Propriedade intelectual

Popularização da Web agrava problema da pirataria, dizem especialistas.

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22 de março de 2004, 16h00

A pirataria — no Brasil e no mundo — foi tema de um evento promovido nesta segunda-feira (22/3) no Ministério da Fazenda, no Rio de Janeiro, pelo Consulado americano e pela Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI). O maior número de reclamações no ano passado foi contra a pirataria de filmes — 2.995. No mesmo período, 14 réus foram condenados a penas de 12 a 18 meses de reclusão.

Os palestrantes, por unanimidade, concluíram que os consumidores são os principais responsáveis pelo problema. Outro consenso foi o de que o problema vem se agravando com o crescimento da acessibilidade das populações aos recursos da Internet. Para os palestrantes, há uma ligação direta entre o narcotráfico, o tráfico de armas e até mesmo o terrorismo e a pirataria. Muitos dos expositores do evento defenderam a classificação da pirataria como crime contra a humanidade em vez do atual patamar de crime brando.

Segundo o superintendente da 7ª Região Fiscal da Receita Federal, César Augusto Barbiero, a troca de arquivos pela Internet no Brasil tem um agravante legal para o problema da pirataria, que o torna quase sem solução. “O dispositivo inserido à Constituição (artigo 5º, inciso XII), que garante direito à privacidade e sigilo nas comunicações, impede a investigação. A lei brasileira garantiu um direito absoluto de privacidade, que não pode ser quebrado nem por ordem judicial. Como atacar isso? Poderíamos tentar interceptar mensagens, mas seria um abuso de poder e uma prova judicial ilegal – portanto, inválida”, comentou.

De acordo com Barbiero, foram apreendidas 91,5 milhões de toneladas de produtos pitaras decorrentes de importação no último ano. O valor dessas mercadorias foi avaliado em cerca de R$ 47,24 bilhões. Já com destino à exportação teriam sido apreendidos 295,1 milhões, no valor de R$ 60,36 bilhões. Em entorpecentes, a apreensão foi de 1.650 kg de cocaína, 1.963 kg de maconha, 1.308 frascos de lança-perfume, 45 mil ampolas e 10 mil comprimidos anabolizantes. Ao todo foram 392 milhões de apreensões — entre as principais estão eletrônicos, cigarros, bebidas, vestuário e CDs –, com 69 prisões relacionadas ao tráfico de drogas e nenhuma prisão relacionada ao crime de Propriedade Industrial. Foram 6,5 mil denúncias para crime relacionado ao comércio exterior e 26 mil processos instaurados.

A procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Sumaya Therezinha Helayel, lembrou que já foi estabelecida a coincidência entre as rotas do tráfico de entorpecentes e as rotas do contrabando de produtos falsificados. Para ela, os crimes de pirataria são correlatos com outros tipos de crimes. Ela também afirmou que há toda uma rede organizada por trás do contrabando de mercadorias pirateadas.

“Eles se dividem em portadores, fabricantes, depósitos, rede de distribuição e vendedor final. Ressalto que já se constatou que para cada dois pares de tênis vendidos no País, um é falsificado. Um terço dos cigarros vendidos, são falsificados. Há que se atentar a essas proporcionalidades, mesmo porque, cada produto falsificado ou roubado vendido representa um produto do mercado formal que deixou de ser vendido. Assim, deixa-se de arredar impostos. E deixando de arrecadar impostos, deixa-se de repassar recursos e benefícios à sociedade. Vê-se, portanto que, tanto o contrabandista quanto o vendedor ambulante, não comete crime apenas contra o fabricante, contra a propriedade intelectual ou industrial, mas contra toda a sociedade. Além disso, há uma enorme incidência de falsificação de remédios e peças de motores, o que gera grande risco a diversas vidas. Então, esse tipo de crime não pode continuar a ser visto pela Justiça como um crime inferior”, disse Sumaya.

O americano Bruce Lehman, presidente do Instituto Internacional de Propriedade Intelectual (IIPI), também criticou o sistema legal e judicial brasileiro no combate ao crime de pirataria, e até mesmo o descaso do Governo com o INPI. “É essencial, se você quer ter uma economia baseada na propriedade intelectual — ou seja, uma cultura industrial e tecnológica — ter um instituto governamental para apoiar o setor de produção”, afirmou Lehman. Ela falou também sobre a indústria fonográfica e o problema do partilhamento de arquivos via Internet.

Segundo Lehman, a troca virtual já representa 9,5% da pirataria de música no Brasil – “é claro que nos Estados Unidos, onde se tem maior acesso da população à rede, os números são bem mais elevados”. Ele reclamou ainda da demora da Justiça em proceder nos crimes contra a propriedade intelectual. Outros números trazidos por ele foram de que as vendas no mercado da música caíram em 25% em 2003, e 60% na soma dos últimos cinco anos. A estimativa seria de redução de 55 mil empregos no País, devido a essa queda.

Lehman apresentou também dados sobre o andamento de processos de pirataria no Brasil. De acordo com o presidente do IIPI, em 2003 foram:

– na música: 190 reclamações listadas, 1.018 ações conduzidas, 29 casos suspendidos ou cancelados, oito réus condenados e sentenças de penalidades mínimas aplicadas;

– nos filmes: 2.995 reclamações listadas, 2.995 ações conduzidas, 23 casos suspendidos ou cancelados, quatorze réus condenados e sentenças com penas de 12 a 18 meses de reclusão;

– nos softwares: 351 reclamações listadas, 175 ações conduzidas, nenhum caso suspendido ou cancelado, mas também nenhum réu condenado e nenhuma sentença.

O presidente da ABPI, Gustavo Leonardos, lembrou que não houve até hoje sequer um cidadão no Brasil que tenha sido privado de sua liberdade por cometer crime contra a propriedade industrial. A sonegação de impostos a esse respeito chegaria a valores entre R$ 10 bilhões e R$ 30 bilhões.

“Não há sentido para o réu em um processo de crime de contrabando e pirataria de mercadorias se apoiar no argumento de que não deve ficar recluso por não representar um perigo para a sociedade. Hoje em dia já se sabe que há uma ligação direta entre a pirataria e o tráfico, de narcóticos e de armas. E a Interpol já descobriu ligação até mesmo com as redes de terrorismo”, finaliza o advogado Gustavo Leonardos.

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