Consumidor x médico

Usuário de plano não deve pagar diferenças de honorários médicos

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11 de novembro de 2004, 10h53

Clínicas e centros de diagnóstico, em Minas Gerais, estão proibidos de exigir pagamento de diferenças de honorários médicos de associados de planos de saúde. A liminar do juiz Walner Barbosa Milward de Azevedo, da 4ª Vara Cível de Uberlândia, é válida para 17 clínicas e centros de diagnóstico. Ainda cabe recurso.

Para cada caso de desobediência, o juiz determinou pagamento de multa de R$ 20 mil.

Os promotores Fernando Rodrigues Martins e Lúcio Flávio Faria e Silva entraram com Ação Civil Pública contra as empresas. Eles alegaram que os consumidores são terceiros da história em uma briga entre administradoras dos planos de saúde, suas redes de empresas e profissionais credenciados.

Segundo os promotores, as empresas citadas subverteram o equilíbrio e a boa-fé objetiva que devem prevalecer nas relações de consumo. De acordo com eles, as empresas “criaram um empecilho à livre concorrência, passando a utilizar a tabela de preços referida alhures, sem levar em conta as condições sócio-econômicas de cada região, para, logo em seguida, imporem, unilateralmente, aos consumidores, a diferença dos pagamentos decorrentes das obrigações assumidas frente às operadoras de planos de saúde, sob pena de restringirem os atendimentos oferecidos”.

Para o juiz, os titulares e beneficiários dos planos de saúde “não podem ficar desamparados dos serviços oferecidos pelas empresas citadas, restando plenamente justificado, portanto, o fundado receio de dano irreparável, caso alguns tipos de atendimentos sejam negados ou se os reajustes unilaterais decorrentes da adoção da tabela de preços sejam levados a termo”.

Leia a liminar

Processo nº 702.04.179174-1

Vistos etc.,

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, através das Promotorias de Justiça Especializada na Defesa do Consumidor e da Saúde, ingressou em juízo com a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de tutela antecipada em face de CARDIOCENTER – CENTRO DE DIAGNÓSTICO CARDIOVASCULAR ECOGRÁFICO LTDA., CENTRO DE DIAGNÓSTICOS ECOGRÁFICOS S/C LTDA., IMEDI – INSTITUTO DE MEDICINA DIAGNÓSTICA, CLIMA – CLÍNICA DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM S/C LTDA., UNIDADE RADIOLÓGICA DE UBERLÂNDIA LTDA., CENTRO RADIOLÓGICO DE UBERLÂNDIA, INSTITUTO DE RADIOLOGIA DE UBERLÂNDIA; IPAC – INSTITUTO DE PATOLOGIA CLÍNICA DE UBERLÂNDIA S/C LTDA., BIOVIDA PATOLOGIA CLÍNICA LTDA., UDIMAGEM UNIDADE DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM LTDA., LABORMED – LABORATÓRIO DE ANÁLISES E PESQUISAS CLÍNICAS LTDA., CENTRO DE TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE UBERLÂNDIA, IPAC DENSITOMETRIA ÓSSEA S/C LTDA., CLÍNICA DE RADIOLOGIA LTDA., TOMOGRAFIA SANTA CLARA LTDA., AMIUB – ASSOCIAÇÃO DOS MÉDICOS IMAGINOLOGISTAS DE UBERLÂNDIA e SOCIEDADE MÉDICA DE UBERLÂNIDA, pessoas jurídicas, nos autos qualificadas, defendendo os interesses dos consumidores que são filiados a planos de saúde que utilizam os serviços das requeridas.

Narra a inicial, em síntese, que contrariando os valores e princípios constitucionais que norteiam a ordem econômica do Estado brasileiro, assim como o Código de Defesa do Consumidor, as requeridas passaram a adotar a CBHPM – Classificação Brasileira de Hierarquizada de Procedimentos Médicos, como forma de tabelamento de preços, anulando, via obliqua, o espaço para a livre concorrência de mercado, além de reduzir as opções de escolha dos consumidores, que estão sendo obrigados a pagarem pela diferença de pagamentos, passando a arcar, indevidamente, com os ônus decorrentes do desacordo existente entre essas empresas e os planos de saúde.

