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Desembargador suspende quebra de sigilo de ex-dirigentes do BNDES

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1 de setembro de 2004, 19h05

O desembargador Fábio Prieto de Souza, do Tribunal Regional da 3ª Região, suspendeu a quebra de sigilo bancário e fiscal e a indisponibilidade de bens de Andréa Calabi, Francisco Gros e Luiz Carlos Mendonça de Barros. A decisão é desta quarta-feira (1/9).

Ex-dirigentes do BNDES/BNDESPAR, eles são acusados pelo Ministério Público Federal de improbidade administrativa enquanto estavam à frente do órgão. Os procuradores consideraram as operações de empréstimo de US$ 1,4 bilhão à AES Elpa e à AES Transgás — para a compra da Eletropaulo no processo de privatização da empresa — “intencionalmente ruinosas”.

A decisão de Souza é válida até o julgamento do mérito das medidas cautelares, da 10ª Vara Federal de São Paulo, que haviam determinado a quebra dos sigilos de Calabi, Gros e Mendonça de Barros. O desembargador decidiu, ainda, que o processo não deve mais correr em segredo de justiça.

Ele entendeu que as medidas cautelares foram sustentadas no relatório preliminar da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) e em frases do atual presidente do BNDES, Carlos Lessa.

Quanto aos documentos do TCU, segundo Souza, os diretores tiveram suas condutas justificadas em outras decisões. “Pode ser que tenham agido com improbidade apenas na decisão parcialmente justificada”, diz, mas “para os efeitos das medidas cautelares, a plausibilidade jurídica (que justificaria a quebra dos sigilos e a indisponibilidade dos bens) está comprometida”.

Em relação às declarações de Lessa, o desembargador entendeu que “a leitura integral e contextualizada do depoimento revela a distinção entre ‘um problema técnico’ e a ‘lesão de cofres públicos ou qualquer conduta indigna’”.

Souza se baseia no depoimento do atual presidente do órgão que diz que os contratos foram “tecnicamente malfeitos”. Ele, no entanto, afirma, em seguida, que em momento algum insinuou “que tenha havido lesão aos cofres públicos ou qualquer conduta indigna de qualquer uma das pessoas que me antecederam”.

Leia íntegra da decisão

QUARTA TURMA.

RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL FÁBIO PRIETO DE SOUZA.

PROC: 2004.03.00.048663-5 AG 215987.

PROC: 2004.03.00.048664-7 AG 215989.

PROC: 2004.03.00.048665-9 AG 215990.

ORIG: 200461000201565/SP.

ORIGEM: JUíZO FEDERAL DA 10 VARA SAO PAULO.

AGRTE: ANDREA SANDRO CALABI e outros.

ADV: IVAN NUNES FERREIRA.

AGRTE: FRANCISCO ROBERTO ANDRE GROS e outros.

ADV: SERGIO BERMUDES.

AGRTE: LUIZ CARLOS MENDONCA DE BARROS e outros.

ADV: SAMUEL MAC DOWELL DE FIGUEIREDO.

AGRDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

A. A PRETENSÃO RECURSAL

1. Em ação civil pública, os ora agravantes, lá indicados como réus, foram sujeitos passivos de ordem liminar de: a) indisponibilidade patrimonial; b) quebra dos sigilos bancário e fiscal; c) citação.

2. Dirigentes, no passado, do Sistema BNDES/BNDESPAR, estão sendo acusados – injustamente, alegam – de improbidade administrativa.

3. Pedem, no essencial e por fundamentação vária, a preservação: a) da livre disposição de seus patrimônios; b) da intangibilidade dos sigilos bancário e fiscal; c) da oportunidade para a apresentação de defesa preliminar, com o conseqüente juízo de admissibilidade da petição inicial.

