Dedo na cara

Ex-chefe do FBI no Brasil é interpelado pelo Ministério Público

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25 de março de 2004, 17h36

O procurador da República Luiz Francisco Fernandes de Souza convidou, nesta quinta-feira (25/3), o ex-chefe do FBI no Brasil, o português Carlos Costa, para prestar depoimento sobre sua entrevista à revista Carta Capital. Em entrevista ao jornalista Bob Fernandes, Costa dava detalhes de como o governo americano controla a Polícia Federal brasileira e ainda sugere que o governo americano teria grampeado os telefones da cúpula do governo brasileiro, no Palácio da Alvorada (residência oficial da Presidência da República) e do Itamaraty.

O depoimento ocorre na próxima terça-feira (30/3), às 14h, no gabinete de Luiz Francisco, em Brasília. O procurador também quer saber para quem o governo americano destina a soma anual de US$ 5 milhões, para que o Brasil combata o narcotráfico. Além desta informação, Luiz Francisco quer saber de Carlos Costa informações sobre a Conta Cobra – nome que vem da aglutinação de Colômbia-Brasil. Policiais federais envolvidos no combate ao narcotráfico têm revelado que boa parte do dinheiro que a DEA manda ao Brasil, além desses US$ 5 milhões, chegaria ao Brasil pela Colômbia, justamente pela conta Cobra.

Em 10 de outubro de 2003, Luiz Francisco Fernandes de Souza encaminhou já havia encaminhado recomendação ao diretor da Polícia Federal, delegado Paulo Lacerda, para que tornasse públicas as movimentações da conta secreta número 284.002-2, agência 3476-2, do Banco do Brasil. Esta conta, de Brasília, vem sendo alimentada pela DEA, a toda-poderosa agência norte-americana de combate mundial ao narcotráfico.

Essa conta secreta é movimentada em ações sugeridas pelo governo dos Estados Unidos, sem o conhecimento do Senado, da Controladoria, do TCU e do MPF, segundo ele. “Tomara fossem US$ 50 milhões e não apenas US$ 5 milhões, mas que entrassem no orçamento da República, e não caíssem direto na conta de agentes da PF. Temo que essa verba se transforme num grande sistema de grampos que envolva até a CIA”, alertou Luiz Francisco.

Leia a íntegra da recomendação

OFÍCIO/MPF/PRDF/LF Nº 284

Brasília DF, 09 de outubro de 2003.

Senhor Diretor,

A PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL, pelo membro que abaixo subscreve, vem, respeitosamente, expor e apresentar recomendação para que sejam adotadas as providências elencadas no final do texto.

A fundamentação jurídica para este ofício consta no art. 6º, inciso XX, da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993: “Art.6°. Compete ao Ministério Público da União: XX -expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis”. (grifo nosso)

DOS FATOS

As revistas “Istoé” e “Carta Capital” noticiaram a existência de fundos secretos, mantidos por governos estrangeiros para pagar atividades policiais no território nacional. Há notícias que a CIA e outros órgãos do governo americano pagaram instrumentos de escuta telefônica para órgãos da Polícia Federal. E que a CIA e a ABIN mantêm amplos acordos e atividades comuns.

Esta Procuradoria recebeu a denúncia que o setor de combate a entorpecentes da Polícia Federal mantém uma conta corrente secreta número 284.002-2, agência 3476-2 do Banco do Brasil – alimentada pelo DEA – Drug Enforcement Administration. Há notícias que somente este ano foram movimentados cinco milhões de dólares. Estas notícias foram confirmadas pelo próprio delegado Getúlio Bezerra e pelo Coordenador-Geral de Polícia de Repressão a Entorpecentes, Ronaldo Urbano. Fundos secretos sem a fiscalização do Senado, da Controladoria, do TCU, do MPF e sem publicidade são totalmente inconstitucionais e ilícitos.

Não é possível admitir que servidores públicos sejam pagos por governos estrangeiros com prestação de contas à Embaixada dos EUA. É salutar a existência de acordos entre nosso governo e outros países, mas os recursos devem ser inseridos no Orçamento Geral da União e no QDD. Devem ser fundos públicos e nunca fundos secretos.

Fundos secretos e clandestinos controlados pela Embaixada dos Estados Unidos da América, geram um orçamento paralelo e sigilo, um governo invisível sob o controle dos EUA, o que fere a soberania nacional.

O culto ao segredo (omertà) é próprio da Máfia e nunca pode ser admitido num Estado Democrático de Direito. Fundos secretos, sob o comando de um governo estrangeiro, com prestação de contas unicamente a Embaixadas, não são constitucionais. A Constituição prevê a publicidade dos atos estatais e o controle pelo povo (via Parlamento e TCU) dos gastos públicos.

É absurdo permitir a continuidade de um fundo com gastos sem licitação, sem concurso, sem prestação de contas ao TCU, sem o crivo da Controladoria e do MPF. A transparência é o antídoto da corrupção e da usurpação da soberania popular e nacional. O MPF não pode aceitar despesas sem prévia dotação orçamentária, sem inclusão no Orçamento Geral da União e no QDD.

Mesmo o acordo de 1995 exige “memorandos de entendimento” prévios detalhando as operações, metas, estimativas de recursos em dólares e em reais e equipamentos. No entanto, pelo que o MPF soube, sequer este procedimento é adotado na maioria das operações. São secretas e, assim, são ilícitas e ainda ocasiões perfeitas para corrupção, traição etc.

Assim, esta Procuradoria, julgando de boa prudência e tendo como marco delimitatório o ordenamento jurídico, RECOMENDA:

1. A imediata regularização destes gastos com a inclusão dos recursos no Orçamento Geral da União e que todos os gastos que já foram realizados, desde 1995, sejam enviados ao TCU para a devida prestação de contas.

Nos termos do art. 6º da Lei Complementar nº. 75, Vossa Excelência deve dar imediato cumprimento a esta recomendação ou fornecer explicações sobre o não cumprimento.

Atenciosamente,

Luiz Francisco F. de Souza

Procurador da República

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