A inicial é fartamente instruída com os documentos de fls. 17/1046, inclusivo, diversos procedimentos administrativos com reclamações de cidadãos que se sentiram lesados.

É o relato do essencial. DECIDO.

Cuidam os autos de Ação Civil Pública, manejada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, tutelando interesses dos consumidores protegidos pela Constituição Federal, bem como pelo Código de Defesa do Consumidor, todos de caráter eminentemente público.

O pleito liminar deve ser analisado dentro do contexto das tutelas de urgência, que se prestam a uma função preventiva de dano, caracterizando-se pela premência do interesse da parte que visa afastar situações de perigo.

Para a concessão do pedido de antecipação da tutela, faz-se necessário demonstrar a existência dos requisitos positivos da prova inequívoca, verossimilhança da alegação, fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, e o requisito negativo da possibilidade de reversibilidade do provimento antecipado.

In casu, entendo presentes os pressupostos acima referidos. Senão vejamos.

A saúde é um direito de todos, conforme preceito constitucional, mas a despeito de ser esta uma obrigação que cabe ao Estado, a iniciativa privada também está autorizada a prestá-la.


Na exploração complementar dos serviços de assistência à saúde, os profissionais liberais e as pessoas jurídicas de direito privado ficam adstritos aos mesmos valores que regem a administração pública, sem descurar dos preceitos elencados no art. 170 da Magna Carta, com especial relevo para os princípios que primam pela livre concorrência e a defesa do consumidor.

De mais a mais, não podemos esquecer que “na aplicação da lei, o juiz deverá atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, conforme se depreende do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Com base em tais premissas, verifica-se que dentro de uma visão sistêmica e integrativa do direito pátrio, resta latente que as requeridas subverteram o equilíbrio e a boa-fé objetiva que devem prevalecer nas relações de consumo, quando, em um primeiro momento, criaram um empecilho à livre concorrência, passando a utilizar a tabela de preços referida alhures, sem levar em conta as condições sócio-econômicas de cada região, para, logo em seguida, imporem, unilateralmente, aos consumidores, a diferença dos pagamentos decorrentes das obrigações assumidas frente às operadoras de planos de saúde, sob pena de restringirem os atendimentos oferecidos.

Na verdade, toda a celeuma instaurada decorre das desavenças existentes entre as administradoras dos planos de saúde e as suas redes de empresas e profissionais credenciados, não sendo lícito, portanto, que terceiros, no caso os consumidores, venham a ser penalizados arbitrariamente, daí emergindo a fumaça do bom direito.

Doutro norte, resta latente que os titulares e beneficiários dos planos de saúde não podem ficar desamparados dos serviços oferecidos pelas requeridas, restando plenamente justificado, portanto, o fundado receio de dano irreparável, caso alguns tipos de atendimentos sejam negados ou se os reajustes unilaterais decorrentes da adoção da tabela de preços sejam levados a termo.

Por fim, no que tange ao requisito negativo da tutela, há de se ressaltar que as requeridas têm plenas condições de suportar os ônus dos contratos, dando continuidade ao atendimento aos consumidores, sendo que ainda poderão dispor dos meios apropriados para fazer valer o aumento proposto no caso da liminar vir a ser suspensa durante a instrução do processo.

Diante do exposto e do que mais dos autos consta, hei por bem acolher o pedido de tutela antecipada, inaudita altera pars, para determinar que as requeridas:

1. Se abstenham da prática de exigir pagamento de diferenças de honorários médicos de consumidores relacionados a planos de saúde;

2. Continuem a prestar os atendimentos médicos e de exames, se abstendo de dar solução aos serviços prestados aos usuários de planos de saúde.

