Novo lance

Supremo deve decidir sobre futuro político do casal Capiberibe

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13 de setembro de 2004, 15h57

O futuro político do senador João Capiberibe e da deputada federal Janete Capiberibe, ambos do PSB do Amapá, deverá ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Acusados de compra de votos na campanha de 2002 pelo principal adversário político, o ex-senador Gilvan Borges, do PMDB, que não conseguiu se reeleger, os parlamentares tiveram seus mandatos cassados, em abril passado, pelo Tribunal Superior Eleitoral. Caso a decisão seja mantida pelo Supremo, Borges ocupará a vaga de Capiberibe no Senado.

Os advogados do casal aguardam a publicação do acórdão no Diário Oficial da Justiça para entrar com recurso no STF e pedir a suspensão da decisão até o julgamento da questão. Os ministros do Supremo, Carlos Velloso e Celso de Mello, com assento no TSE, têm posição cristalizada. No julgamento, em abril passado, Velloso, relator do processo, defendeu a cassação do casal.

O ministro Celso de Mello votou contrariamente. Invocou o princípio da presunção da inocência previsto pela Constituição, entendeu que nos autos não se vislumbravam elementos de convicção ligando o casal aos ilícitos ocorridos e concluiu: “É um terreno movediço demais para se adotar uma decisão tão drástica que é a cassação de mandatos”.

A ministra do Supremo, Ellen Gracie, que presidiu o julgamento, diante do quórum de quatro votos a dois em favor da cassação, não se manifestou. Gracie foi destacada, na ocasião, para substituir o presidente do TSE, ministro Sepúlveda Pertence. Ele alegou impedimento por “questões de foro íntimo” para apreciar a questão, em vista da eventualidade de um empate, o que acabou não acontecendo.

O último lance do processo ocorreu na terça-feira (2/9) quando a Corte voltou a examinar os autos em julgamento dos embargos de Declaração apresentados pelos advogados do casal. O recurso foi recusado por unanimidade diante do entendimento de que não houve omissões e não ser viável, através desse instrumento, a revisão do que já se decidiu. Quanto ao mérito, Carlos Velloso e Celso de Mello mantiveram as suas posições. (veja abaixo as íntegras dos Embargos e dos votos dos ministros Carlos Velloso e Celso de Mello).

O casal Capiberibe foi acusado de ter comprado o voto de duas eleitoras por R$ 52,00 — R$ 26,00 para cada uma votar nos candidatos. A acusação, na época, desencadeou uma operação da Polícia Federal que apreendeu cerca de R$ 15 mil e vales-combustível na casa de correligionárias do senador que estavam guardados no forro da residência e dentro da casinha do cachorro.

Por conta desses ilícitos, a acusação invocou o enquadramento dos parlamentares no artigo 41-A da Lei 9.504/97 (redação dada pela lei 9.840/99) que apena com multa pecuniária e cassação do registro da candidatura, o candidato que doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor vantagem pessoal de qualquer natureza com o fim de obter-lhe o voto.

Leia as íntegras dos Embargos de Declaração, do relatório e do voto do ministro Carlos Velloso e do ministro Celso de Mello

Embargos de Declaração no Recurso Especial Eleitoral nº 21264/AP

Embargantes: Partido Socialista Brasileiro – PSB, João Alberto Rodrigues Capiberibe e Janete Maria Goes Capiberibe.

Embargados: Diretório Regional do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, Gilvan Pinheiro Borges e Jurandil dos Santos Juarez.

Relator: Ministro Carlos Velloso.

Eminente Ministro,

Com o fito de instruir o julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Eleitoral acima epigrafado, pedem vênia os Embargantes, por seus respectivos advogados, para encaminhar a V.Exa. o presente MEMORIAL, que reproduz as razões recursais apresentadas.

Em sessão realizada no dia 27.04.2004, esse egrégio Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, decidiu prover o recurso dos Embargados para impor aos Embargantes as sanções individuais de cassação dos mandatos e dos diplomas expedidos, aplicando-lhes, ainda, multa no valor de R$ 15.000,00, para cada um.

Para tanto, valeu-se o acórdão embargado, resumidamente, da ocorrência de duas circunstâncias, quais sejam, os testemunhos de duas pessoas, Maria Nazaré da Cruz Oliveira e Rosa Saraiva dos Santos, que afirmaram ter vendido seus votos por R$ 26,00, cada uma, pagos por Maria Rosa Gomes; e a busca e apreensão de material de campanha dos Embargantes e da importância de R$ 15.495,00 na residência de Eloiana Cambraia Soares e Eunice Bezerra de Paulo.

Os votos vencidos dos eminentes Ministros Fernando Neves e Celso de Mello reconheceram a inexistência de provas suficientes, seja para caracterizar a compra de votos, e menos ainda no sentido de que os Embargantes tenham participado, de qualquer forma, desse suposto ato ou mesmo com ele consentido.

Os votos vencedores, por sua vez, não mostraram, concretamente, o liame entre a busca e apreensão ocorrida na casa de Eloiana e Eunicia e os testemunhos de Maria Nazaré e Rosa Santos. Não demonstraram também a participação dos Embargantes com a suposta captação ilícita de votos.


É fato que os Embargantes foram destituídos dos seus respectivos mandatos com base, exclusivamente, em indícios, presunções e conjecturas, e o mais grave, com base em elementos que não instruíram o presente feito, tais como depoimentos prestados em inquérito policial, decorrentes de representação criminal, colhidos posteriormente à prolação da r. decisão recorrida e à interposição do recurso, e que, portanto, não poderiam ser considerados.

