Recálculo garantido

Aposentado não precisa fazer acordo para ter revisão de benefício

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13 de setembro de 2004, 14h29

Os aposentados têm direito à revisão de suas pensões e aposentadorias, mesmo sem aderir ao acordo proposto pelo governo federal no artigo 2º da Medida Provisória 201, de 2004.

“Condicionar a revisão do benefício previdenciário, autorizada pelo artigo 1º da MP 201, à adesão ao acordo, é o mesmo que condicionar bem-estar e justiça sociais, o que é inconcebível”.

O entendimento é da desembargadora federal Marisa Santos, relatora da questão no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Ela concedeu liminar a Aidinho Ronchi para que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) faça a revisão de sua aposentadoria. Cabe recurso.

Segundo a magistrada, “depois de amplamente debatida a questão em todas as instâncias do Poder Judiciário, restou assentado pela jurisprudência ser devida a aplicação do índice do IRSM de fevereiro de 1994 aos salários-de-contribuição anteriores ao março de 1994, utilizados no cálculo do salário-de-benefício”.

A desembargadora fundamentou sua decisão no artigo 1º da própria MP 201, que autoriza a revisão dos benefícios previdenciários concedidos a partir de março de 1994. Marisa Santos deu prazo de cinco dias para o cumprimento da ordem, sob pena de multa diária, a ser fixada em caso de descumprimento.

Leia a liminar

PROC. : 2004.03.00.048168-6 MC 4.148

ORIG. : 200203990014077/SP 0000000961/SP

REQTE : AIDINHO RONCHI

ADV : DONATO LOVECCHIO

REQDO : Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

ADV : HERMES ARRAIS ALENCAR

RELATOR : DES.FED. MARISA SANTOS / NONA TURMA

DECISÃO

Trata-se de ação cautelar incidental proposta por AIDINHO RONCHI contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, distribuída por dependência à apelação cível nº 2002.03.99.001407-7.

Narra o requerente que ajuizou ação, de procedimento ordinário, em que requereu a revisão da renda mensal inicial do benefício previdenciário de que é titular, mediante a aplicação do IRSM de fevereiro/1994 aos salários-de-contribuição anteriores a março/1994.

Prossegue, alegando que a Medida Provisória nº 201, de 23 de julho de 2004, foi editada para corrigir erro cometido pela previdência social, reiteradamente reconhecido pelos Tribunais.

Sustenta que a MP 201 autorizou a revisão objeto do processo principal, condicionando-a, porém, à assinatura de Termo de Acordo, nos termos do disposto no seu art. 2º, o que, a seu ver, é ilegal, inconstitucional e imoral. Isso porque, argumenta, o INSS não pode conceder aumento diferenciado para segurados que tenham o mesmo direito ao benefício, e o recálculo deve atingir todos os segurados indistinta e independentemente de qualquer acordo. Para o requerente, condicionar a revisão à assinatura do acordo fere a dignidade da pessoa humana “por se aproveitar do ESTADO DE NECESSIDADE, ou ESTADO DE PERIGO, que (sic) se encontra a maioria dos aposentados e demais beneficiários da Previdência Social, obrigando-os a “aderirem” ao “ACORDO” que lhes está sendo impingido, sob pena de reter parte de seu benefício, que é seu único salário” (fls. 9, grifos e destaques no original). Configurada, assim, “retenção dolosa de salário em flagrante desrespeito à Constituição Federal” (fls. 9).

O requerente repele, ainda, a imposição de que o Acordo só se aperfeiçoe com a renúncia, pelo segurado, das parcelas anteriores ao qüinqüênio que precedente à sua assinatura, e com a renúncia aos valores que excedam a competência dos Juizados Especiais Federais, bem como aos juros e aos honorários advocatícios. Argumenta que se trata de imposição de renúncia a benefício alimentar, irrenunciável por natureza; é coação, que invalida o ato jurídico, nos termos dos arts. 151 e 152 do Código Civil.

Por fim, diz o requerente que está presente o fumus boni iuris, em razão da edição da MP 201/2004 e da sentença que julgou procedente o pedido principal. Sustenta que o periculum in mora resulta do prejuízo que lhe advém se aguardar o desdobramento de longa tramitação da demanda, restando configurada a lesão prevista no art. 157 do Código Civil.

