Governo Eletrônico

É preciso pensar em uma nova perspectiva de organização social

Autor

  • Hugo Cesar Hoeschl

    post doc em governo eletrônico professor da UFSC. É também ex-secretario de Geração de Oportunidades de Florianópolis. Especialista em Informática Jurídica doutor em Inteligência Aplicada e pós-doutor em Governo Eletrônico. Ex-Promotor de Justiça e ex-Procurador da Fazenda Nacional.

21 de maio de 2004, 18h19

Maquiavel (1469 – 1527) foi um dos mais destacados pensadores da história da humanidade e um dos maiores nomes da ciência política em todos os tempos. É cercado de polêmicas sobre sua obra, sua vida pessoal, e seu pensamento. Ainda hoje se discute (muito) as suas reais intenções ao escrever “O Príncipe”, a mais popular de suas obras, a qual despertou novas manieras de se ver, avaliar e diagnosticar o Poder Político.

Mas o que está acontecendo nos dias atuais, onde o cenário do Poder Político está ficando “tecnológico” e “eletrônico”, e como Maquiavel faria diagnósticos nos tempos atuais?

Estamos vivendo uma espécie de “retorno à barbárie”, em alguns aspectos. No âmbito econômico, por exemplo, um desequilíbrio irracional de concentração de renda entre as classes está gerando fome, miséria e desemprego, como nunca se viu. No aspecto social, as diferenças geradas estão constituindo desigualdades excessivas. No plano ambiental, as alterações provocadas por nós estão fazendo o planeta e a natureza reagirem de forma alarmante, despertando um elevado receio sobre as conseqüências mais graves que podem surgir. Da mesma forma, a falta de cuidado com as aplicações da tecnologia tem provocado, diariamente, diversos acidentes fatais no mundo todo, nas rodovias, nos hospitais, nos trens e aviões, etc.

Ou seja, algumas coisas estão se desorganizando e a humanidade está perdendo o controle sobre alguns pequenos problemas diários da atualidade, inseridos trivialmente na “margem de erro” organizacional. Ocorre que pequenos problemas ligados a grandes atividades, desenvolvidas em larga escala, com grandes concentrações de pessoas ou de equipamentos ou ainda de informações, acarretam, comumente, incidentes de grandes proporções. Um pequeno problema técnico em uma rede bancária pode causar grandes alterações nas bolsas de valores, gerando uma crise econômica artificial. Um pequeno problema em um projeto aeronáutico pode, anos depois, derrubar um avião e matar dezenas de pessoas. Um pequeno problema de manutenção nos freios de um trem pode causar uma colisão e, igualmente, matar dezenas de pessoas. Um pequeno problema em um único navio petroleiro pode provocar um derramamento de material apto a dizimar populações animais inteiras, em determinadas regiões.

No plano do pensamento político e folosófico, estamos, hoje, diante de um momento delicado, um hiato que gerou um declínio na consciência crítica humana, visto que “a situação após 1950 é de decadência manifesta na criação espiritual. Na filosofia, a interpretação e o comentário textuais e históricos dos autores do passado desempenham o papel de substitutos do pensamento”, conforme assertiva de CASTORIADIS.

De fato, tal situação de degradação é marcante, não se restringindo ao contexto filosófico, eis que, “considerado posteriormente, do ponto de vista em que podemos nos situar no final dos anos 80, o período subseqüente a 1950 caracteriza-se sobretudo pela evanescência do conflito social, político e ideológico”, conforme o mesmo autor.

Esse fenômeno, que podemos chamar de “envelhecimento da modernidade” aponta conseqüências de peso. Porém, é necessário dizer do que se trata, a que instituto estamos aludindo quando surge menção à modernidade. Nas palavras de ROUANET, há uma definição – claramente inspirada em WEBER – afirmando que “como se sabe, para Weber a modernidade é o produto do processo de racionalização que ocorreu no Ocidente, desde o final do século XVIII, e que implicou a modernização da sociedade e a modernização da cultura”.

Mas a modernidade não é mais contemporânea, e “há quase quarenta anos, Adorno escreveu que ‘das Moderne ist wirklich unmodern geworden’ (o moderno ficou fora de moda). Na época, isso era um paradoxo. Hoje, parece ter se tornado uma realidade banal. A dar crédito a artistas, críticos e escritores, estamos vivendo um período pós-moderno”, conforme afirma o mesmo pensador.

Mas se a modernidade “acabou”, quais são os referenciais substitutivos e orientadores das reflexões subseqüentes? Ainda citando ROUANET, “a pós-modernidade se manifestaria, inicialmente, no plano do mundo vivido (Lebenswelt), através de um novo cotidiano, qualitativamente diferente do que caracterizava a modernidade. É um cotidiano em que a máquina foi substituída pela informação, a fábrica pelo shopping center, o contato de pessoa a pessoa pela relação com um vídeo”.

A máquina, a informação e o vídeo passam a assumir uma posição de auxiliares do questionamento sobre a existência humana, tendo em vista, sobretudo, o fato de que aquilo que vem depois do “moderno” resume essencialmente um questionamento e uma forte crítica à modernidade, destacando-se que, ainda na visão de ROUANET, “há uma consciência de que a economia e a sociedade são regidas por novos imperativos, por uma tecnociência computadorizada que invade nosso espaço pessoal e substitui o livro pelo micro, e ninguém sabe ao certo se tudo isso anuncia uma nova Idade Média ou uma Renascença”.

Mais do que nunca, o resgate do projeto das autonomias pode constituir importante ponto de equilíbrio desse contexto, como identificou CASTORIADIS, no sentido de que “a autonomia é, portanto, o projeto – e agora estamos ao mesmo tempo no plano ontológico e no plano político – que visa, no sentido amplo, ao nascimento do poder instituinte e sua explicitação reflexiva (que sempre só podem ser parciais)”.

Isso nos faz pensar em uma nova perspectiva de organização social, calcada na comunicação rápida, no raciocínio sensorial e emocional e no esgotamento do modelo literal-racional. Estamos falando da superação da linguagem natural, de diabólicos mecanismos de armazenagem de dados, da comunicação multimídia, da realidade virtual e de outras formas de ver e sentir o mundo.

Quando Maquiavel escreveu “O Príncipe”, a humanidade não possuía capacidade tecnológica de autodestruição. Por outro lado, também não possuía a capacidade de se defender das grandes agressões da natureza (como os meteoros gigantes). Da mesma forma, não possuía a habilidade de comunicação e geração de conhecimento que hoje possui.

Diante disso, quais seriam os conselhos que ele prescreveria nos dias de hoje, para o “Príncipel Digital”?

Referências

CASTORIADIS, Cornélius. O mundo fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1992.

ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Cia das Letras, 1987.

WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: Fabris, 1994.

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