B. A DECISÃO LIMINAR E A PETIÇÃO INICIAL

1. A petição inicial da ação civil pública noticia que, em fevereiro de 2003, tornou-se pública a inadimplência, junto ao Sistema BNDES/BNDESPAR, das empresas AES ELPA S/A e TRANSGÁS LTDA., integrantes do Grupo Econômico AES.

2. A apuração das causas desta inadimplência teria revelado a improbidade administrativa dos agravantes. A acusação partiu, então, da inadimplência de 2003, para o exame retroativo das duas operações bancárias – a primeira realizada cinco anos antes.

As duas operações no Sistema BNDES/BNDESPAR:

3.1 em abril de 1998, o BNDES financiou a compra de ações ON da ELETROPAULO METROPOLITANA ELETRICIDADE DE SÃO PAULO S/A, representativas de 74,88% do capital votante e de 29,88% do capital social, no valor de R$ 1.013.366.210,00, então equivalente a US$ 888.000.000, para a quitação, pela LIGHTGÁS LTDA (hoje sucedida pela AES ELPA S/A), de 50% do preço definido no leilão realizado no âmbito do Programa de Estímulo à Privatização Estadual – PEPE.

3.2 em janeiro e maio de 2000, através de leilões públicos, a BNDESPAR vendeu, a termo – 20% à vista e o saldo em três pagamentos nos dias 25 de janeiro de 2001, 2002 e 2003 -, para a AES TRANSGÁS, 62,82% das ações PN da ELETROPAULO METROPOLITANA ELETRICIDADE DE SÃO PAULO S/A, também representativas de 37,81% do capital social da companhia.

4. A concepção e a execução das duas operações foram consideradas intencionalmente ruinosas, pela petição inicial, como resultado da confrontação das quatro decisões diretivas que as viabilizaram com séries de impugnações preliminares formuladas no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU).


5. As quatro decisões diretivas dos agravantes e as correspondentes séries de impugnações preliminares no TCU, segundo o registro literal da petição inicial:

5.1.1 “Decisão de Diretoria n.º 163/98, de 07.04.1998, pela qual houve a aprovação das condições de apoio financeiro, por parte do BNDES, ao processo de alienação das ações ON do capital social da Eletropaulo, reunidas em minuta posteriormente observada, com a descabida e ilegal previsão de garantia do financiamento tão-somente fundada na caução das referidas ações;

Impugnações preliminares no TCU:

a) (ausência de) avaliação econômico-financeira prévia das empresas interessadas no financiamento do banco, conforme prevê o art. 12 da Resolução n.º 862/96 do BNDES;

b) (ausência de) avaliação da compatibilidade entre o fluxo de caixa das empresas interessadas com o prazo e o fluxo dos encargos que seriam cobrados pelo banco;

c) não analisou o nível de endividamento da empresa vencedora do leilão, antes e pós-privatização;

d) não previu no contrato a obrigatoriedade, se necessário, de aporte de recursos próprios das empresas controladoras para cumprimento das obrigações para com o BNDES;

e) não previu a aplicabilidade ou ratificação dos contratos nos países das empresas, caso os compradores fossem estrangeiros;

f) não previu a inclusão dos controladores da empresa vencedora e da empresa privatizada como intervenientes no contrato;

g) não previu o risco de descasamento de correção entre as receitas em reais das empresas privatizadas e a dívida assumida pelos compradores com variação cambial;

h) não estipulou a necessidade de se exigir dos compradores garantias adicionais caso o valor das garantias ofertadas tivesse variação negativa e ficasse abaixo do patamar mínimo de 130% previsto pela Resolução n.º 862/96, art. 20, parágrafo 1o, c/c art. 27 da Resolução 665/87;

i) não avaliou o risco das garantias de renda variável;

j) não estipulou uma limitação contratual de controle no endividamento da empresa controladora da Lightgás Ltda;

