Registro de publicidade

O "novo" registro das expressões de propaganda e obras publicitárias

Autor

7 de março de 2004, 14h42

Nos últimos meses, ganhou destaque a iniciativa da Associação Brasileira de Propaganda – ABP, ao desenvolver, através de sua Entidade Depositária da Criação de Propaganda, um procedimento de depósito para o registro, informal, de expressões de propaganda que possibilite uma proteção mais segura e palpável para estes sinais distintivos no Brasil.

Os sinais e expressões de propaganda apresentam características próprias e muito peculiares, de modo que até hoje muito se discute sobre a necessidade de se existir, ou não, algum tipo de proteção especial para os mesmos. Ao contrário das marcas, cuja função clássica é de distinguir produtos e serviços, a expressão de propaganda, ou slogan, se propõe a estimular e incentivar o público ao consumo de determinados produto ou serviço. E ao lutar pela criação de uma modalidade de registro informal para tais slogans, o objetivo dos publicitários foi, com certeza, o mais nobre possível : Garantir que seja respeitada a originalidade de jargões tão famosos e atuais como “Experimenta, Experimenta, Experimenta” (Cerveja Nova Schin) a ” Amo muito tudo isso” (McDonalds).

Porem, para examinarmos esta nova modalidade de registro extra-oficial, cuja abrangência não se limita às expressões de propaganda mas inclui, até mesmo, o registro de “conceitos” ou “idéias” publicitárias, entendemos necessário demonstrar as opções que a legislação atual disponibiliza para proteger tais criações, abordar as suas vantagens e desvantagens e, enfim, discorrer sobre a efetiva validade de registros de sinais de propaganda concedidos através da ABP.

A proteção, ontem e hoje.

A Lei 5.772/71 o antigo “Código da Propriedade Industrial”, não apenas definia o conceito de “sinal e expressão de propaganda”, mas também era uma das únicas do mundo que previa uma proteção para os mesmos através de registro específico, nos artigos 2,c, 73 e no Capitulo II, Seção I do referido, e revogado, diploma legal:

Art. 2.° A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial se efetua mediante:

a) concessão de privilégios: de invenção; de modelo de utilidade; de modelo industrial; e de desenho industrial;

b) concessão de registros: de marca de indústria e de comércio ou de serviço; e de expressão ou sinal de propaganda;

c) repressão a falsas indicações de procedência;

d) repressão à concorrência desleal.

Art. 73 “Entende-se por expressão ou sinal de propaganda toda legenda, anúncio, reclame, frase, palavra, combinação de palavras, desenhos, gravuras, originais e característicos que se destinem a emprego como meio de recomendar quaisquer atividades lícitas, realçar qualidades de produtos, mercadorias ou serviços, ou a atrair a atenção dos consumidores ou usuários.”

A Lei 9.279/96, a atual “Lei de Propriedade Industrial”, eliminou de seu bojo as referências existentes à proteção das expressões e sinais de propaganda através do art. 233. Porém, lembre-se que, em nenhum momento, o legislador extinguiu a sua tutela do ordenamento jurídico pátrio. A diferença entre a lei anterior e a atual é, simplesmente, a forma como a proteção das expressões de propaganda está assegurada, pois a Lei 9.279 não apenas indica que uma marca pode ser usada também em propaganda (art. 131) mas também proíbe o registro de signos que sejam apenas utilizáveis como propaganda (art. 124, VII) e, principalmente, deixa claro que o uso não autorizado de expressão de propaganda de terceiro é crime de concorrência desleal (art. 194 e 195, incisos IV e VII).

Neste ínterim, surgiram várias dificuldades de interpretação quanto à correta diferenciação entre marcas e expressões de propaganda, em especial para fins de obtenção do registro marcário. Alguns sinais de propaganda foram, e tem sido, registrados como marca, ao mesmo tempo que alguns pedidos de registro de marcas foram indeferidos pelo INPI por serem considerados “apenas” expressões de propaganda, sem qualquer condão de identificar produtos ou serviços. Isto porquê, na falta de um registro específico e em vista da proibição destacada no 124, VII da Lei 9.279, as expressões de propaganda passaram a ser vistas pela legislação pátria como obras intelectuais publicitárias que são, o que, consequentemente, transferiu sua proteção para a guarita do Direito Autoral.

