Novo paradigma

Agência Brasileira de Inteligência abre-se para a imprensa

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9 de setembro de 2004, 19h11

Na manhã desta quinta-feira (9/9), o governo do presidente Lula inovou no aspecto mais inesperado que se poderia imaginar para o seu perfil: permitiu uma inédita visita da imprensa ao núcleo dos seus segredos — a sede da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Uma equipe da revista Consultor Jurídico esteve em Brasília para visitar a Abin.

Não parece ter sido difícil para o diretor-geral da agência, Mauro Marcelo Lima e Silva, implantar as mudanças. Afinal, para quem é delegado da polícia civil, jovem e expansivo, contrastar com os generais carrancudos do regime militar, foi uma decorrência natural do seu perfil.

Uma de suas primeiras medidas foi suspender a proibição de utilizar telefone celular nas dependências da agência. Agora, quando há alguma reunião cujo vazamento possa contrariar interesses do governo, simplesmente se aciona o bloqueador de chamadas.

Aos jornalistas, Mauro Marcelo falou de seus planos de desclassificar (permitir o acesso a) documentos considerados sigilosos cujo segredo já não faça sentido. “Outro passo importante é tentar viabilizar o compartilhamento de informações entre os diferentes órgãos de inteligência”, contou o delegado. Hoje, o sistema desenhado pelo governo engloba 23 órgãos — entre eles, organismos como a Anvisa e o Banco Central. A integração é prevista desde 1999, mas não saiu do papel. “Informação é poder e há quem resista em dividi-las”, comenta o diretor-geral.

Diante da curiosidade de jornalista, sobre a hipotética atividade de fazendeiros que aceitariam ocultar dejetos atômicos de outros países em troca de muito dinheiro, Mauro Marcelo concedeu que “os atores são outros, mas o filme ainda está em cartaz”.

A visita à Abin permitiu saber também que o serviço de inteligência estatal tem uma divergência com o Ministério das Relações Exteriores. A Abin gostaria que seus agentes no exterior tivessem status de diplomata. O Itamaraty não quer. Atualmente, a agência tem apenas dois servidores no exterior — um na Argentina, outro em Miami.

Apesar disso, a planilha de prioridades do organismo aponta como principal preocupação a conjuntura internacional. E embora não se tenha expressado com clareza, foi possível depreender que o país dos pesadelos da Abin é a Colômbia, por sua expressiva produção de drogas e terroristas.

O diálogo aberto com os gerentes e diretores da Abin possibilitou saber também que a estigmatização do órgão é motivo de desconforto para o pessoal da casa. Tanto mais quando a remissão é com o passado repressivo do regime militar. Tempos atrás, para mostrar que vigorava o poder civil, no governo Sarney, o então SNI (Serviço Nacional de Informações) foi praticamente esvaziado. No governo Collor, o órgão foi fechado de vez.

Resultado: o acervo repassado aos órgãos de inteligência das forças armadas foi e não voltou. O que foi possível resgatar mostra que muita coisa foi destruída, já que as fichas são numeradas e há saltos significativos na seqüência. O território da Abin, que já foi de 104 hectares, hoje se resume a pouco mais de 50. A política de remuneração também decaiu. Um servidor de nível básico ganha em média R$ 2.500 e um de nível superior fica em torno de R$ 4.000.

Mas há perspectivas. Foram abertas 1.804 vagas para completar o quadro. A nova direção está trabalhando na montagem de uma cidade cenográfica para o preparo de agentes. O organismo de pesquisa e desenvolvimento de equipamentos vai substituir o sistema criptográfico estrangeiro por um genuinamente nacional e, em breve, fará o mesmo com os dispositivos para proteger as comunicações entre celulares. A agência vai ganhar também um novo jornal interno. Se prevalecer o gosto do júri popular, vai se chamar Araponga.

Não é muito, se comparado aos investimentos espantosos das grandes potências. Mas é expressivo para quem luta com as dificuldades típicas de um estado destroçado por uma eterna crise econômica e política.

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