Relatório diário

Governo quer obrigar advogados a revelar operações suspeitas

Autor

5 de setembro de 2004, 14h50

A Folha de S.P. publicou, neste domingo (5/9), reportagem em que afirma que a nova lei sobre lavagem de dinheiro tornará obrigatório a advogados informar às autoridades sempre que realizarem operações financeiras, imobiliárias ou empresarias suspeitas, a pedido de seus clientes. Leia a notícia assinada pelos repórteres Andréa Michael e Iuri Dantas:

A nova lei sobre lavagem de dinheiro, que está em elaboração no Ministério da Justiça e deverá chegar ao Congresso até dezembro, tornará obrigatório a advogados informar às autoridades competentes sempre que realizarem, a pedido ou em nome de clientes, operações financeiras, imobiliárias ou empresariais suspeitas.

Os mercados financeiro, imobiliário e de gestão e administração empresarial são campos férteis para operações de lavagem.

A diretriz que orienta a elaboração do projeto de lei, apesar de polêmica, está entre as 40 recomendações do Gafi (grupo de países que coordena a ação de combate à lavagem de dinheiro) divulgadas em junho de 2003.

“Quando o advogado entrar em operações típicas de mercado, por exemplo, também deverá ter em relação a elas as mesmas diligências que as instituições financeiras. O que se quer é que os advogados sejam responsáveis, e temos certeza de que isso -que está acontecendo no mundo todo e não só no Brasil- será compreendido”, disse Antenor Madruga, responsável pelo DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional), órgão do Ministério da Justiça especializado em combate à lavagem de dinheiro.

A polêmica suscitada pela proposta sustenta-se na possibilidade de que o dispositivo acabe por violar uma prerrogativa legal e constitucional sagrada para os advogados: o sigilo profissional. Tal possibilidade é descartada pela secretária nacional de Justiça, Cláudia Chagas: “O sigilo será respeitado”. Ainda assim, os profissionais da área de direito ouvidos pela Folha receberam a idéia com reservas -maiores e menores.

“É preciso acompanhar isso com cuidado. Está no limite entre o sigilo profissional garantido na Constituição e o exercício profissional ético”, afirma o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato.

Segundo o constitucionalista Luís Roberto Barroso, uma lei como essa, em tese, seria constitucional. Mas observa: “É preciso, no entanto, que as limitações sejam razoáveis e não interfiram com o direito à ampla defesa e outros valores constitucionais”.

Barroso apresentou algumas reflexões sobre os possíveis cenários da advocacia, caso a proposta se transforme em lei: “Vejo, então, duas possibilidades: [diante de uma demanda] ou o advogado se recusa a realizar [a operação suspeita], ou informa ao cliente sobre a necessidade de informar [à autoridade competente] e, então, decide-se se haverá ou não operação. O que o advogado não pode é realizá-la sem avisar ao cliente sobre a necessidade de dar conhecimento à autoridade. Estaria, nesse caso, fraudando o mandato”.

Mais refratário à proposta, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro entende que a disposição de atribuir essa obrigação ao advogado resulta de uma “fúria legiferante”, numa referência a sucessivas tentativas de criar novas leis. Segundo Almeida Castro, a proposta fere, sim, o sigilo profissional. “O entendimento do Supremo [Tribunal Federal] é consolidado em relação ao sigilo. Mexer nisso é diminuir cada vez mais os direitos dos cidadãos”, afirma.

Especialista na legislação sobre lavagem de dinheiro, Antonio Pitombo aposta na ineficácia da lei. “Quando criam a obrigação de fazer delações, não há eficácia. O governo vai partir para traduções sem verificar a pertinência disso na advocacia brasileira. Os advogados não vão dar bola para isso. Vão punir? Sempre é possível alegar sigilo profissional”, avalia.

A principal dificuldade no combate à lavagem de recursos hoje, diz Pitombo, é instrumental. O sistema financeiro brasileiro é extremamente informatizado e rápido, o que fascina os criminosos.

“Toda vez que um problema desse tipo é colocado no âmbito da reforma de uma lei, alguém está sendo enganado”, afirma. Conforme o Código de Ética e o Estatuto do Advogado, o profissional que transgredir esse limite pode até ser expulso da OAB, como aconteceu com Jorgina de Freitas, que ficou conhecida pela prática de fraudes contra a Previdência e foi condenada a 12 anos de prisão.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!