Note-se que a proteção como matéria autoral traz algumas vantagens para os criadores destes sinais pois, além de seu direito nascer a partir da criação da obra, o mesmo independe de registro e abrange todo e qualquer tipo de utilização, não sendo limitado à produtos ou serviços específicos (tal como ocorre com as marcas).

No entanto, a mudança trazida pela Lei 9.279 pode ter sido benéfica para os criadores e publicitários, mas deixou empresas publicitárias e titulares de direitos patrimoniais sobre as expressões de propaganda em situação muito desconfortável. Os direitos proprietários das pecas de propaganda são, muitas vezes, definidos nos próprios contratos entre empresas publicitárias e seus clientes, enquanto a relação jurídica entre as agências e os autores pessoas físicas, criadores para efeitos da legislação autoral, fica muitas vezes sujeita à termos de cessão de direitos que, quando mal elaborados, que podem levar a enormes e caras discussões judiciais sobre a interpretação e amplitude dos direitos cedidos(1).


E se nos tempos da Lei 5.772 o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) tinha enorme dificuldade para aferir a originalidade e anterioridade de expressões registráveis, nos dias de hoje o estorvo mudou de mãos, e restaram às próprias agências publicitárias poucas opções para comprovar anterioridade e originalidade de modo expresso a não ser criando alguma modalidade de proteção, ainda que informal, para estes sinais distintivos, a fim de tentar escapar das desvantagens trazidas pela proteção autoral.

Riscos de uma proteção apenas autoral para as expressões de propaganda

São justamente as características mais inovadoras e marcantes da legislação autoral brasileira que torna menos atraente a proteção das expressões de propaganda através deste instituto, gerando dificuldades que também são sentidas quando tratamos da proteção das criações publicitárias de modo geral. Como o registro autoral é meramente declaratório, e facultativo para o autor, dúvidas sobre a titularidade de certas criações geram uma desnecessária insegurança jurídica, que se agrava ao lembrarmos que o autor – pessoa física – pode pleitear em juízo seus direitos autorais de natureza moral, inclusive os de retirar uma obra de circulação e pedir vultuosas indenizações. E como a mera reprodução não-autorizada da obra protegida já caracteriza o ato ilícito, independentemente de quaisquer outros elementos, este risco torna-se uma contingência a ser sempre avaliada quando uma empresa contrata a elaboração de criações publicitárias através de acordos sujeitos à legislação autoral brasileira.

No momento em que a Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais) limitou de sobremodo o direito autoral da pessoa jurídica, a única garantia de titularidade que muitas vezes resta às empresas que adquirem uma peça publicitária e pretendem resguardar seu direito de uso sobre as mesmas, inclusive contra possíveis divergências com seus próprios autores, é registrá-las como obra intelectual na Biblioteca Nacional e/ou em cartórios (neste caso, juntamente com o contrato de cessão dos direitos autorais patrimoniais referentes às mesmas).

Ademais, mesmo que uma empresa registre o sinal de propaganda em cartório, e obtenha todas as autorizações necessárias para seu uso através dos autores da obra publicitária em questão, tais procedimentos sequer conseguem evitar possíveis dificuldades para comprovar a anterioridade de uso de uma expressão de propaganda. Muitas vezes, resta à empresa que contratou a criação contar apenas com a data de sua veiculação na mídia, enquanto ao autor sobram elementos de prova – factíveis ou não – para atacar a empresa e a agência publicitária.

A Proteção marcária e concorrencial para as expressões de propaganda

Tendo em vista que muitas empresas se ressentem da falta de uma modalidade de registro para as expressões de propaganda, algumas delas “tentam a sorte” buscando outras modalidades de proteção acessíveis aos slogans, se aproveitando do fato que certos bens intelectuais podem se sujeitar à diversas modalidades de proteção, sem que haja diminuição ou detrimento de seus direitos. Em alguns casos, é possível conseguir êxito registrando uma expressão de propaganda como marca, em especial àquelas que já incorporaram uma função distintiva semelhante a que as marcas possuem, devido ao seu uso perante os consumidores. Afinal, não há na legislação vigente qualquer restrição para a combinação de letras ou palavras que podem ser utilizadas na composição de uma marca.

