Empresa não sofre

Abalo à imagem de pessoa jurídica não deve gerar dano moral

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25 de maio de 2004, 14h38

Atualmente parece pacificado, quase que à unanimidade, a opinião de que a pessoa jurídica sofre dano moral, podendo ser indenizada civilmente pelo prejuízo imaterial. Este entendimento, fundamentado na Constituição Federal, que preceitua que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas e é assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, traz a robusta idéia de que o legislador constituinte incluiu as pessoas jurídicas neste dispositivo, pois o termo “pessoa” está generalizado.

No entanto, nem todos os estudos aprofundados podem resultar nesta singela conclusão. Primeiramente porque a garantia fundamental mencionada inclui o dano material em sua disposição, de forma que não poderia excluir as pessoas jurídicas. Além disso, trata-se de norma principiológica, devendo o caso concreto ser solucionado de acordo com o direito material civil, que podemos analisar de forma sucinta.

Ainda quando a jurisprudência trazia tal discussão de forma acalorada (o que não é nem tão antigo assim), algumas soluções convergiam-se para o entendimento de que a pessoa jurídica deveria ser indenizada por dano moral, em virtude da dificuldade, quiçá impossibilidade, de liquidação de uma condenação por danos emergentes.

Por este motivo, via-se, muitas vezes, empresas que tiveram título judicial constituído, mas que não conseguiram provas suficientes para liquidá-lo e executá-lo, ou seja, no jargão popular, a empresa ganhava e não levava.

Assim, começaram a surgir decisões no sentido, de que a indenização por danos morais é cabível por ser a única forma encontrada pela jurisprudência para que o prejuízo à imagem da pessoa jurídica seja ressarcido.

Seria esta uma solução justa? Se for justa, é legal? De acordo com os princípios norteadores de nossa legislação civil, a solução pode não ser a mais adequada. Isto porque o art. 944 do Código Civil preceitua que “a indenização mede-se pela extensão do dano”.

Vale dizer que, ao contrário do que muitos afirmam, a indenização deve ser proporcional ao dano, não devendo servir como forma de punir o ofensor. A punição será levada em consideração no momento de se arbitrar o valor indenizatório, e não como fim em si mesma.

Isto significa que a indenização por danos morais, na forma da legislação civil, é efetivamente o que se traduz pela sua própria terminologia jurídica, isto é, volver indene, reparar, ressarcir. Conseguiremos distinguir bem a diferença analisando as duas situações: de uma pessoa física e de uma pessoa jurídica.

A indenização por danos morais, no caso de uma pessoa física, não repara o prejuízo. A dor, o sofrimento, o constrangimento, a vergonha, são prejuízos irreparáveis. A indenização por danos morais é um meio de compensar a vítima, impingindo-lhe a alegria necessária para que o sofrimento seja compensado. Por isso a razão de ser do disposto do Código Civil, impondo a proporcionalidade da indenização ao dano.

Com relação à pessoa jurídica, essa comparação perde um pouco o sentido. Primeiro porque as pessoas jurídicas não possuem os sentimentos de dor inerentes do ser humano (e nem há discussão sobre isso). Assim, não há que se falar em compensar a pessoa jurídica com alegria. Indenizar como forma de punir o ofensor também não é cabível, por não encontrar fundamento legal.

A sustentação hodierna para a indenização por danos morais à pessoa jurídica está no abalo de crédito ou no abalo da imagem da empresa. Mas devemos analisar: qual o prejuízo que uma empresa sofre com tais abalos? A resposta não é difícil, pois tais abalos ensejam a perda de negócios, a perda de clientes, diminuição das vendas e objeções para a concessão de crédito.

Como se vê, não são poucos os prejuízos e nem insignificantes. Mas estariam estes prejuízos no campo do direito imaterial? A perda de clientes, vendas, negócios e crédito trazem efeitos exclusivamente materiais e podem ser efetivamente comprovados processualmente.

Os objetivos de uma pessoa jurídica (exceto aquelas com fins filantrópicos) são os lucros, as vendas, a penetração no mercado e o aumento de negócios. Toda empresa, por maior que seja, pode ter sua imagem abalada, sabendo o empresário que este é um risco que a empresa corre a cada dia. Para que isso não ocorra, deve a empresa zelar pela qualidade de seus produtos e/ou serviços. Se essa qualidade for deixada de lado e, consequentemente, houver abalo à imagem da empresa, seu prejuízo será exclusivamente material.

O abalo à imagem da empresa, causado por ato ilícito de terceiro, é diferente?

Negativo. O terceiro que abala a imagem da empresa acaba gerando os mesmos prejuízos, sempre de cunho material. Por que então indenizar uma pessoa jurídica em valor arbitrado judicialmente, a critério exclusivo do juiz? Por que indenizá-la sob o título de dano moral? O instituto da indenização compensa o prejuízo daquele que sofre a dor íntima (danos morais), ressarce aquele que teve efetivo prejuízo material (dano material) e paga aquele que deixou de ganhar com o ato ilícito do ofensor (dano emergente).

Parece muito claro que a indenização por danos morais que a jurisprudência vem acolhendo em prol das pessoas jurídicas se enquadra perfeitamente na hipótese de dano emergente, de forma que não é nenhum absurdo jurídico reabrir a discussão sobre a impossibilidade de se indenizar pessoas jurídicas por danos morais, sendo injusto e, o que é mais grave, ilegal, o singelo entendimento de que o simples abalo à imagem da pessoa jurídica gera dano moral.

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