Diante desse quadro, impõe-se que esse egrégio Tribunal Superior Eleitoral se manifeste explicitamente sobre a omissão levada a efeito ao não se apontar prova inconcussa da participação dos Embargantes no alegado ilícito eleitoral, bem como se pronuncie, de forma expressa, sobre as normas constitucionais aviltadas em conseqüência dessa decisão.

Com a máxima vênia, o desrespeito ao devido processo legal, garantido pelos incisos LIV e LV, do artigo 5º, da Carta Magna, exsurge claro da leitura do v. acórdão e se configura a) na utilização de provas que não se encontram nesses autos, b) na dispensa de tratamento diferenciado às provas produzidas pelas partes, violando o princípio da eqüidade processual, essência do “due process of law”, sendo certo que, em conseqüência dessa violação, malferido restou o inciso LVII, do mesmo artigo 5º, como adiante demonstrar-se-á.

O v. acórdão embargado se louvou em acontecimentos havidos fora dos autos e posteriores à prolação do v. acórdão do e. Tribunal Regional Eleitoral do Amapá para dar provimento ao recurso dos Embargados.

Com efeito, o propalado episódio ocorrido no escritório dos advogados dos Embargantes, as representações criminais de uma parte e de outra, as declarações feitas pelas testemunhas no inquérito policial e à imprensa: tudo isso pertence a um acervo inutilizável para o julgamento do recurso especial, porque não pertencentes aos fundamentos da representação inicial e não integrantes do julgamento pelo egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Amapá, ou mesmo do recurso e de sua resposta.

Esses elementos, que não poderiam ser considerados, foram determinantes no resultado do julgamento, tanto assim que o eminente Ministro Carlos Madeira a eles se reportou transcrevendo trechos de uma representação criminal, informando ser a mesma datada de 29.11.2003, quando a ação de que se trata foi julgada em dezembro de 2002.

De igual forma, o eminente Ministro Carlos Madeira mencionou a circunstância de Cirineu, Rosa Saraiva e Maria de Nazaré terem ido à Polícia Federal para pedir proteção, fato esse que teve um poderoso efeito persuasor, pois sugeria estarem os Embargantes ameaçando-as, e, de forma reflexa, anuindo com a veracidade dos depoimentos. Esse dado fático é absolutamente inservível para o julgamento do recurso, mesmo porque os Embargantes não participaram desse evento, ao final transmudado em prova que contra eles não poderia ter sido utilizada.

O eminente Ministro Peçanha Martins, também deixou-se impressionar por outros argumentos extra-autos, como se infere da alusão em seu douto voto ao depoimento das testemunhas que teriam sido vítimas de tentativa de coação por parte dos advogados dos Embargantes:

“Neste caso, volto a dizer, houve inação dos recorridos, mas, sobretudo, aquela conduta fraudulenta é que me conduziu à certeza da anuência.”

A conduta fraudulenta a que alude o eminente Ministro é a gravação de fitas pelos advogados que então representavam os Embargantes, com depoimento das testemunhas confessando terem recebido quantia em dinheiro para deporem contra os Embargantes.

O voto do Ministro Peçanha Martins, além disso, trouxe extensa transcrição de depoimento prestado pelo cidadão Francimar Santos da Silva em 02 de fevereiro do corrente ano, no inquérito policial acima aludido, documento esse que jamais foi juntado aos autos, e sobre o qual os embargantes, por isso mesmo, nunca tiveram oportunidade de manifestar-se.

Portanto, além de omitir-se quanto à demonstração de participação direta ou indireta dos Embargantes com o ato ilícito, o v. acórdão embargado, na verdade, se pautou em ilações extraídas de elementos estranhos ao recurso que se julgou, em afronta direta aos incisos LIV e LV, do artigo 5º, da Constituição Federal.

Quanto ao aspecto da falta de eqüidade na apreciação e valoração das provas produzidas pelos Embargantes e pelos Embargados, é imperioso que esse egrégio Tribunal se pronuncie sobre a questão à luz do inciso LIV da Constituição Federal, que também trata do respeito ao devido processo legal e cujo texto diz:

“Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

O que se observa, no caso concreto, é que, embora os elementos probatórios trazidos aos autos pelas partes fossem diametralmente antagônicos e tivessem pesos iguais, ou seja, testemunhas afirmando e testemunhas negando a ocorrência de um mesmo fato, criando um ambiente de dúvida e incerteza, optou-se por dar prevalência às provas dos Embargados.


E, nesse passo, caso se entenda como válidos os elementos extra-autos indevidamente trazidos ao julgamento, impõe-se relembrar terem as testemunhas Maria Nazaré e Rosa Saraiva confessado o recebimento de numerário para deporem em desfavor dos Embargantes.

Com isso, a credibilidade das mesmas restou irremediavelmente comprometida.

No entanto, mesmo em face desse comprometimento que causa um desvalor à prova, que, na verdade, nem pode ser considerada como prova, esses depoimentos foram acolhidos como verdadeiros e determinantes para o provimento do recurso.

Por outro lado, as testemunhas arroladas pelos Embargantes prestaram depoimentos seguros, nunca contrariados por elas mesmas e cuja veracidade somente por presunção foi elidida, haja vista tratarem-se de pessoas por eles conhecidas.

