Lado B

Viúva de cantor é condenada a pagar honorários em ação contra Daniel

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31 de março de 2004, 19h05

A ação de indenização movida por Roseni Barbosa dos Santos Reis, viúva do cantor João Paulo, e pela filha do casal foi julgada extinta. A Justiça de primeira instância entendeu pela inépcia da inicial e ilegitimidade das partes. A decisão é da última quinta-feira (25/3).

Dois dias antes, as partes envolvidas no processo – que tem como réus o cantor Daniel, a produtora Daniel Promoções, o empresário Hamilton Régis Policastro, a HRP Promoções e a Warner Music – não haviam chegado a um acordo. A Justiça julgou extinto o processo. A viúva do cantor foi condenada a pagar os honorários e as custas do processo.

O advogado Edilberto Acácio da Silva informou que vai recorrer da decisão.

Leia íntegra da decisão

Processo nº: 002.02.052254-3

Procedimento Ordinário (em geral)

VISTOS.

ROSENI BARBOSA DOS SANTOS REIS, qualificada nos autos, propôs ação de reparação de danos morais, patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes em face de WARNER MUSIC BRASIL LTDA. DIVISÃO CONTINENTAL, DANIEL PROMOÇÕES ARTÍSTICAS S/C LTDA., JOSÉ DANIEL CAMILLO, H.R.P. PROMOÇÕES ARTÍSTICAS LTDA. e HAMILTON REGIS POLICASTRO, também qualificados, sob a alegação de que a primeira ré adquiriu, por contrato de cessão de direitos de intérprete, a titularidade das interpretações lítero-musicais dos artistas José Henrique dos Santos Reis e José Daniel Camillo, que formavam a dupla musical de tendência sertaneja “João Paulo & Daniel”.

Informou, outrossim, que cerca de dez meses após a celebração desse contrato José Henrique faleceu em acidente ocorrido na Rodovia dos Bandeirantes e logo em seguida a primeira ré, vislumbrando a possibilidade de imenso lucro resultante da comoção provocada pelo falecimento do artista, firmou aditamento contratual para cessão definitiva dos direitos de interpretação dos fonogramas lítero-musicais fixados em forma “ao vivo” em shows realizados na cidade de Brotas e no Teatro Olímpia no município de São Paulo. Esclareceu, ainda, que nesse aditamento não há testemunhas, nem a qualificação da autora, o que caracteriza vício passível de declaração de nulidade da avença.

Afirmou, também, que se verificou um sucesso da dupla após a morte de José Henrique, tendo sido vendidos dois milhões de cópias das obras indicadas no aditamento contratual. Aduziu, porém, que os réus têm usado a imagem e os direitos de José Henrique de forma abusiva em detrimento da autora, que nada recebeu daqueles que deles se beneficiam, inclusive em relação aos “royalties”, execução pública e demais direitos tutelados pela Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Sustentou, assim, a exploração da imagem do artista morto com finalidade comercial e sem autorização, com o intuito de fortificar a carreira artística de José Daniel.

Em relação a Hamilton Regis Policarpo e HRP Promoções Artísticas S/C Ltda., que figuram no contrato celebrado com a primeira ré, afirmou que foram omissos no cumprimento da obrigação de zelar pela imagem do artista por eles agenciado. Requereu, portanto, a condenação dos réus ao pagamento dos “royalties” devidos pela realização dos shows no Teatro Olímpia, no município de São Paulo, e na cidade de Brotas, bem como os valores devidos em razão do que foi apurado após 03 de dezembro de 1996, relativo ao contrato e aditamento anteriormente mencionados; do valor correspondente às canções compostas por José Henrique e utilizadas sem autorização; da verba correspondente a 50% do faturamento integral do cantor José Daniel desde o óbito de José Henrique e nas mesmas bases do contrato firmado com a gravadora Warner Music após 12 de setembro de 1997; além da reparação dos danos morais estimados em 1.000 salários mínimos, acrescidos de juros de mora desde o evento danoso e demais consectários legais. Acompanham a petição inicial instrumento de mandato e documentos.

