A Constituição e o MP

Prerrogativas dos MPs brasileiro e italiano não podem ser confundidas

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8 de setembro de 2004, 19h03

O Encontro Internacional de Lavagem de Dinheiro e Recuperação de Ativos promovido pelo Superior Tribunal de Justiça serviu de palco para discussão sobre os poderes que foram delegados pela Constituição Federal ao Ministério Público (MP).

A apreciação da questão, ora em exame pelo Supremo Tribunal Federal, foi apresentada aos juristas italianos Piero Luigi Vigna e Giovanni Salvi. Ambos se mostraram surpresos com a limitação do poder de investigação do Ministério Público; porém, não se sabe a razão do espanto, afinal a Assembléia Nacional Constituinte foi que determinou as funções e prerrogativas da instituição.

Diferentemente da Constituição Italiana de 1989, que garantiu amplos poderes ao Ministério Público, a nossa os limitou, permitindo somente às polícias o poder de investigação criminal.

É verdade que o Ministério Público – sob a direção do então procurador-geral da República, Aristides Junqueira, liderando verdadeira operação mãos limpas em nossa sociedade – conseguiu destacadas ações.

Animados pelo apoio da população cansada de ser espoliada por políticos e funcionários públicos corruptos, os membros do Ministério Público ultrapassaram barreiras e seguiram em frente na busca de afastar do poder aqueles que não respeitavam os cofres públicos.

As medidas judiciais bloquearam procedimentos escusos e colocaram na cadeia, ou fora dos mandatos, centenas de pessoas. Muitos, assustados pelas matérias jornalísticas bombásticas de final de semana, abandonaram suas funções e buscaram refúgio em outras paragens. Nesses locais, depositaram suas fortunas maculadas pela ilegalidade e esperaram, no submundo, o momento de voltarem à tona.

As ações foram julgadas, e a maioria dos infratores acabou tendo suas penas abrandadas pelo tempo. As vagarosas modificações na legislação foram permitindo a prescrição de penas, e a anistia branca se instalou.

A permissão de parcelamentos de dívidas, a exclusão de penalidades rigorosas e a natural passividade do nosso povo nos trouxeram até o dia de hoje, no qual, mesmo as CPIs, como a do Banestado, não conseguem progredir no rumo do fim da impunidade. São tantos os acusados, que cada um se une a um inocente em busca da manutenção da governabilidade.

Os procuradores italianos sabem como foi difícil o caminho percorrido até que a Itália se visse quase limpa das máfias e de outros tipos de criminosos que sufocavam a população com atentados e assassinatos. Foi à custa de muitas vítimas que, finalmente, os procuradores sobreviventes puderam sair pelo mundo contando as suas experiências. Não foi fácil, mas foi dentro de modificações constitucionais e do Código de Processo Penal.

Assim deve ser também no Brasil. O Ministério Público agiu com todas as suas forças, na Assembléia Nacional Constituinte, para conseguir poderes na investigação criminal, inclusive com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil. Não conseguiu.

A Constituição brasileira garantiu às polícias o poder de investigar, permitindo ao Ministério Público promover a ação penal pública e exercer o controle externo da atividade policial, dentre muitos outros poderes. No entanto, não lhe foi atribuído o poder de investigar; para isso lhe é garantido requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, constituinte de 1988, já se manifestou contrariamente sobre a questão no exame do processo que tramita na Corte. Se a decisão for favorável ao Ministério Público, o mundo não acabará; entretanto, mais uma vez a Lei Maior terá sido interpretada no calor das emoções.

Artigo publicado no Jornal de Brasília

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