Dois pesos e duas medidas. Os depoimentos de Maria de Nazaré e Rosa Saraiva – adredemente prestados em escritura pública de idêntico teor, sendo que a segunda testemunha, reconhecidamente, sequer sabia ler e escrever (fl. 629), fato estranho, que não passou despercebido pelo Ministro Fernando Neves – foram tomados como certos e verdadeiros, mesmo após vir à tona que para prestá-los receberam elas, as testemunhas, determinadas vantagens. Já o firme e seguro depoimento de Maria Rosa Gomes que negou ter comprado os votos foi simplesmente olvidado pelo voto condutor do acórdão.

Nesse ponto, vale registrar que o voto condutor do acórdão recorrido não se manifestou expressamente sobre o depoimento de Maria Rosa Gomes, que afirmou, in verbis:

“que a depoente não recebeu dinheiro de nenhum dos candidatos representados para a compra de votos, reafirmando sua militância no PSB e que o Partido não dispõe de dinheiro para estar distribuindo; que a depoente nega firmemente o que falou a testemunha Rosa Saraiva dos Santos no depoimento que prestou em juízo, reafirmando que não recebeu recursos para compra de votos nem distribuiu dinheiro para essa finalidade, acrescentando que iam às reuniões promovidas pelo depoente quem queria, uma vez que não havia obrigatoriedade, sendo que nessas reuniões a depoente se limitava a defender as ações de governo de Capiberibe e a linha geral de ação do PSB, Partido ao qual pertence; que as testemunhas cujos depoimentos foram lidos chegaram a procurar a depoente perguntando se ela teria dinheiro para dar em troca do voto, dizendo a depoente que não e que elas poderiam ir atrás de quem tivesse dinheiro para dar, pois o trabalho feito pela depoente não era por dinheiro; que as duas testemunhas dos Representantes disseram que iam então atrás de quem lhes pudesse dar alguma vantagem; que a depoente sabe que as testemunhas dos Representantes ganharam terreno e casa mas não sabe dizer quem lhes deu, acrescentando que elas no segundo turno de votação mudaram seu voto.”

Sobre tal depoimento impõe-se um pronunciamento explícito de todos os Ministros dessa e. Corte, sendo certo que o fato de a testemunha ser militante do PSB e exercer cargo de confiança no gabinete da deputada federal Janete Capiberibe não o invalida, como entenderam os eminentes Ministros Peçanha Martins e Luiz Carlos Madeira, já que o mesmo foi prestado na condição de compromissada, pois sua contradita foi indeferida pelo juiz do feito (fls. 634/637).

Esse, inclusive, foi o argumento utilizado pelo eminente Ministro relator Carlos Velloso, na ratificação do voto (fl. 44 do acórdão), para dar validade aos depoimentos de Maria de Nazaré e Rosa Maria:

“Há depoimentos de duas testemunhas; houve a contradita, que foi refutada por elas; e o juiz tomou-lhes o compromisso e o depoimento, rejeitando a contradita”

E não se pode desconsiderar um depoimento coerente e verossímil apenas em face da relação que a depoente tem com os Representados, mormente se os outros dois depoimentos contrários foram prestados mediante o recebimento de vantagens!

Como muito bem colocado pelo eminente Juiz do TRE/AP José Magno e reproduzido no voto do Ministro Celso de Mello:

“Nós não podemos, data vênia ao ilustre Relator privilegiar uma e esquecer a prova contrária. Cabe ao juiz, em situações específicas como esta fundamentar a recusa, dizer porque não aceita o testemunho da MARIA ROSA GOMES quando diz que: não fez a entrega desses bens.”

Há, portanto, manifesta omissão no voto condutor do acórdão quanto a essa prova, que deve ser devidamente considerada e cotejada com as demais.

Além disso, há o fato de não haver sido demonstrado liame entre a busca e apreensão feita e a suposta captação ilícita de sufrágio.

O eminente Ministro Celso de Melo ressaltou em seu voto: “os indícios somente terão força convincente quando concordes e concludentes, indícios que não são coesos, firmes ou seguros não podem legitimar um decreto de cassação”.


Desta forma, se inexistem elementos sólidos a embasar o pleito do Embargado, como de fato não há; se existe uma contraprova de mesmo ou maior peso, como restou evidenciado, e mesmo assim acolhe-se o pedido de cassação, fica caracterizada uma ausência de eqüidade, cerne do devido processo legal instaurado para a busca da verdade, afrontando abertamente o inciso LIV, do artigo 5º, da Constituição Federal.

Com efeito, os sujeitos processuais devem ser tratados com igualdade em todo o desenrolar do processo e, no caso, a prevalência da prova dos Embargados, nas circunstâncias descritas, privilegiou-os, injustamente, em detrimento dos Embargantes. Não há respeito ao devido processo legal sem tratamento eqüitativo das partes. O malferimento ao artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, é patente, reclamando pronunciamento dessa e. Corte.

Nesse passo, e como conseqüência dessa violação constitucional, caracterizada também restou a infringência do inciso LVII, do art. 5º, da Constituição Federal, sobre o qual essa egrégia Corte deve se manifestar, porque omitida a análise sob esse enfoque.

É que, tendo sido a prova equívoca, incerta, duvidosa, essa situação não milita em favor de quem acusa, mas sim do acusado. A condenação pressupõe não só a prova, mas a certeza dessa prova e sendo ela apenas indiciária e, sobretudo, havendo contraprova de igual ou maior porte, não há como afastar a presunção de inocência dos Embargantes.