Pede, por fim, a liminar, sem a oitiva do INSS, “para determinar a revisão incondicional, independentemente da adesão ao “Acordo”, da renda mensal do benefício do autor, autorizada pelo art. 1º da Medida Provisória nº 201/2004, devendo o INSS efetivar a correção e pagamento do valor do benefício mensal na mesma competência em que forem corrigidos os benefícios dos demais Segurados e Beneficiários que aderirem ao “ACORDO” conforme artigo 4º, I, da mesma MP 201/2004, qual seja, competência agosto de 2004, com pagamento em outubro de 2004 para os beneficiários com final “7” (fls. 11).

Requereu os benefícios da justiça gratuita, protestou por provas e deu à causa o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Juntou os documentos de fls. 12/28.

Autos conclusos em 19/8/2004.

É o relatório. Decido.

A apelação cível interposta contra a sentença que julgou procedente o pedido inicial ainda pende de julgamento nesta Corte, razão pela qual é desta Relatora a competência para apreciar o pedido cautelar.

O objeto da ação principal é o recálculo da renda mensal inicial do benefício de que é titular o ora requerente, mediante a aplicação do índice do IRSM de fevereiro de 1994 aos salários-de-contribuição anteriores a março de 1994.

Depois de amplamente debatida a questão em todas as instâncias do Poder Judiciário, restou assentado pela jurisprudência ser devida a aplicação do índice do IRSM de fevereiro de 1994 aos salários-de-contribuição anteriores ao março de 1994, utilizados no cálculo do salário-de-beneficio.

Reiteradamente vencida a previdência social, e assolada pelo grande número de ações judiciais em que segurados reivindicam o mesmo direito, viu-se o governo federal compelido a adotar providências que pusessem fim à questão e trouxessem, ao mesmo tempo, economia para os cofres públicos.

Foi, então, editada a MP 201, de 23/7/2004, cujo art. 1º dispõe:

Fica autorizada, no termos desta Medida Provisória, a revisão dos benefícios previdenciários concedidos, com data de início posterior a fevereiro de 1994, recalculando-se o salário de benefício original, mediante a aplicação, sobre os salários de contribuição anteriores a março de 1994, do percentual de 39,67%, referente ao Índice de Reajuste do Salário Mínimo – IRSM do mês de fevereiro de 1994.

O dispositivo transcrito configura autêntica confissão da dívida por parte do Poder Executivo e, em termos processuais, o reconhecimento jurídico de todos os pedidos que tenham o mesmo objeto (art. 269, II, Código de Processo Civil).

Já o art. 2º da mesma MP 201 dispõe:

Terão direito à revisão os segurados ou seus dependentes em gozo de benefícios do Regime Geral de Previdência Social que se enquadrem a disposto no art. 1º e venham a firmar, até 30 de junho de 2005, o Termo de Acordo, na forma do Anexo I, ou, caso possuam ação judicial em curso, com a citação do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS efetivada e cujo objeto seja a revisão referida no art. 1º, o Termo de Transação Judicial, na forma do Anexo II. (destaquei).

Ou seja, pelo referido art. 2º, só terão direito à revisão da renda mensal do benefício os segurados que, tendo requerido judicialmente a revisão, assinarem o Termo de Transação Judicial.

Isso significa que, embora a Medida Provisória 201 reconheça, expressamente, o direito de todos os segurados que tenham utilizado no cálculo do salário-de-benefício salários-de-contribuição anteriores a março de 1994, condiciona a revisão à assinatura do Termo de Transação Judicial para aqueles que se valeram da garantia fundamental do amplo acesso à justiça (art. 5º, XXXV, Constituição Federal). Ou seja, estão penalizados todos aqueles que exerceram o direito de procurar seus direitos!

É bem verdade que a MP 201/2004 impõe outras condições para a revisão, como, a exemplo, a renúncia aos valores em atraso que superem a alçada de sessenta salários mínimos, delimitadora da competência do Juizados Especiais Federais, no termos da Lei nº 10.259/2001. Entretanto, as demais condições não são objeto desta cautelar.