5.2.1 Decisão de Diretoria n.º 40/99, de 02.02.99, pela qual se concedeu autorização para prorrogação até 15/04/01 do prazo de carência e de amortização do principal do Contrato n. 98.2.163.3.1 firmado entre o BNDES e a então LIGHTGÁS LTDA (atual AES ELPA S/A), sem o mínimo cuidado de proceder a uma análise rigorosa das condições do financiamento e das garantias na ocasião, como exige a lei, em prejuízo manifesto ao interesse público;

Impugnações preliminares no TCU:

a) não realizou análise técnica que justificasse a ampliação do prazo de carência de 12 para 36 meses;

b) ao constatar que o endividamento da empresa, somado à crise cambial de 1999 alterou a saúde financeira e o fluxo de caixa do grupo financiado, não tomou medida assecuratória para os seus créditos prevista na cláusula Décima, item VI, do contrato assinado nº 98.2.163.3.1;

c) não avaliou o impacto que causaria ao caixa do grupo financiado a concentração dos vencimentos das 9 parcelas iniciais em 5 parcelas, fato que quase dobrou as necessidades de desembolso da Lightgás;

d) não avaliou se a única fonte de receitas da empresa Lightgás Ltda, os dividendos da Eletropaulo, seria suficiente para quitar, no prazo acordado, o saldo devedor de quase US$ 900 milhões;

e) a não utilização da cláusula décima, item VI, do contrato, que obrigava a beneficiária a não distribuir lucros de qualquer natureza, na hipótese de comprometimento do pagamento das obrigações do contrato;

5.3.1 Decisões da Diretoria n.º 170/99, de 13.12.99 (alterada pela Decisão de Diretoria n.º 180/99, de 27.12.1999) e n.º 173/99, de 20.12.99, concernentes, respectivamente, à Autorização para alienar ações PN da Eletropaulo, através de leilão a ser realizado em Bolsa de Valores, e à Autorização para a BNDESPAR manifestar-se favoravelmente, junto a CBLC, quanto à constituição, para venda das ações de emissão da Eletropaulo, da margem garantidora da operação a termo em pontos de dólar, pelas quais ilegalmente se ensejou uma operação sem um procedimento rigoroso assecuratório do pagamento, por parte da eventual adquirente, das parcelas estabelecidas pelo Sistema BNDES/BNDESPAR, o qual, ainda, dispensou irregularmente qualquer outra forma de garantia do contrato de compra;

Impugnações preliminares no TCU:

a) deixou de analisar o risco da garantia prestada, em vista de ser um ativo de renda variável, sujeito a variações negativas em suas cotações, bem como a análise do risco da operação indexada com variação cambial;

b) não avaliou as fontes de receitas disponíveis pela empresa compradora para fazer face aos encargos assumidos junto à BNDESPAR;

c) não previu a necessidade de garantias adicionais de modo a cobrir a margem da operação que no entender da CBLC seria necessária;


d) não definiu um nível de garantia mínimo, conforme previsto pela Resolução nº 862/96, e a necessidade de a empresa/consórcio vencedor do leilão reforçar as garantias caso esse limite fosse ultrapassado;

e) não obteve compromisso, contratual ou garantia fidejussória, junto à empresa controladora prevendo o aporte de recursos próprios para cumprimento das obrigações para com o BNDES;

5.4.1 Decisão da Diretoria n.º 21/01, de 26.11.2001, referente à Autorização para reorganização societária da LIGHT, da LIGHTGÁS, e da ELETROPAULO, pela qual, novamente, restou explícita a ausência de providências sérias, por parte da Diretoria do BNDES, quanto à situação das operações e da sua respectiva garantia, colocando, em posição secundária, os interesses da Instituição com vistas à proteção do crédito outorgado e seu devido adimplemento;

