Ponto de vista

Brasil é o paraíso de Al Capone, mostra consenso.

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31 de março de 2004, 14h24

“… ei Al Capone, vê se te orienta, já sabem do teu furo, nego, no imposto de renda …!!!”(“Al Capone”, música composta por Raul Seixas em co-autoria com Paulo Coelho)

A propósito do gangster, lembra o notável Procurador Regional da República, Dr. Rodolfo Tigre Maia, “verbis”:

“Al Capone, nascido em Nova York em 1899, no Brooklyn, de ascendência italiana (os pais emigraram de Nápoles em 1883), Alphonse Capone assumiu o controle do crime organizado da cidade de Chicago, no Estado de IIIinois, no final da década de 20, enriquecendo em especial com a venda de bebidas ilegais (lei seca).

Como é notório, o gangster terminou preso por sonegação fiscal em 1931. Investigadores federais, analisando suas declarações de renda e seus livros contábeis, descobriram que cerca de US$ 165.000,00 em receitas tributáveis percebidas no ano de 1924 nunca haviam sido declaradas e que no período de 1925-1929 receitas de cerca de US$ 1.000.000,00 (estas apenas as documentadas!) igualmente foram omitidas, e ele resultou condenado na pena máxima de 11 anos de prisão e multa de US$ 80.000,00 pelo Juiz Federal James H. Wilkerson …”(Lavagem de Dinheiro, Malheiros, 1999, p. 28 – grifei).

No Brasil, a cúpula dos três Poderes firmou consenso que isso jamais poderá acontecer!!!

Executivo e Legislativo contribuindo com a despudorada legislação abolicionista. Por seu turno, a Suprema Corte, subordinando o Judiciário à instância administrativa.

As fraudes contra o fisco, independente de tipificação própria, sempre foram criminosas, encontrando adequação na falsidade ideológica e/ou material sucedido pelo uso dessa documentação frente ao erário (arts. 297/299 e 304 do CP), subsumida, em última análise, ao estelionato qualificado contra a Fazenda Pública(art. 171, §3º, do CP).

Na esteira do já criminalizado à retenção das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados (art. 5º do Decreto-Lei nº 65/37), a Lei nº 4.357/64 tipificou o não recolhimento do Imposto de Renda retido na fonte e fraude na dedução de créditos tributários acolhidos nas transações com terceiros no Imposto de Consumo(hoje ICMS), remetendo-se à pena da apropriação indébita do Código Penal.

Ressalvou, “ab initio” jamais descurando das benesses ao colarinho branco, a extinção da punibilidade com o pagamento anterior à decisão administrativa de primeira instância no respectivo processo fiscal(art. 11, §1º)

Quando da Lei nº 4.729/65, enganosamente propagandeada como a criminalização de um fato até então atípico, de mera relevância tributária(ilítito meramente administrativo), previu-se pena inferior ao Código Penal, limitada a 2(dois) anos de prisão. Foi-se além, inusitadamente, na salvaguarda do colarinho branco, explicitando que “somente os atos definidos nesta Lei poderão constituir crime de sonegação fiscal.”(art. 3º da Lei nº 4.729/65).

Ainda insuficiente à preservação do “mal das grades”, condecorou-se com absoluta eficácia o arrependimento às portas do cárcere, consagrando a extinção da punibilidade mediante o pagamento anterior à ação fiscal, ou seja, início do procedimento administrativo-tributário de fiscalização (2º da Lei nº 4.729/65).

De sua parte, os sonegadores não flagrados pelo Fisco, exitosos empreendedores, jamais estando à mercê de serem denunciados, óbvio que nunca terão qualquer razão para arrependimento.

Poderão, os mais cautelosos, provisionar na contabilidade a rubrica “sonegação fiscal”(“sic”) para, na hipótese de autuados, eximirem-se. Vencido o breve qüinqüênio decadencial(art. 156, V, do CTN), o hábil sonegador poderá apropriar, definitivamente, à fazenda privada o subtraído da fazenda pública.

