Vitória do consumidor

Justiça suspende assinatura básica em 40 municípios de SC

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14 de setembro de 2004, 10h09

A Brasil Telecom está obrigada a suspender a cobrança da assinatura básica mensal de telefone fixo dos consumidores assinantes do Sistema de Telefonia Fixa Comutada, residentes nos 40 municípios sob a jurisdição da Justiça Federal de Chapecó (SC).

A liminar é da juíza substituta da 1ª Vara Federal de Chapecó, Elisângela Simon Caureo. A empresa está autorizada, porém, a fazer a cobrança dos pulsos anteriormente inseridos na tarifa, desde que utilizados pelo consumidor. Ainda cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

A juíza entendeu que “o consumidor só pode ser obrigado a pagar por aquilo que efetivamente consumiu”. Ela também considerou que o valor da assinatura básica, além de não corresponder à efetiva prestação do serviço, “impede a utilização por parcela substancial da população, que é assalariada, cujo orçamento não comporta a referida tarifa”.

A Ação Civil Pública foi proposta pela Coordenadoria Municipal de Defesa do Consumidor (Procon) de Chapecó contra a Brasil Telecom e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O prazo para cumprimento da determinação pela empresa é de 10 dias, a partir da intimação. A multa em caso de descumprimento é de R$ 100 mil por dia.

Para Elisângela, a tarifa é uma forma de restrição. “A lei determina que o poder público deve garantir a toda a população o acesso às telecomunicações”, afirmou a juíza.

De acordo com ela, o equilíbrio econômico financeiro do contrato não é afetado, “pois é garantida ao prestador do serviço a remuneração pelo serviço prestado, seja ele qual for”. Segundo Elisângela, “o que se postula legitimamente é que cada um pague por aquilo que usufruir em termos de serviço. Esse raciocínio é instrumento básico da proteção ao consumidor”.

Sobre a competência da Justiça Federal, a juíza salientou que “estamos diante de serviço público privativo do Estado, prestado mediante concessão, regulada a prestação do serviço por autarquia federal que substitui a atuação da Administração Direta”.

Elisangêla afirmou que a ilegalidade não está somente na prestação em si do serviço, mas também no ato que a autorizou. “Esse ato emana do poder público descentralizado, daí a legitimidade inequívoca da Anatel para figurar no pólo passivo e a competência absoluta da Justiça Federal”, concluiu.

Os municípios sob a jurisdição da Justiça Federal em Chapecó são: Abelardo Luz, Águas de Chapecó, Águas Frias, Arvoredo, Bom Jesus, Caxambu do Sul, Chapecó, Cordilheira Alta, Coronel Freitas, Coronel Martins, Entre Rios, Formosa do Sul, Galvão, Guatambu, Ipuaçu, Irati, Jardinópolis, Jupiá, Lajeado Grande, Marema, Modelo, Nova Erechim, Nova Itaberaba, Novo Horizonte, Ouro Verde, Paial, Palmitos, Pinhalzinho, Planalto Alegre, Quilombo, Santiago do Sul, São Carlos, São Domingos, São Lourenço do Oeste, Saudades, Serra Alta, Sul Brasil, União do Oeste, Xanxerê e Xaxim.

Processo nº 2004.72.02.002917-2

Leia a íntegra da liminar

Autos nº 2004.72.02.002917-2

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Autores: PROCON/CHAPECÓ

Rés: BRASIL TELECOM e AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL

D E C I S Ã O

Vistos, etc…

Trata-se de ação civil pública ajuizada pela Coordenadoria Municipal de Defesa do Consumidor — PROCON contra ANATEL — Agência Nacional de Telecomunicações e Brasil Telecom S.A., postulando:

a) “a retirada do elemento relativo à assinatura básica mensal da fórmula constante na cláusula 11.1, inserida nos contratos realizados entre a Anatel e as concessionárias, como conseqüência do reconhecimento da ilegalidade da cobrança, de modo que a assinatura mensal não seja mais fator que interfira no preço da cesta de serviços oferecidos pelas concessionárias”

b) “a condenação das concessionárias à devolução, em dobro, dos valores pagos indevidamente pelos consumidores a título de tarifa de assinatura mensal do telefone fixo, nos termos do art. 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor;

c) a antecipação da tutela para que seja determinada a imediata suspensão da cobrança da tarifa de assinatura mensal de telefone fixo, fixando-se multa cominatória para cada uma das rés no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por dia, para o caso de descumprimento da decisão deferitória;

d) a procedência da demanda, declarando a ilegalidade da cobrança da tarifa de assinatura mensal de telefonia fixa, determinando-se, em definitivo, a sua suspensão.