A presente ordem deverá ser cumprida de imediato, ficando fixada multa no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), para cada caso de desobediência.

Defiro, no mais, os pedidos de expedição de ofício ao PROCON e a Promotoria de Defesa do Cidadão, conforme requerido.

Da mesma forma, acolho o pedido de citação da UNIMED Uberlândia, UNIDAS, MEDIAL e CASSI, na qualidade de litisconsortes assistenciais.

Citem-se as requeridas, com urgência, para cumprimento imediato desta liminar, bem como para apresentarem defesa, caso queiram, no prazo legal, sob pena de serem considerados verdadeiros os fatos articulados na inicial.

Concedo ao Sr. Oficial de Justiça as prerrogativas do §2º do art. 172 do CPC.

Intimem-se.

Cumpra-se.

Uberlândia, 09 de novembro de 2004.

WALNER BARBOSA MILWARD DE AZEVEDO

Juiz de Direito da 4ª Vara Cível

Leia a íntegra da Ação Civil Pública

Exmo(ª). Sr(ª). Dr(ª). Juiz(ª) de Direito da ___ Vara Cível da Comarca de Uberlândia – Minas Gerais

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através de seus representantes abaixo assinados, nos termos do art. 1º, inc. III e IV, art. 3º, art. 5º, inc. XXXII, art. 170, inc. IV e V, art. 197 e art. 199 todos da Constituição Federal; art. 6º, inc. II e IV, art. 39, inc. I e II do Código de Defesa do Consumidor; art. 20, inc. I, II, IV da Lei Federal nº 8.884/94; art. 4º, inc. I, alínea f e III da Lei Federal nº 8.137/90; art. 1º, inciso V, art. 5º da Lei de Ação Civil Pública; e sobretudo à vista do apurado nas peças de informação em anexo, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de:

1) CARDIOCENTER – CENTRO DE DIAGNÓSTICO CARDIOVASCULAR ECOGRÁFICO LTDA., pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida Getúlio Vargas, nº 250, inscrita no CNPJ sob o nº 62.285.943/0001-90;

2) CENTRO DE DIAGNÓSTICOS ECOGRÁFICOS S/C LTDA., pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida Getúlio Vargas, nº 786, inscrita no CNPJ sob o nº 00.070.924/0001-64;


3) IMEDI – INSTITUTO DE MEDICINA DIAGNÓSTICA, pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida Cipriano Del Fávero, nº 173, inscrita no CNPJ sob o nº 01.869.212/0001-72;

4) CLIMA – CLÍNICA DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM S/C LTDA., pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida Marcos de Freitas Costa, nº 180, inscrita no CNPJ sob o nº 02.396.816/0001-01;

5) UNIDADE RADIOLÓGICA DE UBERLÂNDIA LTDA., pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida Belo Horizonte, nº 937, inscrita no CNPJ sob o nº 19.950.476/0001-11;

6) CENTRO RADIOLÓGICO DE UBERLÂNDIA, pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida João Pinheiro, nº 289, inscrita no CNPJ sob o nº 19.950.831/0001-52;

7) INSTITUTO DE RADILOGIA DE UBERLÂNDIA, pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida João Pinheiro, nº 937, inscrita no CNPJ sob o nº 18.457.111/0001-10;

8) IPAC – INSTITUTO DE PATOLOGIA CLÍNICA DE UBERLÂNDIA S/C LTDA., pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida Cipriano Del Fávero, nº 515, inscrita no CNPJ sob o nº 19.040.906/0001-68;

9) BIOVIDA PATOLOGIA CLÍNICA LTDA., pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida Belo Horizonte, nº 927 – A, inscrita no CNPJ sob o nº 19.823.335/0001-38;

10) UDIMAGEM UNIDADE DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM LTDA, pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida Getúlio Vargas, nº 161, inscrita no CNPJ sob o nº 21.242.573/0001-00;

