Piratas da América

É preciso destinar orçamento público para combate à pirataria

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14 de setembro de 2004, 20h36

Todos sabem que as falsificações podem ter origem nacional ou estrangeira. Em alguns setores, por exemplo, 70% dos produtos falsificados são importados.

Se produzidas internacionalmente, as falsificações chegam ao Brasil pelas mais variadas rotas, com destaque para as mais conhecidas, que passam pelos Portos de Santos e Paranaguá, através dos Entrepostos de Depósito Franco-Paraguaio localizados no interior desses portos – verdadeiros territórios paraguaios dentro do território brasileiro. Posteriormente, as mercadorias seguem para o Paraguai, retornando ao Brasil.

Com o início das medidas repressivas de fronteira conduzidas principalmente pelas Alfândegas dos portos de Santos, Rio de Janeiro e Paranaguá, outras rotas envolvendo países como Panamá, Chile, Argentina e Uruguai passaram a ser utilizadas, mas mesmo nesses casos o Paraguai continua sendo o intermediário, tendo o Brasil como destinatário final das falsificações.

Em via reversa, se fabricados no Brasil, todos os produtos falsificados são destinados ao consumo nacional, não havendo até hoje notícias de sequer uma apreensão desses produtos em processo de exportação.

Como se vê, independentemente de sua origem, os produtos falsificados são consumidos no Brasil por pessoas que não têm (e nunca tiveram) vergonha de estimular uma atividade tão lesiva para tantos setores da sociedade. De fato, o Brasil acabou por se tornar consumidor de grande parte do lixo oriundo do mercado da falsificação.

Mas afinal, qual é a graça de se ter um produto identificado por uma marca famosa, se ele não foi fabricado pelo titular dessa marca famosa? Qual é a graça de se comprar um produto mais barato se ele vai durar tão pouco a ponto de ser necessário comprá-lo umas vinte vezes seguidas (ou mais) para que ele tenha a mesma vida útil do original?

A resposta pode estar nos números. Em pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, constatou-se que 59% dos entrevistados admite adquirir produtos no comércio informal, mesmo sabendo que estão consumindo produtos falsificados.

Da mesma pesquisa, emerge o dado estarrecedor de que 47% dos cidadãos de classe A entrevistados, da mesma forma adquirem produtos falsificados, tendo plena consciência de sua procedência ilícita.

Conquanto os dados acima apontem o consumidor como o grande incentivador da explosão de produtos falsificados no mercado, não seria justo crucificá-lo, sob pena de se cometer o mesmo erro de argumento utilizado para justificar o crescente aumento de tráfico de drogas ilícitas e de armas.

Não se pode esquecer que até hoje não se viu uma séria política governamental de informação ou educação, seja com a larga divulgação na imprensa dos riscos e prejuízos advindos do consumo de produtos falsificados e, muito menos, com o ensino de estudantes primários e secundários acerca das mazelas desse mercado ilícito.

Portanto, pode-se afirmar que se o consumo de produtos falsificados é tão elevado, é porque os mercados estão cheios desses produtos. Por mais que seja difícil exterminar a falsificação, se houvesse redução significativa de sua disponibilidade no comércio, inevitavelmente seu consumo seria reduzido na mesma proporção.

E o problema da falsificação é exatamente esse. Os produtos falsificados estão em toda parte.

Apesar dos diversos esforços havidos com a instalação da CPI da Pirataria, com a reformulação do sistema aduaneiro (Decreto nº 4.765/2003) e com a reforma do Código Penal relativa aos crimes de violação de direito autoral (Lei nº 10.695/2003), ainda assim há muito a ser feito, sobretudo nas fronteiras.

Dentre as metas, demanda-se um pesado investimento para a contratação de novos fiscais e para a compra de equipamentos modernos de monitoração, processamento e armazenagem de dados. É só o que falta, pois há muita seriedade e iniciativa dos agentes aduaneiros, que mesmo diante das dificuldades conseguem identificar cargas ilícitas e realizar apreensões.

No entanto, a falta de recursos tornou possível a existência de milhares de vendedores ambulantes dedicados quase que exclusivamente à venda de produtos falsificados. Tanto assim, que os produtos trazidos do Paraguai (“made in China”) são os verdadeiros “best-sellers” do mercado informal, com vendas superiores a 88%.

Como era de se esperar, na mesma proporção caminhou o crescimento do trabalho informal. Estatísticas do governo sugerem que nos dias atuais aproximadamente 35% da população economicamente ativa trabalha na informalidade.

Todavia, há estimativas menos generosas. Segundo pesquisa realizada recentemente por uma grande empresa de consultoria, esse número pode chegar a 55%, sendo certo que a sua redução em 20% (para os níveis previstos pelo governo) significaria um aumento de 5% do PIB anualmente.

Ora, além de todos os prejuízos causados pelo aumento da falsificação isoladamente, a informalidade contribui para criar um ambiente propício à marginalidade, possibilitando o surgimento de atividades ainda mais danosas, como a lavagem de dinheiro e o tráfico de drogas e de armas.

Diante de tal cenário, talvez seja a hora de se priorizar o fim da burocracia do trabalho formal e a redução da carga tributária de pequenos comerciantes, de forma a incentivar a criação de empresas legalmente constituídas, formadas por “empregados de carteiras assinadas”.

Por fim, seria, pois, fundamental destinar uma parte do orçamento público ao combate à falsificação e à redução da informalidade, já que as perdas advindas dessas atividades ilícitas (e de outras a elas ligadas) certamente superam, em muito, qualquer investimento que venha a ser realizado.

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