Para tanto, narrou a autora que:

a) O custo da assinatura de telefone inviabiliza o acesso dos consumidores ao serviço de telefonia fixa. Argumentou que o valor corresponde, em média, a 32,73% do valor da conta de telefone e que é um item da cesta básica de serviços que, com autorização da Anatel, tem sofrido os maiores aumentos entre os produtos oferecidos. Trouxe dados estatísticos que indicam que embora de 1998 a julho de 2002, o número de linhas instaladas no Brasil tenha passado de 22,1 milhões para 49,4 milhões, 22% dos telefones disponíveis não estavam instalados, em sua maioria em razão do corte por inadimplência ou suspensão do serviço por impossibilidade de pagamento.


b) A assinatura mensal concede 90 pulsos para as assinaturas não residenciais e 100 pulsos para as residenciais. O consumidor é obrigado a pagar pelo serviço mesmo que não o utilize. 100 pulsos excedentes à franquia contabilizariam R$ 13,45.

c) Fundamentou a sua legitimidade ativa no Código de Defesa do Consumidor.

d) Que se trata de relação de consumo.

e) Que é legitimada passiva a agência reguladora correspondente, pois se trata de serviço público, prestado mediante concessão.

f) O desrespeito ao princípio da modicidade de tarifas, o qual deve orientar a prestação do serviço público impede o consumidor brasileiro de usufruir o serviço de telefonia.

g) na relação contratual entre concessionária e poder público, deve prevalecer o interesse público;

h) a cobrança impugnada seria inconstitucional porque somente serviço público remunerado por taxa seria passível de cobrança pela mera disponibilização.

i) inexistindo o produto denominado assinatura básica, o valor pago é utilizado para remunerar os 100 ou 90 pulsos oferecidos a título de franquia, que são pagos independentemente de o consumidor os utilizar ou não, ferindo o art. 39, I, do CDC e caracterizando venda casada.

j) a cobrança viola o art. 2, II, 3, IV, da Lei 9.472/97.

Intimada a se manifestar sobre o pedido de antecipação de tutela, a Brasil Telecom informou que a tarifa de assinatura básica se destina a remunerar a infra-estrutura fornecida pela Brasil Telecom necessária para que o usuário tenha à sua disposição o serviço de telefonia, ou seja, a manutenção da estrutura. Disse inexistir risco de dano irreparável ou de difícil reparação.

A Anatel, por sua vez, disse que o pedido implica usurpação pelo Poder Judiciário de atribuição do Executivo. Não haveria verossimilhança e a concessão da antecipação da tutela violaria o equilíbrio econômico financeiro do contrato.

É o breve relato. Decido.

1. Da legitimidade passiva da ANATEL e da competência da Justiça Federal

A ANATEL é agência reguladora, a ela compete a fiscalização da adequação das condutas e procedimentos das concessionárias à normatividade por ela emitida, do mesmo modo, essa normatividade deve buscar validade nas leis federais e na norma constitucional. Nessa direção, não se exime da responsabilidade pelos atos de agência normatizadora, submetendo-se ao controle judicial.

Ademais, a ANATEL, como entidade da Administração Pública Indireta, exerce a função, preconizada pelo art. 2º, IV, da Lei 9.472/97 de “fortalecer o papel regulador do Estado”. Por evidente, que o fortalecimento do papel regulador só se legitima na medida em que é realizado para dar executividade aos comandos constitucionais e legais de proteção ao consumidor, de estímulo ao desenvolvimento econômico e de integração regional. Daí, que é parte legítima para figurar no pólo passivo de demanda em que se discute a adequação da conduta de concessionárias aos imperativos normativos editados pela Agência reguladora, bem como a adequação dessas normas às leis federais e à Constituição.

A responsabilidade da Administração sustenta-se na própria Carta Magna que, em seu artigo 21, inciso XI, preceitua:

“Art. 21 – Compete a União Federal:

(…)

XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”.

