Investigação criminal

Conheça o voto de Carlos Britto sobre investigação criminal pelo MP

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2 de setembro de 2004, 17h18

“Privar o Ministério Público dessa peculiaríssima atividade de defensor do Direito e promotor da Justiça é apartá-lo de si mesmo. É desnaturá-lo. Dessubstanciá-lo até não restar pedra sobre pedra ou, pior ainda, reduzi-lo à infamante condição de bobo da Corte”.

Esse foi um dos argumentos usados pelo ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, para defender, no julgamento desta quarta-feira (1/9), o poder do Ministério Público de fazer investigações criminais. O ministro, contudo, faz uma ressalva. O MP não pode abrir, nem presidir, inquérito policial.

“Com efeito, é preciso distinguir as coisas. Se todo inquérito policial

implica uma investigação criminal, nem toda investigação criminal implica um inquérito policial. Mas o que não se tolera, sob o pálio da Lex Maxima de 1988, é condicionar ao exclusivo impulso da Polícia a propositura das ações penais públicas”, concluiu Britto.

O pedido de vista do ministro Cezar Peluso interrompeu o julgamento, no STF, sobre o poder de investigação criminal do Ministério Público. O placar, por enquanto, fica em três votos a favor da investigação e dois votos contra.

Os ministros Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto e Eros Grau entenderam que não é exclusividade da polícia a condução das investigações. Já os ministros Marco Aurélio e Nelson Jobim votaram contra o poder investigatório criminal do MP.

A questão foi discutida no inquérito em que o deputado Remi Trinta (PL-MA) é acusado de envolvimento em fraudes contra o Sistema Único de Saúde (SUS).

O deputado nega as acusações e questiona a investigação, feita pelo Ministério Público Federal. Ele alega que, ao MP, caberia apenas requisitar diligências e a instauração de inquérito policial. Ainda não há previsão de quando irão ser retomadas as votações.

Leia a íntegra do voto

Na explícita redação da Constituição Federal de 1988, uma das três finalidades do Ministério Público é a defesa da Ordem Jurídica (art. 127, cabeça). Ordem Jurídica, esclareça-se, como expressão rigorosamente sinônima de Direito Positivo, ou simplesmente “Direito”.

2. Pois bem, essa defesa do Direito é uma das razões pelas quais o Ministério Público recebe do mesmo dispositivo constitucional (art. 127, caput) o qualificativo de “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado”. Isto porque a jurisdição consiste no poder-dever que têm os órgãos judiciários de dizer qual o Direito aplicável a uma dada relação processual (inciso XXXV do art. 5º da nossa Lei Magna Lei).

3. Daqui se deduz que Poder Judiciário e Ministério Público são órgãos distintos, é certo, porém a serviço de uma mesma função estatal, que é a jurisdição. Atividade pela qual a primeira instituição aplica o Direito, enquanto a segunda pede e fiscaliza tal aplicação.

4. Acontece que o Poder Judiciário tem por característica central a estática ou o não agir por impulso próprio (ne procedat iudex ex-officio). Ele age por provocação das partes. Do que decorre ser próprio do Direito este ponto de fragilidade: quem diz o Direito, não diz o Direito senão a partir da voz de terceiros.

5. Não é isso o que se dá com o Ministério Público. Este age de ofício e assim confere ao Direito um elemento de dinamismo que compensa aquele primeiro ponto jurisdicional de fragilidade. Daí os antiqüíssimos nomes de “promotor de justiça” e “promotoria de justiça”, que põem em evidência o caráter comissivo ou a atuação de ofício dos órgãos ministeriais públicos.

6. Duas das competências constitucionais do Ministério Público são

particularmente expressivas dessa índole ativa que estamos a realçar. A primeira reside no inciso II do art. 129 e consiste no “zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (negritos à parte). A segunda está no inciso VII do mesmo art. 129 e traduz-se no exercício do “(…) controle externo atividade policial (…)”.

7. Explico. Ambas as funções ditas “institucionais” são as que melhor

tipificam o Ministério Público enquanto instituição que bem pode tomar a dianteira das coisas, se assim preferir, pois o fato é que:

I – o inciso II do art. 129 deixa até literalmente posto que é próprio dos

agentes ministeriais públicos promover os meios ou as medidas que se fizerem necessárias ao seu mister de zelar pela integridade dos direitos (todos eles) assegurados pela Constituição, perante, justamente, os Poderes Públicos e as entidades encarregadas da prestação dos serviços de relevância pública (entre os quais figuram a educação e a saúde pública);

II – já no inciso VII desse mesmo art. 129, a Constituição faz uso do

vocábulo “controle externo” como o fez a propósito da atuação do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas da União (arts. 74 a 75): atividade estatal que se desempenha mediante ação de ver, diligenciar, pesquisar, fiscalizar, examinar, enfim, sem o quê não se forma um livre convencimento. Não se atua com plena consciência das coisas.

8. Investigar fatos, documentos e pessoas, assim, é da natureza do

Ministério Público. É o seu modo de estar em permanente atuação de custos legis ou de defesa da lei. De custos iuris ou de defesa do Direito. Seja para lavrar um parecer, seja para oferecer uma denúncia, ou não oferecer, ou seja ainda para pedir até mesmo a absolvição de quem já foi denunciado.

9. Privar o Ministério Público dessa peculiaríssima atividade de defensor do Direito e promotor da Justiça é apartá-lo de si mesmo. É desnaturá-lo. Dessubstanciá-lo até não restar pedra sobre pedra ou, pior ainda, reduzi-lo à infamante condição de bobo da Corte. Sem que sua inafastável capacidade de investigação criminal por conta própria venha a significar, todavia, o poder de abrir e presidir inquérito policial.

10. Com efeito, é preciso distinguir as coisas. Se todo inquérito policial

implica uma investigação criminal, nem toda investigação criminal implica um inquérito policial. Mas o que não se tolera, sob o pálio da Lex Maxima de 1988, é condicionar ao exclusivo impulso da Polícia a propositura das ações penais públicas. Ações que só o Ministério Público pode ajuizar (inciso I do art. 129 da Lei das Leis) e que têm na livre formação do convencimento dos promotores e procuradores de justiça a razão de ser da sua institucionalização como figura de Direito.

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