Após regular citação todos os réus apresentaram contestação, tendo os demandados Hamilton e H.R.P. Promoções argüido preliminarmente a ilegitimidade de parte ativa e passiva, além de sustentarem no mérito a ausência de responsabilidade em relação ao contrato por não tê-lo assinado. Os co-réus José Daniel e Daniel Promoções, por sua vez, também argüiram a ilegitimidade de parte ativa e passiva e no mérito alegaram que não cometeram nenhum ilícito e que inexiste responsabilidade que lhes possa ser imputada. Já a demandada Warner Music argüiu as questões preliminares de inépcia da petição inicial por conter narrativa confusa, pedidos incompatíveis e não descrever a causa de pedir, e de ilegitimidade de parte ativa e passiva. No mérito, sustentou a inexistência de ilícito que causasse dano à autora e a litigância de má-fé.

Sobre as respostas ofertadas manifestou-se a autora, impugnando as questões preliminares e reiterando sua pretensão inicial.


Em razão do valor da causa houve alteração da competência e os autos foram remetidos ao Foro Central e distribuídos a este Juízo, tendo as partes especificado as provas que pretendem produzir. A fls. 885/887 Jéssica Renata dos Reis, filha de José Henrique, pleiteou sua habilitação como assistente litisconsorcial e os litigantes se manifestaram sobre esse pedido.

Em virtude da menoridade de Jéssica Renata, foi determinada a intervenção do Ministério Público, que se manifestou a fls. 912/926, opinando no sentido da rejeição das questões preliminares e da produção de provas. Saneado o processo e rejeitadas as questões preliminares, foi designada audiência, nos moldes do artigo 331 do Código de Processo Civil, tendo restado infrutífera a tentativa de conciliação.

É O RELATÓRIO

FUNDAMENTO E DECIDO.

Em que pese o posicionamento do representante do Ministério Público e do magistrado que proferiu a decisão de fls. 927/929, deve o processo ser extinto sem apreciação do mérito, em virtude da carência do direito de ação, evidenciada pela ilegitimidade de parte ativa.

Busca a autora a reparação de danos patrimoniais e morais em virtude de violação de direitos autorais e da imagem de José Henrique dos Reis, conhecido no meio artístico como João Paulo, que até o seu falecimento formava dupla musical com José Daniel Camillo, conhecido como Daniel.

Inviável, todavia, que a viúva meeira, mesmo na condição de inventariante, substitua o espólio no pólo ativo de demanda que versa sobre direitos patrimoniais do falecido enquanto não for realizada a partilha dos bens por este deixados.

Com efeito, após a morte é aberta a sucessão e surge o espólio, ou seja, uma entidade desprovida de personalidade jurídica, mas dotada de capacidade processual, consistente no acervo de bens que deve ser inventariado e partilhado entre os herdeiros, cuja representação compete ao inventariante ou, se ainda não houver inventário, ao administrador provisório.

Sobre o espólio preceitua Antonio Carlos Marcato:

“O acervo hereditário, surgido com a abertura da sucessão, deve ser inventariado e totalmente partilhado entre os herdeiros; até que isso ocorra ele constitui o espólio, entidade sem personalidade jurídica e representada, judicial e extrajudicialmente, pelo inventariante, ou, antes dele, pelo administrador provisório” (in “Procedimentos Especiais”, Malheiros Editores, São Paulo, 7ª edição, 1995, p. 160).

Sebastião Luiz de Amorim e Euclides Benedito de Oliveira também discorrem sobre o espólio:

“Aos bens que se transferem ao sucessor em virtude da morte de alguém dá-se o nome de herança, isto é, o patrimônio que se herda, acervo hereditário ou espólio…

No plano jurídico-formal, a massa patrimonial deixada pelo autor da herança denomina-se espólio.

