Parmalat Brasil

Advogados afirmam que não há transparência em contas da Parmalat

Autor

9 de março de 2004, 16h58

Os advogados que representam grupos interessados na compra da Parmalat Brasil perderam o entusiasmo com a tarefa. “Não há um mínimo de transparência nas contas da empresa”, desabafa um deles. “Isso inviabiliza qualquer negócio”.

O que o advogado chama de “falta de transparência” esconde opinião menos prudente. Os operadores jurídicos suspeitam que o mistério em torno das contas da Parmalat esconde um sumidouro de dinheiro brasileiro destinado a irrigar contas clandestinas em diferentes pontos do planeta.

“Isso não depõe contra a Itália”, atesta uma das autoridades brasileiras encarregadas de tirar a limpo essa situação. “Eles estão furiosamente interessados em punir essas falcatruas”, afirma. Até onde se percebe, a Itália e o Brasil perderam com as transações investigadas. Resta saber quem ganhou com isso.

Ao depor perante a justiça italiana, o ex-poderoso chefão da Parmalat, Calisto Tanzi não escondeu que, para erigir o sistema montado no Brasil, o caminho foi lubrificado com propinas a autoridades públicas e doações eleitorais a políticos, o que foi confirmado pelo ex-diretor financeiro da mega-empresa, Fausto Tonna que, sem meias palavras, declara em seu depoimento que “contribuições” eram pagas a dirigentes políticos de diversos países sul-americanos, incluindo o Brasil.

A essa altura tornou-se óbvio que a Parmalat, o grupo Círio, Tecnosistemi e demais empresas ligadas à TIM (Telecom Itália Móbile) e a própria Telecom Itália, têm mais traços em comum, além da nacionalidade. O que foi tomado, inicialmente, como um exagero do juiz que trata da quebradeira em série, o titular da 42ª Vara Cível de São Paulo, Carlos Henrique Abrão, parece configurar-se: algumas empresas italianas aproveitaram as oportunidades abertas no mercado brasileiro para aqui se instalarem e, por vias tortas na base do suborno e da propina, fazerem dinheiro fácil para tirá-lo do país em seguida. Ou seja, teriam lesado governo, consumidores e prestadores de serviços, com o uso do artifício do “caixa 2” gerado por suas empresas satélites. Ainda que, para isso, tenha sido necessário forjar uma quebradeira geral. A confirmação do suborno é evidência viva da prática da existência de contabilidade paralela.

Em entrevista à revista Exame, o empresário e executivo Gianni Grisendi — ex-presidente da TIM e da Parmalat, que foi também sócio-fundador das polêmicas que tentam posar apenas de fornecedoras da TIM, a Tecnosistemi e a Eudósia com suas coligadas, mas que acompanham a “nave-mãe”no mundo todo — confirma a conexão. “Constituí legalmente essas empresas no Brasil a pedido de Calisto Tanzi e de Mario Mutti”, admitiu ele, com candura, em entrevista à Exame. Mario Mutti foi quem comandou a Tecnosistemi na Itália à época em que a empresa quebrou, simultaneamente, em diferentes países. Fontes próximas às investigações em curso são categóricos em afirmar que, diferente do que foi divulgado em público, a comprovação de sociedade entre a TIM, do Grupo Telecom Itália, e Tecnosistemi é apenas questão de tempo.

Na contabilidade da Parmalat já se constatou a existência de registros de negócios com a Eudósia, a outra empresa-satélite da TIM no Brasil.

Para a associação que representa as empresas brasileiras que tiveram de engolir um calote de alguns milhões por parte das satélites da TIM, a Abeprest (Associação Brasileira das Empresas Prestadoras de Serviços em Telecomunicações), a expressão que melhor traduz o relacionamento entre essa empresas primas é “incesto empresarial”. O presidente da associação, Herold Weiss, acrescenta que o fato de não haver vínculo formal entre as empresas não elimina a hipótese de que a intimidade entre essas empresas vá muito além do relacionamento entre contratadas e contratantes. Um indício dessa situação, aponta, é o fato de as empresas terem dispensado a necessidade de contratos entre elas — uma prática estranha no mercado”. As coligadas da Tecnosistemi e Eudósia trabalhavam com a TIM sem ter contrato assinado, revelou Cláudio Rafaelli, executivo que dirigia sete das empresas satélites “São relações que vêm da Itália”, informou ele.