Impugnações preliminares no TCU:

a) utilização para avaliação das garantias, exclusivamente, de análises de bancos de investimentos;

b) o valor estimado das garantias superou em US$ 1 bilhão o valor da avaliação dessas quando da privatização da empresa, apesar de em 2001 encontrarmos um quadro com queda do valor das ações em bolsa de R$ 204,00 para R$ 64,00, o lote de mil ações, desvalorização cambial e o aumento no endividamento da empresa privatizada com concentração de vencimentos de suas dívidas em 2001 e 2002;

c) não tomou medidas necessárias para garantir o crédito do BNDES junto à Lightgás Ltda e a AES Transgás, ante o posicionamento levantado pelo Grupo de Análise de que a perspectiva da Eletropaulo de distribuir dividentes suficientes em 2001 e 2002, para fazer face aos pagamentos junto ao BNDES, era ‘preocupante’;

d) não avaliou a empresa AES em 2001 e o risco de seu crédito, uma vez que não considerou a forte devalorização na cotação das ações da AES Corp. em bolsa que caiu de US$ 60,15, no primeiro trimestre, para US$ 11,60, no último trimestre de 2001;

e) não avaliou as dificuldades enfrentadas pelo Grupo AES no Brasil em vista da desvalorização cambial, da desvalorização dos ativos e de sua alavancagem financeira;

f) não considerou a situação financeira desfavorável da Eletropaulo Metropolitana;

g) aceitou o compromisso firmado pela AES de garantir o pagamento das obrigações da empresa Lightgás Ltda, apesar da empresa operar alavancada e sempre através de operações non recourse”.

6. Além da confrontação acima mencionada – decisões diretivas versus impugnações preliminares no TCU (nºs 4 e 5, supra) -, a petição inicial está lastreada nas justificativas apresentadas pelos agravantes, perante a Corte de Contas, e no depoimento do atual Presidente do BNDES, prestado na audiência pública realizada, em setembro de 2003, na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados.

7. A r. decisão liminar acolheu, por inteiro, a petição inicial – fundamentação e pedidos cautelares.

C. A DECISÃO DESTA RELATORIA

1. No caso concreto, a r. decisão impugnada contém dois julgamentos: um liminar, relacionado às medidas cautelares de indisponibilização dos patrimônios e quebra dos sigilos bancário e fiscal; outro de procedimento.

2. No primeiro momento, por ordenação lógica do julgamento, os dois temas devem ser analisados em conjunto: o recurso diz que, também para a formulação do juízo próprio à apreciação das medidas cautelares, a lei asseguraria a prévia oitiva dos agravantes.

3. A norma legal: a Medida Provisória nº 2.225/91:

Artigo 4º – O artigo 17 da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 17 – (…).

6º – A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil.

§ 7o Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.

§ 8o Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.

§ 9o Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação”.

4. A pretensão recursal, no ponto – condicionamento do deferimento das medidas cautelares à prévia oitiva dos agravantes – não tem consistência.

5. A norma legal não dispôs sobre a providência. Se o tivesse feito, teria constitucionalidade duvidosa. A Constituição Federal assegura a proteção contra a ameaça a direito. As medidas cautelares têm, em regra, esta finalidade: proteção contra ameaça a direito.


6. Superada a impugnação sob o ponto de vista formal, procedimental, cumpre considerá-la no aspecto de conteúdo.

7. Qualquer providência cautelar, para o juízo positivo de concessão, deve ter lastro em duas variáveis:

a) a plausibilidade jurídica – o pedido de medida cautelar deve descrever tese razoável, provida de sustentação em indícios ou provas minimamente consistentes;

b) o perigo da demora – o tempo consumido até o julgamento final do caso não pode operar como causa de perecimento do direito discutido na demanda ou dos fatores necessários para a recomposição deste mesmo direito.

8. O recurso – tanto quanto a petição inicial para o efeito oposto – é enfático: não há plausibilidade jurídica. As alegações: nunca houve improbidade administrativa; há tentativa de julgamento do mérito dos atos administrativos; o Ministério Público Federal quer rever e condenar a política governamental de privatização e os seus critérios.

9. A análise do tema impõe a fixação dos critérios de julgamento. A petição inicial invoca, substancialmente, a autoridade dos argumentos utilizados pelo TCU e pelo atual Presidente do BNDES.