11) LABORMED – LABORATÓRIO DE ANÁLISES E PESQUISAS CLÍNICAS LTDA., pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na rua Machado de Assis, nº 125, inscrita no CNPJ sob o nº 23.930.068/0001-75;

12) CENTRO DE TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE UBERLÂNDIA, pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida Belo Horizonte, nº 937, inscrita no CNPJ sob o nº 22.224.968/0001-34;

13) IPAC DENSITOMETRIA ÓSSEA S/C LTDA., pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida Cipriano Del Fávero, nº 515, inscrita no CNPJ sob o nº 73.686.318/0001-04;

14) CLÍNICA DE RADIOLOGIA LTDA., pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida Cipriano Del Fávero, nº 510, inscrita no CNPJ sob o nº 00.457.318/0001-04;

15) TOMOGRAFIA SANTA CLARA LTDA., pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida João Pinheiro, nº 289, inscrita no CNPJ sob o nº 01.413.609/0001-55;

16) AMIUB – ASSOCIAÇÃO DOS MÉRDICOS IMAGINOLOGISTAS DE UBERLÂNDIA, pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na rua Duque de Caxias, nº 450, Salas 1.011 e 1.012; e

17) SOCIEDADE MÉDICA DE UBERLÂNDIA, pessoa jurídica de direito privado, com sede nesta cidade na avenida Cesário Alvim, nº 02.

A propositura da presente ação faz-se consoante os fatos apurados, em procedimento em anexo, e fundamentos que passa a expor:

I – DOS FATOS

1 – Em data de 08 de setembro do corrente ano, a Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão recebeu representação da Associação Mineira do Ministério Público dando conta de que a paciente Lourdes Rodrigues Borges, filha da usuária Anna Maria Borges Cunha e Campos, foi cobrada em determinada quantia pela oitava requerida, em valor superior ao já pago pelo plano de saúde, considerando a recente instituição de uma tabela de honorários estabelecida por médicos da região, fls. 04

2 – Posteriormente em data de 10 de setembro do corrente ano, também recebeu a Promotoria de Defesa do Cidadão representação, laborada por Valda Lourenço Machado, explicitando que, muito embora mantivesse contrato de prestação de serviço de saúde com a Medial com cobertura para exames, ao se dirigir ao laboratório da nona requerida foi igualmente cobrada uma diferença em relação ao valor já pago pelo plano de saúde, fls. 05.

3 – Em data de 13 de setembro do corrente ano a consumidora Ester de Souza Machado Franco também apresentou-se nesta Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão. Através de petição informou que sendo portadora de policística renal, com insuficiência renal crônica, ao necessitar proceder exames junto à nona requerida fora informado por um certo atendente que acatando uma determinação do Conselho Federal de Medicina as tabelas seriam reajustadas, cumprindo à consumidora ou o pagamento da diferença e posterior, se quisesse, de reembolso do valor pago junto à operadora, no caso a UNIMED UBERLÂNDIA, fls. 103.

4 – Considerando a gravidade das alegações feitas por consumidores, o Ministério Público instaurou procedimento determinando a notificação dos laboratórios responsáveis pela cobrança de diferenças aos usuários de planos de saúde. Ainda o Ministério Público expediu a recomendação de que trata o art. 67, inciso VII da Lei Complementar Estadual nº 34/94 para todos os laboratórios, a fim de que se abstivessem da prática de exigir pagamentos de diferenças, fls. 11 ut 77.


5 – Realizada audiência, dentre os responsáveis compareceu Rasmo Cardoso Sobrinho, assim como o presidente da Sociedade Médica de Uberlândia, Paschoal Luiz Lorechio. Na audiência administrativa, fls. 112, observou-se que a movimentação havida nos laboratórios e clínicas requeridas devia-se à implantação da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos – CBHPM, instrumento de reivindicação dos profissionais médicos quanto a um melhor relacionamento e remuneração pelos planos de saúde. Naquela oportunidade ficou claro que Rasmo Cardoso Sobrinho era o representante regional da CBHPM e que a Sociedade Médica de Uberlândia estava apoiando o movimento.

