Viagem desmarcada

Leia a decisão que garante a permanência de Larry Rohter no país

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14 de maio de 2004, 15h09

Em sua decisão de conceder o salvo-conduto ao jornalista americano Larry Rohter, o ministro Peçanha Martins, do Superior Tribunal de Justiça, não entrou no mérito do cancelamento do visto pelo Ministério da Justiça.

Segundo o ministro, no “Estado Democrático de Direito não se pode submeter a liberdade (de ir e vir de um estrangeiro, por exemplo) às razões de conveniência ou oportunidade da Administração.

Peçanha Martins afirmou que o ato administrativo oficial de cancelamento do visto não consta dos autos. Só constam alegações e recortes de jornais. Assim, garantiu a permanência do jornalista no Brasil até que o mérito seja apreciado.

O Ministério da Justiça tem 72 horas para apresentar os documentos solicitados por Peçanha Martins. A Advocacia-Geral da União informou, em nota oficial, que não vai recorrer da decisão do STJ.

O governo decidiu cancelar o visto de Larry Rohter na terça-feira (11/5), depois de o correspondente ter assinado reportagem no The New York Times sobre o hábito do presidente Lula de ingerir bebidas alcoólicas.

Leia íntegra da decisão:

HABEAS CORPUS Nº 35.445 – DF (2004/0066761-3)

RELATOR: MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS

IMPETRANTE: SÉRGIO CABRAL

IMPETRADO: MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

PACIENTE: WILLIAM LARRY ROHTER JÚNIOR

DECISÃO

Trata-se de “habeas corpus” requerido pelo Senador Sérgio Cabral em favor de William Larry Rohter Júnior, contra ato do Ministro interino da Justiça que cancelou o visto do paciente, repórter do jornal “The New York Times”, por haver publicado matéria jornalística noticiando que o Presidente da República faria uso de bebida alcoólica.

Reproduzo o texto da nota do Ministro publicada pelo jornal “O Globo” de hoje, dia 12.5.2004, transcrita às fls. 3 dos autos.

“Em face da reportagem leviana, mentirosa e ofensiva à honra do presidente da República Federativa do Brasil, com grave prejuízo à imagem do país no exterior, publicada na edição de 9 de maio passado do jornal “The New York Times”, o Ministério da Justiça considera, nos termos do artigo 26 da Lei 6815, inconveniente a presença em território nacional do autor do referido texto. Nessas condições, determinou o cancelamento do visto temporário do senhor William Larry Rohter Júnior”.

Funda-se o Requente no art. 5º, incisos IV, IX e LII, da Constituição, pedindo seja concedida ordem liminar de “habeas corpus”, para suspender “os efeitos do ato violador da liberdade de locomoção no Brasil, a fim de fazer cessar o constrangimento ilegal praticado pela autoridade coatora”, requerendo a final a concessão da ordem em definitivo após o trâmite legal.

É o relatório.

DECIDO

O Brasil é um Estado Democrático de Direito e o Presidente da República contribuiu com intensa participação política para a instauração da democracia plena no País e se conduz com honra e dignidade.

A imprensa é um dos pilares fundamentais da democracia e “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, nos precisos termos do art. 5º, inciso IX, da Constituição.

“A imprensa”, disse Rui Barbosa, “é a vista da nação” e “o jornalista às mais das vezes é isto; um refletor da luz que vem do público, dos sentimentos populares do meio que o cerca”. (“in” Laudelino Freire, Ruy, pág. 38, Ed. Casa de R.B., 1958 e Obras Completas, vol. XXIX, tomo V, pág. 186, respectivamente).

O fato é que o paciente, jornalista estrangeiro, teve cancelado o visto de permanência no País, por ter assinado reportagem dita leviana, mentirosa e ofensiva à honra do Presidente da República Federativa do Brasil, publicada no “The New York Times”.

Poderia o Ministro da Justiça fazê-lo?

O ato de concessão ou revogação de visto de permanência no país de estrangeiro, em tese, está subordinado aos interesses nacionais (art. 3º da Lei nº 6.815/80). O visto é ato de soberania.Pergunto-me, porém, se uma vez concedido poderá ser revogado pelo fato do estrangeiro ter exercido um direito assegurado pela Constituição, qual o de externar a sua opinião no exercício de atividade jornalística, livre de quaisquer peias? Estaria tal ato administrativo a salvo do exame pelo Judiciário?

Neste caso penso que não. É que no Estado Democrático de Direito não se pode submeter a liberdade às razões de conveniência ou oportunidade da Administração. E aos estrangeiros, como aos brasileiros, a Constituição assegura direitos e garantias fundamentais descritos no art. 5º e seus incisos, dentre eles avultando a liberdade de expressão. E dúvidas não pode haver quanto ao direito de livre manifestação do pensamento (inciso IV) e da liberdade de expressão da atividade de comunicação, “independentemente de censura ou licença”(inciso IX).

Mas dos autos só constam alegações e notícias publicadas em jornais. Não acompanha a inicial a reprodução do ato administrativo e entendo necessário conhecer as razões que o determinaram.

Urge, porém, assegurar ao paciente, cujo pleito vejo revestido da fumaça de bom direito, a plena eficácia das garantias constitucionais, pelo que lhe defiro salvo-conduto até decisão do feito, nos termos do art. 201, IV, do RISTJ.

Oficie-se ao Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça comunicando a decisão e requisitando informações no prazo de 72 (setenta e duas) horas.

Publique-se e intime-se.

Brasília (DF), 13 de maio de 2004.

MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS

Relator

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