A Lei 9.472/97, ao dispor sobre a organização dos serviços de telecomunicações, criou, em seu artigo 8º, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL – entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações e, portanto, competente para expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público (art. 19, IV, da supracitada lei).

Ora, está-se diante de serviço público privativo do Estado, prestado, por autorização constitucional, art. 175 da CF, mediante concessão. Tal condição desse tipo de serviço público, que é atividade econômica afeta ao Estado, portanto atividade que a Constituição Federal elegeu como titularizada pelo Poder Público, implica a valoração desse serviço pelo Constituinte como essencial, por isso deve receber dos Poderes Constituídos, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, tratamento correspondente à importância que possui no cenário econômico e em conseqüência social brasileiro.

Não há necessidade de explicitar o papel na ANATEL na prestação desse serviço. A mencionada autarquia é responsável pelo contorno que esse serviço terá, ou seja, as diretrizes que devem ser observadas pelas concessionárias, o padrão do serviço que se quer oferecer, bem como o alcance que terá.


No exercício dessas atribuições, a agência reguladora deve obediência ao modelo político governamental que se quer implantar, portanto, à feição política dos ocupantes dos poder, mas, acima de tudo, aos valores constitucionais que o povo brasileiro, por meio da Assembléia Constituinte, elegeu como fundamentais. Qualquer manifestação constitucional deve ser levada em conta pelos executantes de Poder. No cumprimento desses valores, a legislação infraconstitucional, no caso específico o Código de Defesa do Consumidor, norma que descende diretamente do texto da Constituição Federal (art. 5º, XXXII, 170, V, ambos da CF e art. 48 do ADCT), deve figurar como fundamento da normatização expedida pela ANATEL.

Assim, se estamos diante de serviço público privativo do Estado, prestado mediante concessão, regulada a prestação do serviço por autarquia federal que substitui a atuação da Administração Direta, não há como excluir do feito, em que se discute cláusulas relativas ao modo da prestação do serviço, o ente regulador, pois a ilegalidade não reside somente na prestação em si do serviço, mas no ato que a autoriza. Esse ato emana do Poder Público descentralizado, daí a legitimidade inequívoca da ANATEL para figurar no pólo passivo e a competência absoluta da Justiça Federal. Reitero, pois, como se verá a seguir, que a discussão recai sobre a razoabilidade do manejo da discricionariedade, pela ANATEL, na celebração do contrato de concessão do serviço de telefonia fixa no que pertine à autorização da cobrança da assinatura básica.

2. Da inversão do ônus da prova

Entendo que, embora nem todos os consumidores sejam hipossuficientes, em regra o são, e somente um aparato ligado à condição social, intelectual e decorrente do acesso à informação que uma pessoa ou um grupo possui pode lhes retirar a condição de hipossuficientes. Considero um dado de inolvidável importância o fato de que o consumidor tem uma relação com a empresa fornecedora do produto ou prestadora do serviço de caráter inteiramente acessório no seu cotidiano, quer dizer, determinada relação de consumo não deve merecer uma atenção ou dedicação relevante na vida do indivíduo, isso porque, simplesmente, a complexa vida moderna não permite, contudo, essa relação de consumo é a própria vida da empresa fornecedora ou prestadora de serviço, daí a vulnerabilidade que conduz, em regra, à hipossuficiência.

A hipossuficiência é, não apenas a impossibilidade de produzir a prova adequada à pretensão em face de circunstâncias fáticas desfavoráveis, mas, sim e apenas, a dificuldade em fazê-lo, decorrente, como já disse, do fato de que o prestador do serviço domina o seu campo de atuação, contando com um aparato que, no caso em questão, é de avançada tecnologia.

Por outro lado, imputar a hipossuficiência a um indivíduo não impede que seja reconhecida como própria de um grupo, considerada a peculiar condição da relação de consumo em análise.

Portanto, a inversão do ônus da prova deve ser compreendida como uma possibilidade latente em todo processo em que a relação jurídica material é de natureza consumerista. Como regra de juízo, só será aplicada no ato da sentença, restando ao julgador a possibilidade de alertar as partes quanto à eventualidade dessa ocorrência, o que faço neste momento.

3. Da natureza da medida pretendida

Trata-se efetivamente de antecipação da tutela, embora a lei da ação civil pública ao criar o instituto denominando-o simplesmente “liminar” não fez distinção entre medida satisfativa ou cautelar e ao dispor a respeito da matéria disse:

“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.”

