Crise permanente

Crise nas carceragens policiais não será resolvida com promessas

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29 de março de 2004, 10h41

Na noite de 28 de março de 2004, a imprensa (Folha on-line) divulgava que “vinte e cinco presos escaparam na manhã deste domingo da carceragem da delegacia de Francisco Morato, na Grande São Paulo. Segundo a polícia, os presos fugiram por um buraco no teto da cela. A carceragem tem capacidade para 25 presos, mas está superlotada e abrigava, antes da fuga, 130”.

Nada de estranho, já que a média da população nas carceragens de São Paulo, há vários anos, se encontra na taxa de cinco presos ocupando o lugar em que somente um poderia ficar recolhido. Na véspera desta fuga, o jornal “O Estado de São Paulo” relembrava que o Tribunal de Justiça havia determinado o esvaziamento da carceragem do 37º DP onde 202 presos ocupavam 30 vagas.

Estas ordens judiciais vem se sucedendo há meses sem que o problema seja resolvido, constando que esta é a sétima carceragem que vem a ser objeto deste tipo de interdição, estando pendentes de análises outros 19 processos semelhantes.

Em janeiro de 2003, o Governador do Estado concedia entrevista à imprensa afirmando que este problema estaria resolvido até o fim de 2004 mediante a construção de mais centros de detenção provisória. Em setembro de 2003, todavia, no site do Ministério da Justiça constava que São Paulo estaria com um déficit de 43.659 vagas, enquanto que em todo o território nacional, as vagas em construção mediante convênios com a União Federal somariam o total de 16.176.

A concretização das promessas, com certeza, já está sendo adiada, eis que, o mesmo Governador, em fevereiro de 2004, ou seja, um ano depois, vem anunciar à imprensa (Diário de São Paulo) que os presos que estão nas carceragens dos distritos policiais vão ser aspirados para centros de detenção provisória que vão ser criados mediante a reforma das penitenciárias compactas de Guarulhos e Franco da Rocha. Isto, contudo, só vai ocorrer, depois que se construam seis novas penitenciárias que vão abrigar os detentos que hoje estão nestas unidades.

Para tal construção, o governo estadual afirma que está iniciando a licitação. Tendo em vista que a construção destas penitenciárias tem demorado cerca de dois anos e a licitação está prevista para demorar sessenta dias, bem se vê pode observar que o mais provável é entrarmos em 2005 com novas promessas semelhantes sendo anunciadas nas mesmas entrevistas permanentemente repetidas.

O resultado deste impasse é o absoluto estado de caos reinante neste território. Abarrotadas de presos, as delegacias se vêem com dificuldades de realizar o trabalho de investigação. Fica comprometida a segurança dos distritos e da população em torno, em face das corriqueiras tentativas de fuga e atrevidos ataques a estes depósitos de presos. Os encarcerados amontoam-se num espaço compacto e insalubre, expostos a todo o tipo de doenças e violências, em lugares sem a menor condição de higiene e segurança.

No entanto, há anos que este problema desafia a consciência pública, sendo que o seu agravamento chegou a um ponto tão exacerbado que passou a ser denunciado pela imprensa e mereceu a ação da Corregedoria no sentido de promover a ordem de interdição de carceragens.

Diante deste cenário de tragédia, o governador faz os seus discursos anuais de proclamação de solução para os anos vindouros, as entidades de direitos humanos vão se repetindo em suas denúncias e o governo federal continua impávido a sua busca pelo superávit primário, reduzindo as verbas que ano a ano vinham sendo alocadas para a construção de novas vagas.

A Secretaria Especial de Direitos Humanos criada pelo chamado Governo Popular não tem olhos para este problema e o Ministério da Justiça não consegue verbas que possam influir na alteração do quadro aqui descrito. Dentro do sistema penitenciário, todos sabem que a taxa de crescimento da população carcerária vai se incrementando diariamente numa proporção de cinco inclusões para cada três exclusões. A marcha da miséria do cárcere ocorre em passo tão acelerado como a cadência do crescimento do crime.

Tais ignomínias violam a legislação brasileira e as regras mínimas prisionais da Organização das Nações Unidas. Demonstram que esse é um país com duas Constituições. Aquela de papel que só existe em nossos sonhos e nos livros de Direito e aquela real que tem a face e as dimensões do Orçamento através do qual os governantes revogam na prática a carta política.

A persistir esta paralisia encoberta por silêncios federais e promessas estaduais que não se cumprem, com certeza, é preciso que nos preocupemos. Com certeza, dias piores virão.

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