Remanescendo alguns resquícios de punibilidade, adveio o Dec.-Lei nº 157/67, cujo art. 18, “caput”, elasteceu a extinção da punibilidade da sonegação prevista na Lei nº 4.729/65 ao pagamento(depósito) antes da decisão de 1ª instância no processo administrativo-tributário, no art. 18, §2º, dispôs, “verbis”:

“Extingue-se a punibilidade, quando a :imputação penal de natureza diversa da Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, decorra de ter o agente elidido o pagamento de tributo, desde que ainda não tenha sido iniciada ação penal, se o montante do tributo e multas for pago ou depositado na forma deste artigo.”(grifou-se).

A enigmática redação, reportando-se à imputação diversa à sonegação, faria pensar referir-se aos delitos-meio, a exemplo do “falsum” documental, subsumidos na fraude fiscal(v.g., Súm. nº 17 do STJ).

Todavia, o art. 3º da Lei nº 4.729/65 já era explícito, impondo a consunção. Na verdade, o despudorado Legislador visou também contemplar com a impunidade crimes de outras espécies, a exemplo da corrupção da Autoridade Fiscal, que tenha contribuído com a sonegação.


Por seu turno, o Decreto-lei nº 326/67, art. 2º, estendeu a extinção da punibilidade à retenção do IPI, uma vez quitado antes da decisão administrativo-fiscal de 1ª instância.

No Governo Collor, embora deposto pelo impeachment, enrijeceu-se a repressão. As penas foram significativamente majoradas, de forma a aproximarem-se do estelionato contra o Fisco(arts. 1º e 12, I, da Lei nº 8.137/90 c/c 171, §3º, do CP). Manteve-se, todavia, a extinção da punibilidade com o pagamento anterior à denúncia(art. 14 da Lei nº 8.137/90). Posteriormente, entretanto, revogou-se o benefício extremo(art. 98 da Lei nº 8.383/91), remanescendo o atrativo da vala comum(arts. 15 e 16 do CP).

No Governo FHC, tamanho era o açodamento em repristinar a impunidade, que outorgou-se, através da Lei nº 9.249/95, art. 34, a impunidade a todos os delitos da Lei nº 8.137/90, incluindo, v.g., a corrupção do Agente Fiscal(“sic” – art. 3º da Lei nº 8.137/90), uma vez que a norma abolitiva reportou-se à extinção “… dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729. de 14 de julho de 1965 …” sem ressalva a qualquer deles.

Além disso, em desespero de causa, ante o poder requisitório do Ministerium Publicum(art. 129, VI e VII, da CRFB; arts. 7º e 8º da LC nº 75/93; art. 26 da Lei nº 8.625/93), que passou abortar a extensa, muitas vezes interminável/inexplicável, tramitação na esfera administrativa dos processos fiscais, editou-se norma tentando condicionar a ação penal ao encerramento do procedimento extrajudicial(art. 83 da Lei nº 9.430/96).

Vale referir o explícito lóbi, retratado nos debates parlamentares, quando ressucitada a extinção da punibilidade(art. 34 da Lei nº 9.249/95), Diário da Câmara dos Deputados, 07.11.95, p. 4.529, “verbis”:

Com a palavra o Deputado Luís Roberto Ponte informou que a emenda se referia à introdução de um novo artigo no texto para corrigir uma deformação(“sic”) existente na Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991. Essa emenda limita-se a incorporar na legislação o que havia sido suprimido na citada na Lei. O Deputado Silvio Torres pediu a palavra para declarar-se favorável ao acolhimento da emenda pelo Relator, acrescentando, a propósito, que fora procurado em São Paulo por representantes de Federações do Comércio, os quais lhe relataram muitos problemas que vinham ocorrendo em função daquela lei, penalizando até mesmo quem estivesse em dia com o fisco, continuando, não obstante, a ser indiciados em processos-crime …”(grifou-se – “apud”, Luciano Feldens, Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco, Livraria do Advogado,2000, p. 191)

Alguém imagina a proposição de extinção da punibilidade pela restituição da “res furtiva”, v.g., galinha e/ou botijão de gás?!? Mais! Que os Exmos. Parlamentares, reportando-se à entidade representativa dos gatunos, proponham o benefício, tachando de “deformação” lei anterior que o tivesse suprimido?!?