Por outro lado, a Lei da Ação Civil Pública prevê a possibilidade de concessão de liminar e não a condiciona à inexistência de perigo de irreversibilidade da medida. Trata-se de instituto diverso da antecipação de tutela, destinado à tutela coletiva e que, portanto, não se sujeita aos requisitos próprios da tutela individual.

Ainda, citando Nelson Nery Jr.: “em matéria de ACP, não se pode raciocinar com a incidência dos institutos ortodoxos do processo civil, criados para a solução de conflitos individuais, intersubjetivos. Os fenômenos coletivos estão a exigir soluções compatíveis com as necessidades advindas dos conflitos difusos ou coletivos.” [1] Portanto, o exame da medida liminar em ação civil pública não é limitado pelos requisitos para a concessão da tutela antecipada.

4. Do “fumus boni iuris” ou da verossimilhança das alegações

As rés levantam, como obstáculos à concessão da liminar, a impossibilidade do Judiciário ingressar no mérito do ato administrativo, agregando a isso o perigo de irreversibilidade da medida e a inexistência de risco de dano irreparável, o que será examinado em tópicos distintos.


Com isso, o litígio transitará, em princípio, em torno das seguintes questões: a) a possibilidade do Judiciário ingressar no mérito do ato administrativo; b) quais aspectos têm caráter vinculado e quais aspectos configuram juízo de conveniência e oportunidade na fixação da cobrança da tarifa de assinatura mensal; c) se os critérios criados e utilizados pelo administrador encontram validade no ordenamento jurídico protetivo do consumidor.

Inicio essa análise, sumária, reconhecendo que o art. 3º da Lei 9.472 dispõe sobre os direitos dos usuários de telefonia, e dentre eles, estão os direitos de:

I – de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do território nacional;

(…)

III – de não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço;

IV – à informação adequada sobre as condições de prestação dos serviços, suas tarifas e preços;

(…)

VII – à não suspensão de serviço prestado em regime público, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização ou por descumprimento de condições contratuais;

Por outro lado, o Poder Público tem o dever de:

I – garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas;

II – estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira;

III – adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;

IV – fortalecer o papel regulador do Estado;

V – criar oportunidades de investimento e estimular o desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo;

VI – criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do País.

O Código de Defesa do Consumidor estabelece que:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

Temos acima normas que DETERMINAM o acesso de TODA A POPULAÇÃO a um serviço de telefonia adequado. Ora, a palavra adequação não é mero qualificativo juridicamente amplo, trata-se de um comando que implica uma relação harmônica entre o serviço oferecido e aquilo que o consumidor legitimamente espera, relação que deve evoluir sob o pálio da Boa-fé Objetiva. De outro lado, a Política Nacional de Relações de Consumo (Art. 4° do CDC) tem como princípio a:

VII – racionalização e melhoria dos serviços públicos.

No centro da controvérsia evidencia-se a ausência de adequação. Primo: estamos diante de serviço público, cuja remuneração se dá através do pagamento do serviço efetivamente prestado, a quantidade do uso, e através do pagamento pela “disponibilização e manutenção da estrutura”. Ora, trata-se, sem dúvida, de uma relação sui generis, e que, com certeza, se utiliza de um mecanismo ardiloso de convencimento para justificar que a estrutura utilizada para a prestação do serviço pelas operadoras deve ser remunerada separadamente do serviço efetivamente prestado. Basta transpormos tal situação para outras espécies de serviço público e verificaremos que, salvo pelo fato de que existe uma linha acoplada a um aparelho de telefone no interior das residências e estabelecimentos, esse serviço em nada difere do transporte público, por exemplo. Entretanto, não precisamos pagar pela disponibilização e manutenção da estrutura de transporte.

A situação é, juridicamente, análoga. Ora, se não viajamos, não utilizamos o serviço de transporte coletivo, se o fazemos, não pagamos separadamente pela disponibilidade da estrutura. O mesmo deveria ocorrer com a telefonia. Ainda que, do ponto de vista fático, sejam serviços prestados de modo diverso, sujeitam-se à mesma disciplina jurídica. Em um primeiro plano, portanto, surge a irrazoabilidade de o consumidor pagar pela disponibilidade do serviço.

