Em dobro

Cobrança indevida de energia gera indenização de R$ 280 mil

Autor

26 de outubro de 2004, 15h26

As Centrais Elétricas de Rondônia S.A. — Ceron — está obrigada a ressarcir, em dobro, à empresa Madereira R.R. Ltda, os valores cobrados indevidamente a mais por consumo de energia. O valor fixado da indenização foi de R$ 280.656,18, corrigido monetariamente e acrescido de juros. A decisão é do juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Ariquemes, Rinaldo Forti Silva. Cabe recurso.

A ação foi impetrada pela madeireira contra a Ceron devido às várias reclamações feitas à administração da empresa, por discordar dos valores cobrados nas faturas de consumo de energia elétrica, sem que a Ceron tomasse qualquer providência para solucionar o problema.

Segundo o Tribunal de Justiça de Rondônia, apesar das reclamações constantes, os técnicos da empresa, ao fazerem a vistoria para conferência de leitura dos mediadores de energia, concluíam, sempre, que a leitura estava correta. Ou seja, os valores cobrados pela empresa também eram corretos.

O problema do aumento do consumo de energia estava em um transformador, que gerava 66,67% de consumo a mais. O erro era de conhecimento da Ceron, a qual possuía laudo pericial a respeito do caso, mas se negava a apresentá-lo à madereira, segundo os autos.

Leia a sentença

Feito nº 002.03.008685-1 Vistos e examinados.

MADEIREIRA R.R. LTDA., pessoa jurídica de direito privado, regularmente qualificada, por procurador habilitado, ajuizou a presente Ação de Repetição de Indébito com pedido de Tutela Antecipada, endereçando-a a CENTRAIS ELÉTRICAS DE RONDÔNIA S/A, igualmente qualificada. Em sua inicial, afirma a autora que é empresa industrial do ramo madeireiro, considerando-se de média para grande consumidora de energia elétrica.

Alega que, por discordar dos valores cobrados em suas faturas de energia elétrica, fez várias reclamações junto à requerida, que promovia visitas para conferência de leitura dos medidores, concluindo sempre que a leitura estava correta e, dada a hipossuficiência da autora e a necessidade da continuação de sua atividade, sempre pagava as contas.

Sustenta que continuou a receber faturas de energia com valores muito altos, razão pela qual em outubro de 2001, contratou um técnico para verificar se de fato estava consumindo a energia elétrica cobrada pela CERON, tendo este constatado que havia erro no conjunto de medição instalado na unidade consumidora, ou seja, que a autora estava pagando mais energia do que consumia.

Afirma ter solicitado a instalação de outra medição em paralelo para a constatação do erro, no que não concordou a requerida, que promoveu a troca de todo o conjunto de medição, para, segundo a autora, tentar esconder o erro primário cometido.

O técnico contratado pela autora teria solicitado no ato de substituição do conjunto de medição sua lacração e envio para órgão metrológico independente, pretensão ignorada pela requerida que teria feito os exames em seu laboratório e emitido apenas os laudos de aferição dos medidores, negando-se contudo, a entregar os laudos relativos aos transformadores de corrente, conhecidos como “TC’s”, pois era neles que se encontrava o erro, que gerava um acréscimo de 66,67% no consumo registrado.

Após inúmeras tentativas de recebimento de seu crédito, a autora teria levado o caso ao conhecimento da ANEEL, que passou a cobrar da requerida uma solução para o caso; no entanto, esta, usando de má-fé, teria informado já ter devolvido o valor cobrado indevidamente, o que não é verdade, pois até o momento nada recebeu, lembrando que a requerida descumpriu o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor e artigo 78, §4º da Resolução nº456/2000 da ANEEL.

Assevera que em data de 10/06/2002, através da carta 029/02UNCC, a requerida admitiu o erro, confessando ter recebido indevidamente o valor de R$94.233,72, até aquela data e, no que respeita à dobra legal, estaria analisando a natureza do erro, tendo ratificado a confissão pela carta 037/02UNCC, propondo inclusive uma forma de restituição.

Porém, em correspondência posterior, a ré teria afirmado que as cartas anteriores foram emitidas por técnicos desprovidos de maiores informações e que a reclamação seria improcedente, negando-se ao ressarcimento. Pleiteia, em virtude do erro na medição e, aplicando-se a dobra prevista no Código de Defesa do Consumidor e na Resolução 456/2000 da ANEEL, seja a requerida condenada a lhe pagar o valor de R$280.656,18 (duzentos e oitenta mil, seiscentos e cinqüenta e seis reais e dezoito centavos).