Ainda no Governo FHC, os sonegadores abiscoitaram mais privilégios, por ocasião do refis(art. 15 da Lei nº 9.964/00), suspensa a pretensão punitiva enquanto sob o parcelamento “ad eternum”, vez que os valores mensais são decididos pelo próprio sujeito passivo, vinculados ao faturamento da pessoa jurídica, mercê de sua discricionária declaração, de forma que a projeção à quitação ultrapassa séculos(“sic” – caso da Academia de Tênis-DF, 1.166 anos, Revista Veja de 21.02.01, p. 48 – vide “Quem Paga a Conta do Refis?”, Marco Aurélio Dutra Aydos, Procurador da República em SC, in Boletim dos Procuradores da República nº 31, www.anpr.org.br), demonstrando, à saciedade, a profissão de fé do Estado Brasileiro na eterna sobrevida das empresas e respectivos sonegadores.

Cômico, não fosse trágico!

Pelo emblemático simbolismo da absoluta falta de limites no favorecimento ao colarinho branco, merece referência publicação de abolitio criminis da sonegação previdenciária que sequer fora aprovada pelo Congresso Nacional (“sic” – art. 11 da Lei nº 9.639/98, DOU 26.05.98 – projeto de lei cuja honrosa iniciativa coube ao Deputado Federal José Luiz Clerot).

Ante algumas vozes e decisões emprestando eficácia à excrescência, à Suprema Corte coube o ônus de declarar que os artífices da Imprensa Nacional, responsáveis pela edição do Diário Oficial, não têm poder legiferante(STF, HC 77.734-9, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 10.08.00, p.51).

Ainda nesta Lei nº 9.639/98, art. 11, editou-se – esta sem qualquer fraude, manifestando assumida vontade do legislativo e Executivo – enigmática “abolitio criminis”, “verbis”:

São anistiados os agentes políticos que tenham sido responsabilizados, sem que fosse atribuição legal sua, pela prática dos crimes previstos na alínea ‘d’ do art. 95 da Lei nº 8.212 …


O que significa “… sem que fosse atribuição legal sua …”?!? De que não coubesse ao Agente Político, Prefeito, Diretor-Presidente de empresa estatal, etc. elaborar a folha de pagamento, recolher as contribuições, etc.?!? Absurdo! Notório que a responsabilidade não é de quem executa os atos materiais, mas sim de quem determina, exerce o poder, enfim, manda,!!!

Em verdade, sequer o próprio Legislativo e Executivo, autores da norma, sabem o que ela significa. Sabem, entretanto, e muito bem, o que pretenderam com ela: auto-anistia, ou seja, livrarem-se dos crimes previdenciários que perpetuam rotineiramente. A misteriosa redação nada mais é que confissão de culpa, grotesco disfarce da impudência.

Altiloqüente reportagem da Revista Veja, 20.11.00, “BANCADA DA PREVIDÊNCIA”, expondo algumas das milionárias sonegações previdenciárias de Parlamentares, a exemplo de Paulo Octávio: R$ 20 milhões, José Sarney Filho: 8,5 milhões, Jader Barbalho: R$ 8,2 milhões, Armando Monteiro Neto: R$ 75 milhões, José Carlos Martinez: 26,5 milhões, Lídia Quinan: R$ 75 milhões, etc.

Outro disparate foi a tipificação dos delitos contra a Previdência Social, art. 95 da Lei nº 8.212/91, bastando lembrar que das 10 condutas tipificadas neste art. 95(alíneas ‘a’ até ‘j’) apenas três tinham cominação de pena(‘d’, ‘e’, ‘f’).

