Sabor da Paixão

Globo é condenada por divulgar celular em novela Sabor da Paixão

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19 de maio de 2004, 18h58

A operadora de telemarketing, Maria Aparecida de Almeida Deales, foi confundida com a atriz Carolina Ferraz e detestou. O número do celular dela foi divulgado na novela da TV Globo, Sabor da Paixão, como se fosse o da personagem Clarissa — uma bem-sucedida advogada interpretada por Carolina Ferraz.

O telefone de Maria Aparecida, desde então, passou a tocar constantemente. “Chegava a receber 70 ligações por dia na época. Até hoje ainda atendo telefonemas de pessoas procurando pela atriz”, disse a operadora de telemarketing em entrevista à revista Consultor Jurídico.

Ela entrou na Justiça contra a emissora por danos morais e materiais e ganhou o primeiro round parcialmente. O juiz Rodrigo Marzola Colombini, da 6ª Vara Cível Central de São Paulo, mandou a TV Globo pagar R$ 4.800 para a operadora de telemarketing.

Maria Aparecida foi representada pela advogada Adriane dos Reis, que pediu R$ 100 mil por danos morais e materiais. A Justiça de primeira instância atendeu somente o pedido de danos morais.

A advogada estuda a possibilidade de recorrer para que seja aceito o pedido de danos materiais. “Afinal, ela não conseguia trabalhar porque seu telefone não parava de tocar”. A emissora ainda pode questionar a sentença.

A psicóloga da operadora de telemarketing foi uma das testemunhas no processo e contou que Maria Aparecida ficou abalada emocionalmente com os insistentes telefonemas.

Leia a sentença:

PODER JUDICIÁRIO

SÃO PAULO

AUTOS nº 03.016389-7 – 6ª VARA CÍVEL CENTRAL DA CAPITAL

VISTOS.

MARIA APARECIDA DE ALMEIDA DEALES move a presente ação de indenização por danos materiais e morais contra TV GLOBO LTDA., aduzindo, em síntese, que teve o seu número de telefone celular (xxxxxxx) indevidamente exposto na novela “Sabor da Paixão”, veiculada pela ré em cadeia nacional. Diz que, naquela novela, o número supostamente pertencia à personagem da atriz Carolina Ferraz. Salienta que, a partir de então, passou a receber grande número de ligações telefônicas de terceiros, inclusive durante a noite. Com tais fundamentos, pede a procedência do pedido. Junta documentos.

A inicial foi aditada a fls. 21/22 e 24/25. A fls. 29 foi deferida a gratuidade da justiça à autora.

Citada, a ré apresentou contestação a fls. 44/56, com preliminares. No mérito, sustenta que o ocorrido deve ser qualificado juridicamente como mera coincidência, incapaz de gerar qualquer dano indenizável. Salienta que a telenovela é obra de ficção. Impugna os danos materiais e morais pleiteados. Com tais fundamentos, requer o julgamento de improcedência do pedido.

Réplica a fls. 58/61.

Por decisão saneadora de fls. 62/63, foram apreciadas e afastadas as preliminares argüidas, assim como deferidas as provas oral e documental. Na oportunidade, foram igualmente fixados os pontos controvertidos. A ré providenciou a juntada da cópia de fita do capítulo da novela a fls. 72/73. A fls. 81 consta o ofício da empresa de telefonia. Em regular audiência de instrução (termo de audiência de fls. 82/83), foi colhido o depoimento pessoal da autora, assim como ouvidas duas testemunhas arroladas por ela. Na oportunidade, foi igualmente encerrada a instrução e as partes já apresentaram debates orais (termo de audiência de fls. 82/83).

É o relatório.

FUNDAMENTO e DECIDO.

As preliminares já foram apreciadas e afastadas na decisão saneadora de fls. 62/63. Na oportunidade, foram igualmente fixados os pontos controvertidos, nos seguintes termos: “a suposta menção do número de telefone celular da autora na novela, bem como o alegado grande número de chamadas ocorridas a partir de então. Fixo, igualmente, como pontos controvertidos os pretendidos danos morais e materiais da autora”.

Diante da prova documental e oral colhida, impositiva a parcial procedência do pedido.

Com efeito, devidamente comprovado através da prova oral e fita de fls. 72/73 que a autora teve o seu número de telefone celular indevidamente exposto em novela exibida pela ré. Referido número era vinculado, naquela novela, à personagem da atriz Carolina Ferraz.

A prova oral igualmente demonstra ao juízo que, a partir de então, a autora passou a receber grande número de ligações de terceiros, exatamente procurando a personagem da atriz Carolina Ferraz.

Além do grande número de ligações, tais ocorriam inclusive durante a noite.

Conforme relataram as duas testemunhas ouvidas, a autora sequer podia deixar o aparelho de celular ligado, pois as ligações eram contínuas e ininterruptas. Ressaltaram também que a própria caixa postal da autora permanecia constantemente lotada, diante daquelas ligações de terceiros procurando a atriz Carolina Ferraz. Finalmente, declararam que referidas ligações permaneceram por aproximadamente três meses.