A propósito, a lição de Alexandre de Moraes:

“a presunção de inocência condiciona toda condenação a uma atividade probatória produzida pela acusação e veda taxativamente a condenação, inexistindo as necessárias provas .”

No caso em exame, inexistem provas necessárias e os frágeis indícios em que se fundam os votos vencedores foram realçados com elementos, como demonstrado, inservíveis ao julgamento do recurso, em manifesto prejuízo dos Embargantes, cuja culpa restou presumida.

Impõe-se, portanto, que o Tribunal emita pronunciamento sobre essa questão e faça o devido contraste da decisão tomada com esses princípios constitucionais, expressos nos incisos LIV e LVII do artigo 5º.

O v. acórdão deve ainda ser declarado quanto ao inciso XLV do mesmo artigo 5º, da Constituição Federal, que traz a determinação no sentido de que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado…”

Ora, a prova produzida nesses autos, como repisado, não caracteriza a hipótese do artigo 41-A, da Lei 9504/97, uma vez que, para tanto, seria imprescindível a vinculação dos candidatos com a conduta ilícita, por ter dela participado ou expressamente autorizado.

Os Embargantes, em nenhuma hipótese, reconhecem a ocorrência do ilícito mencionado nestes autos, mas ainda que, exclusivamente para argumentar, tivessem sido provados os fatos alegados, ainda assim, não poderiam os Embargantes ser responsabilizados por ato de terceiro, não sendo suficiente, para tanto, a vinculação dos mesmos com a pessoa que supostamente praticou essa conduta.

O voto do eminente relator, que encampou o parecer da douta Procuradoria Geral Eleitoral, não foi capaz, data maxima venia, de demonstrar a responsabilidade dos Embargantes com o evento da sustentada compra de votos.

O material de campanha e o numerário apreendidos não estavam na posse dos Embargantes. A suposta compra de votos por Maria Rosa Gomes, de igual forma, não contou com a presença do senador ou da deputada e tampouco fez-se prova de que o dinheiro recolhido na residência de Eloiana havia sido utilizado para a perpetração do ilícito.

Os mandatos foram cassados em razão das relações dos Embargantes com as personagens desse malsinado episódio recheado de controvérsias, dúvidas e descrédito dos que acusam, como bem anotado pelo eminente Ministro Fernando Neves:

“No que se refere à alegada compra de votos efetuada por Maria Rosa Gomes, o que é negado por ela, observo que a prova não é segura, pois as testemunhas foram contraditadas quando se apresentaram em juízo. E quando o processo já se encontrava neste Tribunal, surgiram as mais diversas acusações. As testemunhas teriam recebido determinadas vantagens para depor contra os representados, depois teriam cobrado certa quantia para se desdizerem. Mais adiante, informaram que haviam sido ameaçadas e que confirmavam o primeiro depoimento. Tudo muito confuso e suspeito, a merecer severa investigação pelo Ministério Público Federal independentemente da solução que vier a ser dada a este processo.”

Arrematando, Sua Excelência, mais adiante:

“Mas, Senhora Presidente, ainda que se pudesse ter como comprovada a compra dos dois votos, o que me parece não ter sido admitido pelos representados, ao contrário do que entendeu o Ministério Público, não vejo presente uma circunstância indispensável para a procedência da representação, que é a participação, direta ou indireta, dos representados.”


De fato, não há prova de que o dinheiro e o material de campanha apreendidos na residência de Eunice Bezerra e Eliana Cambraia tenham sido utilizados para captação ilícita de votos e tampouco vinculação dos Embargantes com esse evento, como bem salientou o eminente Ministro Fernando Neves.

Da mesma forma, na suposta compra de votos por Maria Rosa Gomes não logrou-se demonstrar vínculo com os Embargantes.

A propósito, vale conferir as bem lançadas palavras do Ministro Celso de Melo:

“o reconhecimento desse ilícito eleitoral e a imposição das conseqüências jurídicas dele resultantes (…) não dispensa para efeito de configuração da conduta vedada pelo 41-A, da Lei 9504/97 a existência de prova que permita constatar, além de qualquer dúvida razoável a efetiva participação direta ou indireta material ou intelectual do candidato nos atos legalmente vedados de captação de sufrágio, em ordem a permitir no plano de relação de causalidade que se lhe impute, tanto objetiva como subjetivamente, qualquer dos comportamentos de transgressão ao preceito legal em análise”.

(…)

“Na realidade, não basta para fins do que se refere o art. 41-A, que o candidato seja mero beneficiário insciente da ilicitude cometida por terceira pessoa”.

Portanto, da forma como decidido, data venia, o v. acórdão, além de malferir o citado artigo 41-A, violou o inciso XLV, do artigo 5º, da Carta Magna, por responsabilizar os Embargantes por suposto ato de outrem e, sobre essa questão, é imperioso o pronunciamento dessa egrégia Corte.

Ante tudo o que aqui se expôs, requer-se sejam recebidos e providos os embargos de declaração para suprimento das omissões apontadas e pronunciamento sobre os incisos LIV, LV e LVII, do art. 5º, da Constituição Federal e, de igual modo, a respeito do inciso IX do artigo 93, em virtude dos defeitos de fundamentação indicados nestas razões de recorrer, atribuindo-se-lhes efeitos modificativos, com o que deverá ser negado provimento ao recurso eleitoral dos Embargados.

E.R.M.

Brasília-DF, 11 de junho de 2004.