As demais, o Legislador simplesmente esqueceu(“sic”), remanescendo, para gáudio dos colecionadores de originalidades acadêmicas, como preceitos sem sanção, em outras palavras, meros conselhos à sensibilidade ética dos delinqüentes.

Em 1997, a Medida Provisória nº 1.571-6, DOU 29.06.97, previu a suspensão da pretensão punitiva enquanto parcelada a sonegação com a Previdência Social. A partir da reedição 1.571-8, DOU 21.11.97, suprimiu-se a benesse, igualmente ausente na conversão(Lei nº 9.939/98).

Todavia, tendo em vista a claúsula geral convalidando os atos praticados na vigência das medidas provisórias originárias à lei de conversão, garantiu-se, uma vez mais, a impunidade(STF, RE 254.818, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Informativo do STF nº 220).

Ainda no âmbito do INSS, a Lei nº 9.983/00 aquinhoou os sonegadores, fraudadores da Previdência Social, com a extinção da punibilidade, pasmem, mediante a simples confissão – sem qualquer pagamento! – do crime antes da ação fiscal(art. 337-A, §1º, do CP)!!!

Benesse da extinção da puniblidade pelo mera confissão(art. 337-A, §1º, do CP) que será estendida aos tributos administrados pela Receita Federal(arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90).

Elementar aplicação da analogia “in bonam partem”, isonomia(art. 5º, “caput”, da CRFB), onde existe a mesma razão fundamental prevalece idêntica regra de direito(“ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio”).

De lembrar-se que a extinção da punibilidade pelo pagamento anterior à denúncia, repristinada pela Lei nº 9.249/95, art. 34, reportava-se, tão somente aos “… crimes definidos n Lei nº 8.137 … e na Lei nº 4.729 …”, sendo omissa quanto à sonegação previdenciária(v.g., art. 95, ‘d’ da Lei nº 8.212/91), aplicada, contudo, por analogia, também ao INSS.

Agora, simples contrario sensu. O próprio “caput” do art. 1º da Lei nº 8.137/90 enuncia “contribuição social”, lembrando-se que a Receita Federal arrecada, administra contribuições sociais destinadas à Previdência Social(art. 195, I, ‘b’, da CRFB) a exemplo do FINSOCIAL, COFINS, etc.

No Governo Lula, tão logo chegado ao poder, catapultado pelo brioso desfraldar da bandeira da moralidade/probidade, promoveu a maior anistia, “abolitio criminis”, esbórnia da impunidade, já obsequiada aos sonegadores na história do Brasil.

Se não sensibilizou-lhe a delinqüência contra o erário, no mínimo, o Partido dos Trabalhadores poderia comover-se com os trabalhadores da nobre Advocacia Criminal, em massa desempregados com a medida.

Freudianamente, recebeu o epíteto de PAES(Parcelamento Especial – Lei nº 10.684/03). Até as “mães” restariam constrangidas em outorgar tamanha leniência à dileta prole sonegadora.

Tamanho o prurido abolicionista que, embora a Lei nº 10.684/03 não tenha contemplado a pessoa física, apenas a jurídica, de imediato, a Receita Federal, arrogando-se poderes legislativos, estendeu o benefício também aos sonegadores da pessoa física.

Reeditando suspensão da persecutio criminis pelo parcelamento, foi-se além, muito além, excluída a limitação anteriormente salvaguardada, qual seja, aplicação restrita às sonegações ainda não objeto de denúncia pelo Parquet recebida pelo Judiciário(art. 9º da Lei nº 10.684/03), de forma que o inexorável efeito retroativo da “lex mitior”(art. 5º, XL, “in fine”, da CRFB) sepultou todas as persecuções pretéritas(“sic”).


Louvável esforço pela probidade argumentará que o benefício restringe-se aos parcelamentos da Lei nº 10.684/03.

Lamentavelmente, todavia, improcede.

Primeiro, a própria norma, explicitamente, contempla todas as espécies de parcelamentos anteriores(art. 1º, §1º), incluindo o refis(art. 2º), que homiziou toda espécie de sonegação(v.g., fraudes da Lei nº 8.137/90, arts. 1º e 2º, contra a Previdência Social, incluindo a retenção das contribuições descontadas dos segurados, etc.).