Outra modalidade de proteção existente para as expressões de propaganda , ainda que indireta, é a da repressão à concorrência desleal, prevista no art. 195 da Lei 9.279. No contexto da concorrência desleal, a proteção dos sinais e expressões de propaganda não foi sequer abalada pela mudança da legislação e a retirada do registro específico de seu bojo. Porém, a adoção desta modalidade de proteção nem sempre é a mais útil para as empresas, pois pressupõe a existência de uma relação de concorrência entre o usuário anterior e o posterior da expressão de propaganda, e que os atos concorrenciais envolvendo referido slogan comprovadamente possam causar erro, dúvida ou confusão perante os consumidores.

Na atual legislação, estas modalidades de proteção estão disponíveis para todos os titulares de expressões de propaganda e continuam aplicáveis, podendo ser utilizadas concomitantemente com a proteção autoral já existente para que, a título exclusivo ou não-exclusivo e apesar das dificuldades já citadas, tais direitos sobre os slogans possam ser tutelados no contexto da Concorrência Desleal ou do Direito Autoral.

O registro da ABP

Como abordamos acima, os sinais de propaganda e as criações publicitárias em geral já são protegidas através de direitos autorais e, em casos específicos, podem receber também proteção através do direito marcário e dos princípios concorrenciais. Porém, na falta de uma proteção mais “amigável” no ordenamento jurídico brasileiro, notadamente nas leis que tutelam os direitos autorais, o registro da Associação Brasileira de Publicidade (ABP) surgiu para proteger a autoria não apenas aos sinais de propaganda, mas também “conceitos”, “idéias” e campanhas publicitárias, no intuito de proteger os investimentos feitos pela agência depositante no desenvolvimento das mesmas, e considerando a inexistência de depósito público específico para fins de proteção da obra publicitária e uma necessidade de valorização e segurança da produção intelectual das agências de publicidade e dos profissionais de área.


Em poucas linhas, o registro na ABP funciona a partir de um requerimento da agência de propaganda cadastrada na ABP para a Entidade Depositária da Criação de Propaganda, com cópias da mesma e termo de cessão de direitos patrimoniais pelos autores da obra ou outra prova de titularidade de seus direitos. O depósito é feito via Internet(2) e o material criado pela agência é sigiloso. O registro é declaratório, sem a expedição de certificados ou qualquer avaliação do material depositado, e é valido por 2 períodos de 6 meses, cabendo renovação. Após um ano, a agência deverá solicitar um novo depósito para garantir a proteção. Caso uma agência de publicidade descubra que outra utilizou elementos criativos de campanha já depositada, a mesma deve acionar a Entidade Depositária, que enviará o material depositado ao CONAR,(3) ou para o Judiciário, para os devidos procedimentos no âmbito daqueles fóruns, aos quais caberá o processo e o julgamento da questão. Estes materiais poderão ser solicitados à ABP a qualquer tempo, por ordem judicial ou a requerimento do próprio interessado.

Ao criar um depósito informal para cadastrar as expressões de propaganda, e também as idéias e conceitos publicitários, a ABP concebeu uma forma de registro paliativa que, mesmo sem validade jurídica, está sendo referendada no meio publicitário e, mesmo que não tenhamos ainda notícia de nenhuma ação judicial onde a existência deste registro foi decisiva, o mesmo acaba “valendo como prova” no meio publicitário, na desconfortável lacuna deixada pela ausência de um registro legal.

Conclusões

Toda forma de expressão criativa desenvolvida em agências de publicidade é, com certeza, objeto de pesados investimentos de tempo e recursos da agência, e de seus profissionais, representando com certeza o ativo mais importante a ser explorado comercialmente pela mesma, que é a criatividade de seus profissionais, e das equipes que forma para atender seus clientes.

A legislação de propriedade industrial não deveria, ao nosso ver, ter abolido de vez o registro dos sinais e expressões de propaganda. Ao expurgar o registro dos mesmos, e repassar sua proteção para a esfera autoral, o legislador com certeza agiu com suas melhores intenções ao colocar as expressões de propaganda no seu “habitat original”, que é entre as obras publicitárias. Afinal, sua função é justamente vender. Porém, este ato criou um inesperado e delicado vácuo que deixa pouco à vontade todas as empresas e agências de publicidade que buscam uma proteção um pouco mais eficaz para seus slogans e outros signos de publicidade.