Em sede de antecipação da tutela requereu: a)que a ré se abstivesse de submeter a autora a novos contratos que elidam a responsabilidade de ressarcir o quantum indevidamente pago; b) não impusesse multas e sanções pela não subscrição de novos contratos; c) não suspendesse o fornecimento de energia elétrica; d) devolvesse as quantias indevidamente desembolsadas. Pede por fim, seja a ação julgada procedente com a condenação do requerido ao pagamento em dobro do valor pleiteado, bem como ao pagamento dos ônus da sucumbência.


A inicial veio instruída com instrumento de procuração (fls. 23) e demais documentos comprobatórios de suas alegações (fls. 24/122). Pelo despacho inicial foi concedida a antecipação da tutela tão somente quanto à não interrupção do fornecimento de energia.

Citada (fls. 136v), a requerida apresentou contestação às fls. 137/143, argumentando que só deve à autora o valor relativo ao consumo feito a partir de julho de 2001, que segundo ela, foi quando começaram os problemas nas medições. Confirma ter confessado por correspondência dever o valor R$94.233,72, mas que em verdade, o valor careceria de apuração pericial. Sustenta que a pretensão da autora de devolução do indébito em dobro não deve prosperar, eis que se trata de engano justificável, afirmando também que tal penalidade só deve ser aplicada no caso de dolo do credor, o que não é o caso.

Ao final pugna pela improcedência da ação. Instada, a autora impugnou a contestação, às fls. 147/154. Às fls. 160, ata da audiência preliminar, na qual não foi possível a conciliação entre as partes, dando-se por encerrada a instrução probatória. Da aludida decisão não se insurgiram os litigantes. É o relatório.

Decido.

Versam os presentes sobre ação de repetição de indébito que Madeireira RR Ltda, endereça a Centrais Elétricas de Rondônia S/A. Embora a requerida tenha sustentado a necessidade de realização de perícia judicial para a apuração do débito, não declinou os motivos que sustentam tal pretensão. O valor pleiteado foi apurado pela própria requerida, em perícia realizada por seus técnicos (fls.51/54).

Não tendo a autora se insurgido contra o valor apurado, nem a requerida justificado o motivo pelo qual estaria desqualificando seu próprio laudo, tenho-no como eficaz e suficiente para a apuração do débito. Portanto, tenho como incontroversa a existência do indébito e seu valor, decorrente do defeito constatado no equipamento medidor instalado pela empresa requerida, tanto que encontram-se nos autos confissões da ré neste sentido. Se não, vejamos:

“…Conforme Vossa Senhoria pode observar, o valor encontrado, a ser ressarcido é de R$94.233,72 . “Cumpre-nos informar que, após análise de vosso pedido de ressarcimento, chegamos à conclusão de que é totalmente procedente”.Até mesmo em sua contestação, a ré confessa que cobrou valores indevidos da requerente, ao afirmar em seu item 13, o seguinte: “Prova maior, Digno Julgador, da boa-fé da requerida foi a confissão de que o crédito do Suplicante era o equivalente a R$94.233,72, que é o caso de aplicação do art. 76, II da Resolução 456/2000 da ANEEL”.

Assim, como já afirmado anteriormente, resta analisar a questão sobre a obrigação ou não de devolver em dobro o quantum pago indevidamente, prevista no parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, bem como no parágrafo quarto do artigo 78 da Resolução nº456/2000 da ANEEL. Certamente dúvidas não pairam de que a relação em testilha é de consumo, vez que a mera qualidade de prestadora de serviço público da requerida não arreda a aplicação da lei consumerista (art.6º,X).

Portanto, a hipótese se subsome a legislação em comento e sob sua ótica será apreciada. Dispõe o parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 42.- omissis. Parágrafo único – O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”

Tal regra é confirmada pelo artigo 78 da Resolução nº456/2000 da ANEEL, que dispõe sobre os casos de existência de valores a cobrar ou a devolver, estabelecendo em seu parágrafo quarto o seguinte: “§4º – Constatado o descumprimento dos procedimentos estabelecidos neste artigo, a improcedência ou incorreção de faturamento, a concessionária providenciará a devolução do indébito por valor igual ao dobro do que foi pago em excesso, salvo hipótese de engano justificável.”

Verifica-se assim, que o único fator que pode levar à exclusão da obrigação de restituir em dobro o que foi pago a mais é a existência e engano justificável.