6 – Em continuidade naquele ato foi recomendado pelo órgão de execução aos laboratórios, que agiam em conjunto na cobrança das diferenças por essa implantação da CBHPM, que se abstivessem dessa desditosa prática de obstar o direito de saúde dos consumidores, mediante práticas abusivas e que, portanto, deveriam ser solvidas entre profissionais médicos e operadoras de plano de saúde. Ainda foi redesignada audiência de continuação.

7 – Realizada audiência de continuação, cumpre dizer que o representante da CBHPM compareceu afirmando que todos os requeridos e outros profissionais da área médica estancariam a praxe de cobrar a diferença dos próprios consumidores ou mesmo de negar atendimento. Todavia, ressaltou o representante que caso a CBHPM não fosse adotada até 01.01.2005 a categoria médica deixará de atender os planos de saúde, mantendo apenas atendimento de emergência, fls. 113.

8 – Trouxe o representante dos profissionais médicos dentre outros documentos: relação de convênios existentes em Uberlândia; cópias de manifestações de apoio de alguns consumidores; requerimentos de solução pacífica dos entraves junto aos planos de saúde; sugestões de contrato de adesão com a adoção da CBHPM, donde exsurgem cláusulas que impõem exames não solicitados, fls. 117 usque 713.

9 – Posteriormente, no volume quatro, a UNIMED UBERLÂNDIA – COOPERATIVA REGIONAL DE TRABALHO MÉDICO LTDA. apresentou representação em face de todos os nominados, ressaltando que a atitude dos laboratórios configura um cartel da maneira com que as condutas são tidas uniformemente. Aliás, faz a ressalva que no contrato que mantém com as requeridas consta cláusula de que é vedada a prática de cobrar do usuário da operadora quaisquer importâncias, cuja competência seja da própria operadora, fls. 716.

10 – Adverte ainda a representação que muito embora houvesse recomendação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais para a abstenção em tais práticas as requeridas fizeram ouvidos moucos à situação, cobrando a diferença e postando-se de forma sincronizada e ajustada. Junta documentos, dentre eles recibos de consumidores dando conta do pagamento de diferenças.

11 – A seguir compareceu a consumidora Maristela Marlene dos Santos informando que ainda no dia 28 de setembro a praxe ainda continuava, fls. 986.

12 – Por fim, chegou ao conhecimento dessa Promotoria de Defesa do Cidadão que em data de 02.08.2004 a própria UNIDAS – UNIÃO DAS INSTITUIÇÕES DE AUGESTÃO EM SAÚDE – e a ASSOCIAÇÃO MÉDICA DE MINAS GERAIS, CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA, SINDICATO DOS MÉDICOS DO ESTADO DE MINAS GERAIS e FEDERAÇÃO MINEIRA DAS COOPERATIVAS MÉDICAS já haviam celebrado um termo de acordo para implantação da CBHPM, não havendo razão e motivo para o ocorrido nesta cidade quanto a exigência de pagamento de diferenças em planos de autogestão, fls. 998/999.

II – DO DIREITO

13 – Em duas nuances o presente pedido deve ser analisado. Primeiramente quanto a obrigação de não fazer por parte dos profissionais quanto a aplicabilidade da Resolução nº 1.673/2003 por evidente inconstitucionalidade. Segundo, quanto os prejuízos já sofridos pelos consumidores nas tratativas abusivas desenvolvidas pelas requeridas.

II.1 – Resolução nº 1.673/2003. Inconstitucionalidade. Tabelamento. Mercado composto por planos de saúde, médicos e consumidores. Bem difuso por excelência.