Ademais, trata-se de serviço remunerado por tarifa, de modo que a exigência da remuneração deve estar vinculada ao efetivo uso do serviço.

Celso Antônio Bandeira de Mello, ao discorrer sobre os princípios relativos ao serviço público, elenca o princípio da “modicidade das tarifas” [2] lecionando que “se o Estado atribui tão assinalado relevo à atividade a que conferiu tal qualificação, por considerá-la importante para o conjunto de membros do corpo social, seria rematado dislate que os integrantes desta coletividade a que se destina devessem, para desfrutá-la, pagar importâncias que os onerassem excessivamente e – pior que isto – que os marginalizassem”.


Quanto à última referência feita pelo doutrinador, é evidente que a tarifa de assinatura mensal marginaliza.

Secundo: o consumidor paga, caro, por algo não dimensionado, pela disponibilização de um serviço essencial privativo do Estado. Simultaneamente, lhe é oferecido 90 ou 100 pulsos, a título de franquia. O conhecimento ordinário das coisas autoriza dizer que esse serviço (utilização dos pulsos franqueados) é pago e serve apenas para justificar minimamente o abuso perpetrado com a cobrança da assinatura mensal. Com isso, a operadora alcança mais uma violação, efetua venda casada: vende, disfarçadamente, a decantada “disponibilização” e os referidos pulsos. Assim, o consumidor é obrigado a pagar pelo serviço ainda que não o utilize, ou seja, ainda que não usufrua 100 ou 90 pulsos, considerando que o valor desses pulsos, de acordo com a autora, custa mais caro para o consumidor do que o valor normalmente cobrado por eles, além disso, esses pulsos correspondem a ligações locais, as quais podem não lhe interessar. Ora, o consumidor só pode ser obrigado a pagar por aquilo que efetivamente consumiu.

Tertio: o valor da assinatura básica — além de não corresponder à efetiva prestação do serviço, e não se diga que o telefone recebe ligações, pois esse serviço está pago por quem liga — impede a utilização do serviço por parcela substancial da população, que é assalariada, cujo orçamento não comporta a referida tarifa. Não há nenhuma dúvida de que tal resultado conflita flagrantemente com o disposto na Lei 9.472/97, art. 2º: I – garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas. O instrumento do operador do direito é a palavra, serve para o caso a lição de Carlos Maximiliano a respeito das regras de interpretação:

“Verba cum effectu, sunt accipienda: “Não se presumem, na lei, palavras inúteis”. Literalmente: “Devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia. As expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis.

Pode uma palavra ter mais de um sentido e ser apurado o adaptável à espécie, por meio do exame do contexto ou por outro processo; porém a verdade é que sempre se deve atribuir a cada uma a sua razão de ser, o seu papel, o seu significado, a sua contribuição para precisar o alcance da regra positiva. Este conceito tanto se aplica ao Direito escrito, como aos atos jurídicos em geral, sobretudo aos contratos, que são leis entre as partes.

Dá-se valor a todos os vocábulos e, principalmente, a todas as frases, para achar o verdadeiro sentido de um texto; porque este deve ser entendido de modo que tenham efeito todas as suas provisões, nenhuma parte resulte inoperativa ou supérflua, nula ou sem significação alguma.” [3]

Assim, se a lei determina que o Poder Público deve garantir a toda a população o acesso às telecomunicações, fica evidente que a referida tarifa é mecanismo de restrição substancial desse acesso, impedindo, inclusive, a proteção dos interesses econômicos do consumidor, princípio da Política Nacional de Proteção ao Consumidor, art. 4º, do CDC, pois lhe fica inviabilizada qualquer possibilidade de “economizar” o serviço, além de servir para remunerar um serviço, em princípio, “fantasma”.

Poder-se-ia argumentar que se trata de questão técnica, cuja valoração reflete no equilíbrio econômico e financeiro do contrato de concessão. Não se trata disso, daí o fundamento para a concessão da liminar. É questão jurídica, independe de exame técnico porque viola frontalmente normas relativas à prestação do serviço público e do Código de Defesa do Consumidor, como já apontado. O Executivo, por meio da ANATEL, desbordou os limites da lei, justificando o controle do ato administrativo pelo Judiciário, ao contrário do que propõe uma das rés, a autonomia administrativa da Anatel não quer significar atuação à margem da lei nem plena liberdade na celebração dos contratos de concessão.