Ora, em razão da negligência da requerida, ao indevidamente veicular em cadeia nacional o número de telefone celular da autora, foi essa exposta a constrangimentos e aborrecimentos. Aquela “infeliz coincidência” (como a ré singelamente pretende seja qualificado o ocorrido) com o número do celular foi capaz de gerar dano moral indenizável à autora.

A testemunha ALZIRA é psicóloga da autora e declarou em juízo que esta permaneceu muito abalada emocionalmente naquele período, em razão da conduta culposa da ré. Neste mesmo sentido, aliás, o depoimento da outra testemunha MARIA ALICE, bem como relatório psicológico de fls. 13.

Como é cediço, os danos morais são caracterizados pela privação ou diminuição de valores precípuos na vida das pessoas, como paz, tranqüilidade de espírito, liberdade individual, integridade física e honra, entre outros.

Os quais estão suficientemente visualizados no caso em apreço, como acima ressalvado. Feitas tais considerações, passo à fixação do montante devido.

O arbitramento da condenação a título de dano moral deve operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial/pessoal das partes, suas atividades comerciais e, ainda, o valor do negócio, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se da experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente, à situação econômica atual e às peculiaridades do caso concreto.

Considerando os elementos acima discriminados, estipulo a indenização pelo réu no valor de R$ 4.800,00, correspondente a 20 salários-mínimos atuais. Valor inferior certamente em nada puniria a conduta lesiva, sempre com vistas à denominada “Teoria do Desestímulo”.

Contudo, igualmente o arbitramento de valor superior, sob pena de enriquecimento indevido da autora.

Neste sentido:

“INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. ARBITRAMENTO. CRITÉRIO. JUÍZO PRUDENCIAL.

A indenização por dano moral é arbitrável, mediante estimativa prudencial que leva em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa” (Apelação Cível nº 198.945-1, 2ª Câmara do E. TJSP, rel. Dês. César Peluzo, j. 21.12.93, JTJ 156/96).

Como a dor não se mede monetariamente, a importância a ser paga terá de submeter-se a “um poder discricionário”, mas segundo “um prudente arbítrio dos juízes da fixação do quantum da condenação, arbítrio esse que emana da natureza das coisas”. E concluía o douto Dês. AMÍLCAR DE CASTRO: “Causando o dano moral, fica o responsável sujeito às conseqüências de seu ato, a primeira das quais será essa de pagar uma soma que for arbitrada, conforme a gravidade do dano e a fortuna dele, responsável, a critério do Poder Judiciário, como justa reparação do prejuízo sofrido, e não como fonte de enriquecimento” (Ver. Forense 93/529).

Recomendava, ainda, o mesmo decisório que a condenação fosse ao pagamento do “que for arbitrado razoavelmente”, porque não se trata de “enriquecer um necessitado” nem de “aumentar a fortuna de um milionário”, mas apenas de “impor uma sanção jurídica ao responsável pelo dano moral causado” (Ver. Forense 93/530).

Se de um lado se aplica uma punição àquele que causa dano moral a outrem, e é pó isso que se tem de levar em conta a sua capacidade patrimonial para medir a extensão da pena civil imposta; de outro lado, tem-se de levar em conta a situação e o estado do ofendido, para medir a reparação em face de suas condições pessoais e sociais. Se a indenização não tem o propósito de enriquecê-lo, tem-se que lhe atribuir aquilo que, no seu estado, seja necessário para proporcionar-lhe apenas a obtenção de “satisfações equivalentes ao que perdeu”, como lembra MAZEAUD et MAZEAUD (Responsabilité civile, vol. I, nº 313, apud CAIO MARIO, Responsabilidade civil, 2ª ed., Rio, Forense, 1990, nº 40, págs. 63-64)”.

Feitas todas estas considerações e parâmetros, tenho como justo entre as partes a fixação do dano moral sofrido pelo autor em R$ 4.800,00 valor este correspondente a 20 vezes o atual salário mínimo (R$ 240,00).

Improcede, contudo, o pedido de indenização por danos materiais (lucros cessantes referentes aos períodos em que a autora teve que atender às ligações de terceiros).

Como ressalvado, este foi um dos pontos controvertidos fixados pelo juízo (cf. decisão saneadora de fls. 62/63).

Mas a autora não logrou êxito em comprová-lo. Muito menos o valor estimado (R$ 1.000,00).

Neste aspecto, assim, o pedido improcede.

POSTO ISSO e considerando o que mais dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido e CONDENO a ré TV GLOBO LTDA. no pagamento de indenização por danos morais à autora, no importe de R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais), devidamente corrigida a partir desta data e com juros legais de 1% ao mês, na forma do artigo 406 do Novo Código Civil c/c artigo 161, § 2º do Código Tributário Nacional, desde a data da citação.

Ante a reciprocidade na sucumbência, cada parte arcará com o pagamento das respectivas custas e despesas processuais, assim como honorários dos respectivos patronos, observada a gratuidade da justiça da autora (cf. decisão de fls. 29), na forma do artigo 12 da Lei nº 1.060/50.

P.R.I.C.

São Paulo, 28 de abril de 2.004.

RODRIGO MARZOLA COLOMBINI

— Juiz de Direito —

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