O registro de expressões de propaganda pela ABP é uma iniciativa polêmica e arrojada. Porém, é necessário lembrar que, sem uma sistemática oficial de registro, não há qualquer garantia perante os Tribunais de que a propriedade de um slogan será reconhecida. Tanto é assim que preferimos interpretar o registro da ABP apenas como um eficiente método de “cadastramento” de obras publicitárias, para fins de aferição de datas de apresentação e de possíveis criadores ou detentores. Afinal, sem as formalidades de um registro oficial e legítimo, é difícil crer que nosso Judiciário , em caso de demanda judicial, reconheça a titularidade de quem se apresente com um registro da ABP quando confrontado com uma outra parte que está embasada em um registro de marca perante o INPI ou mesmo de direito autoral através da Fundação Biblioteca Nacional.

O “cadastramento” das expressões de propaganda merece nosso aplauso, mesmo sendo paliativo e sem efetiva validade jurídica. A atitude da ABP lembra o bom e velho Charles Bronson, que toma a justiça em suas próprias mãos em cada um dos filmes da série “Desejo de Matar”. Para aparelhar devidamente este tipo de evidência, o que seria extremamente benéfico é que as agências de publicidade unam seus esforços para a criação de um registro célere e formal, com emabsamento legal, já que em casos de violação de tais signos, bastaria a existência de um título com eficácia jurídica para o convencimento da titularidade de um slogan.

A propósito, merece ressalva a existência de um Projeto de Lei tramitando no Senado, PLS nº 48, de 2002, do Senador Carlos Bezerra, que visa alterar a Lei nº 9.279, para instituir novamente o registro de expressão ou sinal de propaganda no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Esta pode não ser a melhor opção, mas é algo que merece ser estudado.

Mesmo assim, não podemos deixar de criticar a ABP ao pretender que sua Entidade Depositária da Criação de Propaganda registrar idéia ou conceito publicitário. Visto que a própria Lei 9610, em seu artigo 8º I e VIII ,proíbe claramente que se confira proteção autoral às idéias, conceitos abstratos, bem como para o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras a nosso ver, não podem gozar de qualquer proteção. O que se protege é, isto sim, a expressão destas idéias por qualquer meio ou fixação em qualquer suporte tangível ou intangível.

Em vista do exposto, o que recomendamos é que, sempre que possível, as empresas e agências de publicidade devem analisar se é possível tentar o registro do slogan como marca, ao mesmo tempo em que analisem a possibilidade de registrá-los em cartórios ou como obras intelectuais, no caso através do Escritório de Direitos Autorais da Fundação Biblioteca Nacional. Ainda que meramente declaratório e trazendo poucas garantias, o registro da FBN seja talvez a opção mais adequada nos dias de hoje para os sinais de propaganda, em especial nos casos em que empresa que utiliza o slogan já vislumbra um risco de eventuais atos de concorrência desleal pelo uso indevido da expressão, ou quando uma agência que o criou estiver participando de concorrências, onde existe um risco de vazamento de informação. Só assim, será possível diminuir os riscos a todo o investimento feito no desenvolvimento de obras publicitárias tão marcantes como os sinais de propaganda.

Notas de rodapé

1- São Paulo, 7 de novembro (Portal EXAME) www.exame.com.br – “Mais um problema para o grupo canadense Molson, dono há um ano e meio da Cervejaria Kaiser. Além de enfrentar a concorrência da AmBev e da Schincariol, os canadenses têm de lidar com uma herança indesejável deixada pelos antigos acionistas: um processo, iniciado há três anos e nunca tornado público, por suposto uso indevido do personagem “Baixinho” nas campanhas publicitárias da cerveja. O cartunista e publicitário Wilson José Peron reclama na Justiça, contra a Kaiser e a agência DPZ, os direitos autorais do personagem (Peron é criador do “Bolada”, que teria sido a inspiração do “Baixinho”). No cálculo dos advogados de Peron, a indenização seria em torno de 1 bilhão de reais. Há um mês, uma juíza de São Paulo determinou a realização de perícias para apurar o faturamento da empresa e a freqüência de uso do personagem desde 1989.”

2- http://www.abp.com.br/entidade/index.php

3- Conselho Nacional de Auto – regulamentação Publicitária.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!