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STF amplia entendimento sobre punição em crime tributário

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13 de maio de 2004, 16h39

Processados por falta de pagamento de tributos têm a punição extinta caso quitem suas dívidas antes que a Justiça receba a denúncia, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Agora, o benefício foi ampliado.

Em julgamento recente, o STF entendeu que a possibilidade da extinção da punibilidade se estende até mesmo quando as dívidas tributárias são quitadas antes da edição da sentença. Mesmo que a denúncia já tenha sido recebida pela Justiça.

A decisão foi tomada pela 1ª Turma do STF. O ministro Cezar Peluso foi indicado para relatar o acórdão. Na ocasião, o ministro Sepúlveda Pertence reconsiderou seu entendimento.

Em seu voto, Peluso citou doutrina segundo a qual “sempre que houver pagamento, independentemente de ser o momento final do parcelamento, extinta estará a punibilidade e, agora, sem limite temporal, isto é, sem que o recebimento da denúncia inviabilize o efeito jurídico-penal do pagamento integral do tributo”.

Com a decisão, foi considerada extinta a punibilidade e concedido Habeas Corpus contra entendimento anteriormente firmado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Leia a íntegra do voto do ministro Cezar Peluso

16/12/2003 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 81.929-0 RIO DE JANEIRO

VOTO VISTA

MINISTRO CEZAR PELUSO

1.Os impetrantes atacam aresto do Superior Tribunal de Justiça, argüindo, em síntese, nulidade do julgamento em virtude de entrave à realização de sustentação oral e, no mérito, insurgem-se contra avaliação dos antecedentes para efeito da prisão contra o ora paciente decretada.

2.Pedi vista dos autos para melhor exame de ambas as increpações e, ao fazê-lo, deparei com questão preliminar que, a meu juízo, prejudica a análise dos fundamentos do pedido.

3.Os impetrantes aduziram, à inicial, ter sido o débito quitado antes da edição da sentença que condenou o ora paciente. Deveras, do apenso consta cópia incontroversa da guia de recolhimento do tributo e de seus acessórios, cujo pagamento se deu em 24 de novembro de 1998 (doc. nº 14, fls. 61). Por confirmar o acerto da decisão do Plenário no HC nº 81.611 (rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), sublinho que a impugnação administrativa do auto de infração e lançamento acabou por reduzir o débito de 899.321,81 para 10.122,87 UFIR, ou seja, reduziu-o em 97% (!), tornando possível ao paciente quitar a dívida e assoalhar a magnitude do desacerto da autuação.

4.É de recordar que, na época – 1998 -, os efeitos penais do pagamento do tributo estavam regidos pelo disposto no art. 34 da Lei nº 9.249/95, que previa a extinção da punibilidade mediante o pagamento, só quando fosse este realizado até o recebimento da denúncia. Daí, não terem os impetrantes postulado desde logo a extinção da punibilidade, por falecer-lhe tal direito ao paciente, ao tempo da impetração.

Ocorre que, em 30 de maio do presente ano, veio a lume a Lei nº 10.684, a qual, no art. 9o, deu nova disciplina aos efeitos penais (do parcelamento e) do pagamento do tributo, nos casos dos crimes descritos nos arts. 1o e 2o da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal:

“Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios” (grifei).

Pondera, então, a doutrina:

“uma leitura apressada, feita sob a ótica da disciplina do antigo Refis, do novo § 2o do artigo 9o poderia levar à crença de se tratar de norma que faz referência ao momento final do parcelamento, ou seja, que o final do parcelamento, implicando em pagamento, levaria à extinção da punibilidade. Sim, o entendimento está correto, mas o dispositivo diz mais que isto. Em nosso entender, o dispositivo pode perfeitamente ser interpretado de forma a permitir que sempre que houver pagamento, independentemente de ser o momento final do parcelamento, extinta estará a punibilidade e, agora, sem limite temporal, isto é, sem que o recebimento da denúncia inviabilize o efeito jurídico-penal do pagamento integral do tributo.

Esta interpretação se assenta em dois fundamentos. Primeiro deles: na disciplina anterior (do Refis), o § 3o expressamente atrelava a extinção da punibilidade ao pagamento das parcelas do parcelamento, verbis: “Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal” (grifamos). A nova disciplina é bem diferente sob este aspecto, confira-se: “Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios” (art. 9o, § 2o). O segundo deles reside na questão da igualdade: se o agente pode, a qualquer momento, parcelar o débito, suspendendo a punibilidade que, ao cabo do parcelamento, será extinta, com maior razão a mesma extinção deve atingir aquele que opta por, num só ato, pagar integralmente o débito.

Tal qual ocorre relativamente ao parcelamento, a nova disciplina dos efeitos jurídico-penais do pagamento, por ser mais benéfica, retroage atingindo todos os cidadãos que se encontrem nesta situação, não importando, igualmente, o estágio processual (art. 5o, XL, CF, art. 2o, CP)” (HELOÍSA ESTELLITA, “Pagamento e Parcelamento nos Crimes Tributários: a Nova Disciplina da Lei n. 10.684/03”, in Boletim IBCCRIM, SP, set. 2003, p. 2-3).

A nova disciplina, evidentemente mais benéfica ao réu, retroage para alcançar o presente caso (art. 5o, XL, da Constituição Federal), impondo à Corte o dever de outorgar de ofício a ordem, nos termos do art. 61, caput, do Código de Processo Penal:

“Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício”.

4.Por tais razões, concedo habeas corpus de ofício, para declarar extinta a punibilidade do crime imputado ao paciente, em virtude do pagamento do tributo e acessórios na forma prevista pelo art. 9o, § 2o, da Lei nº 10.684/03.

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