10. Há, ainda, algumas poucas citações, nas 133 laudas da petição inicial, de parecer técnico elaborado no âmbito do próprio Ministério Público Federal. O seu exame direto – direto: ressalve-se – não é, aqui, necessário, porque: repetição explícita da análise do TCU; ou repetição implícita da mesma análise: o que está implícito no parecer do TCU, aparece como conclusão explícita no parecer do MPF.

11. A propósito do procedimento em curso no TCU, cumpre fixar alguns pontos. Em fevereiro de 2003, diante da inadimplência da AES Elpa S/A, o TCU determinou a fiscalização dos atos de concessão de crédito às empresas do grupo AES, bem como o acompanhamento dos “desdobramentos do processo de negociação do pagamento da dívida da AES junto ao BNDES, avaliando a regularidade e economicidade das medidas adotadas pelo banco estatal”.

12. Após a realização de diligências no BNDES, houve proposta de oitiva dos agravantes sobre as impugnações preliminares registradas em um primeiro relatório, também preliminar. Isto em maio de 2003. Os agravantes foram, então, ouvidos.

13. A petição inicial tem sustentação, sobretudo, neste primeiro relatório preliminar e na alegada inconsistência das respostas oferecidas pelos agravantes ao TCU.

14. Elaborada a petição inicial da ação civil de improbidade administrativa, o Ministério Público Federal oficiou, em 21 de julho de 2004, ao TCU e pediu “as cópias restantes do processo TC-003.069/2003-2”.

15. A ação civil pública foi distribuída, junto ao digno juízo de 1º grau, em 20 de julho de 2004.

16. Ocorreu que, no mesmo 20 de julho de 2004, no procedimento em curso no TCU, foi anexado o segundo relatório preliminar, com a avaliação técnica das justificativas apresentadas pelos ora agravantes.

17. Das quatro decisões diretivas objeto das impugnações preliminares, três foram consideradas justificadas e, a outra, parcialmente justificada.

18. Nas duas primeiras decisões diretivas, os diretores foram praticamente os mesmos, com a exceção de um deles, protagonista de uma delas, apenas.

19. Este é o quadro, a propósito da intervenção, no caso, do TCU. Não há, por ora, julgamento administrativo naquela Corte de Contas.

20. Na área técnica do TCU – a decisória, repita-se, ainda não se manifestou –, o que foi objeto de impugnações preliminares e correspondentes questionamentos, no primeiro momento, revelou-se, depois da oitiva dos diretores, ora agravantes, justificado. Quase inteiramente justificado.

21. De outro lado, o Ministério Público Federal busca sustentação na análise do atual Presidente do BNDES, Carlos Lessa. Destaca a petição inicial:

“Conforme relatado pelo atual Presidente do BNDES, em Audiência Pública realizada na Comissão de Minas e Energia da Câmara de Deputados, em 17.09.2003 (doc. 16), referindo ao Financiamento AES ELPA e a Venda a Termo AES TRANSGÁS, “esses foram contratos, do ponto de vista bancário, muito malfeitos”, porquanto “garantias colaterais corporativas devem fazer parte desses contratos”. O Presidente foi enfático: “quando digo que esses são contratos ruins para o Banco, afirmo isso categoricamente”.