No caso concreto, tem-se a seguinte situação: o ora requerente exerceu seu direito de ação, e saiu-se vencedor em primeira instância, tanto que recorreu apenas das verbas acessórias e o INSS recorreu pugnando pela improcedência do pedido inicial; o desfecho do processo é apenas um, isto é, o ora requerente será vencedor na lide principal e terá o direito de receber todos os atrasados, com os acréscimos de juros moratórios, correção monetária e honorários de sucumbência. Será, entretanto, penalizado por seu atrevimento de pedir seus direitos ao Poder Judiciário: primeiro porque, se não fizer o acordo, submeter-se-á ao procedimento do precatório para receber os atrasados, e deverá propor execução de obrigação de fazer para que seja implementada a atualização da renda mensal do benefício; segundo porque, se quiser fazer a tal Transação Judicial, deverá contentar-se com os atrasados que não superem a quantia de sessenta salários mínimos, além de abrir mão de juros, correção monetária e honorários de sucumbência.

Acesso à justiça é garantia fundamental e, justamente por isso, não pode ser usada como critério de discriminação em prejuízo de quem legitimamente procurou a justiça!

Sob o prisma dos direitos sociais, nos quais se inclui a previdência social (art. 6º, Constituição Federal), o art. 2º da Medida Provisória nº 201 também não se sustenta. Previdência social é uma das formas de proteção social, cujos fins, nos termos do art. 193 da Constituição, é garantir bem-estar e justiça sociais.

Justiça social nada mais é do que reduzir desigualdades sociais e regionais, objetivo do Estado Democrático de Direito, nos termos do art. 3º, III, da Constituição.

Se o objetivo dos benefícios previdenciários, que são, por definição constitucional, direitos sociais, é reduzir desigualdades, não podem prevalecer normas que, a pretexto de viabilizar o caixa da previdência, acentuem desigualdades ao invés de reduzi-las. Por isso, condicionar a revisão do benefício previdenciário, autorizada pelo art. 1º da MP 201, à adesão ao acordo, é o mesmo que condicionar bem-estar e justiça sociais, o que é inconcebível.

A proteção social dada pela previdência é de natureza alimentar, como reiteradamente têm demonstrado a doutrina e decidido a jurisprudência. Prestação alimentar não pode ser objeto de transação, a menos que seu objeto seja ampliá-la e não restringi-la.

As verbas em atraso, que o Poder Executivo confessou serem devidas, num exame preliminar, podem ser objeto de transação pelo só fato de que o segurado sobreviveu sem a prestação alimentar até a data do “acordo”. Mas a atualização da renda mensal do benefício, daqui para o futuro, não pode sofrer como condição a renúncia a direitos do passado, sob pena de comprometer-se, de agora em diante, a sobrevivência daqueles que já foram por mais de dez anos solapados em seus direitos.

Em termos previdenciários, o passado está consolidado, e o futuro é inegociável.

Em tudo que acima foi exposto reside a fumaça do bom direito do requerente.

Quanto ao perigo da demora, também já está devidamente assentado. Se o requerente quiser a atualização imediata da renda mensal do benefício, deverá renunciar a parte de seus direitos já consolidados, e, o que é pior, nos autos de um processo em que já se saiu vencedor depois de muito esperar. E esperar justamente porque o Poder Executivo demorou para reconhecer seu erro! Se abrir mão do que já lhe está garantido por decisão judicial, terá perdido muito de seu tempo, o que não é justo lhe ser exigido. Se não renunciar a seu direito, terá que aguardar por muito tempo ainda para que lhe seja entregue o que lhe pertence, situação que também é absurda.

Por todas essas razões, concedo a liminar para que o INSS proceda à revisão da renda mensal do benefício previdenciário do autor, nos termos do art. 1º da MP 201/2004, independentemente da adesão ao acordo ou transação judicial prevista no art. 2º da mesma MP.

Intime-se a autoridade administrativa para que cumpra esta decisão em 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária, a ser oportunamente fixada em caso de descumprimento.

Cite-se. Oficiem-se.

São Paulo, 10 de setembro de 2004

MARISA SANTOS

DESEMBARGADORA FEDERAL RELATORA

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