14 – Dúvidas não restam que a classe médica merece ser bem remunerada dada as notórias condições da categoria e os investimentos feitos ao longo do tempo. Foi por isso, que à margem do melhor direito, instituíram tais profissionais a CBHPM – Classificação Brasileira de Hierarquizada de Procedimentos Médicos, como forma de tabelamento de intervenções médicas. Para tanto, utilizaram-se de uma ‘pseudo norma de obediência’ que foi expedida pelo Conselho Federal de Medicina.

15 – Todavia, resta claro que ao buscarem seus direitos remuneratórios acabaram por limitar o mercado de consumo, ignorando os consumidores de inúmeros planos de saúde aqui existentes. A esse episódio criaram um tabelamento em que todos os profissionais médicos são obrigados a obedecer determinados preços e procedimentos, sem que haja margem de concorrência e de livre escolha por parte do consumidor.


16 – A CBHPM – Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos – instituída pelo Conselho Federal de Medicina, através da Resolução nº 1.673/2003, tem por escopo estabelecer preços mínimos para procedimentos médicos, todavia sem critérios e apontamentos sócio-financeiro de cada região. A esse episódio confira a íntegra de tal Resolução às fls. 896.

17 – Tome-se nesse sentido, o direito de escolha do consumidor, assim definido no art. 6º, inciso II do CDC é violado, porque os usuários de planos de saúde não mais poderão contar com a concorrência entre profissionais médicos, o que irá, sem sombra de dúvida, encarecer o suporte econômico de cada família. Um verdadeiro retrocesso!

18 – Não fosse isso, a Lei Antitruste é clara ao disciplinar que:

“Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir o seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III – omissis;

IV – exercer de forma abusiva posição dominante”.

19 – Ao seu tempo, preconiza que é tipo penal, suscetível de ação penal, na Lei Federal nº 8.137/90:

“Art. 4. Constitui crime contra a ordem econômica:

I – abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência, mediante:

f – impedimento a constituição, funcionamento ou desenvolvimento de empresa concorrente;

III – discriminar preços de bens ou de prestação de serviços por ajustes ou acordo de grupo econômico, com o fim de estabelecer monopólio, ou de eliminar, total ou parcialmente a concorrência

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa”.

20 – Ademais, remarque-se que o art. 170, inciso V da Constituição Federal exige a proteção da livre concorrência em todas as tratativas do setor privado.

21 – Não há dúvida de que os participantes nos cartéis conspiram para manter uma ilusão de concorrência, enquanto, na realidade, os clientes não dispõem de qualquer escolha efetiva, devendo pagar preços mais elevados. Isso evidentemente tem efeitos imediatos a nível de toda a cadeia de fornecimento, afetando o consumidor final.

22 – Aliás, em recente artigo publicado na Revista de Direito do Consumidor, o Conselheiro do CADE Thompson Andrade, assim se reportou quanto a liberdade de associação e o tabelamento de procedimentos e preços médicos:

“Realmente não paira dúvida sobre essas garantias e não se contesta a existência da AMB como entidade representativa da classe médica. Mesmo assim, não há qualquer incompatibilidade entre essas duas garantias fundamentais e a Lei 8.884/94. Em princípio a atuação de qualquer associação é aceita, como forma de preservar a democracia. Todavia, deve-se recordar que em um Estado Democrático de Direito o limite à atuação dos entes privados encontra-se na preservação do interesse público.

Não existe uma definição a priori sobre interesse público. Este interesse deve ser buscado caso a caso, e implica uma busca de equilíbrio entre diversos direitos fundamentais, reconhecidos pela Constituição. Assim, é que o art. 170 da Carta magna determina que a ordem econômica deve sempre observar a livre concorrência e a defesa do consumidor. Tão importante quanto zelar pela liberdade de associação é cuidar para que esses dois princípios não sejam atacados. Isso não significa escolha de uma garantia constitucional em detrimento de outra, mas sim de harmonização entre todas, a fim de se garantir a supremacia do interesse público”, p. 21.

23 – No mais em evidência que o mercado é bem difuso a ser tutelado, não havendo razão para sua limitação quando o imperativo seja concorrência, ‘inda mais no setor de saúde que tem por característica constitucional própria o serviço como de relevância pública, ex vi de seu art. 197.