A relação familiar nesse universo não se limita à metáfora. Pelo que apura a justiça italiana, além dos executivos que atendiam cada empresa no sistema de rodízio, as práticas de cada uma espelhavam-se na outra. Assim, enquanto no Brasil patrocinaram-se times como o Palmeiras e outros menos cotados, na Itália, criaram-se fundos de entidades desportivas. Essas operações movimentaram cifras exorbitantes, para corrupção e via “caixa 2”, numa trama complexa que está dando trabalho à justiça, inclusive italiana, para ser desvendada.

O Congresso brasileiro quer apurar essas várias histórias. O deputado Abelardo Lupion (PFL-PR), que integrará a Comissão Parlamentar de Inquérito destinada ao caso Parmalat, disse que serão convocados para depor todos os envolvidos, inclusive executivos de empresas italianas como a Telecom Italia e a Bombril, apontadas pelo juiz da 42ª Vara Cível de São Paulo, Carlos Henrique Abrão – o mesmo que decretou intervenção na Parmalat –, de terem efetuado operações suspeitas no Brasil, incluindo fraudes e lavagem de dinheiro. “Vamos verificar se essas empresas, como a Telecom Italia e a Bombril, também usaram o Brasil para esquentar dinheiro”, afirmou.

Antecedentes Criminais

Em paralelo às graves acusações envolvendo os grupos italianos Círio, da Bombril, e Parmalat, já vastamente divulgados, há investigações de corrupção envolvendo a Telecom Itália, e seus sócios, tanto na Itália, em especial a CPI sobre a Telekom Sérvia, que denuncia corrupção envolvendo diretamente o governo sérvio de Slobodan Mijalevic, como no Brasil, através de denúncia do deputado do PT, José Eduardo Martins Cardoso, parlamentar ligado ao presidente Lula, que requereu a abertura de inquérito com o objetivo de apurar atos ilegais, corrupção e evasão de divisas na venda de uma empresa, uma ex-estatal, de telefonia ao sul do Brasil. E mais, um dos sócios controladores da Telecom Itália, Emilio Gnutti, está sendo investigado pela Procuradoria de Florença por corrupção no âmbito de uma investigação sobre suspeita de propinas oferecidas à “Guardia di Finanza”, uma espécie de Polícia Financeira na Itália. Pelos fatos descritos na imprensa internacional, a situação de Gnutti é algo mais que complicada.

A linha invisível que parece permanente é a suspeita de uma grande maracutaia, expressão eternizada pelo atual presidente do PT, para indicar que a roubalheira reina no mundo dos ingênuos.

A revista Panorama, de origem italiana, publicou que o deputado Martins Cardoso, em 29 de julho de 2003, levou ao procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, o pedido de investigação. A acusação foi produzida por um membro da comunidade italiana de São Paulo: Piero Marini Garavini e outros membros de um comitê local que representa os italianos no exterior. “Já em dezembro de 2002 tínhamos enviado uma denúncia à procuradoria de Roma”, afirmou Piero Garavini. A mesma documentação foi enviada à comissão de inquérito federal que investiga no Brasil crimes de lavagem de dinheiro proveniente da máfia.

Segundo o deputado Martins Cardoso, “o comportamento da Telecom Italia, de realizar negócios por um valor exorbitante, com finalidades ilegais, não foi um caso inédito, mas um verdadeiro “modus operandi”. Afirma ainda que provas documentais, contundentes, foram incluídas na sua denúncia, às quais também foram cedidas à revista italiana, e pela tamanha semelhança entre os casos, o parlamentar brasileiro propôs colaboração com a Comissão Parlamentar de Inquérito na Itália, que apura o caso Sérvio.

O Brasil pode não ter a máfia, nem a tecnologia dos italianos para driblar a lei. Mas, no campeonato da investigação, da apuração jornalística, a Itália ainda leva vantagem.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!