Professor e ministro analisam extradição de Olga Benário
1 de setembro de 2004, 11h11
No dia 27 de agosto de 1947, o Supremo Tribunal Federal impediu a expulsão de um estrangeiro casado com uma brasileira que esperava um filho seu. Onze anos antes, na mesma sala, do mesmo prédio no Rio de Janeiro, num Brasil sob o Estado Novo de Getúlio Vargas, os ministros do STF não conheceram o Habeas Corpus impetrado em favor de Maria Prestes, nome de casada de Olga Benário. Grávida do líder comunista Luis Carlos Prestes, ela foi extraditada para a Alemanha nazista com a salvaguarda do Supremo e morta num campo de concentração aos 34 anos, depois do nascimento de sua filha, a brasileira Anita Leocádia.
Olga, que foi proibida de comparecer ao julgamento, era vista pelo governo da época como perigosa à ordem pública e nociva aos interesses nacionais.
Com base no Decreto 702, de 21 de março de 1936, o Supremo decidiu que em casos como o dela não era possível “invocar a garantia constitucional” do Habeas Corpus. Sua permanência no país comprometia a “segurança nacional” e não era necessário sequer fazer o exame médio para constatar “o seu alegado estado de gravidez”.
Dias depois, ela seguiu no navio “La Coruña” para desembarcar nos braços de seus algozes, que a procuravam por crime político. A pergunta que paira no ar, ressuscitada pelo lançamento do filme inspirado na obra de Fernando Morais, é: se Olga fosse julgada pelo Supremo Tribunal Federal no Estado Democrático de Direito atual, ela teria sua extradição impedida pelos ministros da Corte? Seria levado em conta o indeferimento do pedido de expulsão do japonês que teve sua permanência em terras brasileiras garantida, em 1947?
De acordo com o artigo 75 do Estatuto do Estrangeiro, a expulsão não se procederá quando o estrangeiro tiver filho brasileiro sob sua guarda e economicamente dependente. A determinação leva em conta o princípio constitucional de proteção à família brasileira. Ainda a tradição democrática do Brasil versa que — o que já era previsto na Constituição de 34, vigente no ano em que o Supremo indeferiu o HC a Olga — a extradição por crime político para Estado estrangeiro não será permitida, em especial, quando é notório que o estrangeiro aguarda perseguição política no país de origem.
Por essas razões, o professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo, Masato Ninomiya, acredita que o STF não repitiria a decisão tomada no julgamento de Olga. “Os momentos são completamente diferentes. Naquela época o Poder Judiciário não podia ser totalmente independente”. Hoje, afirma, o “Supremo teria certamente concedido o pedido de Habeas Corpus a ela”.
Duas são as possíveis alegações para provar o vínculo de estrangeiro. Uma delas é justamente a espera de um filho brasileiro. A outra é a formalização do casamento com um brasileiro ou brasileira. As duas estão implícitas no entendimento de que todas as famílias têm direito de ficar unidas. No caso da Olga, o STF não levou em consideração nem uma nem outra. Se Anita já fosse nascida na época, diz Nimomiya, o fato poderia ser levado em consideração. Há de se considerar a possível morte do bebê antes do fim da gestação, segundo ele, “mas mesmo assim o governo Vargas teria decidido pela expulsão”.
Com a autoridade de quem ocupa uma das cadeiras do Supremo Tribunal Federal e é um dos maiores conhecedores da história da Corte, o ministro Celso de Mello também pensa que a decisão seria diversa da tomada em 1936. Segundo ele, a expulsão não seria autorizada hoje porque “era evidente que ela envolvia uma extradição indireta. O governo nazista queria puni-la por delitos praticados em território alemão. Não formulou pedido de extradição, contou com aquiescência do governo Vargas”.
Optou-se, de acordo com Celso de Mello, por uma fórmula simples de expulsão, que viabilizou a entrega de Olga a um regime estrangeiro totalitário. A decisão do STF foi, então, por motivos políticos, o que não é permitido pela Constituição. “Lamentavelmente, o Supremo, na época, não deu a melhor interpretação ao caso e sim um tratamento injusto e trágico”, diz ele. “O melhor entendimento foi o de 1947, quanto se optou pela permanência do estrangeiro”.
(Por equívoco da redação, a referência ao ano acima atribuída ao ministro Celso de Mello estava errada.)
Leia o acórdão que permitiu a expulsão de Olga Benário
HABEAS CORPUS N. 26.155
Estrangeira – Expulsão do território nacional – Quando se justifica.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus impetrado pelo Dr. Heitor Lima em favor de Maria Prestes, que ora se encontra recolhida à Casa de Detenção, afim de ser expulsa do território nacional, como perigosa à ordem pública e nociva aos interesses do país.
A Corte Suprema, indeferindo não somente a requisição dos autos do respectivo processo administrativo, como também o comparecimento da paciente e bem assim a perícia médica a fim de constatar o seu alegado estado de gravidez, e
Atendendo a que a mesma paciente é estrangeira e a sua permanência no país compromete a segurança nacional, conforme se depreende das informações prestadas pelo Exmo. Sr. Ministro da Justiça: tendendo a que, em casos tais não há como invocar a garantia constitucional do habeas corpus, à vista do disposto no art. 2 do decreto n. 702, de 21 de março deste ano:
Acordam, por maioria, não tomar conhecimento do pedido.
Corte Suprema, 17 de junho de 1936.
– Edmundo Pereira Lins, presidente. – Bento de Faria, relator.
* Votaram contra, os ministros Carlos Maximiliano, Carvalho Mourão e Eduardo Espínola.
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