O espólio não tem personalidade jurídica, segundo nosso Direito. Não passa de uma universalidade de bens, como já salientado. Sem embargo da aparência de personalidade, que se percebe no espólio, capaz de demandar e ser demandado, não se pode considerar pessoa jurídica, pois é de existência transitória, tem proprietários conhecidos e não dispõe de patrimônio próprio, uma vez que seus bens, provisoriamente reunidos e subordinados a um conjunto, continuam a pertencer individualmente aos herdeiros.

Ainda assim, cumpre reconhecer que o direito dá ao espólio legitimidade ad causam, representando-se ativa e passivamente através do administrador provisório, ou, após instaurado o inventário, pela pessoa do inventariante (arts. 12, V, 986 e 990, do CPC). É apenas uma parte formal, como a massa falida, ou a herança jacente” (in “Inventários e Partilhas”, Livraria e Editora Universitária de Direito, São Paulo, 15ª edição, 2003, p. 31/32).

O inventariante, na verdade, tão-somente representa o espólio, em cumprimento ao disposto no artigo 12, inciso V, e no artigo 991, inciso I, ambos do Código de Processo Civil, não podendo, em nome próprio e na defesa de interesse alheio, substituí-lo no pólo ativo ou passivo da demanda em que aquele deve figurar por não haver autorização legal para tanto, em conformidade com o artigo 6° do mesmo diploma legal.

No que tange à representação do espólio Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery esclarecem:

“Enquanto não partilhados os bens da herança é o espólio que se legitima como parte passiva e ativa para estar em juízo. Quem o representa é o inventariante (CPC 12 V). Antes da nomeação do inventariante, é o administrador provisório que representa ativa e passivamente o espólio (CPC 987). Depois do trânsito em julgado da sentença de partilha (CPC 1.027), os herdeiros, exibindo o formal de partilha, podem postular a habilitação em juízo, no lugar do espólio” (in “Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante”, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 7ª edição, 2003, p. 1.168, nota 2 ao artigo 991, inciso I).


Tal solução se justifica na indivisibilidade do direito à herança, prevista no artigo 1.580, “caput”, do Código Civil de 1916, em vigor por ocasião da morte de José Henrique, que abrange também a meação da viúva e impede o exercício do direito de forma isolada pelos sucessores.

Até o efetivo trânsito em julgado da decisão sobre a partilha dos bens deixados por José Henrique em virtude de seu falecimento, o espólio, portanto, ostentará a legitimidade ativa e passiva para as demandas que versem sobre direitos e obrigações do “de cujus”.

O mesmo posicionamento tem sido sustentado nos Tribunais:

“RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO EM DECORRÊNCIA DE ACIDENTE SOFRIDO PELO DE CUJUS – LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO – 1. Dotado o espólio de capacidade processual (art. 12, V, do Código de Processo Civil), tem legitimidade ativa para postular em Juízo a reparação de dano sofrido pelo de cujus, direito que se transmite com a herança (art. 1.526 do Código Civil). 2. Recurso Especial conhecido e provido” (STJ – RESP 343654 – SP – 3ª T. – rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 01.07.2002).

“REINTEGRAÇÃO DE POSSE – BEM PERTENCENTE AO ESPÒLIO – CÔNJUGE MEEIRO NO PÓLO ATIVO – POSTULAÇÃO EM NOME PRÓPRIO – HERDEIRO PÓLO PASSIVO – CARÊNCIA DA ACTIO RECONHECIDA – EXTINÇÃO DE OFÍCIO – AGRAVO PROVIDO – Não tem legitimidade ativa para estar em juízo, pai que postula ação possessória, em nome próprio, contra o filho, requerendo para si, bem pertencente à herança, porquanto cabível ao espólio, enquanto não partilhados os bens” (TJSC – AI 00.004813-5 – 1ª Câmara Cível – rel. Des. Ruy Pedro Schneider – j. 20.02.2001).