Segundo, elementar aplicação da analogia “in bonam partem”, isonomia(art. 5º, “caput”, da CRFB), onde existe a mesma razão fundamental prevalece idêntica regra de direito(“ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio”), implicaria estender o benefício.

Lembre-se, uma vez mais, que essa fundamentação fez aplicar a extinção da punibilidade também à sonegação previdenciária, situação não referida pelo Legislador, que limitara-se à sonegação fiscal(art. 34 da Lei nº 9.249/95).

Portanto, apesar de, como explicitam as razões dos vetos da Presidência da República à Lei nº 10.684/03, tenha-se buscado excluir do PAES a apropriação previdenciária, para efeitos criminais, não operou-se a restrição.

De sólido, remanesce a argüição de inconstitucionalidade dessa escandalosa “abolitio criminis” da Lei nº 10.684/03, deduzida pelo notável Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fontelles, podendo ser suscitada também incidentemente, na respectiva ação penal, pela Acusação.

Tamanha a absurda e inesgotável pletora de favorecimentos aos sonegadores, que o debate sobre diversos institutos penais torna-se bizantino, inútil, platonicamente circunscrito à especulação acadêmica.

Casos típicos são a tentativa, desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior(arts. 14, II, 15 e 16, do CP), somados à prisão em flagrante(arts. 301 a 310 so CPP c/c arts. 337-A do CP, art. 1º da Lei nº 8.137/90, etc.).

Se mesmo à sonegação consumada basta simplória confissão à impunidade(v.g., art. 337-A, §1º, do CP), prejudicada qualquer relevância à tentativa, desistência ou arrependimento.

Ao invés de estimular a desistência e arrependimento brandindo a punição, estimula-se a consumação garantindo a anistia/impunidade.

No que refere à prisão em flagrante, identicamente. Afora aquelas intermináveis hipóteses de extinção da punibilidade, estando a ação penal condicionada ao encerramento do processo administrativo-fiscal(STF, HC 81611/DF, 10.12.03, Informativo do STF nº 333), “a fortiori”, obstada qualquer ação repressiva do Estado imediata ao fato.

Não bastassem as pródigas benesses aos sonegadores quando em curso a pretensão punitiva, aos que ainda assim tiverem a desventura de serem condenados, o Executivo, quando da pretensão executória, via indulto, obsequia-os, outorgando extinção da pena mediante cumprimento de apenas a metade das já afáveis sanções alternativas(v.g., art. 1º, VI, do Decreto nº 4.495/02)

Ao tempo em que a Lei de Responsabilidade Fiscal, norma com “status” de lei complementar, prega no deserto, repetindo, à exaustão, a imperiosa necessidade de combate à sonegação(arts. 13, 53, §2º, II e 58 da LC nº 101/00), “conditio sine qua non” a que o Estado Brasileiro cumpra suas graves responsabilidades sociais para com a coletividade mais desigual do planeta, via lei ordinária, da forma mais ordinária e irresponsável possível, promove-se a orgia da impunidade.

De sua parte, o Poder Judiciário também faz-se presente com substanciosas contribuições.

Uma delas é a notificação do denunciado antes do recebimento da exordial, assinando(oportunizando) prazo ao sonegador para quitar(parcelar) o débito, “sob pena de recebimento da denúncia”(STJ, Rec. Esp. nº 79.506/DF, DJU 03.08.98, p. 332 – TRF/4ª, Correição Parcial 96.04.60025-7/RS, DJU 14.11.96).

Nesse diapasão, deduzida imputação por estupro, tendo em conta o benefício extintivo da punibilidade(art. 107, VII, do CP), o Judiciário também poderia notificar o acusado a casar-se com a vítima. Coroando o teatro do absurdo, na hipótese de negativa da ofendida, caberia fazê-la conduzir ao altar sob vara!