24 – Some-se a isso que por determinação do art. 173, § 4º da CF a regra de funcionamento do mercado não é a concentração, mas a da concorrência. Quando os requeridos ao mesmo tempo utilizam de idêntica tabela acabam agindo numa aliança perigosa e abusiva. Frise-se o entendimento esposado por AURÉLIO WANDER BASTOS no artigo Cartéis e Concorrência, publicado na Revista do Direito do Consumidor, RT, vol. 23-24, p. 104:

“a participação concorrencial leva as empresas a buscar padrões cada vez mais qualificados para os bens ou serviços que oferecem aos consumidores. Todavia, à medida que buscam oferecer produtos e serviços de melhor qualidade no mercado, tendem a restringir as possibilidades de negociação da concorrente que, ou melhora o seu padrão de oferta, ou sucumbe diante da pressão concorrencial, falindo ou buscando novos aliados. Esta aliança pode se manifestar através da simples fusão ou incorporação de uma empresa por outra (trust), ou através de acordos ou compromissos (que em geral não tem natureza jurídica) para resistir à concorrência (cartéis).


25 – A Constituição brasileira de 05.10.1988, deu a seguinte redação no texto de que trata da questão de abuso do poder econômico, muito especialmente no parágrafo 4º, do art. 173:

“A Lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.

26 – Aliás, remarque-se que o próprio CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA não autoriza a praxe de alinhamento de preços em detrimento dos pacientes. Neste sentido:

“Art. 16. Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou instituição pública ou privada poderá limitar a escolha por parte do médico dos meios a serem postos em prática para o estabelecimento do diagnóstico e para a execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente”.

27 – Daí a flagrante inconstitucionalidade da Resolução nº 1.673/2003, porque como se sabe o mercado é uma ficção econômica e ao mesmo tempo uma realidade concreta. Ele pertence à sociedade. Não é de propriedade, posse ou uso exclusivo de ninguém em particular e também é de exclusividade de um grupo específico. A existência do mercado é confirmada por sua exploração concreta e histórica. Mas essa exploração não pode ser tal que possa prejudicar o próprio mercado e a sociedade.

28 – Assim, pode-se habilmente dizer que o mercado é composto não só por empreendedores da atividade econômica (planos de saúde e médicos), mas também por consumidores (usuários carecedores de saúde).

29 – Portanto, as requeridas não podem e nem devem adotar referida Resolução, sob pena de desrespeito à Constituição Federal. Aliás, foi esse o mesmo entendimento da Justiça Federal, conforme liminar de fls. 892/893.

II.2 – Diferença de pagamento. Tarefa a ser resolvida entre plano de saúde e profissional médico. Abuso de direito. Solução de continuidade de serviço. Indenização

30 – Mesmo fosse constitucional a írrita Resolução nº 1.673/2003, os consumidores foram extremamente lesados pelas requeridas.

31 – Observe-se que na luta pelos seus direitos as requeridas acabaram impondo um constrangimento aos consumidores, qual seja, que eles pagassem a diferença da ‘tabela’ pelos médicos implantada, cabendo aos usuários, se quisessem, exigir o reembolso ao seu plano de saúde. Ora, uma verdadeira ignomínia.

32 – Os recibos acostados nestes autos dão a dimensão desse problema (fls. 873/883).

33 – Tem-se lapidarmente que as práticas abusivas elencadas no art. 39 do CDC decorrem da teoria do abuso do direito, ou seja, conforme melhor explicação defendida por Rizzato Nunes “o resultado do excesso de exercício de um direito, capaz de causar dano à outrem. Ou, em outras palavras, o abuso de direito se caracteriza pelo uso irregular e desviante do direito em seu exercício, por parte do titular” (in CURSO DE DIREITO DO CONSUMIDOR, Saraiva, p. 508).

34 – Na hipótese dos

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