Por outro lado, reconheço que o argumento mais importante não é a onerosidade da tarifa, embora tal elemento torne a ilegalidade perpetrada relevante, pois a ilegalidade consiste na cobrança da tarifa de assinatura mensal desvinculada da quantidade de serviço utilizada pelo consumidor e camuflada por trás de uma suposta disponibilidade e manutenção que não é explicitada com clareza. Não se está destruindo o equilíbrio econômico financeiro, pois é garantida ao prestador do serviço a remuneração pelo serviço que presta, seja ele qual for, o que se postula legitimamente é que cada um pague aquilo que usufruir em termos de serviço. Esse raciocínio é instrumento básico da proteção ao consumidor.

De outra parte, recorrer a argumentos de ordem técnica, como o de que foi realizado um criterioso estudo e cuidadosa análise dos critérios de conveniência e oportunidade, não deixa de ser um lugar-comum, para não dizer um paliativo universal a ser manejado nesse tipo de ação. Calha citar Celso Antônio Bandeira de Mello [4] que, com clareza solar, explicita a inocuidade de certos argumentos, tais como os esgrimidos pelas rés:


“Já de outra feita profligamos a extrema ingenuidade de supor que a mera invocação das palavras legais relativas aos fundamentos que o ato deve ter ou finalidades que deve perseguir seja suficiente para subtraí-lo ao exame judicial quando as expressões normativas se revestem de certa generalidade ou imprecisão.”

A tarifa está prevista no art. 3º, XXI, da Resolução n. 85/98. A sua previsão deveria se sustentar na conveniência e oportunidade do interesse público. Por evidente que os critérios acima devem ser considerados com razoabilidade e proporcionalidade, princípios que limitam a discricionariedade administrativa e dentro dos limites estabelecidos pelos valores da ordem jurídica, no presente caso, as normas que regem as relações de consumo. Vale transcrever conceito de discricionariedade da lavra de Celso Antônio Bandeira de Mello:

“…é a margem de “liberdade” que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente” [5]. grifei

Em relação ao limites da discricionariedade leciona:

“…não há como conceber nem como apreender racionalmente a noção de discricionariedade sem remissão lógica à existência de limites a ela, que defluem da lei e do sistema legal como um todo – salvante a hipótese de reduzi-la a mero arbítrio, negador de todos os postulados do Estado de Direito e do sistema positivo brasileiro -, cumpre buscar os pontos que lhe demarcam a extensão.” [6]

“A lei, então, vaza sempre, nas palavras de que se vale, o intento inequívoco de demarcar situações propiciatórias de certos comportamentos e identificar objetivos a serem implementados. É esta, aliás, sua razão de existir. Salvo disparatando, não há fugir, pois, à conclusão de que ao Judiciário assiste não só o direito mas o indeclinável dever de se debruçar sobre o ato administrativo, praticado sob título de exercício discricionário, a fim de verificar se se manteve ou não fiel aos desiderata da lei; se guardou afinamento com a significação possível dos conceitos expressados à guisa de pressuposto ou de finalidade da norma ou se lhes atribuiu inteligência abusiva.”

“… não há comportamento administrativo tolerável perante a ordem jurídica se lhe faltar afinamento com as imposições normativas, compreendidas sobretudo no espírito, no alcance finalístico que as anima. E, sobre isto, a última palavra só pode ser do Judiciário” [7].

Parece-me, ante a essas considerações, que a suposta discricionariedade resguardada ao Administrador, no modo como foi manejada neste caso, foge à razoabilidade, ultrapassando, portanto, os seus próprios confins, só há discricionariedade quando, entre diversas opções, qualquer delas representa o fiel cumprimento da lei e a satisfação plena do interesse público. Nessas situações, cabe ao Judiciário pronunciar-se sobre a sua adequação e afinamento aos ditames da Lei Federal e da Constituição da República (CF, art. 5, XXXV).

Por fim, a discricionariedade não pode ser manejada para dar aparência de legalidade àquilo que, em essência, como tal não pode ser reputado.

É natural que a supressão da assinatura básica mensal possa implicar revisão do contrato, com a conseqüente transferência de custos, como sói acontecer em uma economia de mercado. Entretanto, o que deve ser coibido é o constranger o consumidor a efetuar determinado consumo quando não o deseja fazer, seja sob a forma de venda casada ou outro mecanismo abusivo.