A principal contribuição do Judicário, entretanto, adveio da Suprema Corte, determinando que a ação penal fica condiconada ao encerramento do processo administrativo-fiscal (STF, HC 81611/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 10.12.03, Informativo do STF nº 333).

O STF fez da instância administrativa (Conselho de Contribuintes, Câmera Superior de Recursos Fiscais, Ministro da Fazenda – Decreto nº 70.235/72) a suprema corte fiscal e criminal do colarinho branco!!!

Tamanha aberração, que a própria instância administrativa, no âmbito cível, exigibilidade do tributo – “a fortiori”, criminal, óbvio monopólio da Justiça – consagra soberania ao Poder Judiciário, “verbis”:


Tendo o contribuinte optado pela discussão da matéria perante o Poder Judiciário, tem a autoridade administrativa o direito/dever de constituir o lançamento, para prevenir a decadência, ficando o crédito assim constituído sujeito ao que vier ali ser decidido. A submissão da matéria à tutela autônoma e superior do Poder Judiciário, prévia ou posteriormente ao lançamento, inibe o pronunciamento da autoridade administrativa sobre o mérito da incidência tributária em litígio, cuja exigibilidade fixa adstrita à decisão definitiva do processo judicial.”(1º Conselho de Contribuintes, 1ª Câmara, Relatora Sandra Maria Faroni, Recorrente: Votorantim Celulose e Papel S/A, Processo nº 1.3808.005510/98-06, Recurso nº 136151, sessão de 04.12.03. – grifou-se).

Pelo STF, em favor do sonegador, cabe a tutela do Poder Judiciário. Em favor da defesa social, iniciativa que a Carta Magna outorgou o Ministério Público, não. Deve-se subordinação à instância administrativa.

Em suma, para os delitos de “mão pobre” – v.g., furto, etc. – quem diz o direito é o Judiciário. Para os de “mão rica”, colarinho branco, é o Órgão Fiscal.

Miserável Justiça que justiça apenas os miseráveis!!!

Órgão julgador fiscal que é a negação da imparcialidade, precisamente o maior atributo de qualquer magistratura digna de nome.

Os conselhos de contribuintes são compostos, paritariamente, por Procuradores da Fazenda e Procuradores dos Contribuintes(autuados/sonegadores).

Basta consultar o andamento processual: www.conselhos.fazenda.gov.br, pesquisando pelo nome do autuado(“contribuinte”), especialmente junto ao 1º Conselho de Contribuintes, o de competência mais extensa.

Grandes grupos econômicos(v.g., Odebrecht, Gerdau, Itaú, Bradesco, Votorantim, Parmalat, Golden Cross, etc.) tem extensa ficha processual, várias autuações mais que decenais, inúmeras qüinqüenais.

Grandes empreiteiras que formaram impérios econômicos mercê de contratações com o Poder Público, como Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, são presença perpétua nas delongas administrativas, consoante exemplificam processos instaurados há mais 12 anos, ainda pendentes(v.g., 13805.002745/92-45 e 13805.002746/92-6 da Camargo Corrêa).

Ícones do mundo político, sempre às voltas com imputações de improbidade, como o ex-Prefeito e Governador de SP, Paulo Salim Maluf(Processo nº 10410.000441/93-14, instaurado em 1993, permanecendo mais de 08 anos apenas na instância recursal), o ex-Senador da República Luiz Estevão de Oliveira Neto(Processo nº 10166.010690/96-64, instaurado em 1996, julgado no final de 1998), o ex-Presidente da República Fernando Affonso Collor de Mello(Processo nº 14052.005713/94-59, instaurado em 1994, berm assim o espólio de sua mãe, Leda Collor de Mello, instaurado também em 1994), a Construtora OAS Ltda, vinculada à família do Senador da República Antônio Carlos Margalhões, etc., todos têm presença cativa nas instâncias hierárquicas do Executivo, Poder sempre audível aos seus interesses.