Sobre a legitimidade para a causa lecionam Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:

“Ainda como desdobramento da idéia de utilidade do provimento jurisdicional pedido, temos a regra que o Código de Processo Civil enuncia expressamente no art. 6º.:’ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei’. Assim, em princípio, é titular de ação apenas a própria pessoa que se diz titular do direito subjetivo material cuja tutela pede (legitimidade ativa), podendo ser demandado apenas aquele que seja titular da obrigação correspondente (legitimidade passiva)” (in “Teoria Geral do Processo”, Malheiros Editores, São Paulo, 13ª edição, 1997, p. 261).

Constatada, desse modo, a ausência de uma das condições do direito de ação, qual seja, a legitimidade de parte ativa, evidenciada pelo fato de não deter a autora a titularidade do direito subjetivo por ela invocado, impõe-se a extinção do processo.

Além disso, verifica-se que a petição inicial não está apta para instaurar a relação jurídico-processual, o que prejudica relevante pressuposto de constituição válida do processo.

A descrição dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido, ou seja, das causas de pedir próxima e remota, constitui importante requisito da exordial, cuja observância é determinada por força do disposto no artigo 282 do Código de Processo Civil.

No caso em apreço, porém, a autora não indicou em sua petição inicial, com necessária clareza, as condutas de cada réu capazes de ensejar a obrigação de reparar danos materiais e morais, nem especificou o fundamento jurídico da responsabilidade de cada um, limitando-se a esclarecer que os demandados estão violando direitos autorais e de imagem, sem indicar como tais violações ocorreram e qual a participação de cada demandado nessas ofensas.

Ora, não basta mera referência à existência de danos para se obter um provimento jurisdicional destinado a condenar alguém a repará-los, sendo imprescindível a descrição dos atos ou omissões que determinam a responsabilidade dessa pessoa contra a qual se formulou a pretensão, pois não se pode juridicamente presumir a culpa a partir de elemento objetivo consistente na ofensa ao direito autoral, notadamente se considerarmos que a exploração deste está autorizada por contrato, cuja anulação ou extinção em momento algum se pleiteou.

Inexistindo, por outro lado, uma descrição completa da conduta dos demandados e dos danos por eles ocasionados, torna-se inviável a aferição da existência de correlação lógica entre os fatos narrados e o efeito jurídico pretendido, bem como a identificação da ação, a fim de isolá-la e distingui-la de outras ações já propostas.

Além disso, a interpretação da causa de pedir deve ser restrita, não se admitindo a abstração ou inferência por parte do julgador para decidir a partir de fatos não apontados na petição inicial, sob pena de impedir a resposta dos réus, cerceando seu direito à defesa e ao contraditório assegurados constitucionalmente.

Dessa forma, sendo a petição inicial inepta por não conter narração fática, da qual decorra logicamente a conclusão, impõe-se também por esse motivo a extinção do processo sem julgamento do mérito, uma vez que o vício nela contido não mais pode ser afastado após o saneamento do feito.

Cumpre salientar, por fim, que não há possibilidade de se apreciar o pedido de assistência litisconsorcial por ter sido o processo extinto, não sendo o ingresso da herdeira no pólo ativo, ademais, suficiente para suprir a ilegitimidade de parte e o vício da petição inicial.

Ante o exposto, JULGO EXTINTO o processo, sem apreciação do mérito, nos moldes do artigo 267, incisos IV e VI, e do artigo 329, ambos do Código de Processo Civil, e, em razão do princípio da causalidade, imponho à autora o pagamento das custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios dos patronos dos réus, que, em consideração aos critérios previstos no artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil, entre os quais se destacam o trabalho desenvolvido e o tempo necessário à sua realização, arbitro em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) para cada um, corrigidos a partir desta data.

P.R.I.

São Paulo, 24 de Março de 2004.

Trazíbulo José Ferreira da Silva

Juiz de Direito

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