Paulo Costa Leite

OAB/DF 3.333

José Antonio Almeida

OAB/MA 2.132/OAB-DF 19.255

Carlos Augusto S. Rolemberg

OAB/DF 8282

Antonio Tavares Vieira Netto

OAB-AP n. 137906-S

Relatório e voto do ministro Carlos Velloso

Relatório

Trata-se de dois embargos de declaração com efeitos modificativos, opostos contra acórdão que reformou decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Amapá e condenou os recorridos à cassação dos registros e dos diplomas expedidos e à multa por prática de captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

Acórdão assim ementado (fl. 606):

ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO: PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA PELO ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97, ACRESCENTADO PELO ART. 1º DA LEI Nº 9.840, DE 28.9.99: COMPRA DE VOTOS.

I – Recurso interposto anteriormente à publicação do acórdão recorrido: tempestividade. Precedentes do TSE.

II – Tratando-se de matéria que possibilita a perda de mandato eletivo federal, o recurso para o TSE é ordinário: CF, art. 121, § 4º, IV. Conhecimento de recurso especial como ordinário.

III – Impedimento e suspeição de juízes do TRE: não acolhimento.

IV – Prática de conduta vedada pelo art. 41-A da Lei nº 9.504/97, acrescentado pelo art. 1º da Lei nº 9.840/99: compra de votos. Há, nos autos, depoimentos de eleitoras, prestados em juízo, que atestam a compra de votos.

V – Para a configuração do ilícito inscrito no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, acrescentado pela Lei nº 9.840/99, não é necessária a aferição da potencialidade de o fato desequilibrar a disputa eleitoral. Ademais, para que ocorra a violação da norma do art. 41-A, não se torna necessário que o ato de compra de votos tenha sido praticado diretamente pelo próprio candidato. É suficiente que, sendo evidente o benefício, do ato haja participado de qualquer forma o candidato ou com ele consentido: Ag nº 4.360-PB, Min. Luiz Carlos Madeira; REspe nº 21.248-SC, Min. Fernando Neves; REspe nº 19.566-MG, Min. Sálvio de Figueiredo.

VI. Recurso especial conhecido como ordinário e provido.

Os primeiros embargos foram interpostos por João Alberto Rodrigues Capiberibe, Janete Maria Góes Capiberibe e Partido Socialista Brasileiro (PSB), com base nos arts. 275 do Código Eleitoral e 535, I e II, do Código de Processo Civil. Verifico, todavia, que os advogados que subscreveram a petição receberam poderes de representação apenas do PSB, razão pela qual considero terem sido os embargos opostos somente por este.

Sustenta-se, em síntese:

a) ausência de demonstração concreta do liame entre a busca e apreensão de material de campanha e de dinheiro ocorrida na residência de Eloiana e Eunice e os testemunhos de Maria de Nazaré e Rosa Saraiva, que afirmaram ter recebido de Maria Rosa Gomes R$ 26,00 cada para votarem nos recorridos;


b) omissão quanto à existência de prova inconcussa da participação dos recorridos na suposta captação de sufrágio e responsabilização destes por ato de terceiros, em violação ao princípio da individualização da pena;

c)violação ao devido processo legal, por utilização, pelos Ministros Carlos Madeira e Peçanha Martins, de elementos colhidos após a interposição do REspe: gravação da confissão das testemunhas de que receberam dinheiro para deporem contra os recorridos; representações criminais; depoimentos prestados em inquérito policial e à imprensa;

d)violação ao princípio da igualdade, visto que esta Corte acolheu os depoimentos de Maria de Nazaré e Rosa Saraiva, que posteriormente confessaram o recebimento de dinheiro para deporem contra os recorridos, e omitiu-se acerca do depoimento de Maria Rosa Gomes, que negou a compra dos votos de Maria de Nazaré e Rosa Saraiva.

Nos segundos embargos de declaração, interpostos por João Alberto Rodrigues Capiberibe e Janete Maria Góes Capiberibe, com fundamento no art. 275 do Código Eleitoral e 535, I e II, do CPC, são deduzidas idênticas alegações.

Os embargados sustentam a improcedência dos embargos, visto que objetivam o prequestionamento tardio de matéria constitucional não versada no acórdão recorrido e o reexame de provas. Acrescentam ser improcedente a alegação de uso de prova extra-autos, uma vez que o documento, citado pelos Min. Carlos Madeira e Peçanha Martins, foi fornecido pelos próprios embargantes, que não podem alegar a própria torpeza (fls. 1298-1307).

É o relatório.

VOTO

Quanto à ausência de liame entre a busca e apreensão na residência de Eloiana e Eunice e a declaração de venda de voto por Maria Nazaré e Rosa Saraiva, não há omissão a ser sanada.

A ligação entre os fatos citados restou comprovado, nos termos do voto do juiz relator do TRE, por mim acatado, no qual registra-se que:

1- durante a busca e apreensão realizada na residência de Eloiana e Eunice foram encontrados dinheiro, farto material de propaganda dos recorridos e estratégias de atuação para a conquista de votos;

2- os advogados dos recorrentes e o ex-chefe da casa militar do governo Capiberibe estavam na residência de Eloiana e Eunice durante a busca e apreensão;

3- o valor apreendido corresponde a mais da metade dos gastos de campanha de João Capiberibe;

4- Eunice foi trazida para Macapá por João Capiberibe para ocupar o cargo de secretária de Estado. Eunice e Eloiana ocupam cargo de secretária Municipal de Macapá, cujo prefeito é correligionário dos recorridos, razão pela qual as atividades na residência de ambas não poderiam ser do desconhecimento dos recorridos;

5- nome, endereço, número do título de eleitor, zona e seção de votação das testemunhas Maria de Nazaré e Rosa Saraiva foram encontrados na listagem apreendida na casa vistoriada.