A conceituação de tal espécie de engano nos é trazida por Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, na obra Código de Defesa do Consumidor Comentado, editora Forense Universitária, página 337: “O engano é justificável exatamente quando não decorre de dolo ou de culpa. É aquele que, não obstante todas as cautelas razoáveis exercidas pelo fornecedor-credor, manifesta-se”.

E continua o citado autor, quanto à prova da justificabilidade do erro: A prova da justificabilidade do engano, na medida em que é matéria de defesa, compete ao fornecedor. O consumidor, ao cobrar o que pagou a mais e o valor da sanção, prova apenas que seu pagamento foi indevido e teve por base uma cobrança desacertada do credor.” É exatamente no “engano justificável” que se estriba a tese do requerida. Porém, seus argumentos são contraditórios, como facilmente se constata. Vejamos:


No item 3 da contestação, a ré afirma que “equivocadamente foi instalado um TC com relação de transformação 200/5, que suportava a demanda até maio de 2001, sem que qualquer alteração apresentasse.” No entanto, no item 18, a ré explica o verdadeiro motivo pelo qual foi instalado o TC (transformador de corrente) com relação de corrente diferente dos demais, o que acabou gerando o erro na medição: “Tendo em vista que a instalação deste TC somente ocorreu porque à época eles estavam em falta e foi instalado este porque a demanda não era tão grande, o que não ocasionaria qualquer problema para o requerente…”’

Continua a requerente, no item 19 da contestação: “A falta do produto era tamanha no mercado que ou instalava-se e utilizava-se deste ou se daria a não possibilidade de fornecimento de energia.” Verifica-se assim que, com sua conduta, a ré assumiu o risco de errar na medição da energia consumida pela autora, já que, tendo em vista o grande quadro de profissionais habilitados que dispõe, teria plenas condições de prever que a discrepância entre os três transformadores de corrente usados na empresa requerente, poderia gerar, como de fato gerou, medições distorcidas.

Mesmo admitindo-se que a empresa não dispunha do equipamento adequado ao consumo da autora e se visse na contingência de improvisar com o uso de um outro, era de se esperar que acompanhasse a medição com especial cautela, fazendo ao menos testes periódicos, pois o erro era absolutamente previsível. No entanto, a requerida não só instalou equipamento inadequado, como, ao ser pilhada na incúria, tentou esconder do cliente o erro cometido, negando-se a fornecer-lhe o laudo dos TC’s, fato que, especificamente, não

é negado pela demandada.

Como se não bastasse, após ter admitido o erro e mensurado seu valor, passou a criar embaraços para sua restituição, chegando ao absurdo de informar a agencia controladora já ter pago o consumidor, quando sabidamente não o tinha feito (fls.74). Depreende-se de todo o narrado, que o comportamento da requerida não pode ser tomado como mero erro escusável, antes, evidencia-se erro crasso, qualificado pela má-fé na tentativa de omiti-lo e, em seguida, na recusa ao ressarcimento.

Casos como esse causam calafrios nos consumidores, pois das prestadoras de serviço público se espera comportamento mais elevado, mormente em se tratando da Ceron, que constantemente vocifera pelo recrudescimento das sanções contra os fraudadores de medidores. Ao fazer o que fez, equiparou-se a eles, não se vendo grande diferença entre aquele que adultera um medidor e a empresa que conscientemente instala equipamento cuja a inadequação lhe beneficiará e, ao ser descoberta, nega-se a apresentação do laudo que comprova seu erro, fazendo em seguida afirmação falsa à agência reguladora no sentido de ter pago o débito.

Deste modo, afastada fica a tese da ocorrência de engano justificável, o que impõe a aplicação da penalidade consistente na obrigação de ressarcir em dobro os valores que a autora pagou injustamente. Isto posto, e por tudo que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na inicial, para condenar a requerida ao ressarcimento em dobro dos valores pagos a mais pela autora, atualizados na forma que determina a Resolução 456/2000 da ANEEL, no valor de R$ 280.656,18 (duzentos e oitenta mil, seiscentos e cinqüenta e seis reais e dezoito centavos), atualizado monetariamente a partir de outubro de 2003 e acrescido de juros à partir de 11 maio de 2004, data em que a requerida foi citada (fls.136v.)

Em virtude da sucumbência, condeno a requerida ao pagamento das custas e despesas dos processo, bem como dos honorários advocatícios em favor do procurador da autora, fixando-os no correspondente a 10% (dez por cento) do valor da condenação. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Ariquemes/RO, 06 de outubro de 2004. Rinaldo Forti Silva Juiz de Direito.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!