A norma, em que pese ter a pretensão de reger os fatos, decorre deles e, só assim, alcança legitimidade bastante para ser observada. Remonta ao século XVIII doutrina que considerou a economia determinante em última instância da superestrutura organizacional do Estado e da Sociedade, assim, o argumento econômico não pode ser utilizado unilateralmente em favor das concessionárias, mas também em prol do interesse público.

Assim, no que diz respeito à “fumaça do bom direito”, sinonímia de “verossimilhança das alegações”, entendo que esses requisitos devem ser vistos sistemicamente, ora, em evidente subsunção aos cânones constitucionais. A Carta Magna prevê o dever do Estado de promover a defesa do consumidor, nos termos da lei (art. 5º, XXXII) e o capítulo que trata da Ordem Econômica Nacional define como princípio a defesa do consumidor (art. 170, V, da CF). Em decorrência do poder normativo desses comandos, foi editada a Lei 8.078/90 que deve ser examinada em cotejo como a Lei 9.472/97.


Milita, pois, em favor da liminar, a necessidade de repartição do ônus do processo. Na precisa situação dos autos, o ônus do processo, se não dividido, recairá de maneira intolerável sobre todos os usuários do serviço de telefonia.

5. Do “periculum in mora”

Com raridade os danos são irreparáveis, em regra é possível restaurar o “status quo” ou oferecer um sucedâneo monetário. A primeira situação, embora não tão rara, torna-se muitas vezes objeto escasso do pedido de antecipação da tutela ou de liminar, uma vez que o indeferimento se apresenta manifesto.

Nas outras hipóteses, em que há a possibilidade de um sucedâneo monetário, não concedida a antecipação da tutela, haverá inevitavelmente um dano imanente à ausência do provimento. Embora se possa apresentar um substitutivo financeiro, este, por si só, não garante a recomposição do status quo anterior. Tenho que essa distinção deve ser feita na presente hipótese, onde, embora seja possível a reparação patrimonial do dano, o tempo subtraído à incidência da tutela não tem reparação mensurável, especialmente, porque se trata de relação em que uma das partes é vulnerável por presunção legal.

6. Do perigo de irreversibilidade da medida

A irreversibilidade da medida deve ser visualizada no caso concreto, e relativizada em determinadas situações. O provimento judicial, como já afirmou Nelson Nery Jr. é sempre reversível, como manifestação jurisdicional, não há impedimento a que outra decisão substitua esta, é lógico que a locução legal refere-se aos efeitos materiais da medida. Quanto a este aspecto, há igualmente reversibilidade, uma vez que será possível às concessionárias proceder à cobrança dos valores eventualmente pagos a menor por esses usuários, por óbvio há um risco inerente a uma alteração fática, da qual decorrem reflexos econômicos. Esse risco, porém, deve ser suportado pelas rés e não pelos consumidores.

Ante o exposto, DEFIRO A LIMINAR para determinar à ré Brasil Telecom S.A. que suspenda, no prazo de 10 dias, a contar da intimação, a cobrança da tarifa de assinatura mensal de telefone fixo dos consumidores assinantes do Sistema de Telefonia Fixa Comutada residentes na subseção judiciária de Chapecó-SC, autorizada a cobrança dos pulsos anteriormente embutidos na referida tarifa, desde que utilizados pelo consumidor.

Fixo multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para a hipótese de a ré BRASIL TELECOM S/A descumprir esta determinação. A multa fica limitada a 100 (cem vezes) o seu valor. No caso de descumprimento, os valores reverterão em defesa dos consumidores.

Cumpra-se. Intimem-se. Citem-se.

Intime-se o Ministério Público Federal para os fins do art. 5º, § 1º, da Lei 7.347/85.

Publique-se edital, nos termos do art. 94 do Código de Defesa do Consumidor.

Chapecó, 08 de setembro de 2004.

ELISÂNGELA SIMON CAUREO

Juíza Federal Substituta

(1) Nery Junior, Nelson. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 1532.

(2)Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 13ª ed., 2001, p. 601.

(3)Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 19º ed., 2003, p. 204.

(4)Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 13ª ed., 2001, p. 790.

(5)Idem, p. 785.

(6) p. 785.

(7) Obra citada, p. 788.

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