatórios de Inspeção juntados aos autos bem como as fotografias anexadas, os internos estavam com lixo e garrafas de urina dentro dos quartos. Além da insalubridade verificada, permanecem os adolescentes trancados e sem atividades o dia todo ou, alguns deles, com algumas atividades, insuficientes e ainda sob o regime de “tranca” (fatos constatados e formalizados nas Atas de fls. 235/241, 245/250, 252/257 e 560/564).

Cumpre salientar que, além das constatações do Ministério Público, Judiciário e Equipe Técnica do Judiciário, tais fatos foram verificados também pela Comissão dos Conselhos Tutelares da Capital, conforme representação de fls. 565/567.

Assim, os internos estão no regime de “tranca” por mais de dois meses (cerca de 70 dias), o que é inadmissível, tanto pelas recomendações já emitidas pela Promotoria de Justiça (3), quanto pelo disposto no artigo 94 do E.C.A. e pela situação normalizada nas demais unidades visitadas, pertencentes ao mesmo Complexo (UI-22 e 37).

Por fim, consigne-se que o Diretor do Complexo (Sr. Carlos Robles) e o Presidente da FEBEM (Sr. Marcos Antonio Monteiro), que receberam recomendações do Ministério Público, já não estão mais nos respectivos cargos (4), permanecendo apenas o Diretor da Unidade 27 no exercício normal de suas funções.

Assim sendo, nos termos do artigo 191, parágrafo único, da Lei Federal 8.069/90, REQUEREMOS O AFASTAMENTO PROVISÓRIO DO DIRETOR DA UI-27, SENHOR JOSE CHRISTIANO VIANA (RE 22.915-5), até a conclusão deste processo de apuração de irregularidades, como única forma de garantir o bom andamento deste feito, bem como, a isenção da colheita de provas técnicas e, eventualmente, testemunhais (dos internos), sem que se tenha qualquer comprometimento ou influência negativa na produção das mesmas.

III – DOS REQUERIMENTOS FINAIS

Diante de todo o exposto, nos termos do 191 e seguintes do E.C.A., requeremos:

1) A citação da FEBEM, Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, na pessoa de seu atual Presidente, com sede na rua Florêncio de Abreu nº 848, São Paulo e do Diretor da Unidade de Internação 27 – Raposo Tavares, e o Sr. JOSE CHRISTIANO VIANA, na UI-27 (Rodovia Raposo Tavares Km 19,5) para que, querendo, respondam a presente no prazo de dez dias, nos termos do artigo 192 do E.C.A., prosseguindo-se o presente feito até julgamento final com a aplicação das medidas previstas no art. 97, I, e art. 193, parágrafo 4º, ambos do E.C.A.;

2. Protesta-se, ainda, pela produção de todas as provas em Direito admitidas, sem exceção de nenhuma, inclusive, inspeção judicial, perícias, e a oitiva das seguintes testemunhas, sem prejuízo da indicação de novas testemunhas.

1. Alison André dos Santos Silva – adolescente – fls. 220/223, 238 (foto 01);

2. Jose Souza Palmeira Junior – adolescente – fls. 152, 238 (foto 02), fls. 347 e 551;

3. Anderson Mariano de Camargo – adolescente – fls. 157/160, 297 e 550;

4. Valdir Jose Dias Junior – adolescente – fls. 224/228 e 238 (foto 03);

5. Marina de Lourdes Onofre – Conselheira Tutelar de Vila Prudente/SP (fls. 567);

6. Francisca Diniz de Oliveira – Assistente Social Chefe do Judiciário – DEIJ;

7. Genovaite Martinaitis – Assistente Social do Judiciário – DEIJ – fls. 248/250.

Nestes termos,

Pedem deferimento.

São Paulo, 15 de setembro de 2004.

Enilson David Komono

Promotor de Justiça Substituto

Sueli de Fátima Buso Riviera

4ª Promotora de Justiça da Infância e da Juventude da Capital

Sandra Rodrigues de Oliveira

Promotora de Justiça Substituta

Wilson Ricardo Coelho Tafner

18º Promotor de Justiça da Infância e da Juventude da Capital

Renata Christina Ballei

76ª Promotora de Justiça da Capital

Notas de rodapé

(1)Referência à “Tropa de Choque” da Polícia Militar do Estado de São Paulo pelo fato de usarem uniformes, escudos, cassetetes e capacetes pretos, sendo acionados somente em situações consideradas de conflito.

(2)Posição sentada, com as mãos na nuca e a cabeça entre os joelhos.

(3)Recomendações emitidas ao Diretor do Complexo Raposo Tavares, Sr. CARLOS ALBERTO ROBLES, Diretor da Unidade de Internação 27 – Nogueira, Sr. JOSE CHRISTIANO VIANA, e ao Exmo. Presidente da FEBEM, Sr. MARCOS ANTONIO MONTEIRO (fls. 239/243 e 256/257).

(4)O atual Diretor do Complexo Raposo Tavares é o Sr. EGLES CARLOS DE ALMEIDA e o atual Presidente da FEBEM é o Exmo. Sr. ALEXANDRE DE MORAES;

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