Paulo César Cavalcante Farias, o PC Farias – lembram dele, caixa-preta da corrupção na era Collor, que expirou suicidado pela perícia do Médico Legista Badan Palhares?!? -, talvez como preito de homenagem aos serviços em favor da Pátria, “in memoriam”, não sonegou-se gaveta à sua sonegação, processo instaurado ainda em 1993, remanescendo mais de 08 anos apenas na instância recursal.

Possivelmente, aguardando que o inferno ateste a purgação dos não poucos pecados do “Morcego Negro”. Não ter delatado os comparsas, o maior deles!

Paulo Octávio, ora Senador da República, titular das maiores fortunas de Brasília, íntimo de Fernando Collor, juntamente com o ex-Senador Luiz Estevão, avalista da farsa “Operação Uruguai”, simulação de milionário e papainolesco mútuo pretextadamente outorgado por instituição uruguaia, visando justificar origem de pecúnia imunda para safar-se do “impeachment”, também é cliente assíduo da instância rcursal (v.g., Processo nº 10168.002148/95-55, instaurado em 1995, até hoje pendente de julgamento definitivo).

Paulo Octávio, que já brilhara na altiloqüente reportagem da Revista Veja, 20.11.00, “BANCADA DA PREVIDÊNCIA”, expondo algumas das milionárias sonegações previdenciárias de Parlamentares, da dele, Paulo Octávio: R$ 20 milhões, José Sarney Filho: 8,5 milhões, Jader Barbalho: R$ 8,2 milhões, etc.

Isto tudo, sem olvidar que, uma vez julgados pelo Conselho de Contribuintes, ainda não estará exaurida a instância administrativa, cabendo recursos à Câmera Superior de Recursos Fiscais e ao próprio Ministro da Fazenda(arts. 25, §4º, e 26 do Decreto 70.235/72)

Mais! O registro é da instauração do processo pela fiscalização.


Os fatos examinados, contudo, são obviamente anteriores, chegando ao extremo do qüinqüênio decadencial.

Verdade que inúmeros processos são julgados em tempo razoável pelo Conselho de Contribuintes, dele não podendo ser subtraído os evidentes méritos. O vício essencial não está no órgão fiscal, sim na esdrúxula subordinação do Poder Judiciário à instância administrativa.

Muitos dessas decisões relativamente céleres do Conselho de Contribuintes, entretanto, são de interesse dos autuados: a) improvendo recurso “ex officio” do acolhimento da impugnação em 1ª instância; b) provendo postulações do contribuinte, como a restituição de tributos alegadamente pagos indevidamente

Além disso, de referir o retardamento de incidentes judiciais, valendo observar que normas obstaculizadoras de provocação do Judiciário nesta fase ainda administrativa, a exemplo da que implica renúncia ao contencioso administrativo(art. 38, §único, da Lei nº 6.830/90), tem sua constitucionalidade discutida(STF, Rec. 389893, Rel. Min. Marco Aurélio, 28.10.03, Informativo do STF nº 327)

Igualmente a garantia recursal, cuja medida provisória estabelecera o depósito em dinheiro, na conversão(Lei nº 10.522/02), fixou-se o requisito de simples arrolamento(garantia, preferencialmente imobiliária) limitado a dois parâmetros: a)30% da autuação; b)30 % do patrimônio na hipótese daquele ser maior do que este(art. 33, §2º, do Decreto 70.235/72).

Despiciendo lembrar que o colarinho branco, à sua imunidade, sempre terá disponibilidade de arrolar 30% dos 100% que amealhou.

De toda sorte, até essa pífia exigência tem sua constitucionalidade contestada(STF, Rec. Extr. 389.383-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Informativo do STF nº 323).

Exaurida a interminável instância administrativa, ainda assim nada garante a “persecutio criminis”: a) provido recurso do autuado, extingue-se; b) improvido, não obstante presente provas de sonegação, o órgão fiscal pode excluir a representação ao Ministério Público.