22. O exame, agora, do depoimento do ilustre Professor em termos amplos e contextualizados:

“Os 2 trilhões de dólares de perda que os valores mobiliários no Estados Unidos tiveram nos últimos 2 anos e meio mostram o que pode ser um derrube de castelo de cartas. A própria AES há uns 2 anos e meio tinha operações em 44 países, cuja ação valia 44 dólares. Não sei quanto vale hoje. Seis dólares. É impressionante a volatilidade dessa estrutura. Eu, pessoalmente, acho que isso é uma ante-sala de situações muito difíceis e eu fico solidário com toda a classe média norte-americana que perdeu seu patrimônio, sua poupança nesse processo de 2 trilhões de dólares que desapareceram em 2 anos e meio. Então, eu gosto muito mais da mesa do que do castelo de cartas e a garantia lá em cima é importante, porque ela dá um grande poder de, se for inadimplente embaixo, contaminar a sua personalidade financeira mundialmente. Quando ela coloca isolada numa Ilha Cayman não afeta em nada a matriz. Esse é que é o problema. Mas é um problema técnico. O que eu quero dizer é o seguinte: esses contratos, na minha perspectiva, foram malfeitos. Eu não acho, com toda sinceridade, que eu esteja sendo irresponsável nisso. Considero malfeito e se alguém se sentiu ofendido, processe-me que irei até os tribunais provar que foram tecnicamente malfeitos. Posso, inclusive, exibir contratos que foram feitos da privatização em que houve garantia colateral, corporativa. Isso não tiveram.


(…)

Para o que chamei a atenção, e não insinuei em nenhum momento que tenha havido lesão de cofres públicos ou qualquer conduta indigna de qualquer uma das pessoas que me antecederam, e fiz questão de sublinhar é que, como Presidente do Banco, eu herdei uma carteira de contratos e muitos deles não deixavam o banco em condição confortável para obrigar o seu cumprimento” (os destaques não são originais).

23. Portanto, as medidas cautelares estão sustentadas:

a. no primeiro relatório preliminar da área técnica do TCU – o segundo relatório preliminar da área técnica do TCU, após a oitiva dos agravantes, considerou, três das quatro decisões diretivas, justificadas: a outra, parcialmente justificada. Os diretores que participaram desta última – com a exceção de um deles – tiveram as suas condutas justificadas em outras decisões. Pode ser que tenham agido com improbidade apenas na decisão parcialmente justificada – assim como o diretor protagonista, com exclusividade, desta decisão -, mas é certo que, por ora e para os efeitos das medidas cautelares, a variável da plausibilidade jurídica está comprometida;

b. em três frases isoladas do atual Presidente do BNDES, o ilustre Professor Carlos Lessa – a leitura integral e contextualizada do depoimento revela a distinção entre “um problema técnico” e a “lesão de cofres públicos ou qualquer conduta indigna”.

24. É o quanto basta para reconhecer a ausência de plausibilidade jurídica, para a concessão das providências cautelares.

25. Cumpre – uma vez mais e sempre pela ordenação lógica da decisão – retornar ao tema do devido processo legal. Agora, apenas para considerá-lo em relação ao rito das providências preliminares na ação de improbidade administrativa.

26. A norma legal é textual (nº 3, supra). O rito das providências preliminares: notificação dos indicados como réus, para a facultativa apresentação de defesa preliminar; juízo de admissibilidade da petição inicial; se positivo, citação.

27. No caso concreto, sem a notificação e o juízo de admissibilidade da petição inicial, a r. decisão aqui impugnada fez constar ordem de citação.

28. Por estes fundamentos, defiro o efeito suspensivo, para:

a. reformar as medidas cautelares de indisponibilidade patrimonial e de quebra dos sigilos bancário e fiscal;

b. reformar a ordem de citação, com a determinação para que os agravantes sejam notificados, para a apresentação facultativa de defesa preliminar, bem como para que, depois, seja realizado o necessário juízo de admissibilidade da petição inicial.

29. Dispensadas as informações, determino a intimação do agravado, bem como do BNDES e da BNDESPAR: as duas últimas instituições para que, querendo, em 10 dias contados da intimação, venham, no recurso, defender eventual direito.

Depois, à douta Procuradoria Regional da República.

Comunique-se. Publique-se. Intimem-se.

Determino a reunião e o julgamento conjunto dos agravos de instrumento acima numerados.

Revogo a ordem de segredo de justiça emitida sem fundamentação, no digno juízo de 1º grau.

São Paulo, em 1º de setembro de 2004.

Desembargador Federal Fábio Prieto de Souza

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