Tampouco houve omissão quanto à participação dos recorridos no ato ilícito. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de que resulta caracterizada captação de sufrágio quando o candidato anui às condutas abusivas e ilícitas capituladas no art. 41 da Lei nº 9.504/97. E esta Corte, mediante exame das provas, concluiu que houve consentimento dos recorridos na compra dos votos de Maria de Nazaré e Rosa Saraiva, visto que essas testemunhas, cujas contraditas foram refutadas:

1- declararam ter recebido, sob o compromisso de votar nos recorridos, vinte e seis reais cada de Maria Rosa Gomes, presidente da Associação das Mulheres Moradores do Bairro Jardim Marco Zero e tida como irmã de criação da recorrida Janete Capiberibe;

2- afirmaram que Maria Rosa Gomes anunciou que o dinheiro advinha de João Capiberibe;

3- confirmaram a presença dos recorridos em reuniões da citada associação.

Há, ainda, nos autos, uma terceira declaração, de Francimar dos Santos da Silva, por escritura pública, no mesmo sentido (fl. 47).

Por sua vez, registrei no acórdão embargado ao discordar do voto vencido do eminente Min. Fernando Neves (fl. 1.226):

“(…)

S. Exa., com argumentos poderosos, diverge do convencimento a que fui levado por aqueles depoimentos que li para a Casa. Entende S. Exa., num segundo ponto, não obstante considerando aquela casa como um dos mais importantes comitês, não vê ocorrer o liame, porquanto está a exigir uma adesão explícita – vamos dizer assim – quase de confissão do candidato beneficiado com o que se fez.

O juiz que vivenciou o problema, que dirigiu a investigação, que tomou os depoimentos e que, no Tribunal, foi o relator da representação, chega a dizer que os fatos são públicos e notórios em Macapá. Mas, S. Exa., eminente Ministro Fernando Neves, com a maior propriedade, desenvolve o seu voto e passa a exigir uma atitude explícita do beneficiário, interpretando talvez a ementa do acórdão do Ministro Sálvio de Figueiredo.


Mas não foi assim que decidiu o Tribunal no Ag nº 4.360-PB (…)”.

Descabe a alegação de violação ao princípio da igualdade, por acolhimento dos depoimentos de Maria Nazaré e Rosa Saraiva, em detrimento daquele prestado por Maria Rosa Gomes. Afinal, cabe ao magistrado a livre apreciação da prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, desde que indique os motivos de seu convencimento (art. 131, CPC).

Há, inclusive, registro do eminente Ministro Peçanha Martins quanto ao ponto (fls.1.231-1232):

“(…)

As testemunhas, bem ou mal, afirmaram que receberam dinheiro para dar o voto, que lhes foi pedido outro voto – além do próprio -, e que isso foi feito sob a ameaça de perderem a bolsa-escola. Contra esses depoimentos, nos autos, vemos apenas o depoimento da d. Rosa, que nega a realização da reunião e a doação do dinheiro. Esses são os fatos deste processo.

Vejam, há um liame absolutamente comprovado entre as reuniões nas casas de Eloiana e Maria Rosa. Há também um fato provado nos autos, que é uma relação de pessoas, entre as quais se incluem as duas testemunhas. E mais, há uma contradita a essas testemunhas prestada exatamente por aquela pessoa que funciona como importante cabo eleitoral dos recorridos, d. Maria Rosa. E tanto é assim que os autos noticiam, posteriormente, teria sido ela contemplada com uma nomeação para o gabinete de uma das pessoas recorridas.

Temos de sopesar a prova. Há três testemunhas que afirmam haver recebido dinheiro em troca do voto – até porque o depoimento público também consta dos autos e, ainda que não tivesse sido confirmado em juízo, vale como prova. Por isso mesmo, tive a preocupação de, no primeiro julgamento, perguntar se os recorridos haviam ido ao Judiciário para, com os meios processuais cabíveis, destruir tais depoimentos. Mas não o fizeram.

Volto a dizer, temos três testemunhas que afirmam haver recebido a importância de R$ 26,00: sendo R$ 6,00 para alimentação e R$ 20,00, em seguida, para a prática do voto. E afirmam que nessa reunião com d. Rosa teriam também recebido a cola do voto.

Muito bem, entendo que esse depoimento de Maria Rosa não pode ser levado à conta de inutilização daqueles testemunhos, pelo comprometimento que tem com os recorridos.

(…)” .

No que se refere à utilização de elementos colhidos após a interposição do REspe, registro que os próprios embargantes trouxeram aos autos a gravação da declaração das testemunhas Maria Nazaré e Rosa Saraiva, no sentido de terem recebido dinheiro para depor em desfavor destes (fl. 1.112). Logo, não aproveita aos embargantes a alegação de nulidade a que eles mesmos deram causa, para revertê-la em benefício próprio, em flagrante oposição ao preceituado no art. 243 do Código de Processo Civil.

Ademais, o documento citado, que visou à desqualificação das testemunhas, sequer foi considerado em meu voto, uma vez que, segundo destacou a Procuradoria-Geral Eleitoral, o caso merece ampla apuração para saber quem tomou a iniciativa de tentar desqualificar as testemunhas, e fazer-lhes ameaças. Assim o parecer da PGE, por mim adotado, quanto à matéria:

“(…)

Com todas as vênias ao requerente João Capiberibe e outros, não vemos como dar crédito à sua tentativa de desqualificar as testemunhas e mesmo intimidá-las, como as testemunhas informaram à entrevista concedida a TV naquele Estado da Federação.