Nesta hipótese, caberá ao Parquet, “per fas et per nefas”, saber da autuação, valendo-se de seus poderes requisitórios(STF, ADI 1.571/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 10.12.03, Informativo do STF nº 333), para, finalmente, encetar a persecução.

Chegado ao Ministério Público, ora ex-titular da ação penal(“sic”), tendo em conta que, segundo o STF, revogado está o art. 129, I, da CRFB, uma vez que compete ao órgão julgador fiscal dizer da persecução ou não, iniciará outro périplo: inquérito policial, ação penal com inúmeros recursos e intermináveis instâncias, etc.

Acaciano lembrar que a sonegação consuma-se quando do fato gerador, sendo o lançamento puramente declaratório(“ex tunc”) da obrigação e constitutivo do crédito tributário, requisito apenas da exigibilidade pecuniária(“ex nunc”), sem qualquer relação com o delito.

A pretensa compensação outorgada pelo STF à defesa social, decidindo pela suspensão do curso prescricional enquanto não encerrado o processo administrativo, sob a invocação da máxima de que não se pode opor a prescrição a quem é incapaz de agir(“contra non valentem agere non currit praescriptio”), “in casu”, o Parquet, é írrita.

Primeiro, sabidos os rigores das garantias fundamentais no âmbito penal, o STF inova, criando causa de suspensão da prescrição inexistente na lei.

Segundo, o tempo é soberano, não dobrando-se à jurisdição de qualquer corte. Não há como elucubrar hipóteses suspensivas do curso do tempo!

Terceiro, não é o tempo que passa! As pessoas e os fatos é que passam! O objeto das ações criminais, por sua vez, são os fatos praticados por pessoas! Se intermináveis anos de tramitação processual fez os fatos e as pessoas passarem, passou, precluiu, sucumbiu, identicamente, a própria “persecutio criminis”.

Sobre a “ratio essendi”, justicação ontológica da prescrição, inexorável efeito do tempo nas pessoas, fatos e Sociedade, enfim, no processo, preciosa fundamentação de Aníbal Bruno, “verbis”:

O tempo que passa vai alterando os fatos e com estes as relações jurídicas que neles se apóiam. E o Direito, com seu senso realista, não pode deixar de atender a essa natural transmutação das coisas.

A indignação pública e o sentimento de insegurança que o crime gerou amortecem com o decorrer dos anos, do mesmo modo que atenua a revolta e exigência de justiça dos ofendidos. Assim também, com o tempo, vai-se mudando o réu em outro homem, esquece ou deforma a imagem do seu crime, e a pena, quer como instrumento de expiação, quer como instrumento de emenda, já não encontrará o mesmo sujeito como saiu, com sua culpa, da prática do delito, para nele aplicar-se com eficácia e justiça. Perde a pena o seu fundamento e os seus fins, e assim se esgotam os motivos que tinha o Estado para a punição.

Além disso, o fato cometido foi-se perdendo no passado, apagando-se os seus sinais físicos e as suas circunstâncias na memória dos homens, escasseiam e se tornam incertas as provas materiais e os testemunhos e assim crescem os riscos de que o juízo que se venha a emitir sobre ele se extravie, com grave perigo para a segurança do Direito”(Direito Penal, Forense, 1978, Tomo III, p.211).

Qual o insano Magistrado(a) que, passados 10, 15, 20, 25 … anos da sonegação(“sic”) – até porque quase impossível que nesse período não opere-se uma das inúmeras causas extintivas da punibilidade, irá encontrar justificativa para fazer aplicar a sanção penal?!?

Em resumo, fosse o STF a Suprema Corte dos EUA à época de Al Capone, o gangster jamais teria sido preso. Estaria aposentado muito antes de ser sequer acionado “in juditio”, ainda “sub judice” do Conselho de Contribuintes.

Em última análise, somadas às benesses legais outorgadas pelo Legislativo e Executivo ao sonegador, esta decisão do STF faz do contribuinte probo, que honra suas obrigações tributárias, um perfeito idiota! “Eremildo, o idiota”, diria o jornalista Elio Gaspari!!!

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