A alegação de que as testemunhas foram corrompidas, tendo recebido R$ 20.000,00 (vinte mil reais) cada uma, não resta provada e a afirmação de que o CD que juntaram mais a fita de vídeo provam o que disseram, não convencem, pois as testemunhas afirmam que as pessoas ligadas a João Capiberibe lhes ofereceram dinheiro para que alterassem o depoimento que já havia prestado, inclusive em juízo.

Após comparecerem ao escritório do Advogado Antonio Tavares Neto, as testemunhas procuraram a Polícia Federal, a imprensa, assim como foram denunciar o fato a Deputados Estaduais na Assembléia Legislativa, tudo com a clara intenção de que todos naquele Estado tomassem conhecimento da pressão que o grupo de João Capiberibe estava fazendo, inclusive com ameaças de morte sobre as testemunhas e seus familiares.

Diante deste quadro, não há como se dar crédito a tentativa de João Capiberibe de desqualificar as testemunhas, merecendo o caso ampla apuração, para saber quem tomou a iniciativa de tentar desqualificar as testemunhas, e fazer-lhes ameaças.

(…)”.

Por sua vez, o eminente Min. Peçanha Martins, votou pelo provimento do recurso pois, sopesando a prova, entendeu que o depoimento das três testemunhas que afirmaram ter recebido dinheiro em troca do voto deveria prevalecer sobre o depoimento de Maria Rosa Gomes, que negou a compra de votos. Os fatos trazidos aos autos posteriormente apenas reforçaram seu entendimento.


O eminente Min. Carlos Madeira, no mesmo sentido, consignou (fl. 1.261):

“(…)

Tenho como estabelecido o liame e tenho que o voto do juiz, relator no Regional, baseou-se nos termos permitidos no art. 23 da Lei Complementar nº 64/90, com base em fatos notórios, indícios e presunções. Eximo-mo de reler esse voto, porquanto já lido no voto do eminente relator, Ministro Carlos Velloso.

Não se pode imaginar que os recorridos desconhecessem as atividades que eram desenvolvidas na residência de Eunice Bezerra de Paulo e Eloiana Cambraia Soares e bem assim os atos de Maria Rosa Gomes.

A estreita ligação está feita, a prova é concludente e o art. 41-A da Lei nº 9.504/97 deve ser aplicado. Como bem salientou o ilustre representante do Ministério Público, se nós não caminharmos nessa direção no processo eleitoral – a de punir quem de qualquer forma pratica o ilícito, principalmente quando, como no caso, for o beneficiário, se não se for nessa perspectiva, o art. 41-A da Lei nº 9.504/97, será da mais absoluta inutilidade.

(…)”.

Do exposto, não havendo omissão ou nulidade no acórdão embargado, rejeito os embargos.

EMENTA:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ANUÊNCIA DOS BENEFICIÁRIOS. DESCABIMENTO DA ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE.

1. Comprovação de liame entre os fatos alegados e os testemunhos prestados.

1.

2. 2. A jurisprudência do TSE é no sentido de que resulta caracterizada a captação de sufrágio quando o beneficiário anui às condutas abusivas e ilícitas capituladas no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

3. Cabe ao magistrado a livre apreciação da prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, desde que indique os motivos de seu convencimento.

4. Não aproveita aos embargantes a alegação de nulidade a que tenham dado causa, em oposição ao art. 243 do Código de Processo Civil.

5. Não havendo omissão, obscuridade ou contradição, nos termos do art. 275, I e II, do Código Eleitoral, são rejeitados os embargos de declaração.

Voto do Ministro Celso de Mello

Continuo convencido, mesmo que se trate de processo eleitoral de natureza civil, de que a condenação nele imposta com apoio em prova meramente indiciária – que se mostre destituída de maior consistência fática, considerada a presença de elementos de informação que a contrariam – traduz hipótese clara de transgressão ao postulado constitucional da não-culpabilidade.

Foi o que procurei demonstrar ao longo do meu voto, cujas razões, no entanto, não prevaleceram, não obstante Vossa Excelência, Senhor Presidente, ao afastar a incidência de tal princípio, houvesse salientado que, com a suscitação do tema pertinente à presunção de não-culpabilidade, essa questão constitucional mostrava-se presente no debate da controvérsia veiculada no caso ora em exame.

A explícita abordagem do princípio constitucional da não-culpabilidade foi efetuada no curso do julgamento do recurso de que resultou o acórdão objeto dos presentes embargos de declaração.

Tanto que Vossa Excelência, Senhor Presidente, ao reconhecer que se “trouxe ao debate a questão constitucional da presunção de inocência”, assim se pronunciou sobre ela, considerado o contexto destes autos:

“Mas a presunção de inocência, penso, não pode ser entendida em termos absolutos. Ela é uma presunção juris tantum, e não uma presunção juris et de jure. Ou seja, admite que contra ela se faça prova.

(…). Eu e o Ministro Peçanha Martins entendemos que essa presunção de inocência foi afastada, não só com a prova, que nos pareceu evidente, e os depoimentos testemunhais – que depois foram ressaltados com brilho pelo eminente Ministro Peçanha Martins -, mas também com indícios sérios do liame entre a compra dos votos e os candidatos, em nomes dos quais as testemunhas afirmavam que a d. Rosa agia.

(…) reafirmo que a presunção de inocência, se fosse considerada em termos absolutos, dificilmente haveria imposição de pena, a não ser em caso de confissão do réu.”

Tendo presente essa douta manifestação de Vossa Excelência, tive o ensejo de expender as seguintes considerações:

“V. Exa. tem inteira razão quando enfatiza que o postulado constitucional da não-culpabilidade não se reveste de caráter absoluto. Estabelece, sim, uma presunção meramente relativa, juris tantum, que prevalece até prova em contrário.

Mas, segundo penso, neste caso não houve uma prova cabal e plena que pudesse convencer-me da necessidade de impor-se aos ora recorridos a sanção cominada no art. 41-A da Lei nº 9.504/97. Fiz constar, quando transcrevi os votos vencedores proferidos no âmbito do Tribunal Regional Eleitoral do Amapá, que se registrou, na verdade, uma situação de conflito probatório. Cabe referir, no que concerne à testemunha Maria Rosa, que esta é muito clara ao negar a realidade que Rosa Saraiva e Nazaré buscaram veicular em suas declarações.


O fato é que o terreno me pareceu movediço demais para poder sustentar uma decisão que provocará gravíssimas restrições ao exercício de direitos eleitorais, de caráter político, restrições essas que afetam, de modo direto, o desempenho do mandato eletivo. Não importa que se cuide, como no caso, de mandato de um senador da República e de uma deputada federal. Qualquer que seja o âmbito da Federação em que o mandato eletivo seja desempenhado, o fato é que se impõe a necessária comprovação cabal, além de qualquer dúvida razoável, das imputações contidas na representação.”

Também o eminente Ministro PEÇANHA MARTINS, em douta intervenção, assim explicitou o seu respeitável entendimento a propósito da questão pertinente ao princípio constitucional da não-culpabilidade, analisado na perspectiva deste processo:

“Mas foram exatamente essas circunstâncias e, sobretudo, a dificuldade para a produção da prova do ilícito e o objetivo da norma que me conduziram – e me conduzem – à certeza de que, efetivamente, houve a captação ilícita dos votos, a qual, indubitavelmente, serviu aos recorridos, que dela sabiam. E tanto sabiam que retribuíram os serviços de Maria Rosa e autorizaram os seus advogados a intentarem a perseguição penal daquelas pessoas que testemunharam contra elas.

Afinal, não vejo como levarmos a presunção da inocência além dos limites da razoabilidade consagrada na lei. Não discuto quanto à questão da gradação da pena, mas considero que a interpretação do Direito Penal há de ser benigna, uma vez que conduzirá à perda do bem maior, da liberdade. Temos a captação como provada e encetada por pessoas com tão íntimas ligações com os candidatos. Pelo menos, a mim, não deixa dúvidas a prova contida nos autos da anuência dos recorridos à ilícita captação de votos.”

Esse douto pronunciamento levou-me a tecer as seguintes observações:

“Também eu não elasteço nem dou essa dimensão excessiva ao postulado constitucional da não-culpabilidade. Apenas entendo que esse postulado, hoje, impõe, de maneira muito clara e de modo bastante expressivo, a quem acusa, o ônus material de provar, além de qualquer dúvida razoável, a imputação feita, notadamente quando, do acolhimento de tal acusação, puder resultar ou uma condenação penal, se se tratar de processo penal condenatório, ou uma restrição de direitos, se se cuidar, como, no caso, de processo de natureza eleitoral.”

Se assim é, ou seja, se o tema constitucional foi efetivamente considerado por este E. Tribunal Superior Eleitoral, em sua decisão, ainda que para afastar a incidência, na espécie, do postulado que consagra, entre nós, a presunção “juris tantum” de não-culpabilidade, torna-se evidente que a matéria resultou debatida, o que impede que se reconheça configurada, no caso, a hipótese de omissão.

Longe de caracterizada a alegada omissão que se atribuiu ao v. acórdão recorrido, cabe assinalar que este versou, expressamente, o exame do tema pertinente ao postulado constitucional da não-culpabilidade, suscitado no voto vencido, ainda que para dar-lhe inteligência diversa, o que permite reconhecer, até mesmo, a ocorrência, na espécie, de prequestionamento explícito da matéria constitucional (RTJ 144/327, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RTJ 152/243-244, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE).

Na realidade, o Supremo Tribunal Federal tem entendido não prequestionado o tema constitucional suscitado no voto vencido, quando o acórdão sequer o considera para efeito de resolução da controvérsia, tal como advertiu a Suprema Corte no julgamento do RE 118.479/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, ocasião em que deixou positivada a seguinte orientação:

“(…). Não se configura o prequestionamento se, no acórdão recorrido, apenas o voto vencido cuidou do tema suscitado no recurso extraordinário, adotando fundamento independente, sequer considerado pela maioria.” (grifei)

De qualquer maneira, no entanto, Senhor Presidente, entendo que não há como acolher os presentes embargos de declaração, eis que inocorrentes, na espécie, os pressupostos legais de embargabilidade.

É que, não custa enfatizar, este E. Tribunal Superior Eleitoral – além dos aspectos já ressaltados no douto voto de Vossa Excelência – também examinou a controvérsia em face do princípio constitucional da não-culpabilidade, não se registrando, assim, a alegada omissão imputada, pelos ora embargantes, ao v. acórdão recorrido.

Sendo assim, e acompanhando Vossa Excelência, rejeito os presentes embargos de declaração.

É o meu voto.

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